Resumo: A análise da negociação coletiva como instrumento precarizador objetiva a abordagem da flexibilização indevida de direitos trabalhistas, bem como suas causas, efeitos, legitimidade e limites. Ademais, o levantamento das informações angariadas bem como a pesquisa como um todo, foram realizados, predominantemente, através de fontes documental e bibliográfica. Artigos, livros de doutrina e decisões de jurisprudência abalizada também foram utilizadas a fim de enriquecer a discussão do tema em comento. Indubitavelmente, a negociação coletiva, possui como uma de suas principais características a possibilidade de prevalecer sobre a norma heterônoma, desde que o seu conteúdo não contravenha as disposições de proteção ao trabalho. Ocorre que, os sindicatos têm flexibilizado direitos imantados por tutela de interesse público, transacionando-os de forma a precarizar os mesmos, conduta esta que não pode encontrar respaldo, devendo a ampla liberdade na criatividade jurídica da negociação coletiva ser rechaçada, sob pena de afronta à dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: negociação coletiva, flexibilização, limites.
SUMÁRIO: LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS. 1.INTRODUÇÃO. 2. IMPERATIVIDADE DAS NORMAS E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO. 3. A GLOBALIZAÇÃO E O DIREITO DO TRABALHO. 4. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 4.1. NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO INSTRUMENTO PRECARIZADOR. 4.2. LIMITES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA. 5. FLEXIBILIZAÇÃO. 5.1. CONCEITO E ASPECTOS HISTÓRICOS. 5.2. FLEXIBILIZAÇÃO E DESREGULAMENTAÇÃO. 5.3. FLEXIBILIZAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 5.4. A POLÊMICA DO ART. 618 DA CLT. 6. A ESTRUTURA SINDICAL DO BRASIL. 7. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A NEGOCIAÇÃO COLETIVA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS. ANEXO
1. INTRODUÇÃO
Indubitavelmente, inúmeras foram as conquistas do ser coletivo obreiro – Sindicato - com a superação do velho modelo corporativista, com a livre associação, a autonomia sindical, dentre outros avanços que o caracterizam como o núcleo da reforma democratizante do sistema sindical brasileiro. Ademais seu principal instrumento utilizado quando da representação dos trabalhadores é a negociação coletiva. Através dela através são estabelecidas normas e condições aplicáveis aos contratos individuais de trabalho dos representados pelos sujeitos dos instrumentos coletivos correspondentes.
Ocorre que a possibilidade criatividade do sindicato nas negociações coletivas deve ser enfrentada com muito cuidado. Isto porque sua utilização como mecanismo de flexibilização pode constituir meio de violação de direitos sociais arduamente conquistados. Assim, só podem ser objeto de negociação normas de indisponibilidade relativa. Tratando-se de normas imantadas pelo caráter público, de indisponibilidade absoluta, não pode haver, sequer, discussões com intuito de reduzir direitos já assegurados (princípio da proibição do retrocesso social), sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana.
Ademais, alguns sindicatos têm flexibilizado direitos imantados por tutela de interesse público, transacionando-os por meio de negociações coletivas, de forma a precarizar os mesmos, conduta esta que não pode encontrar respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. Assim é porque os direitos fundamentais dos trabalhadores não podem ser negociados, tendo em vista a imperatividade das normas e princípios do Direito do Trabalho. Ainda, o fato de o ser coletivo obreiro participar da entabulação referente à renúncia de direitos trabalhistas, não confere legitimidade absoluta à pactuação coletiva.
De fato, o sistema legal brasileiro privilegia a negociação coletiva de trabalho como meio de solução de conflitos (arts. 7º, XXVI, 8º, III, 8º VI, 114, § 2º da CF/88 e arts. 611, 611, § 1º, 616 e parágrafos da CLT), mas isso não importa admitir-se que seja utilizada como instrumento de precarizador da dignidade humana.
2. IMPERATIVIDADE DAS NORMAS E PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO
Preliminarmente cumpre registrar o significado da palavra princípio. Segundo Maurício Godinho Delgado (2008), a referida palavra traduz, na linguagem corrente, a idéia de “começo, início”, e, nesta linha, “o primeiro momento da existência de algo, uma ação ou processo”[1].
Conforme preleciona Maurício Godinho Delgado a palavra princípio, traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, derecionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade.
No âmbito da ciência jurídica, entende-se que os princípios embasam o ordenamento jurídico, neles subsiste todas as regras do Direito. O supracitado autor ensina que para a Ciência do Direito os princípios conceituam-se como proposições fundamentais que informam a compreensão do fenômeno jurídico, sendo os veios iluminadores à elaboração de regras e institutos jurídicos, lembrando que estes possuem três importantes funções, quais sejam: interpretativa, integrativa e normativa. (DELGADO, 2008).
