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O processo de generalização das cláusulas abusivas sob a perspectiva da função social dos contratos

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22/05/2012 às 18:46
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4.AS CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS CIVIS E EMPRESARIAIS

Com toda evidência, não se pretende aqui, nesses breves e limitados comentários, chegar-se a uma definição das cláusulas abusivas passíveis de serem reconhecidas em um contrato regido pelas normas de direito civil ou empresarial.

De outro modo, com algum esforço, pode-se empreender uma investigação acerca dos possíveis elementos a se considerar numa construção de proposições sobre a suscitada hipótese da aplicação de tal instituto, o qual, como já dito, consiste em dispositivo legal específico do direito consumerista, previsto no art. 51 do CDC (BRASIL, 2012).

Os conceitos ditos indeterminados, constantes da clausulas gerais do CC, já referidas, vale dizer, os arts. 421, 422 e 2035, CC, assim como o próprio art. 187, que define o abuso de direito[12], e ainda o próprio art. 5º da LINDB[13] (BRASIL, 2012)., todos estes, com sua extensa amplitude semântica, decerto, apesar de proverem importante base principiológica, mostram-se inadequadas para oferecer elementos capazes de conduzir a uma noção de cláusula abusiva para além do que se enumera no art. 51 do CDC.

Devemos lembrar, por oportuno, que o Código Civil estabelece disposição específica de uma hipótese de cláusula proibida para os contratos de adesão, no art. 424, in verbis: “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.” Contudo, pela especifidade dessa previsão legal, a aplicação de tal conceito permanece adstrito ao contrato de adesão.

Ademais, o tema dos contratos de adesão e contratos padronizados não parece propício a uma abordagem mais detalhada neste estudo, sobretudo por conta das especificidades desse tipo de contrato, e tendo em vista a limitação de escopo deste estudo. Assim, considerando a nítida omissão do Código Civil quanto à disciplina de tais cláusulas, devemos investigá-las, primeiramente, no âmbito do direito do consumidor.

Note-se que o próprio direito do consumidor roga por uma definição, ou pelo menos uma noção de cláusula abusiva, como se depreende do caput do art. 51: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas [...]”. Ora, se podem existir outras hipóteses de cláusulas abusivas, além das já enumeradas nos incisos do art. 51, tal instituto precisa de uma definição, para que se possa determinar quais seriam “essas outras” hipóteses referidas no caput.

De acordo com Oliveira Ascensão (2003, p. 17), podemos encontrar critérios para uma possível definição no próprio art. 51 do CDC. Nos termos do inciso IV, são nulas as cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a equidade”.

Embora se deva afirmar que são critérios gerais, podemos encontrar algumas características que possibilitariam um sentido de definição, seriam, pois, a iniquidade, a desvantagem exagerada e a incompatibilidade com a boa-fé, ou com a equidade. Desconsiderando-se, portanto, o termo abusivas, pela notória impropriedade, redundância e inutilidade. Seria como dizer: são abusivas as cláusulas que estabeleçam obrigações abusivas (ASCENSÃO, 2003, p. 17).

No que se refere à boa-fé, já comentamos sobre sua relevância como cláusula geral, vinculada à função social do contrato, sendo relevante seu caráter principiológico na formação do conteúdo jurídico da abusividade.

Quanto aos outros três critérios, como afirma o Prof. Ascensão (2003, p. 18), pode-se dizer que estão intimamente interligados, pois a iniquidade nada mais é do que contrariedade à justiça, a desvantagem exagerada também caracteriza a situação de injustiça e a equidade é a própria justiça considerada em seus aspectos particulares de cada situação fática.

Obviamente, dizer que cláusula abusiva é a cláusula injusta comporta uma indesejável  e acentuada vagueza. O termo “desvantagem exagerada”, por sua vez, aponta para a compreensão de que não seria qualquer desequilíbrio um motivo a ensejar a abusividade. Afinal, tanto os indivíduos como as empresas, na atividade negocial, sempre irão buscar uma opção que lhes dê alguma vantagem econômica. “Com efeito, seria inviável que todo o negócio pudesse ser posto em causa, por invocação dum desequilíbrio no seu conteúdo” (ASCENSÃO, 2003, p. 18). Mas, quando esta vantagem se mostra exagerada, incompatível com a prática negocial eticamente aceita e ordinariamente adotada no mercado, poderíamos ter configurada, então, uma situação de abusividade.

