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Limites da competência material da Justiça do Trabalho na execução das contribuições sociais

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23/05/2012 às 14:44
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6 – A ATUAL POSIÇÃO DO ÓRGÃO DE REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA UNIÃO (PGF)

Atualmente a União, por meio do seu órgão de representação judicial (PGF), entende não ser mais competente a Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais devidas a terceiros. Trata-se de uma evolução em relação à posição anterior, guinada que ocorreu forte na compreensão da Advocacia-Geral da União (AGU) de redução da “judicialização” dos conflitos[17]

A virada de posição ocorreu precisamente após a publicação do parecer PGF/CGCOB/DIGETRAB n. 003/2009.

Nesse parecer, após acurado exame da jurisprudência dos Tribunais Superiores (STF, principalmente depois do julgamento do RE 569.056[18], e do TST), da legislação como um todo (constitucional e infraconstitucional) e da posição defendida administrativamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil[19], a conclusão (correta, aliás) foi esta:

Diante do exposto, forçoso é concluir que a competência da Justiça do Trabalho, prevista no art. 114, inciso VIII, da Constituição, não alcança a execução de ofício das contribuições devidas a terceiros decorrentes de suas sentenças, assim entendidas aquelas destinadas a outras entidades e fundos, que não o Fundo do Regime Geral de Previdência Social.

De fato, essa mudança de posição da União em juízo brinda o atual papel da advocacia pública[20] e marca o seu próprio amadurecimento institucional: a defesa do Estado Democrático de Direito e a redução da litigiosidade. 

É de se ter presente, contudo, que o reconhecimento da incompetência material da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais devidas a terceiros não significa que a reclamada está dispensada do pagamento. A exação continua sendo devida, só que deve ser cobrada pela via própria (fiscalização exercida pela Receita Federal do Brasil e cobrança, sem pagamento voluntário, perante a justiça federal comum). Aliás, o parecer antes citado é justamente nesse mesmo sentido:

Por outro lado, é de se reconhecer que as contribuições devidas a terceiros, muito embora não se incluam no feixe de competência da Justiça do Trabalho, não deixam de ser devidas somente porque decorrentes de sentença proferida por essa justiça.

Embora as contribuições devidas a terceiros possam não vir a ser “executadas”, de ofício, pela Justiça do Trabalho, isso não significa que não sejam devidas, razão por que as empresas reclamadas podem espontaneamente comprovar o seu recolhimento perante essa Justiça, para evitar futura execução no Juízo competente, após ação fiscal levada a efeito pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

A União defende, em apertada síntese, que é apenas recomendável o pagamento das contribuições sociais devidas a terceiros perante a Justiça do Trabalho.

No que toca às contribuições sociais relativas ao RAT (Riscos Ambientais de Trabalho), antes denominado de SAT (Seguro Acidente de Trabalho), permanece a orientação de que elas devem ser cobradas perante a Justiça do Trabalho, posição que tem amplo respaldo, como visto acima, na consolidada jurisprudência trabalhista[21]. E, na verdade, outra não poderia ser a orientação, já que essas contribuições se destinam ao custeio da previdência social (art. 22, II, da Lei n. 8.212/91), e estão abrangidas pelo art. 195, I, a, da CF/88. Isso é: a arrecadação dessas contribuições é destinada exclusivamente ao pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (e.g., auxílio-acidente, auxílio-doença acidentário). 


7 - CONCLUSÕES

Do exame dos tópicos precedentes, extrai-se que, após a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições sociais (por força da EC n. 20/98), hoje está consolidado quais são os limites dessa competência. E isso é importante para que se confira segurança jurídica.

Não obstante haja algumas posições (isoladas) em sentido contrário (na doutrina e jurisprudência), o que se vê, na prática forense, é uma consolidação dos limites da execução das contribuições sociais.

E isso se deu por força da revisão na orientação da União (PGF) acerca do entendimento sobre esse alcance, passando, agora, a compreender – corretamente – de que as contribuições sociais devidas a terceiros não estão contidas no art. 114, VIII, d CF/88.

Por sua vez, a edição da Orientação Jurisprudencial n. 414, pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, no sentido da competência da Justiça do Trabalho para executar aquelas contribuições sociais devidas ao RAT, permite, com isso, consolidar o exato alcance da competência da Justiça do Trabalho.


8 – REFERÊNCIAS

ÁVILA, ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA. Curso de Direito Tributário. Editora Verbo Jurídico. 2ª edição Porto Alegre, 2006.

LAGE, EMÉRSON JOSÉ ALVES; Lopes, Mônica Sette. Execução previdenciária na Justiça do Trabalho, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2003.

MACHADO, HUGO DE BRITO. Curso de Direito Tributário. Editora Malheiros. 23ª edição. São Paulo: 2003.

MADEIRA, Danilo Cruz. O papel da advocacia pública no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2744, 5jan. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18128>. Acesso em: 18 maio 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. São Paulo: Saraiva, 2008.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A nova competência da Justiça do Trabalho (uma contribuição para a compreensão dos limites do novo art. 114 da Constituição Federal de 1988). Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 93-131. Disponível em: <http://www.panoptica.org>.

PAULSEN, LEANDRO. Direito Tributário Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Editora Livraria do Advogado. 6ªedição. Porto Alegre. 2004.