No que tange aos princípios do Direito do Trabalho, de maneira geral, estes caracterizam-se pela interferência estatal nas relações trabalhistas, por meio de normas de ordem pública, visando a compensação da desigualdade existente entre empregado e empregador.
Assim, por serem de ordem pública, as regras trabalhistas são imantadas por imperatividade. Compartilhando desse entendimento Davi Souza de Paula Pinto ensina:
Além do direito imperativo, o ramo do Direito do trabalho possui regras impositivas, ambas, visam incondicionalmente o amparo do trabalhador como ser humano e à prevalência de princípios da justiça social, mediante a limitação da autonomia da vontade[2].
Citando Arnaldo Sussekind, o referido autor afirma ainda que a imperatividade produz verdadeira condição de indisponibilidade (PINTO, 2010 apud, 1997, p. 212).
Nesse ínterim, ALMEIDA (1994) apud SUSSEKIND (1997, p. 212) ensina que a indisponibilidade traduz o nível de proteção abaixo do qual não se pode admitir o trabalho humano com dignidade. Saliente-se que esta é encarada pela Constituição Federal de 1988 como princípio fundamental (art. 1º, inciso III), sendo definida por Ingo Wolfgang Sarlet como sendo;
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos[3].
Outrossim, José Claúdio Monteiro de Brito Filho faz interessante relação entre a dignidade humana e os Direitos Humanos, na medida em que define-o como sendo o conjunto de direitos necessários à preservação da dignidade da pessoa humana (FILHO, 2010)[4].
Sem dúvidas, as normas trabalhistas fazem parte do supracitado conjunto de direitos, assim, justifica-se o caráter imperativo destas. Nesse sentido, previsão do art. 444 do Diploma Consolidado:
As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.[5]
Por este dispositivo legal conclui-se que dada a natureza imperativa das normas trabalhistas, não pode a autonomia de vontade estipular regras que contravenham, de maneira geral, as regras de proteção ao trabalho. Assim, não é incorreto dizer que a imperatividade restringe o poder de alcance da criatividade jurídica dos empregados e empregadores no que tange à diminuição e até mesmo ao aumento de direitos diferentemente do que estipulam as regras e princípios do Direito Laboral.
Segundo Davi Souza Pinto as regras imperativas do Direito do Trabalho possuem as seguintes características: a) índole impositiva ou proibitivas que devem ser observadas tal como foram estatuídas; b) índole complementar, que estabelecem limites abaixo e acima dos quais, conforme o caso, não poderá prevalecer o ajuste das partes interessadas.[6]
Ademais, o mesmo autor sustenta o seguinte:
O problema da imperatividade é bem percebido através de um conteúdo eminentemente histórico. A rigidez e a imposição de regras imperativas no campo do Direito do Trabalho em momentos de crise econômica, política, nem sempre é viável. Muitos autores sustentam, até mesmo, que as “normas imperativas nos institutos jurídicos era o fato gerador de crise das empresas, umas vez que lhes retirava as possibilidades de adaptarem-se a um mercado turbulento.[7]
Por derradeiro, conclui-se que pelo fato do Direito do Trabalho estar eminentemente ligado à ordem pública, suas regras possuem caráter imperativo, assim, limites são impostos à autonomia da vontade na relação de trabalho.
3. A GLOBALIZAÇÃO E O DIREITO DO TRABALHO
Com a necessidade da dinâmica do capitalismo de formar uma aldeia global, surge o fenômeno da globalização, associada ao rompimento de fronteiras entre os países, de forma a promover o desenvolvimento tecnológico e intensificação das relações interestatais. Com isso, transformações sociais, culturais e econômicas são verificadas.
Segundo Marília Budó,
A globalização é fenômeno irreversível, tomou uma proporção mundial principalmente com o surgimento dos meios de comunicação que transmitem informação em tempo real, o que é positivo do ponto de vista da integração, do conhecimento. Porém, muitos atrelam ao conceito de globalização o neoliberalismo, doutrina diferente e que na realidade já está em colapso. O neoliberalismo, ou seja, a regulamentação livre do mercado e abertura da economia dos países interfere no direito do trabalho visto que defende a possibilidade de um contrato de trabalho menos rígido, convencional, e não legal.[8]
Dentre as suas variadas dimensões, como a cultural, social, filosófica, jurídica e comercial, merece destaque a econômica, em razão da sua interseção com o Direito do Trabalho.
