5. AS DETENTAS DA PENITENCIÁRIA FEMININA DE TERESINA
5.1. Dados gerais sobre a população carcerária feminina
No Estado do Piauí, segundo dados do Ministério da Justiça218, até dezembro de 2010, 99 mulheres se encontravam sob custódia em estabelecimentos penais, um número muito inferior ao de presos do sexo masculino, que era de 2.615. A mesma relação, com outros índices, se repete em outros estados, como, por exemplo, em São Paulo, que tem 8.491 mulheres presas enquanto o número de homes é 155.185, e no Amazonas, com 405 mulheres presas e 4.046 homens. Observa-se, portanto, que o número de mulheres presas, no Brasil, é inferior ao de homens, o que pressupõe que o número de mulheres que pratica infrações penais é igualmente inferior.
Da mesma forma, ainda de acordo com o relatório do Ministério da Justiça, pode-se constatar que, no Piauí, os crimes que levaram a grande maioria das mulheres às penitenciárias foram crimes com grau diminuto de violência, e que as penas aplicadas à maioria delas não ultrapassa 04 (quatro) anos de reclusão. Diferentemente de uma antiga conjuntura, como anteriormente exposto, em que a grande maioria das mulheres que recebiam punição do Estado se encontravam em tal condição em virtude de crimes motivados por uma intensa paixão ou emoção219, os chamados crimes passionais, ou ainda crimes relacionados à prostituição, infanticídio e aborto, crimes classificados como “delitos de gênero”220, observamos, no entanto, que atualmente, os maiores índices se encontram relacionados a crimes como furto, roubo e tráfico de entorpecentes.
Todavia, conforme anteriormente apontado, muitas mulheres que se encontram encarceradas, mesmo que por crimes outros não relacionados com os crimes de gênero, ao serem questionadas por pesquisadores em outros estados, apontaram relacionamentos como motivadores das práticas delitivas, o que viria a confirmar a tese de que as mulheres, ainda assim, se envolvem em problemas legais em virtude da existência de um conflito afetivo.
No estado do Piauí, entretanto, não há dados sobre o problema apontado, de modo que consiste no objetivo deste trabalho verificar as motivações das mulheres que se encontram sob custódia no sistema prisional para o cometimento dos crimes que as levaram ao encarceramento, tomando como hipótese a existência de vínculos afetivos com terceiros como fator motivador.
5.2. Estudo preliminar e seleção da amostra
A fim de verificar as condições apontadas nesta pesquisa e buscando obter parâmetros para a seleção de detentas a participar do estudo, realizou-se, inicialmente, uma pesquisa no Fórum Criminal de Teresina, onde foram analisados 13 (treze) processos, na 3ª e 7ª Varas Criminais, que foram escolhidas em razão da facilidade de acesso desta pesquisadora.
Os critérios utilizados para seleção dos processos foram: denunciado pertencente ao gênero feminino e processos já sentenciados. Foram vistos 09 (nove) processos na 3ª Vara Criminal, para onde são distribuídos processos variados, de crimes como roubo a homicídio, e 05 (quatro) processos na 7ª Vara Criminal, para onde são distribuídos os processos relacionados às substâncias entorpecentes.
Imagem 1
Conforme “Demonstrativo do acervo processual da secretaria da 3ª Vara Criminal de Teresina – Piauí” (Imagem 1), atualizado até 10 de maio de 2011, de um total de 2.707 (dois mil setecentos e sete) processos distribuídos, existiam 303 (trezentos e três) processos sentenciados (com réus presos e soltos). Não existiam dados relativos a quantidade de processos em que os réus eram mulheres. Dessa forma, foram analisados todos os processos já sentenciados que foram encontrados. O Diretor da Secretaria da 3ª Vara, Otávio Soares da Silva, confirmou que o número de processos em que apareciam mulheres como autoras de crimes eram muito poucos.
Imagem 2
Segundo relatório do movimento forense relativo ao mês de abril (Imagem 2), a 7ª Vara Criminal contava com um total de 1.045 (mil e quarenta e cinco) processos, sendo que, destes, 25 (vinte e cinco) haviam sido julgados. Dos anos de 2009 a 2011, existem na 7ª Vara Criminal 99 (noventa e nove) processos com mulheres acusadas por tráfico de drogas, com um total de 104 (cento e quatro) mulheres acusadas, sendo que, destas, 33 (trinta e três) encontram-se presas e, ainda, apenas 10 (dez) foram condenadas. Quanto a estes processos, da 7ª Vara Criminal de Teresina, foram vistos apenas 05 (cinco) processos, em razão da especificidade dos processos em tramitação nesta vara, razão pelas quais as situações verificadas acabarem por se repetir.
