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A inconstitucionalidade da restrição territorial da sentença proferida em ação civil pública

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08/06/2012 às 14:03
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É descabida a alteração feita por meio da Medida Provisória nº 1.570/97, convertida na Lei nº 9.494/97, que fixou, como limite territorial aos efeitos da coisa julgada proferida em ações civis públicas, o território do órgão prolator da decisão.

1. Introdução

O presente trabalho tem por fito analisar a impertinente e inconstitucional modificação introduzida pela Medida Provisória nº 1.570/97 no texto da Lei nº 7.347/85, ao alterar o seu art. 16 para restringir os efeitos territoriais da coisa julgada erga omnes emanada das decisões proferidas em ações civis públicas.

Para tanto, partimos da análise do instituto da coisa julgada, identificando-o e conceituando-o doutrinária e legalmente em nosso ordenamento jurídico, de modo a detalhar-te em suas características e limitações.

A partir disso, faz-se um breve histórico acerca da criação e alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85, apontando as principais críticas encontradas na doutrina nacional, ora acolhidas e ora não pelos tribunais superiores. Ato contínuo, enfrenta-se alguns aspectos que se entendem inconstitucionais na mencionada norma, para por fim explana a conclusão do trabalho.


2. Considerações gerais sobre a coisa julgada

O estado democrático de direito constitui um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, caput, da CRFB) e manifesta-se, em relação às funções do Poder Judiciário, por meio do instituto da coisa julgada, traduzindo a opção constitucional pela efetivação da segurança jurídica, porquanto aquela – coisa julgada – representa instrumento da pacificação social almejada.[1]

Com efeito, “entre o justo absoluto, utópico, e o justo possível, realizável, o sistema constitucional brasileiro, a exemplo do que ocorre na maioria dos sistemas democráticos ocidentais, optou pelo segundo (justo possível)”, de sorte que nem a lei pode modificar a coisa julgada material, haja vista se tratar de uma garantia individual fundamental (art. 5º, XXXVI, da CRFB), pertencente ao núcleo intangível da Magna Carta (art. 60, §4º, da CRFB).[2]

Justamente por tais considerações é que a coisa julgada só poderá ser formada em um processo judicial, após o Poder Judiciário examinar e decidir a demanda, sem que a parte possa mais atacar no curso natural do processo tal decisão de mérito – coisa julgada formal – ou em qualquer outro – coisa julgada material.

Nesse diapasão, tem-se como acertada a afirmação de Nelson Nery Júnior[3] ao dizer que a coisa julgada material é a consequência necessária do exercício do direito de ação por meio do processo. Vale dizer, uma decisão judicial de mérito proferida em processo judicial válido tem como efeito inexorável a formação da coisa julgada material.

Entretanto, a coisa julgada possui disciplinamento infraconstitucional, sendo possível a este legislador estabelecer parâmetros normativos para a sua formação, seja por meio da exigência de pressupostos mais ou menos rígidos para a sua formação, seja mesmo pela sua inocorrência em situações jurídicas especiais.[4]

Da mesma forma, faz-se mister ainda observar os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada. Os primeiros dizem respeito ao objeto ou matéria que será acobertada pela coisa julgada; enquanto que os segundos guardam relação com as partes/pessoas que serão atingidas por seus efeitos.

Sendo assim, sabe-se que a coisa julgada abrange apenas o dispositivo da decisão judicial, não alcançando os fundamentos de fato e de direito desta, embora seus efeitos subjetivos possam manifestar-se, basicamente, de três formas, a saber: inter partes, ultra partes e erga omnes.[5] Coisa julgada inter partes é aquela que somente se vincula às partes do processo. É a regra geral consagrada no art. 472 do CPC. As exceções, portanto, são a coisa julgada ultra parte, a qual transcende seus efeitos a terceiros que sequer participaram do processo, como nos casos de substituição processual; e a coisa julgada erga omnes que estende seus efeitos a todos os jurisdicionados, tenham estes participado ou não do processo, a exemplo das ações coletivas que versam sobre direitos difusos ou individuais homogêneos e das ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Frise-se, por oportuno, que há quem não diferencie a coisa julgada ultra partes da coisa julgada erga omnes, a exemplo de Antônio Gidi, haja vista que a coisa julgada nunca há de submeter todos, em qualquer lugar, sem existir um mínimo vínculo com a causa para que sejam atingidos pela decisão.[6] Ainda assim, é inegável que os efeitos da coisa julgada alcançam a todos aqueles que guardem relação com o objeto discutido no processo coletivo estejam onde estiverem no âmbito jurisdicional brasileiro.