Quanto à globalização em seu aspecto econômico, Luana Godoy e Renato Lima listam as seguintes características:
A prevalência do princípio do mercado sobre o princípio do Estado; a financeirização da economia mundial; a total subordinação dos interesses do trabalho aos interesses do capital, o protagonismo incondicional das empresas multinacionais; a recomposição territorial das economias e a conseqüente perda dos espaços nacionais e das instituições que antes os configuravam, nomeadamente, os Estados nacionais; uma nova articulação entre a política e a economia em que os compromissos nacionais (sobretudo os que estabelecem as formas e os níveis de solidariedade) são eliminados e substituídos por compromissos com atores globais e com atores nacionais globalizados.[9]
Tendo em vista as inúmeras mudanças ocorridas no cenário econômico nas últimas décadas, o Direito do Trabalho, com suas condições e relações sofreu grandes impactos.
Segundo Marcius Crus da Ponte Souza:
Essas mudanças ensejaram a necessidade de reavaliação da rigidez das normas trabalhistas, tidas como causadoras da crise do desemprego. Os imperativos econômicos promovem um questionamento acerca da permanência do princípio da proteção ao trabalho, que visa nivelar as desigualdades existentes entre os sujeitos no pacto empregatício.[10]
Em razão da inserção no mercado de novas técnicas de organização e gestão na produção, as condições de trabalho foram afetadas, por exemplo, pela introdução de jornadas de trabalho flexíveis e formas de remuneração variável. Por sua vez, a relação de trabalho foi alterada na medida em que os contratos tornaram-se mais flexíveis, por exemplo, criação de leis autorizando contratações temporárias, como é o caso da Lei 6.019/74.
Ademais, a combinação dos supracitados fatores, aliada a um período de baixo crescimento, estagnação econômica e desigualdades sócias profundas, promoveu no Brasil a precarização do trabalho, coma queda das remunerações, jornada de trabalho excessiva e grande aumento de ocupações informais.
Nesse sentido, Carlos Maurício Lociks de Araújo:
Outra conseqüência das pressões de mercado pelo aumento da relação produtividade/custo são as novas formas de emprego de mão-de-obra, a exemplo da terceirização, que inclui a contratação de trabalho familiar em pequenas empresas, fragmentando-se o processo produtivo; da informalidade (veja-se o caso dos "catadores" de latas de alumínio e de papel, que de modo absolutamente informal suprem a indústria de reciclagem); e do emprego temporário (precarizando os direitos do trabalhador). Tal movimento incrementa a heterogeneidade das relações de trabalho no Brasil, tida como relevante aspecto a ser considerado na formulação de políticas e de leis relativas ao emprego em nosso país[11].
O abalo provocado pela globalização econômica na estrutura de proteção social do Direito do Trabalho, para Mauro de Azevedo Menezes, levou, dentre outros efeitos às seguintes mudanças:
emergência de novas profissões e especializações; mobilidade do trabalho e flexibilização de sua estrutura ocupacional entre setores, regiões e empresas, provocando o declínio de salários reais; ampliação dos níveis de concentração de renda; acentuação do fosso entre os ganhos das várias categorias de trabalhadores; aumento do desemprego dos trabalhadores menos qualificados; esvaziamento da proteção jurídica contra o uso indiscriminado de horas extras, contra a modulação da jornada de trabalho e contra a dispensa imotivada; redução de benefícios de seguridade social, prestados pelo Estado e pelas empresas[12].
Indubitavelmente, com a abertura de mercados e pressões em torno da flexibilização o Direito do Trabalho sofreu grande impacto negativo, porquanto não houve um equilíbrio entre as relações trabalhistas que se revelam extremamente frágeis frente ao movimento cíclico do capitalismo e suas demandas mercadológicas.
Na visão de Luana Godoy e Renato Barbosa,
O que se constata é que a globalização aumentou as desigualdades, e com a alteração dos modos de produção, propagou à terceirização e os contratos por prazo determinado. A incerteza se acentua com a mutação do papel estatal para lidar com essas problemáticas. A alternativa proposta para enfrentar essas questões consiste na flexibilização da legislação trabalhista, o que exige uma análise da atuação sindical e da negociação coletiva permeada de cuidados, para que o argumento referente às novas necessidades do mercado globalizado não sirva como justificativa para a violação dos direitos dos trabalhadores.[13]
Nota-se, portanto, que o Direito não ficou a salvo das mudanças do capitalismo, pois está conectado com a idéia de soberania, revelada na aptidão do Estado em definir as normas a serem adotadas e executadas no âmbito do seu território.
Nessa toada, cumpre registrar que não pode o Estado Brasileiro permitir que o econômico sobreponha o social, isto porque o ordenamento jurídico brasileiro adota o ser humano como seu núcleo primordial, tal como preconizou a concepção kantiana.