Todavia, dizer que não seria qualquer desvantagem o suficiente para caracterizar a abusividade funciona mais como um elemento de orientação interpretativa do que um efetivo elemento caracterizador da abusividade, afinal como se determinar o que é “exagerado” ou não. É sem dúvida uma questão que não encontra no texto legal uma definição satisfatória, como supõe o próprio estudo do Professor Ascensão (2003, p. 17), conforme sua análise do § 1.º do art. 51, CDC, buscando elementos para uma definição de vantagem exagerada:

A 'vantagem exagerada' é esclarecida no § 1.º, mas de modo pouco satisfatório. No inc. I caracteriza-se por ofender os princípios fundamentais da ordem jurídica, o que pela sua vacuidade não diz nada e leva a confundir com a cláusula ilícita; no inc. II fala-se em restringir direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato, expressão que é afim da usada no art. 424 CC, que já comentamos no número anterior; no inc. III fala-se em se mostrar excessivamente onerosa para o consumidor, o que é um sinónimo de exageradamente desvantajosa. Há todavia alguns aspectos úteis a anotar. O inc. II fala em ameaçar 'o equilíbrio contratual', o que mostra que é a questão do equilíbrio ou proporção, logo da Justiça, que está em causa. O inc. III manda atender às circunstâncias peculiares do caso, o que aponta para a recondução à equidade.

Neste ponto, a exemplo do esboço de Nery Junior sobre o desatendimento da função social do contrato, comentado anteriormente, não há como negar que acabamos voltando ao problema da demasiada abertura semântica, isto é, um livre atribuir de sentidos extremamente vulnerável ao perigo da arbitrariedade.

Com isso, nessa busca por uma definição da tal “vantagem exagerada” ou desproporcional, ou da própria noção de cláusula abusiva, entramos numa espécie de círculo vicioso, em que, de expressão a expressão, acabamos por retornar sempre aos mesmos termos, como justiça, equidade e proporcionalidade, dentre outros conceitos indeterminados.

Além disso, tais expressões podem ainda se confundirem com a figura da lesão[14], art. 157, CC, causa de invalidade do negócio jurídico, e vinculam-se, também, ao abuso de direito, art. 187, CC, que torna o negócio ilícito.

Certamente, estamos diante de um problema hermenêutico. Contudo, essa dificuldade de interpretação não pode significar a impossibilidade de se alcançar uma definição do objeto de nossa investigação. Devemos, de outro modo, considerar que existe aqui algo encoberto na (e pela) linguagem, e, portanto, deve-se empreender, dentro desse processo interpretativo, um confronto entre as soluções possíveis, em que se colocam lado a lado os enunciados propostos, a fim de se obter, dialogicamente, a solução mais adequada e coerente com o ordenamento, tomado em seu sentido de plenitude sistemática. Trata-se, pois, de uma busca pela verdade, no sentido de desencobrimento, utilizando aqui uma terminologia heideggeriana[15], dentro de parâmetros traçados pela coerência e integridade do direito.

Não obstante a dificuldade de se encontrar nesses conceitos um conteúdo jurídico que comporte algum nível de precisão, isto é, menos vagueza, é importante ressaltar que a cláusula abusiva em si constitui, evidentemente, uma situação contrária à função social do contrato, de modo que a incerteza não paira na incidência da cláusula abusiva, mas em sua definição, posto que aquelas hipóteses do art. 51 são dirigidas às relações de consumo.

Parece inegável, entretanto, a incidência de muitas dessas hipóteses em relações jurídicas não regidas pela norma consumerista, sejam relações civis ou comerciais. Vejamos, então, este interessante questionamento suscitado por Nery Junior (2004, apud AZEVÊDO, 2011): “num contrato civil seria válida cláusula que deixasse apenas a um dos contratantes, unilateralmente, a fixação do preço ou do reajuste das prestações?”

