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A proporcionalidade do aviso prévio (Lei n° 12.506/2011) e sua não aplicação a favor da classe patronal

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O aviso prévio, na versão proporcional ora regulamentada, é direito do empregado. Se a norma também se dirigisse ao tempo de aviso prévio devido pelo empregado ao empregador, haveria retrocesso social.

A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 7°, inciso XXI, que constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (caput), o “aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”. Mais à frente, em seu parágrafo único, o mesmo dispositivo constitucional, expressamente, assegura à categoria dos trabalhadores domésticos esse especial direito trabalhista.

Perceba-se, inicialmente, que essa alvissareira proporcionalidade do aviso prévio, ventilada pela Magna Carta, ficou na dependência direta de uma intervenção do legislador, que recebeu o específico encargo de elaborar lei que regulamentaria a forma como essa proporcionalidade, em concreto, deveria ser implantada. Na esteira da clássica doutrina de José Afonso da Silva, o inciso XXI do art. 7° da Constituição Federal, no tocante à regra da proporcionalidade, constituía uma típica hipótese de norma constitucional de eficácia limitada, na medida em que sua efetiva aplicação prática ficara mesmo por completo dependente da atuação do legislador infraconstitucional.

Eis que, agora, após longos 23 anos de silêncio legiferante, exsurge, enfim, em 11 de outubro de 2011, a Lei n° 12.506/2011, que, segundo sua ementa, “dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências”. Seu texto, publicado no DOU de 13 de outubro de 2011, é formado por apenas dois artigos, in verbis:

“Art. 1º. O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1º de maio de 1943, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa. Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias. Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

É certo que a Lei n° 12.506/2011 veio à lume com o claro propósito de suprir aquela inquietante omissão do legislador, quanto ao seu dever de regulamentar a proporcionalidade do aviso prévio, tal qual disposta no inciso XXI do art. 7° da Constituição Federal. Por consequência, representa importante fator de melhoria da condição social dos trabalhadores brasileiros.

Desse modo, a ratio da novel legislação, a par mesmo de sua própria literalidade (art. 1º - “O aviso-prévio [...] será concedido [...] aos empregados...”) e à vista da dicção do próprio texto constitucional (art. 7º – “São direitos dos trabalhadores [...] aviso prévio proporcional ao tempo de serviço...”), conduz à segura conclusão de que se trata de instituto reconhecidamente vocacionado a tutelar exclusivamente os interesses da classe obreira, quando do delicado momento do fim do contrato de trabalho, cujos integrantes, mercê do desemprego estrutural então vigente, acabam enfrentando enormes dificuldades no alcance de novo posto de trabalho, nomeadamente quando o trabalhador dispensado é detentor de idade mais avançada.

O art. 7º, da Constituição da República, veicula cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social, traduzindo, no processo de sua implementação, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais, impedindo, por conseguinte, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses em que políticas compensatórias venham a ser adotadas pelas instâncias governamentais1.

Este contexto protetivo vincula ao legislador infraconstitucional seja na criação de novos direitos, seja na modulação dos já arrolados na Constituição, pois não seria lógico exigir-se a qualificadora de melhoria da condição social do trabalhador em relação a novos institutos e não fazê-lo com respeito à regulamentação daqueles já previstos pelo constituinte originário.

A fixação do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço deve ser vista sob esta ótica teleológica, resultando claro que a sua finalidade é acrescer melhoria à condição social dos empregados, sob pena de vulnerar o mandamento constitucional de origem e também a norma de sobredireito prevista no Art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Inversamente, se a norma também se dirigisse ao tempo de aviso prévio devido pelo empregado ao empregador, seria nítida a prejudicialidade sócio-jurídica da medida. A finalidade precípua deste instituto é possibilitar ao empregado dispensado que encontre novo emprego e, sob o ponto de vista do empregador, que selecione novo trabalhador para a vaga surgida com eventual pedido de demissão.