Isso porque os interesses tutelados nas ações coletivas pertencem a uma coletividade, quase sempre indeterminada, não possuindo os legitimados para o ajuizamento da ação a titularidade do direito perseguido, motivo pelo qual se excetua a regra prevista no art. 472 do CPC.[7] Sobre o tema vale transcrever preciosa passagem de Xisto Tiago Medeiros Neto, citado por Renato Saraiva[8], in verbis:

Em sede de processo coletivo, à vista da natureza dos interesses tutelados, alteram-se sensivelmente as regras do processo tradicional que moldam a coisa julgada, principalmente em relação aos limites subjetivos da sentença.

É que, no sistema tradicional, a coisa julgada não atinge terceiros alheios ao processo, cingindo-se apenas às partes referidas na sentença de mérito (CPC, art. 472) e, nas ações coletivas (civis públicas), essa solução torna-se inócua e inadequada, considerando que o processo é conduzido por um ente legalmente legitimado em defesa de direito pertencente a uma coletividade, maior ou menor, quase sempre indeterminada. Assim, é absolutamente incongruente, na tutela coletiva, falar-se em alcance dos efeitos da sentença apenas à parte processual (ativa), já que ela não detém a titularidade da pretensão deduzida em juízo.

Não por outra razão o Código de Defesa do Consumidor estabelece regras específicas para a produção de efeitos da coisa julgada proveniente das ações coletivas, consoante se depreende dos seus artigos 97, 103 e 104.

 Os sobreditos dispositivos legais definem, em síntese, três espécies de coisa julgada a depender do interesse envolvido, da procedência ou improcedência do pedido – secundum eventum litis -, seja por ausência de provas ou por outro motivo – secundum eventum probationis. 

Nessa esteira, as ações coletivas que versem sobre direitos difusos possuem eficácia erga omnes para beneficiar inclusive interessados individuais em caso de procedência ou apenas em relação aos legitimados à propositura da ação em caso de improcedência que não seja por ausência de prova, uma vez que por tal motivo tal decisão não possui eficácia erga omnes.

Se a ação coletiva versar sobre direito coletivo, sua procedência possui eficácia ultra partes limitada ao grupo, categoria ou classe substituída, ou apenas aos legitimados à propositura da ação no caso de improcedência que não seja por ausência de prova, uma vez que por tal motivo tal decisão não possui eficácia ultra partes.

Por derradeiro, tratando-se de ação coletiva cujo objeto envolva direito individual homogêneo, sua procedência possui eficácia erga omnes para beneficiar as vítimas e sucessores, ou sem esta eficácia em caso de improcedência por ausência de provas ou por qualquer outro motivo.

 Destarte, feitas as considerações linhas acima, pode-se avançar para a análise do art. 16 da Lei nº 7.347/85.


3. Art. 16 da Lei nº 7.347/85: uma restrição indevida do legislador brasileiro ao direito de acesso à justiça

O legislador ordinário, pré-constituinte de 1988, elaborou a Lei nº 7.347, em 24 de julho de 1985, dando continuidade a uma nova tendência processualística em nosso ordenamento jurídico, já dantes inaugurada com a Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965 (Lei da Ação Popular), bem como em alguns artigos referentes à própria Consolidação das Leis do Trabalho, em especial em relação ao dissídio coletivo (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943). Assim, iniciava-se, ainda de maneira incipiente, o microssistema processual coletivo no Brasil.