A resposta à indagação do ilustre jurista parece evidente, pois não há como negar que tal estipulação contratual poderia ser inválida em qualquer espécie de relação jurídica, seja de natureza civil, empresarial ou de consumo. No mesmo sentido, poderíamos indagar: uma cláusula que possibilite a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias (art. 51, XVI, CDC, Brasil, 2012), seria abusiva se inserida num contrato civil ou comercial? Tais cláusulas parecem, portanto, aplicáveis, em princípio, a qualquer espécie de contrato, e, para isso, encontram fundamento na própria constituição, vale ressaltar.

Nesse sentido, vê-se que algumas das cláusulas listadas no art. 51, CDC, como as que possibilitem a um dos contratantes a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o outro; ou permitam cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido à outra parte; ou imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo outro contratante, certamente, conforme as particularidades de cada caso concreto, poderiam ser consideradas abusivas, ainda que não se trate de uma relação de consumo.

É preciso, no entanto, lembrar que existe uma situação especial na relação de consumo que justifica todo o sistema de proteção do consumidor, centrada no conceito de vulnerabilidade, vale dizer, o consumidor é especialmente protegido pela ordem jurídica por ser considerado hipossuficiente em relação ao fornecedor. Esse também, por óbvio, é o fundamento das hipóteses previstas no art. 51, CDC. Todavia, há de se ressaltar que a vulnerabilidade não é uma situação exclusiva da relação de consumo. De fato, no direito do consumidor existe uma presunção legal de reconhecimento dessa vulnerabilidade, ao passo que no direito civil e comercial há uma presunção relativa de igualdade jurídica entre as partes. Entretanto, nada impede que se reconheça, em relações de direito civil ou empresarial, a vulnerabilidade de um dos contratantes, de acordo com as circunstâncias de cada caso, enfim, a posição de vulnerabilidade ou igualdade depende da própria realidade fática, mormente a situação particular de cada contratante. Com exemplo desse tipo de situação pode-se considerar um contrato comercial celebrado entre uma grande corporação e uma microempresa. Note-se que nesse caso há de se considerar que, sob certas condições, seria possível se reconhecer a vulnerabilidade da microempresa, sobre a qual a própria Constituição, expressamente, prevê tratamento favorecido, preceito que, inclusive, consiste em princípio da ordem econômica (art. 170, IX, CF, Brasil, 2012).

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A presunção de igualdade jurídica é, certamente, relativa, isto é, as especificidades da relação contratual permitem uma adequação dessa presunção aos fins sociais dispostos no texto constitucional. A complexidade das relações contratuais do mundo contemporâneo exige uma compreensão jurídica também complexa, coerente e integradora, atenta às exigências sociais e econômicas da atualidade.

Vulnerabilidade e abusividade não se restringem às relações de consumo. Na economia moderna, vale lembrar, predomina a desigualdade econômica nas relações empresariais. A proteção do mais fraco, do sujeito vulnerável, vai além do interesse das partes, é interesse de todos, é, enfim, um interesse expresso na Constituição. Assim, busca-se a adequação da ordem jurídica a essa realidade.

Nesse contexto, a noção contemporânea de integridade do ordenamento não mais permite que os conceitos, institutos e figuras jurídicas permanecem isoladas em seus subsistemas. Há, portanto, um permanente processo de coordenação e complementariedade entre os diversos subsistemas normativos.

É nesse sentido que, assentada na teoria do diálogo das fontes[16], desenvolvida pelo jurista alemão Erik Jayme, a Professora Cláudia Lima Marques (2004) propõe um diálogo entre o CDC e o Código Civil. A eminente professora observa que na sociedade complexa atual, com uma forte pluralidade de leis ou fontes, a doutrina procura uma harmonia ou coordenação entre estas diversas normas do ordenamento jurídico, concebido como sistema, visando obter uma adequada funcionalidade. Nesse possível diálogo, a autora destaca três possibilidades: (MARQUES, 2004, p. 45-46).

1) na aplicação simultânea das duas leis, uma lei pode servir de base conceitual para a outra (diálogo sistemático de coerência), especialmente se uma lei é geral e a outra especial; se uma é a lei central do sistema e a outra um microssistema específico, não-completo materialmente, apenas com completude subjetiva de tutela de um grupo da sociedade. [...]

2) na aplicação coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a aplicação da outra, a depender de seu campo de aplicação no caso concreto (diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais), a indicar a aplicação complementar tanto de suas normas, quanto de seus princípios, no que couber, no que for necessário ou subsidiariamente. [...]