Nas lições de Luiz Salvador:
Visionário foi o constituinte brasileiro em dar prevalência ao social, subordinando o capital ao atendimento das necessidades gerais da nação ganhando o contrato de trabalho novos contornos em respeito à dignidade humana. Tudo isso representa cidadania. Um cidadão sem emprego e ou com emprego precário deixa de ser cidadão para ser um "cidadão desigual, de segunda classe"...Enxergamos na proposta tida como de "consenso" um "arranjo" voltado mais a dar prevalência aos interesses do "Deus Mercado", proposta que já vige nos Países de "primeiro mundo" em que o modelo vem sofrendo críticas e propostas de mudanças, para a prevalência do social.[14]
Por fim, não podem os interesses pecuniários ser priorizados frente aos valores inerentes à pessoa humana. Assim, a ordem econômica deve evoluir de maneira que sejam respeitados os princípios da justiça social, conciliando a liberdade e a iniciativa com valorização do trabalho.
4. A NEGOCIAÇÃO COLETIVA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A fim de solucionar os conflitos surgidos nas relações de trabalho, a negociação coletiva surge como uma forma de autocomposição.
Amauri Mascaro Nascimento entende que:
O conflito não é apenas um fenômeno de dimensões sociológicas. É também um fato jurídico, estruturado em conjunto com instrumentos criados pela cultura jurídica dos povos, incluídos nos sistemas de organização normativa da sociedade, indispensáveis para o equilíbrio da vida na sociedade e nas relações entre as pessoas e os grupos.[15]
Outrossim, para Gilberto Sturmer, no tocante aos conflitos de trabalho, é natural que aqueles que dão sua força de trabalho para outrem, busquem sempre melhores condições de trabalho e de salário.[16]
Ademais, a negociação coletiva constitui uma forma de solução de conflitos extrajudicial, ou seja, as próprias partes entram em um consenso acerca de seus entraves, estabelecendo regras aplicáveis às relações individuais de trabalho.
Carlos Henrique Bezerra Leite define-a como:
um procedimento genérico e preliminar da autocomposição ou da heterocomposição. É a “mesa-redonda”, a “rodada de entendimentos”, o “protocolo de intenções” ou qualquer outro meio que irá culminar, no nosso sistema, em um acordo coletivo, uma convenção coletiva, uma sentença arbitral ou uma sentença normativa. Reconhecemos que o nosso conceito é aplicável especialmente no nosso ordenamento jurídico, pois a negociação coletiva é procedimento prévio obrigatório tanto para a celebração de convenção ou acordo coletivo quanto para o ajuizamento de dissídio coletivo.[17]
A Organização Internacional do Trabalho, em sua Convenção 154 consagra:
Negociação Coletiva compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte o empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, visando: 1 — fixar as condições de trabalho e de emprego; 2 — regular as relações entre empregadores e trabalhadores; 3 — regular as relações entre empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.[18]
Nesse contexto, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a negociação coletiva de trabalho como um meio de dirimir conflitos e as convenções e acordos coletivos como resultado da autocomposição. No primeiro caso, o ajuste é feito entre as entidades sindicais dos empregadores e dos empregados. De abrangência mais restrita, o acordo coletivo revela-se no pacto feito entre o sindicato representativo de uma categoria profissional com uma ou mais empresas. Neste último caso, é despicienda a representação da empresa por um sindicato, visto que o empregador, por sua própria natureza é um ser coletivo.
Registre-se que a Constituição Federal reconhece-os nos arts. 7º, inciso XXVI, 8º, inciso VI e 114, parág. 2º. Da mesma forma, legislação infraconstitucional nos arts. 611, 611, parág. 1º e 616 parágrafos.
Nesta senda, segundo as lições de Bezerra Leite:
As Constituições brasileiras anteriores à da Carta de 1988 não previam expressamente a negociação coletiva, embora a admitissem implicitamente, porquanto reconheciam a convenção coletiva de trabalho. A atual Constituição, portanto, além de reconhecer como direitos fundamentais dos trabalhadores a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho (art. 7º, XXVI), passou a tratar especificamente da negociação coletiva no seu art. 8º, inciso VI, que diz: “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”. Em nível infraconstitucional, apenas a CLT, no seu art. 616, §§ 1º, 2º e 4º cuidou da negociação coletiva.[19]
Cumpre salientar que a negociação coletiva de trabalho, dentre outros princípios, deve ser regida pela boa-fé, pelo dever de informação, razoabilidade e participação obrigatória das entidades sindicais. No que tange a esse último, insta dizer que são os sindicatos os legitimados para promoverem as tratativas a respeito da elaboração de um dos resultados da autocomposição.
