RESUMO: O presente artigo busca examinar o instituto da isenção heterônoma, nos termos do art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, sobretudo analisando o entendimento atual da doutrina, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para a espécie.
Palavras-chave: isenção heterônoma; competência tributária; tratados internacionais.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Da Isenção Heterônoma – 2.1. Conceito de Isenção Heterônoma – 2.2. Isencões Heterônomas e Tratados Internacionais – 2.3. ISS sobre Serviços prestados no Exterior – 3. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, é notória a força que as decisões na esfera internacional provocam nos Estados soberanos, inclusive na República Federativa Brasileira. É a idéia contemporânea da cosmopolitanização do direito, transcendendo as fronteiras geográficas e políticas, como forma de harmonização da ordem jurídica a nível global. Essa é uma tendência na qual parece caminhar o direito comtemporâneo, sobretudo quando se percebe a importância crescente de acordos, tratados e convenções internacionais.
Nesse sentido, vale destacar as implicações dessa realidade no direito brasileiro no que se refere ao importante instituto das isenções heterônomas, alicerçada nas disposições constitucionais da competência tributária, que tanto protegem o pacto federativo brasileiro. Para a análise, inicialmente serão abordados conceitos introdutórios acerca da isenção tributária, a teor do art. 151, III, da Constituição Federal. Em seguida, verificar-se-á a interferência dos tratados internacionais no respectivo instituto, à luz da jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
2. DA ISENÇÃO HETERÔNOMA
2.1. Conceito de Isenção Heterônoma
A Constituição Federal, no seu art. 151, inciso III, proíbe o que a doutrina chama de isenção heterônoma, dispondo que é vedado à União instituir isenções de tributos cuja competência não seja sua. Vejamos:
"Art.151. É vedado à União:
III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios".
A isenção heterônoma, então, ocorre quando um ente federativo, diferente daquele que detém a competência para instituir o tributo, concede o benefício fiscal da isenção tributária. O instituto da isenção tributária está regulado nos artigos 176 a 179 do Código Tributário Nacional, tratando-se de forma de exclusão do crédito tributário. Nos termos do CTN, a exclusão do crédito tributário é o impedimento, por lei, do seu lançamento, ainda que haja obrigação tributária. Em outros termos, com a isenção tributária dispensa-se a arrecadação do respectivo tributo.
Na exclusão do crédito tributário há fato gerador e, portanto, há obrigação tributária, mas a lei impede a sua cobrança, excluindo o crédito antes mesmo da sua constituição pelo lançamento. Se a competência tributária para a criação de determinado tributo é do Estado ou Município, não caberia a União intervir naquela esfera de atuação e realizar isenção tributária. O princípio da simetria, aliás, exige a mesma vedação aos demais entes de Federação, não cabendo aos Estados estabelecer isenções nos tributos de competência dos Municípios.
A vedacão à isenção heterônoma decorre diretamente das regras de competência tributária, de onde se retira que a Constituição estabeleceu regra-matriz fixando para cada ente federativo os tributos de sua competência. Trata-se de outorga de poder concedido pela Lei Fundamental aos entes federativos para que eles possam instituir tributos. Tal competência, inclusive, é aptidão intransferível, irrenunciável e indelegável, como forma de proteção ao modelo constitucional federativo. O constituinte não só estabeleceu a competência tributária como também repartiu esse poder entre as pessoas políticas que compõem a Federação.
Quando a Carta Magna outorgou tal poder para os entes federativos, acabou estabelecendo exatamente quais seriam os tributos de competência de cada ente político, daí porque não caberia outro ente intervir em esfera de atuação outorgada expressamente à pessoa política diversa. Admitir o contrário seria possibilitar uma afronta direta à forma federativa de Estado, violando o princípio do pacto federativo. Por tudo isso, a isenção heterônoma é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
2.2. Isenções Heterônomas e Tratados Internacionais
A regra geral de que a Constituição Federal veda todo e qualquer tipo de isenção heterônoma no ordenamento jurídico pátrio comporta exceção. Trata-se da hipótese em que a União se apresenta como Estado Brasileiro, hipótese em que será inoponível o art. 151, III, da CF/88. A rigor, o referido dispositivo fala em vedação ao ente federativo da União instituir isenções de tributos de competência dos Estados e Municípios, não abrangendo quando representante do Estado Brasileiro, no plano externo, por meio dos tratados internacionais.
A isenção de tributos estaduais e municipais via tratado internacional pode ocorrer, então, porque a União, nesse caso, se apresenta como o próprio Estado Brasileiro, e não como ente federativo interno. Nesse caso, não há violação ao pacto federativo, porque nos tratados internacionais não é, a rigor, a União quem atua, mas é o próprio Estado Brasileiro, representado por aquele ente federativo.
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou pela impossibilidade de se arguir isenção heterônoma em sede de tratados internacionais, pois a vedação constitucional incide sobre a União Federal, enquanto pessoa jurídica de direito público interno, inconfundível com a posição institucional de soberania do Estado Brasileiro, que ostenta a qualidade de sujeito de direito internacional público e que constitui, no plano da organização política, a expressão de uma comunidade jurídica global, investida de poder de gerar uma ordem normativa de dimensão nacional.