3) há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas, como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei, ou como no caso da possível transposição das conquistas do Richterrecht (Direito dos Juízes) alcançadas em uma lei para a outra. É a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de double sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática). [...]

Da segunda hipótese apresentada pela ilustre professora, podemos extrair uma importante fundamentação teórica para a aplicação das cláusulas abusivas definidas no art. 51 CDC, em contratos regidos pelo direito civil, num sentido de diálogo, de complementariedade e de coordenação de subsistemas normativos, enfim, na linha de compreensão e interpretação proposta pela denominada teoria do diálogo das fontes.

Há também uma relação dessa aplicação com a primeira e a terceira hipóteses apontadas pela autora, respectivamente, quando uma norma (art. 51 do CDC) pode servir de base conceitual para outra, e quanto às influências recíprocas sistemáticas, em que um sistema especial (CDC) pode influir no geral.

 Entretanto, há de se objetar que essa transposição do conceito de cláusula abusiva do direito do consumidor para os contratos civis exige uma base legal determinada, capaz de complementar o alicerce teórico (diálogo das fontes) e principiológico (cláusulas gerais e princípios constitucionais) que sustenta essa aplicação, vale dizer, um dispositivo legal que possibilite essa integração de conceitos normativos.

Com efeito, como bem observa Ascensão (2003), a disciplina das cláusulas abusivas no CDC aponta para uma generalização, nos termos art. 29, CDC (BRASIL, 2012), que dispõe: “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

Pois bem, se o capítulo seguinte ao do art. 29 é, justamente, o que dispõe sobre as cláusulas abusivas, verifica-se, então, que não só os consumidores, definidos nos termos do CDC, mas toda pessoa exposta a tais práticas abusivas terá a proteção legal, pois será equiparada a consumidor.

Nesse sentido, destacamos o leading case citado pela Professora Cláudia Lima Marques (1998, p. 158) - decisão do Tribunal de Alçada/RS, 2.ª Câm. Cív., Ap. cív. 192188076, Rel. Paulo Heerdt, j. 24.9.92 - com a seguinte ementa:

Contrato de crédito rotativo. Juros e correção monetária. Código de Defesa do Consumidor. Conceito de consumidor para os fins dos capítulos V e VI da Lei 8.078/90. Exegese do art. 29 do CDC. Contrato de adesão. Cláusula abusiva. Controle judicial dos contratos. Ainda que não incidam todas as normas do CDC nas relações entre Banco e empresa, em contrato de crédito rotativo, aplicam-se os Capítulos V e VI, por força do art. 29 do CDC, que amplia o conceito de consumidor possibilitando ao Judiciário o controle das cláusulas contratuais abusivas, impostas em contratos de adesão. Cláusula que permite variação unilateral de taxa de juros é abusiva porque, nos termos do art. 51, X e XIII, possibilita variação de preço e modificação unilateral dos termos contratados, Possibilidade de controle judicial, visando estabelecer o equilíbrio contratual, reduzindo o vigor do princípio "pacta sunt servanda"... Ação declaratória julgada procedente para anular lançamentos feitos abusivamente, Sentença reformada. (grifo nosso)

Vê-se, portanto, uma aplicação daquela hipótese de diálogo, em que conceitos do art. 51 do CDC, com base no art. 29, são transpostos para o âmbito de contratos que não se caracterizavam como relações de consumo, no caso, um contrato entre um banco e outra empresa, ou seja, em tese, relação de direito empresarial.

Decerto, dentre os contratos civis e empresariais, os denominados contratos de adesão, padronizados e de massa, constituem categorias específicas, que requerem sempre abordagens particularizadas, e sobre os quais a aplicação de cláusulas abusivas já vem sendo reconhecida, com base nas características específicas desse tipo de contrato, que supõe uma certa vulnerabilidade do aderente, considerando sua relativa (ou por vezes absoluta) incapacidade de influir na formação do conteúdo do contrato.