Com efeito, a Lei nº 7.347/85 representou uma forte ferramenta de tutela dos direitos coletivos, lato sensu, da sociedade brasileira, e em sua redação original estabelecia que a coisa julgada formada nas decisões proferidas sob sua égide produzia efeitos erga omnes quando julgadas procedentes, consoante se infere do vetusto texto de seu art. 16, in verbis:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Deveras, sua redação original estava em consonância com a sistemática da tutela coletiva, dada as qualidades específicas dos direitos conduzidos por tais ações, pertencentes a uma coletividade que, via de regra, está representada em juízo por uma entidade legitimada por lei, assim como em relação ao próprio desiderato de tal instituto no que tange ao tratamento molecular de determinados assuntos jurídicos, evitando-se, pois, a proliferação de demandas idênticas com tratamentos distintos, provendo em última análise a segurança jurídica e a economia processual.

Malgrado os aludidos aspectos, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso editou, em 21 de agosto de 1997, a Medida Provisória nº 1.570, editada cinco vezes até sua conversão na Lei nº 9.494, em 10 de setembro de 1997, que veio a mitigar tanto a possibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quanto a extensão dos efeitos da coisa julgada produzida em decisões que julgavam as ações civis públicas.

Nesse passo, a redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85 passou a dispor o seguinte:

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova

A toda evidência a alteração levada a efeito pelo Governo Federal à época, sob a chancela do Congresso Nacional, traduz uma verdadeira incongruência com todo o sistema processual coletivo, transparecendo a inversão da ordem dos valores constitucionais, na medida em que priorizou o interesse público secundário – ou quiçá interesses outros que não públicos – em detrimento do interesse público primário, por meio de uma medida autoritária e atécnica.

Reconheceu tamanha insensatez Xisto Tiago de Medeiros Neto[9], com as seguintes palavras:

A erronia, traduzida pela inserção, na redação original do dispositivo, da expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”, está em que absurdamente se confunde e se baralha competência com limites subjetivos da coisa julgada erga omnes .

Tamanha insensatez, que almejou impor restrição ilegítima à defesa de direitos difusos e coletivos, somente pode ser atribuída à reação destemperada do governo federal, à época da edição da lei, diante de interesses fazendários contrariados em face do ajuizamento de várias ações civis públicas, principalmente por parte do Ministério Público. Não fosse isso, como justificar que a iniciativa de alterar o referido art. 16 somente tenha surgido mais de dez anos após sua vigência e ainda por meio de medida provisória?

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O certo é que a competência do juízo do local do dano é de natureza absoluta e se estabelece de acordo com os arts. 2º da LACP e 93 do CDC. E, por um imperativo lógico, dela não decorrem os efeitos erga omnes (ou ultra partes) da coisa julgada, os quais se produzem por força da natureza (indivisível) do interesse coletivo tutelado (ontologicamente sem possibilidade de fracionamento territorial), alcançando a coletividade beneficiada pela ação, independentemente dos locais em que seus membros venham a se encontrar (art. 103 do CDC).  

De fato, buscou-se, sem êxito, fragmentar as decisões coletivas, desnaturando todo o sistema de extensão subjetiva dos efeitos das decisões coletivas, uma vez que vige em nosso ordenamento jurídico um micro sistema processual coletivo, máxime em relação ao entrosamento entre a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, de sorte que o art. 21 da Lei nº 7.347/85 autoriza a aplicação do art. 103 do CDC a suas ações, restando incólume a extensão dos efeitos territoriais erga omnes nas ações civis públicas, consoante percebeu Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery Jr, ipsis literis:[10]

Ineficaz porque a alteração ficou capenga, já que incide o CDC 103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamento na LACP, por força do LACP 21 e CDC 90. Para que tivesse eficácia, deveria ter havido alteração da LACP 16 e do CDC 103. De consequência, não há limitação territorial para eficácia erga omnes da decisão proferida em ação civil pública, quer esteja fundada na LACP, quer no CDC