Segundo José Carlos Arouca,
O sindicato hoje tem como prerrogativa fundamental a defesa de direitos e interesses, individuais e coletivos do grupo considerado como um todo, independentemente de filiação, a teor do que dispõe o inciso III do art. 8º da CF/88. A defesa de interesses coletivos supõe necessariamente a livre negociação, como regra obstaculada pelo dissídio coletivo.[20]
Nessa esteira, Bezerra Leite:
Além disso, a negociação coletiva em nosso ordenamento jurídico acaba sendo, na prática, monopólio sindical, seja em função da regra expressa no inciso VI do art. 8º da CF, seja porque as federações e confederações somente comparecem e participam das negociações coletivas quando não existirem sindicatos em determinada base territorial ou quando estes se recusarem a assumir a direção negocial.[21]
Ademais, a interveniência do sindicato na normatização coletiva constitui requisito essencial que confere validade ao instrumento negocial. Tal entendimento está consubstanciado no art. art. 8º, inciso VI, da Constituição Federal, que torna “obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”.
Quanto ao tema, Godinho sustenta a importância da participação sindical no processo de entabulação coletiva, afirmando que a equivalência gerada entre os sujeitos contrapostos, evita a negociação informal do empregador com grupos coletivos obreiros estruturados apenas de forma episódica, sem força sindical[22].
No tocante ao desenvolvimento da pactuação, por ser direta a negociação, tudo começa quando os sindicatos profissionais comunicam aos sindicatos patronais ou diretamente às empresas as suas reivindicações. Assim é porque o ordenamento jurídico impõe às partes a necessidade de manter o diálogo. Não havendo autocomposição entre as mesmas, busca-se a solução do conflito através da intervenção estatal. É o que consagra a Constituição Federal em seu parágrafo 2º do artigo 114:
Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou á arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.[23]
Assim, conclui-se que a negociação coletiva é requisito para a arbitragem e para a instauração de instância.
Questão interessante versa sobre a integração das cláusulas do acordo ou convenção coletiva nos contratos individuais de trabalho. Cumpre salientar que uma das características da supracitada forma de autocomposição é a provisoriedade, pois produz efeitos durante um determinado período de tempo.
O início dessa vigência ocorre três dias após o depósito do respectivo instrumento no do Ministério do Trabalho e Emprego, não podendo ser estipulado prazo superior a 2 (dois) anos. Cizânia resta formada quanto à possibilidade ou não de incorporar-se ao contrato de trabalho o conteúdo das cláusulas do acordo ou convenção coletiva.
Quanto ao tema, o ministro do TST Maurício Godinho Delgado[24] apresenta três posições interpretativas. A primeira delas – Aderência Irrestrita – sustenta que o conteúdo dos diplomas supracitados ingressam permanentemente no contrato de trabalho. A segunda corrente – Aderência Limitada pelo Prazo – defende que os dispositivos dos diplomas negociados vigoram no prazo assinado a tais diplomas, não aderindo indefinidamente ao contrato. Por fim, o terceiro e último entendimento- Aderência Limitada por Revogação – esteia-se na idéia de que os diplomas negociados vigoram até que novo diploma negocial os revogue.
O TST manifestou seu posicionamento na Súmula 277, consignando o seguinte:
I – As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.
...
4.1.NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO INSTRUMENTO PRECARIZADOR
A criatividade jurídica dos sindicatos, quando nas negociações coletivas deve ser enfrentada com muito cuidado. Isto porque sua utilização como mecanismo de flexibilização pode constituir meio de violação de direitos sociais arduamente conquistados.
Pelo exame de diversos instrumentos de pactuação coletiva pelo país inteiro, constata-se a prática reiterada da precarização dos direitos trabalhistas.
Nesse sentido, Luiz Salvador:
Atualmente, até mesmo direitos tidos como irrenunciáveis por se tratar de questão relativa à vida, à saúde, à segurança, tem sido admitida a flexibilização e consequente precarização, como é o caso específico da redução dos adicionais de insalubridade/periculosidade. Em nosso entender, a negociação coletiva serve para melhorar as condições de vida, de salário e de trabalho, não podendo emprestar-se validade à pactuação coletiva que reduza direitos já assegurados. [25]
Ainda, pela aplicação do princípio da proibição do retrocesso social, ratificado no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Estado, no pleno exercício da sua soberania deve observar a proteção progressiva dos direitos sociais. Assim, estes devem sempre ser construídos, produzidos, incrementados, nunca podem sofrer regressão.
Compartilhando desse entendimento, Marcius Souza sustenta que:
Os contratos coletivos lato sensu não podem fixar normas menos benéficas que a Constituição Federal. Sua atuação deve ser in mellius, pois impera o princípio da proteção ao trabalhador. Havendo conflito entre normas, deve ser resolvido pelo princípio da norma mais favorável e da vedação ao retrocesso (...) Vigora, no ordenamento pátrio, o princípio da vedação do retrocesso, que prega a invalidade da revogação de normas infraconstitucionais que regulem princípios ou bens jurídicos constitucionalmente protegidos, sem que seja acompanhada de uma política substitutiva ou compensatória, deixando um vazio no seu lugar. Tal princípio impõe a progressiva ampliação dos direitos sociais. É limitada a atuação pelo núcleo essencial já concretizado, impedindo recuos na efetivação dos direitos fundamentais sociais. Possui vícios de inconstitucionalidade a lei que vise eliminar ou reduzir o núcleo essencial dos direitos sociais trabalhistas já assegurados aos trabalhadores.[26]
Nessa toada, insta salientar que o fato de o ser coletivo obreiro participar da entabulação referente à renúncia de direitos trabalhistas, não confere legitimidade absoluta à pactuação. Isto porque, infelizmente, o sistema sindical brasileiro é frágil, por esse motivo não se pode defender a ampliação demasiada da prevalência do negociado sobre o legislado como mecanismo de alteração das relações trabalhistas.