De fato, é importante ressaltar que no contrato de adesão já existe, em princípio, uma situação de desequilíbrio, em que uma das partes (em tese, a mais forte) determina, de antemão, todo o conteúdo do contrato, restando a outra parte (provavelmente, mais fraca) decidir simplesmente se aceita ou não os termos da avença. Ora, ficando o aderente sem a possibilidade de influir no conteúdo do contrato, é evidente que sua liberdade contratual já é, pelas próprias condições intrínsecas do contrato, mitigada, isto é, pode-se afirmar que há uma presunção relativa de desequilíbrio nesse tipo de relação contratual.

Entretanto, observa-se que o fundamento para essa compreensão do art. 29 não estaria vinculado ao fato de se tratar de contrato de adesão ou não, mas sim a uma efetiva possibilidade de que um dos contratantes se encontre numa determinada situação que o exponha à prática abusiva prevista no CDC, vale dizer, não é o tipo de contrato que vai determinar sua exposição à abusividade, mas sim as circunstâncias concretas da relação contratual, o que poderá ocorrer tanto em contratos de adesão, padronizados ou de massa, como também em outros tipos de contratos.

De todo modo, é relevante esta breve observação sobre os contratos de adesão, no sentido de se ressaltar a situação de desequilíbrio contratual como sendo uma das notas características dessa hipótese de generalização das cláusulas abusivas enumeradas no art. 51.

Nesse sentido, é oportuno lembrar que Nery Junior (2004, p. 383) também afirma que a teoria geral da proteção contratual do Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicada a toda e qualquer relação jurídica de direito privado, seja civil, comercial ou de consumo.

Assim, as normas que formam todo o instituto de proteção contratual presente no CDC, oferecem uma consistente base conceitual para a adequada fundamentação de uma possível generalização das cláusulas abusivas, para além das relações de consumo.

Por fim, considerando, portanto, que as cláusulas abusivas, nas palavras do Professor Ascensão (2003, p. 24), “foram objeto de um processo de generalização e podem hoje ser entendidas como categoria aberta, de modo a possibilitar um desenvolvimento progressivo da matéria”, cabe ressaltar, que neste ponto, devemos tratar a questão com toda prudência, quanto a essa ideia de generalização, conforme comenta o ilustre professor:

Justamente neste ponto há que estar prevenido, para não criar uma ideia errada do que representa esta generalização. Não podemos supor que a matéria das cláusulas abusivas saltou do Código do Consumidor para o Código Civil, para se tornar um instituto comum, de que todas as pessoas participam igualmente. Não é assim, porque há duas ordens de restrições: por um lado, nem todas as regras disciplinadoras das cláusulas abusivas são transferíveis para o Direito Civil; e por outro lado, a generalização das regras a pessoas que não são consumidoras não significa a sua universalização. (ASCENSÃO, 2003, p. 24)

Decerto, há certas normas do CDC sobre as cláusulas abusivas, cuja possibilidade de aplicação parece restrita às relações de consumo, por terem como fundamento de existência a própria natureza específica da relação estabelecida no contrato de consumo, como, p. ex., o inc. II e XV do art. 51, CDC (BRASIL, 2012), que dispõe serem abusivas as cláusulas que “subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código”; ou “estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.”

Enfim, ainda que pareça acertada a afirmação do Professor Ascensão (2003, p. 25) de que “mesmo explorando todas as potencialidades de expansão das previsões legais, não é possível chegar a um sistema integrado na disciplina das cláusulas abusivas”, pois, evidentemente, essa sistematização parece ainda distante, há de considerar, contudo, a efetiva  possibilidade de, a partir de normas do direito do consumidor, construir-se proposições tendentes a complementar os sistemas de contratos civis e empresariais no que se refere a disciplina das cláusulas abusivas, e com isso, formar-se uma base segura para esta hipótese de aplicação, mantendo-se a coerência e integridade do ordenamento.

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Sobre o autor
Luis Alberto da Costa

Auditor Fiscal da Receita Estadual do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Luis Alberto. O processo de generalização das cláusulas abusivas sob a perspectiva da função social dos contratos . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3247, 22 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21835. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado no livro "A constitucionalização do direito privado: o Estado Democrático de Direito e as novas perspectivas jurídicas nas relações privadas". Organizadoras: Paula Maria Tecles Lara e Renata Furtado de Barros. Raleigh, Carolina do Norte, Estados Unidos da América: Lulu Publishing, 2012, pp. 497-534. Obra organizada e coordenada pela Academia Brasileira de Produção Jurídica Discente.

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