KUBLISCKAS, Wellington Márcio. Emendas e Mutações Constitucionais. São Paulo: Atlas, 2009.


Notas

[1] Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU).

[2] PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A nova competência da Justiça do Trabalho (uma contribuição para a compreensão dos limites do novo art. 114 da Constituição Federal de 1988). Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 93-131. Disponível em: <http://www.panoptica.org>.

[3] PAULSEN, LEANDRO. Direito Tributário Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Editora Livraria do Advogado. 6ªedição. Porto Alegre. 2004. p. 43.

[4] MACHADO, HUGO DE BRITO. Curso de Direito Tributário. Editora Malheiros. 23ª edição. São Paulo: 2003, p. 388.

[5] ÁVILA, ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA. Curso de Direito Tributário. Editora Verbo Jurídico. 2ª edição Porto Alegre, 2006, p. 94.

[6] STF, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/1992, DJ 28-08-1992 PP-13456 EMENT VOL-01672-03 PP-00437 RTJ VOL-00143-01 PP-00313.

[7] Art. 876 - As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executada pela forma estabelecida neste Capítulo. (Redação dada pela Lei nº 9.958, de 12.1.2000)

Parágrafo único. Serão executadas ex-officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido. (Redação dada pela Lei nº 11.457, de 2007)   

[8] Art. 16, § 3º, inc. II da Lei n.º 11.457/2007 (DOU 19.03.2007) c/c a Portaria n.º 433/2007 PGFN/PGF (DOU 26.04.2007), competência somente para a execução das contribuições sociais.

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[9]  LAGE, EMÉRSON JOSÉ ALVES; Lopes, Mônica Sette. Execução previdenciária na Justiça do Trabalho, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2003, pp. 41/42.

[10] Limites, hoje, regrados pela Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012.

[11] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 144.

[12] Os limites da interpretação, cit., p. XXII (Introdução), 11, 16 e 286.

[13] Derecho, racionalidade y comunicación social, Tradução de Pablo Larrañaga, México: Fontamara, 1995, p. 27-28.

[14] BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, São Paulo: IBDC, 2000, p. 110.

[15] HESSE, 1983, p. 69/70, apud KUBLISCKAS, 2009, p. 150.

[16] Aplicação do princípio da unidade da Constituição.

[17] No mesmo sentido do propósito da redução da litigiosidade: “A Advocacia-Geral da União desistiu de 2.032 recursos propostos junto ao Tribunal Superior do Trabalho. Objetivo: reduzir a litigiosidade. A AGU e os trabalhadores envolvidos nas ações também se beneficiarão com a desistência. A medida foi tomada pelo Departamento de Contencioso da Procuradoria-Geral Federal (Depcont/PGF). O projeto foi apresentado ao presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen, e está sendo executado, gradativamente, em todos os gabinetes, mediante análise de autos físicos e eletrônicos. A iniciativa é respaldada pela Portaria AGU 1.642/2010, que autoriza a desistência de recursos interpostos no caso de execuções fiscais de contribuições previdenciárias, decorrentes de acordos e condenações iguais ou inferiores a R$ 10 mil. Também estão incluídos recursos com tese conflitante com Súmula da AGU ou Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, bem como daqueles que não preenchem requisitos essenciais de admissibilidade. A atuação do Depcont começou em agosto do ano passado, com visitas a cinco gabinetes. O trabalho gerou 395 desistências e foi bastante elogiado pelos ministros do tribunal. A Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da PGF (CGCOB/PGF) está acompanhando o projeto para avaliar os resultados e coordenar o desenvolvimento de medidas similares junto aos Tribunais Regionais do Trabalho. O Depcont e CGCOB são unidades da PGF, órgão da AGU”. Fonte: Consultor Jurídico, publicada em 13.04.12. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-abr-13/advocacia-geral-uniao-desiste-mil-recursos-propostos-tst. Acesso em: 17.05.12.

[18] Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 11/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-236 DIVULG 11-12-2008 PUBLIC 12-12-2008 EMENT VOL-02345-05 PP-00848 RTJ VOL-00208-02 PP-00859 RDECTRAB v. 16, n. 178, 2009, p. 132-148 RET v. 12, n. 72, 2010, p. 73-85. No julgamento, analisou-se a precisamente a competência da Justiça do Trabalho para a execução das contribuições sociais incidentes sobre os salários pagos durante o período de vínculo de emprego reconhecido em juízo (sentença declaratória). Entretanto, ficou presente a compreensão daquela Suprema Corte de dar uma interpretação restritiva ao inciso VIII do art. 114 da CF/88.

[19] Nota Cosit n. 167/2009.

[20] Para um aprofundamento do assunto, ler este excelente artigo: MADEIRA, Danilo Cruz. O papel da advocacia pública no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2744, 5jan. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18128>. Acesso em: 18 maio 2012.

[21] Orientação Jurisprudencial n. 414.

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Sobre o autor
Juliano De Angelis

Procurador Federal. Responsável pela Procuradoria Seccional Federal em Canoas (RS). Ex-sócio da sociedade Bellini, Ferreira, Portal Advogados Associados. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp/REDE LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DE ANGELIS, Juliano. Limites da competência material da Justiça do Trabalho na execução das contribuições sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3248, 23 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21841. Acesso em: 29 mar. 2024.

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