Nesse sentido, em entrevista concedida ao Programa Justiça do Trabalho na TV, o Juiz do Trabalho Otávio Amaral Calvet, informou que a idéia de que os próprios atores sociais sabem o que é melhor para si e devem encaminhar livremente suas questões, entabulando acordo e convenções coletivas, deve pressupor uma série de requisitos, por exemplo, um bom sindicato e um ambiente de igualdade jurídica, porém estas não são observadas, gerando distorções na prática, o que conduz a uma atuação do Poder Judiciário.[27]
Da mesma forma, Marsha Almeida de Oliveira sustenta:
O desregramento da proteção heterônoma do trabalho, para dar lugar à autonomia privada coletiva, como muitos reivindicam como uma tendência e, até mesmo, como uma perspectiva de escala mundial, pressupõe sindicatos de boa representatividade em todas as regiões e de todas as categorias profissionais. Vale ressaltar, entretanto, que essa realidade não se verifica entre nós. Uma tendência natural e necessária passa a ser considerada, pelo menos aqui no Brasil, diante das circunstâncias, como meio de agravamento das desigualdades sociais que esmagam, a cada dia, grande parte de nossa população. Diante desse contexto, caminhamos a passos largos para a concretização de um verdadeiro retrocesso histórico.[28]
Dessa forma, conforme será visto adiante, pode-se concluir que um sindicato fraco, sem representatividade, associado a uma ampla possibilidade de negociação submete os trabalhadores aos ditames do neoliberalismo, o que gera uma exacerbada precarização dos direitos trabalhistas.
Insta registrar que sempre que o Poder Judiciário deparar-se com um instrumento coletivo que desprestigia o patamar civilizatório mínimo do trabalhador, precarizado as suas condições de trabalho, deve atuar no sentido de desconstituir o mesmo, pois o ordenamento jurídico não pode admitir tamanha afronta à dignidade da pessoa humana.
Questão de salutar importância diz respeito à sujeição do trabalhador diante da inobservância na elaboração dos instrumentos coletivos.
Sabe-se que a questão da manutenção do emprego ganha relevo a cada dia, porquanto é através dele que o trabalhador aufere ganhos para prover o seus sustento e da sua família.
Assim, em busca de soluções criativas que busquem amenizar os graves problemas da recessão e desemprego, os atores sociais são empurrados para o caminho da negociação, incluindo em suas pautas de negociação redução de direitos mínimos assegurados constitucionalmente, a fim de tentar manter os postos de empregos, ainda que isto custe o desprezo ao Trabalho Decente, conceituado por José Cláudio Monteiro de Brito como sendo:
O conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde á: existência do trabalho; liberdade do trabalho; á igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais. Negar o trabalho nessas condições, dessa feita, é negar os Direitos Humanos do trabalhador e, portanto, atuar em oposição aos princípios básicos que os regem, principalmente o maior deles, a Dignidade da Pessoa Humana.[29]
Conforme Arion Sayão Romita, os direitos fundamentais exercem dupla função, porquanto limitam o exercício do poder do empregador no curso da relação de emprego e representam barreira oposta à flexibilização das condições de trabalho mediante negociação coletiva. Acrescenta o autor:
Os direitos fundamentais dos trabalhadores (portanto, direitos indisponíveis em caráter absoluto, insuscetíveis de renúncia, mesmo em sede coletiva), são os seguintes: direitos da personalidade, liberdade ideológica, liberdade de expressão e de informação, igualdade de oportunidades e de tratamento, não discriminação, idade mínima de admissão no emprego, salário mínimo, saúde e segurança do trabalho, proteção contra a despedida injustificada, direito ao repouso (intervalos, limitação da jornada, repouso semanal remunerado e férias), direito de sindicalização, direito de representação dos trabalhadores e sindical na empresa, direito à negociação coletiva, direito à greve, direito ao ambiente de trabalho saudável.[30]
De fato, o sistema legal brasileiro privilegia a negociação coletiva de trabalho como meio de solução de conflitos (arts. 7º, XXVI, 8º, III, 8º VI, 114, § 2º da CF/88 e arts. 611, 611, § 1º, 616 e parágrafos da CLT), mas isso não importa admitir-se que seja utilizada como instrumento de precarizador da dignidade humana, que, como observa Flávia Piovesan impõe-se como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.[31]
4.2. LIMITES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA
Apesar de ser uma grande conquista dos trabalhadores, a negociação coletiva, reflexo do direito fundamental à liberdade, em razão do frágil sindicalismo brasileiro só pode ser realizada dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos, tendo como elemento norteador o princípio da dignidade da pessoa humana.
