CONCLUSÃO
Nossos legisladores e julgadores, por tudo que temos acompanhado, parecem pouco dispostos e nem um pouco convencidos a resolver o problema da embriaguez ao volante com alguma eficiência e perspicácia, vez que muitos fazem parte deste enorme contingente de infratores. A conduta constitui uma das mais graves causas de acidentes de trânsito com resultado morte, onde os anais das delegacias de polícia “retratam ocorrências de acidentes insólitos, como de veículos que se precipitam sobre pedestres que aguardam em paradas de ônibus, ou que caminham nas calçadas e locais a ele destinados” (RIZZARDO: 2010, p. 389). Se o Brasil ainda estuda as medidas para conter a finalística insanidade mental dolosa de nossos condutores, o mesmo efeito “catastrófico do álcool vem forçando os países a reduzir continuamente os limites de alcoolemia na condução de veículos, como na Inglaterra e Estados Unidos, onde é zero o nível máximo tolerado (RIZZARDO: 2010, p. 389).
Enquanto se discute os meios de prova, enquanto a lei não é bem escrita, enquanto os julgadores, por vezes, se convencem e tentam nos convencer de que não podem enfrentar a lei ineficaz, os milhares de vítimas de trânsito e seus familiares, aguardam estarrecidos a incapacidade do Estado Brasileiro em regular adequadamente uma lei para a qual todos nós da sociedade já temos a solução. A isso, historicamente, chamamos de Biopolítica, ou a política de Estado, elaborada por quem se importa por política, e entende muito pouco de sociedade. Conforme Bobbio (2006, p. 27):
Com a formação do Estado moderno, ao contrário, a sociedade assume uma estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em primeiro lugar aquele de criar o direito: não se contenta em concorrer para esta criação, mas quer ser o único a estabelecer o direito, ou diretamente através da lei, ou indiretamente através do reconhecimento e controle das normas de formação consuetudinária. Assiste-se, assim, àquilo que em outro curso chamamos de processo de monopolização da produção jurídica por parte do Estado.
Sendo a matéria penal do século XXI a ultima ratio dentro do Direito, a prisão vem sendo considerada, e acertadamente, como a ultima ratio da ultima ratio. Dentro da melhor dogmática, Direito Penal mínimo e garantismo, bases de um sistema democrático e moderno, afirmo que se outros ramos do Direito podem resolver certas questões sociais, não entendo a necessidade de uma conduta ser apreciada pelo Direito Administrativo e Penal com tamanha contrariedade e ineficiência.
Já que a jurisprudência e a doutrina entendem que as provas em processo administrativo passam por um crivo de conhecimento mais célere de convencimento e certeza, julgo que a melhor alternativa para a violência no trânsito seja a exclusão do âmbito do Direito Penal de toda e qualquer conduta criminosa contida no Código de Trânsito. Se o Código Penal Brasileiro, como em todos os países, já prevê o crime de homicídio e de lesão corporal, dentre outros, porque uma lei administrativa precisa estatuir condutas penais de mesma natureza? Se alguém mata ou lesiona outra pessoa, o que deve ser avaliado é a conduta e o meio utilizado para realizá-la, não importa se o autor se utilizou de uma faca, de uma arma, de uma pedra, de um pedaço de pau, de um empurrão ou de um veículo. A intensidade e a gravidade da embriaguez que interessa ao processo penal, voluntária, caso fortuito ou força maior, não interessa ao processo administrativo.
O que precisamos é de um Código de Trânsito Brasileiro mais gravoso e eficiente, mas que se preocupe, exclusivamente, com infrações administrativas de trânsito e não penais, disponibilizando aos agentes e às autoridades de trânsito, instrumentos inibidores que permitam controlar, em via pública ou privada, o fluxo de pedestres, animais e de veículos. Ao juiz, apoiado pela Medicina legal, de acordo com o Código de Processo Penal, cabe decidir sobre a prática de infrações penais e a aplicação de uma sentença justa, à autoridade administrativa, o poder de autuar, multar, apreender, confiscar, suspender, cancelar e cassar carteiras de habilitação e veículos de autores que insistem em contrariar as regras que garantem um ambiente de paz social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Notas
[1] Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.
[2] Art. 8º - Garantias judiciais:
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
[3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
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LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;