É o mesmo que dizer: a cada novo ano de trabalho o ordenamento jurídico concede ao trabalhador mais 3 dias de vigência do seu contrato (ou de indenização respectiva) para que alcance nova colocação no mercado de trabalho. Essa progressão é proporcional ao tempo de serviço, mas infelizmente as chances de novo emprego são inversamente proporcionais à idade do trabalhador.

Impor ao empregado que vise à rescisão injustificada do vínculo o dever de permanecer em estado de pré-aviso por até 90 dias pode ensejar, na prática, a impossibilidade de fixar-se a novo empregador, que certamente não aguardará por tanto tempo o desenlace do pacto rescindendo. Sob outro prisma, também de ordem prática, é notoriamente desinteressante para o empregador a manutenção de um empregado por longo período em seus quadros se este já demonstrou o anelo pelo rompimento da relação empregatícia.

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A própria literalidade normativa, itere-se, estabelece que o aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, “será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados” e não aos empregadores.

A nova lei, assim como a redação do caput do artigo 487 da CLT, deve, pois, ser interpretada com vistas à cláusula de não retrocesso prevista no artigo 7º da Constituição Federal, a fim de concluir-se que o aviso prévio, na versão proporcional ora regulamentada, é direito do empregado, cumprindo-lhe, na hipótese de dar causa injustificada à ruptura do contrato, prestar aviso prévio de apenas 30 dias, independentemente do tempo de serviço junto ao empregador.

Em outras palavras, para a classe patronal, em caso de pedido de demissão por parte do empregado, continua a incidência do aviso prévio de 30 (trinta) dias (CF, art. 7º, XXI), independentemente do tempo de serviço do obreiro demissionário, não se lhe aplicando, pois, a proporcionalidade contida nesse novo regramento legal.

O que aqui se expõe foi apresentado no formato de tese junto ao XVI Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (CONAMAT), realizado de 1º a 4 de maio de 2012 na bela cidade de João Pessoa (PB). Na ocasião, lançamos a seguinte ementa para a tese:

“Proporcionalidade do Aviso Prévio. Tutela Exclusiva dos Interesses dos Trabalhadores. Não Incidência a Favor da Classe Patronal. Preservação da Cláusula de Não Retrocesso Social (CF, Art. 7º, caput). A Lei nº 12.506/2011, que trata da proporcionalidade do aviso prévio, representa importante fator de melhoria da condição social dos trabalhadores brasileiros, à vista de sua umbilical vinculação ao art. 7º da CF/1988, em especial com seu inciso XXI. Desse modo, a ratio da novel legislação, a par mesmo de sua própria literalidade (art. 1º) e à vista da dicção do próprio texto constitucional, conduz à segura conclusão de que se trata de instituto reconhecidamente vocacionado a tutelar exclusivamente os interesses da classe obreira, não se aplicando, pois, a favor da classe patronal”2.

Por expressiva maioria, os magistrados ali presentes manifestaram sua aprovação quanto ao teor da ementa, o que constitui importante aceno à comunidade jurídica sobre o quanto está passando na mente de grande parte dos juízes trabalhistas brasileiros a respeito de tão polêmico tema3.


Notas

1. Lapidar, sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3), conforme Informativo Semanal do STF nº 582: “O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (...). De qualquer modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”.

2 Fonte: <http://www.conamat.com.br/tesesaprovadasconamat.asp> Acesso em: 12.05.2012.

3 A discussão jurídica tem dividido inclusive os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST). É o que ficou evidenciado na notícia que segue: <http://www.conjur.com.br/2012-mai-09/ministros-tst-dividem-aplicacao-aviso-previo-proporcional> Acesso em: 09.05.2012.

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Sobre os autores
Ney Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: [email protected]

Cleber Martins Sales

Juiz do Trabalho no TRT da 18ª Região (GO). Ex-Procurador do Estado de Goiás, Professor, especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo (extensão UNICAMP). Vice-Presidente da AMATRA XVIII.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney ; SALES, Cleber Martins. A proporcionalidade do aviso prévio (Lei n° 12.506/2011) e sua não aplicação a favor da classe patronal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3246, 21 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21817. Acesso em: 22 dez. 2024.

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