A restrição ao acesso à Justiça por via coletiva vai de encontro à própria razão de ser dos instrumentos de tutela dos interesses e direitos coletivos, e pode ser facilmente impugnada por cinco objeções apontadas por Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.[11], as quais se impende transcrever:

a)                  Ocorre prejuízo a economia processual e fomento ao conflito lógico e prático de julgados;

b)                 Representa ofensa aos princípios da igualdade e do acesso à jurisdição, criando diferença no tratamento processual dado aos brasileiros e dificultando a proteção dos direitos coletivos em juízo;

c)                  Existe indivisibilidade ontológica do objeto da tutela jurisdicional coletiva, ou seja, é de natureza dos direitos coletivos lato sensu sua não separatividade no curso da demanda coletiva, sendo legalmente indivisíveis (art. 81, parágrafo único, do CDC);

d)                 Há, ainda, equívoco na técnica legislativa, que acaba por confundir competência, como critério legislativo para repartição de jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é uma em todo território nacional;

e)                  Por fim, existe a ineficácia da própria regra de competência em si, vez que o legislador estabeleceu expressamente no art. 93 do CDC (lembre-se, aplicável a todo sistema das ações coletivas) que a competência para o julgamento de ilícito de âmbito regional ou nacional é do juízo da capital dos Estados ou no Distrito Federal, portanto, nos termos da Lei em comento, ampliou a “jurisdição do órgão prolator”.

Por fim, é imperioso anotar que, nada obstante todas essas considerações, as jurisprudências do Colendo Superior Tribunal de Justiça e do Colendo Tribunal Superior do Trabalha ainda vacilam acerca do assunto, conforme se depreende dos arestos de ambas as Cortes abaixo transcritos:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APADECO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DE COMBUSTÍVEIS (DL 2.288/86). EXECUÇÃO DE SENTENÇA. EFICÁCIA DA SENTENÇA DELIMITADA AO ESTADO DO PARANÁ. VIOLAÇÃO DO ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494/97. ILEGITIMIDADE DAS PARTES EXEQÜENTES. 1. Impossibilidade de ajuizamento de ação de execução em outros estados da Federação com base na sentença prolatada pelo Juízo Federal do Paraná nos autos da Ação Civil Pública nº 93.0013933-9 pleiteando a restituição de valores recolhidos a título de empréstimo compulsório cobrado sobre a aquisição de álcool e gasolina no período de jul/87 a out/88, em razão de que em seu dispositivo se encontra expressa a delimitação territorial adrede mencionada. 2. A abrangência da ação de execução se restringe a pessoas domiciliadas no Estado do Paraná, caso contrário geraria violação ao art. 2º-A da Lei nº 9.494/97, litteris: "A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator". 3. Recurso especial parcialmente conhecido, e nesse ponto, desprovido. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 665.947, rel. Min. José Delgado, j. 02.12.2004, publicado no DJ de 12.12.2005) (Grifei)

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFEITOS DA SENTENÇA. ÂMBITO TERRITORIAL. DANO MORAL COLETIVO. INTERESSE DIFUSO. RESERVA DE QUOTAS. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DE empregadoS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA OU REABILITADAS, NO PERCENTUAL DEFINIDO NA NORMA LEGAL. A alegação do reclamado de que cumpriu a norma legal, que exige percentual de contratação de empregados reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, considerando o número de empregados em cada filial ou agência, não condiz com o disposto na norma legal, que determina a apuração, para incidência do percentual, em relação ao número de empregados da empresa, e não em cada estabelecimento. Confirmado o dano moral coletivo, é de se verificar os efeitos da decisão, que determinou obrigação de fazer, no caso de reserva de postos de trabalho, com o fim de contratação de trabalhadores portadores de deficiência habilitados e beneficiários da previdência social reabilitados, até atingir o percentual legal adequado ao número total de empregados da empresa, e de não dispensar tais empregados, sem a contratação de empregado substituto em situação análoga, além de penalidade pecuniária, com o fim de assegurar o cumprimento da lei, a ser revertida ao FAT, e indenização por dano moral coletivo, também a ser revertida ao FAT. Apenas reforma-se a v. decisão, para adequá-la ao que dispõe o art. 16 da LACP, que embora confira efeitos erga omnes à sentença proferida em Ação Civil Pública, limita a abrangência competência territorial do órgão prolator da decisão. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. (RR - 177640-86.2003.5.06.0003, Rel. Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: 14/09/2007) (Grifei)

PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS NAS CARDENETAS DE POUPANÇA. AÇÃO PROPOSTA POR ENTIDADE COM ABRANGÊNCIA NACIONAL, DISCUTINDO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNIOS. EFICÁCIA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. DISTINÇÃO ENTRE OS CONCEITOS DE EFICÁCIA DA SENTENÇA E DE COISA JULGADA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. - A Lei da Ação Civil Pública, originariamente, foi criada para regular a defesa em juízo de direitos difusos e coletivos. A figura dos direitos individuais homogênios surgiu a partir do Código de Defesa do Consumidor, como uma terceira categoria equiparada aos primeiros, porém ontologicamente diversa. - A distinção, defendida inicialmente por Liebman, entre os conceitos de eficácia e de autoridade da sentença, torna inóqua a limitação territorial dos efeitos da coisa julgada estabelecida pelo art. 16 da LAP. A coisa julgada é meramente a imutabilidade dos efeitos da sentença. Mesmo limitada aquela, os efeitos da sentença produzem-se erga omnes, para além dos limites da competência territorial do órgão julgador. - O procedimento regulado pela Ação Civil Pública pode ser utilizado para a defesa dos direitos do consumidor em juízo, porém somente no que não contrariar as regras do CDC, que contem, em seu art. 103, uma disciplina exaustiva para regular a produção de efeitos pela sentença que decide uma relação de consumo. Assim, não é possível a aplicação do art. 16 da LAP para essas hipóteses. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª Turma, REsp 411.529-SP, rel. Min. Nancy Andringhi, julgado em 04.10.2007, publicado no DJe em 05.08.2008) (Grifei)

RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFEITOS DA DECISÃO. AMPLIAÇÃO DOS LIMITES TERRITORIAIS IMPOSTOS PELA DECISÃO PRIMÁRIA. VIOLAÇÕES LEGAIS NÃO VERIFICADAS. NÃO-CONHECIMENTO. O Regional decidiu pela ampliação dos efeitos da decisão, quanto aos limites territoriais impostos pela decisão primária, mediante o fundamento de que quando estão em discussão direitos coletivos, de caráter indivisível, portanto, os efeitos da coisa julgada hão de ser erga omnes e ultra partes, limitadamente ao grupo, categoria ou classe, mas pouco importando que os danos ocorridos sejam locais, regionais ou nacionais. Isso por disposição expressa do art. 103, I e II, da Lei 8078/90 Código de Defesa do Consumidor cujas regras constantes do Título III são aplicáveis à espécie, por força do que prescreve o art. 21 da Lei de Ação Civil Pública (a fls. 1943). Afasta-se, portanto, a alegação de violação do artigo 16 da Lei n.º 7347/85, com a alteração promovida pela Lei n.º 9494/97, segundo ao qual se preceitua que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, afigurando-se razoável a interpretação conferida aos termos do artigo, tendo em vista que os efeitos da decisão proferida em favor de determinado grupo deve atingi-lo como um todo, dada a indivisibilidade do direito. Recurso não conhecido.- (Ac. 4.ª Turma, TST-RR-471/2002-096-03-00.5, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, DJ de 13.3.2009) (Grifei)

Diante de tudo que foi exposto linhas atrás, é imperioso concluir pela malsinada intromissão legislativa ao restringir o acesso à justiça pela via coletiva, de sorte que passaremos à análise de alguns dos aspectos que julgamos inconstitucionais na referida alteração.

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Sobre o autor
Pedro Ivo Lima Nascimento

Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela EMATRA XIX. Assessor jurídico do gabinete da Procuradora-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Pedro Ivo Lima. A inconstitucionalidade da restrição territorial da sentença proferida em ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3264, 8 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21958. Acesso em: 19 abr. 2024.

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