Assim, equivoca-se ao se pensar que o Estado Brasileiro é a União, quando esta é apenas um aspecto interno daquele, que não se revela no plano externo por seus entes federados, mas tão-somente pela pessoa jurídica única da República do Brasil. Portanto, admite-se, atualmente, a tese de que a norma inserta no texto constitucional, nos termos do art. 151, III, da CF/88, acerca da vedação às isenções heterônomas, limita-se a impedir que a União institua, no âmbito de sua competência interna federal, isenções de tributos estaduais ou municipais, não se aplicando, enfim, às hipóteses em que a União atua como sujeito de direito na ordem internacional.
A rigor, tecnicamente nem se poderia dizer que os tratados internacionais seriam uma espécie de exceção às isenções heterônomas, porque nesse caso é o próprio Estado soberano quem está impondo o benefício fiscal a determinados entes federativos, e não a União. Contudo, na prática, o Estado é representado pela União, daí se pensar que a isenção estaria sendo feita por ela, o que, de fato, não ocorre. Vejamos, a esse respeito, cristalina jurisprudência da Corte Suprema:
"EMENTA: A cláusula de vedação inscrita no art. 151, inciso III, da Constituição - que proíbe a concessão de isenções tributárias heterônomas - é inoponível ao Estado Federal brasileiro (vale dizer, à República Federativa do Brasil), incidindo, unicamente, no plano das relações institucionais domésticas que se estabelecem entre as pessoas políticas de direito público interno. Doutrina. Precedentes. - Nada impede, portanto, que o Estado Federal brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária em matéria de tributos locais (como o ISS, p. ex.), pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, que detém - em face das unidades meramente federadas - o monopólio da soberania e da personalidade internacional. - Considerações em torno da natureza político-jurídica do Estado Federal. Complexidade estrutural do modelo federativo. Coexistência, nele, de comunidades jurídicas parciais rigorosamente parificadas e coordenadas entre si, porém subordinadas, constitucionalmente, a uma ordem jurídica total. Doutrina". (RE 543943 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/11/2010)
Sob tal perspectiva, nada impede que o Estado brasileiro celebre tratados internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária, estando a praticar ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa jurídica de direito internacional público, sem que, ao assim proceder, incida em transgressão ao que dispõe o art. 151, III, da Constituição, porquanto tal regra constitucional destina-se, em sua eficácia, a vincular unicamente a União, enquanto entidade estatal de direito público interno.
2.3. ISS sobre Serviços prestados no Exterior:
A doutrina aponta, ainda, para outro caso de exceção à regra geral de vedação às isenções heterônomas. Trata-se do ISS sobre serviços prestados no exterior, previsto no inciso II do art. 156, §3º, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº. 37/2002, o qual prevê a possibilidade da União, por lei complementar, conceder isenção do ISS nas exportações:
"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. § 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: II - excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior".
A Carta Magna, assim, abriu possibilidade de que lei complementar federal viesse estabelecer isenção de ISS incidente sobre serviços para o exterior. Trata-se mesmo de hipótese de isenção heterônoma. O art. 2º, I, da LC nº 116/03 trata sobre a referida isenção. Ressalte-se, contudo, que nesse caso, a rigor, não seria uma espécie de isenção heterônoma propriamente dita, como uma invasão de um ente federativo na competência do outro, de forma afrontosa à forma federativa, até porque essa possibilidade foi estabelecida pela Constituição Federal, quer dizer, a lei complementar nada mais fez do que regulamentar o disposto.
Embora a União tenha legislado por meio da LC 116/03 e excluído as exportações do âmbito de incidência do ISS, cuja competência é dos Municípios, vale observar que se trata, na verdade, de imunidade conferida pela CF/88, mas que ficou sujeita à regulamentação por lei complementar. Não seria, propriamente, uma isenção heterônoma, no sentido de um ente federativo deliberadamente invadir a competência de outro. Aqui, essa invação foi provocada pela Constituição, a União atuou no estrito limite regulamentatório.
3. CONCLUSÃO
O instituto da isenção heterônoma encontra previsão no art. 151, III, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de medida protetiva que visa assegurar o pacto federativo e evitar interferências indevidas por ente federativo no âmbito da competência tributária que não possui.
O Supremo Tribunal Federal vem se inclinando pela possibilidade da isenção heterônoma através de tratados internacionais, porquanto a vedação constitucional incide sobre a União Federal, pessoa jurídica de direito público interno, inconfundível com a posição institucional de soberania do Estado Brasileiro.
Portanto, admite-se, atualmente, a tese de que a norma inserta no texto constitucional, acerca da vedação à isenção heterônoma, limita-se a impedir que a União institua, no âmbito de sua competência interna federal, isenções de tributos estaduais ou municipais, não se aplicando, enfim, às hipóteses em que a União atua como sujeito de direito na ordem internacional.
A jurisprudência atual da Suprema Corte aponta para a relevância das discussões realizadas na esfera internacional, como se observa pelo status supralegal que gozam os tratados internacionais no ordenamento jurídico pátrio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo. Curso de Direito Tributário Esquematizado. 6ª ed. Método, 2012.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. Malheiros, 2011.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. Saraiva, 2011.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011