Como afirma Marcius Cruz:
A Constituição Federal de 1988 prevê, como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, princípio nuclear dos direitos humanos e valor fundante do sistema constitucional moderno, irradiando valores, em diferentes nuances, para quase todos os direitos fundamentais inscritos na Carta Magna. A dignidade é “uma qualidade intrínseca da pessoa humana, é algo que simplesmente existe, sendo irrenunciável e inalienável, na medida em que constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado.[32]
Sobre o tema, Mariana Rocha:
Não obstante as críticas relativas à invocação da dignidade como argumento jurídico devido à amplitude do seu significado, basta visualizar que a adoção do princípio aludido pelo ordenamento jurídico brasileiro reafirma que nenhuma espécie de negociação pode resultar na preponderância de quaisquer outros interesses sobre os valores intrínsecos a pessoa humana.[33]
Para Luana Godoy e Renato Barbosa,
Tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.[34]
Nesse contexto, a função dos direitos fundamentais cresce de importância, como leciona Arion Sayão Romita:
O núcleo duro representado pela gama de direitos denominados fundamentais resiste ao embate dos novos acontecimentos de ordem econômica para reafirmar o império da necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana.[35]
Assim é porque a dignidade da pessoa humana é elemento que faz parte da natureza humana, e a sua observância independe de raça, sexo, idade, origem social ou religião.
Não é despiciendo lembrar que, apenas as normas de indisponibilidade relativa podem ser objeto de entabulação. Tratando-se de normas imantadas pelo caráter público, de indisponibilidade absoluta, não pode haver, sequer, discussões com intuito de reduzir direitos já assegurados (princípio da proibição do retrocesso social), sob pena de ofensa á dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Luana Godoy:
Os direitos fundamentais dos trabalhadores não podem ser negociados em nenhuma hipótese. Dessa forma não podem ser objetos de negociação “ [...] direitos como a honra, o respeito à intimidade, o direito aos repousos, o direito ao salário mínimo, o direito de greve, etc., embora o direito de exercê-lo possa e deva constituir objeto de regulamentação pela via da negociação coletiva. São em resumo aqueles direitos que a doutrina denomina os mínimos necessários[36].
Ademais, na tentativa de conciliar os objetivos do direito individual (proteção) com o direito coletivo (autodeterminação) Godinho sustenta a necessidade de aplicação do Princípio da Adequação Setorial Negociada, que esteia-se na idéia, respeitados alguns limites, a norma coletiva pode prevalecer sobre a legislação, são eles: a) a norma autônoma deve prever um padrão de direitos superior ao da norma heterônoma, não afrontando os princípios do direito individual; b) de que a norma pode transacionar preceitos apenas de indisponibilidade relativa, não ofendendo portanto o patamar mínimo civilizatório, ou seja normas que garantem segurança, saúde e higiene do trabalhador, e que merecem uma tutela especial regida pelo interesse público em respeito à democracia que vivenciamos.
Registre-se que o referido princípio vem sendo utilizado em decisões de jurisprudência respeitável a fim de estabelecer limites no que tange á norma coletiva:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS - MULTA. HORAS EXTRAS DECORRENTES DE MINUTOS EXCEDENTES - ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. HORA EXTRA - INTERVALO INTRAJORNADA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ADICIONAL NOTURNO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE SEGUIMENTO DO RECURSO DE REVISTA. MANUTENÇÃO. Pelo princípio da adequação setorial negociada, as normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre uma certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista, desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. Contudo, desrespeitados os direitos e garantias mínimos, tem-se a nulidade da cláusula da norma coletiva que ultrapassar os limites da adequação setorial negociada. Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido. TST - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA: AIRR 842003220095030028 84200-32.2009.5.03.0028.[37]
RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA. DILAÇÃO A PERÍODO SUPERIOR A DUAS HORAS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. POSSIBILIDADE. À luz do princípio da adequação setorial negociada, as normas autônomas coletivas somente podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista quando observarem dois critérios autorizativos essenciais: a) quando as normas coletivas imporem padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável (o clássico princípio da norma mais favorável, portanto). Em segundo lugar,(b), quando as normas autônomas transacionarem parcelas trabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta). É o que ocorre com normas que ampliam o intervalo entre dois lapsos de trabalho (alargando, pois, o intervalo máximo de duas horas de que fala o art. 71, caput, da CLT - dispositivo que tem sido comumente incluído, inclusive, nas negociações coletivas que envolvem transporte urbano). A decisão do Regional, portanto, está consonante com o art. 71, caput, da CLT. O que é vedado à negociação coletiva é diminuir ou eliminar o intervalo intrajornada, mas não alargá-lo por além de uma ou duas horas para refeição (OJ 307, SDI-1/TST). Recurso de revista não conhecido. TST - RECURSO DE REVISTA: RR 1689007220055080114.[38]
Quanto ao tema, Mariana Rocha,
Também não configura afronta à Constituição da República que a norma autônoma prevaleça sobre a heterônoma quando implementar melhores condições de trabalho, beneficiando o empregado, pois, assim sendo, a norma coletiva estaria em plena sintonia com os princípios basilares do Direito do Trabalho. A Carta Constitucional é a confirmação desta afirmativa ao declarar no caput do art. 7º: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria da sua condição social” (grifo do autor).[39]
Questão interessante é a compensação a ser feita sempre que direitos dos trabalhadores forem reduzidos.
Para Otávio Calvet deve haver na negociação coletiva verdadeira transação com compensação, para moldar a lei à realidade de determinada categoria. O art. 7º, VI, da CF, dispõe sobre exceção à irredutibilidade salarial, porém esta só pode se justificar em situações emergenciais, deve ser temporária, a fim de enfrentar momentos de crise. Aceitando o trabalhador a redução, deve o empregador oferecer uma compensação. Por exemplo, para que a empresa não quebre, reduz-se temporariamente o salário mas dá-se uma garantia de emprego ou algum outros benefício, não se justificando uma redução eterna para se enfrentar o momento difícil, devendo ser coibidos os abusos.[40]
Nessa toada, Mariana Rocha afirma que a negociação coletiva, para ser considerada válida não pode se caracterizar pela mera renúncia de direitos de uma parte. Deste modo, deve haver uma privação de direitos de ambas as partes para que nenhuma delas saia prejudicada.[41]
Assim, a mera instrumentalização de um pacto sem o caráter sinalagmático não o transforma em norma coletiva válida, ou seja, ao lado do aumento da jornada sem o respectivo aumento salarial, deve existir uma outra compensação, ou vantagem para os trabalhadores, sob pena de o pacto coletivo tranformar-se num mero mecanismo de ajuste às necessidades econômicas do empregador.
Interessante é o entendimento esposado pelo Procurador do Trabalho Otávio Brito acerca dos limites constitucionais ao pacto coletivo:
O primeiro limite constitucional à negociação coletiva é o próprio art. 7º da Constituição Federal, que constitucionaliza praticamente todos os principais institutos do direito do trabalho e impõe, com regra, uma legislação protetiva (vide "caput" do art. 7º). A redução do terreno negocial é flagrante e inconteste. Um segundo aspecto a ser considerado, é que a negociação coletiva de trabalho só pode ter por objeto o ajuste de condições que incidam sobre os contratos de trabalho (30) (cláusulas normativas), que disciplinem relações entre os sindicatos convenentes (cláusulas obrigacionais),ou que se refiram à própria convenção ou acordo coletivo de trabalho (duração, prorrogação, modificação, multa por descumprimento etc). Questões estranhas ao contrato de trabalho e às partes envolvidas na negociação coletiva são pertinentes.[42]
Não obstante alguns autores tentem fixar contornos para a negociação coletiva, tal questão parece ter sido deixada para ser dirimida pelo Judiciário, porquanto não existe clareza no ordenamento jurídico acerca do que seja ou não passível de ser negociado pelos atores coletivos. Daí a importância da jurisprudência quanto ao tema.
Nesse sentido, Ives Gandra Martins:
Assim, a questão da flexibilização e de seus limites foi deixada para ser resolvida pelo Judiciário Laboral, esperando-se que a jurisprudência pudesse superar os impasses decorrentes do fracasso na reforma trabalhista. No entanto, o TST, como órgão de cúpula do Judiciário Trabalhista e uniformizador da jurisprudência laboral, não tem dado sinalização unívoca a respeito da matéria, por não ofertar parâmetros claros e seguros capazes de distinguir o que seja flexibilização e o que seja precarização de direitos trabalhistas. Daí a flutuação da jurisprudência, que, ora placita, ora cassa cláusula de acordo ou convenção coletiva que adota parâmetros diversos dos legais para disciplinar as condições de trabalho no âmbito de uma determinada empresa ou categoria profissional.[43]
Assim, caberá à Justiça do Trabalho como um todo e ao Tribunal Superior do Trabalho, como órgão de cúpula e intérprete maior da legislação trabalhista, assinalar o norte para a negociação coletiva, portanto, a jurisprudência será decisiva para definir os contornos desta.