Com relação à distribuição de crimes cometidos nos processos vistos, levando em consideração as Varas Criminais e a legislação aplicável em cada caso, esta se dá da seguinte forma:
Gráfico 1: Distribuição de crimes cometidos nos processos vistos no Fórum Criminal de Teresina
Fonte: pesquisa direta
Em um dos processos pesquisados houve cumulação na condenação da Ré dos crimes de calúnia (art. 138), difamação (art. 139), injúria (art. 140), falsidade ideológica (art. 299) e falso testemunho ou falsa perícia (art. 343), pelo que se preferiu colocá-los agrupados em uma mesma coluna, por não ter havido incidência de nenhum dos crimes apontados em qualquer outro processo visto. Os crimes relacionados à Lei nº 10.826/03 (Estatuto de desarmamento), apareceram em cumulação aos processos cujos crimes estão previstos na Lei nº 11.343/06 (Lei de Tóxicos).
Com base na consulta realizada, constatou-se que a maioria dos processos que apresentavam situação semelhante à descrita neste trabalho encontrava-se relacionada aos crimes previstos na Lei de Tóxicos, confirmando os resultados obtidos por outros pesquisadores, alguns dos quais apontados em capítulo anterior, de acordo com a seguinte composição:
Gráfico 2: Processos que apresentavam situação semelhante à investigada na pesquisa
Fonte: pesquisa direta
Sobre essa questão especificamente, Paulo Roberto da Silva Bastos, afirma:
Com relação ao tráfico de entorpecentes que constam nos dois universos pesquisados – Juiz de Fora e Minas Gerais – de acordo com Vergara (1998), a mulher atua muito mais como coadjuvante, sendo que o protagonista nesta situação geralmente é do sexo masculino e sempre estão ligados por laços de afetividade, como irmão, parceiros, parentes.221
A Diretora da Penitenciária Feminina de Teresina, Geracina Olímpio, igualmente corroborou este entendimento, de que as acusadas de crimes relacionados ao tráfico de drogas se identificam com maior facilidade à situação exposta na pesquisa do que as acusadas por outros crimes.
Diante disso, a seleção das detentas entrevistadas foi feita pela própria Diretora da Penitenciária, que, com base no objetivo da pesquisa e de sua vivência com as internas, selecionou 13 (treze) destas, que se dispuseram a participar da pesquisa.
5.3. As entrevistas
As entrevistas ocorreram em uma sala na Penitenciária Feminina destinada aos contatos entre os advogados e as detentas, e foram realizadas de maneira individual, uma por uma. Primeiramente, foi explicado quem era a pesquisadora e em que consistia o estudo e a entrevista, para então se realizar o convite à participação das mesmas no estudo.
Diante da concordância, foi pedido que cada uma delas assinasse Termo de Livre Consentimento Esclarecido. As entrevistas não puderam ser gravadas, em razão da falta de autorização da Diretora da Penitenciária, mas as respostas relevantes foram transcritas, de acordo com o questionário elaborado (Imagem 3). O questionário era do tipo perguntas fechadas e respostas abertas, de forma que não induzisse qualquer resposta por parte das entrevistadas.
Imagem 3
Desse modo, as perguntas iniciais estão relacionadas ao convívio social das detentas, antes do encarceramento, a fim de que se pudesse avaliar as condições das mesmas, e, principalmente, a existência de relacionamentos afetivos, pressuposto desta pesquisa. As perguntas seguintes eram específicas sobre o envolvimento das detentas com a criminalidade, averiguando a existência de experiências anteriores e a forma como se deu e a motivação para o envolvimento com o crime, onde se poderia constatar a existência da relação da afetividade com a prática criminosa, objeto deste estudo. Em seguida, foram feitas perguntas relacionadas à percepção das mesmas quanto à situação vivenciada e expectativas futuras, com o intuito de analisar seus planos e chances de reincidência.
As entrevistadas, inicialmente, tinham receio de responder às perguntas, temendo possíveis prejuízos, porém, ao longo da conversa, terminavam por falar livremente, contando até fatos de sua vida pessoal alheios à pesquisa. Algumas, inicialmente, negavam a autoria do crime, mas, posteriormente, acabavam confessando a autoria e se justificando. Muitas, ainda, mostravam sentir constrangimento pela prática do crime.
5.4. Identificação dos resultados com a pesquisa
As entrevistadas tinham idades que variam dos 23 (vinte e três) aos 44 (quarenta e quatro) anos. Das 13 (treze) entrevistas, apenas uma não era natural do Piauí, mas de Balsas, do Maranhão. Uma delas não sabia ler nem escrever, e apenas uma tinha o ensino superior completo. Algumas freqüentaram a escola na própria penitenciária. A maioria trabalhava em empregos informais, e 03 (três) eram dependentes de seus companheiros, pois não tinham emprego, e o mesmo número admitiu ser usuária de drogas. Percebe-se, pela análise destes dados, que a grande maioria das detentas não se encontrava em boas condições sócio-econômicas.
Quanto ao estado civil, tem-se a seguinte distribuição:
Gráfico 3: Estado civil das entrevistadas
Fonte: pesquisa direta
Com isso, constatou-se que a maioria das entrevistadas, dez das treze, mantinha um relacionamento amoroso antes de ser presas, fato de suma importância para esta pesquisa, uma vez que a hipótese trabalhada pressupõe um vínculo afetivo com um homem. Destas mulheres, apenas uma das solteiras não tinha filhas. Quanto às demais, todas tinham filhos, sendo que 03 (três) estavam grávidas e duas tinham filhos pequenos dentro da penitenciária, uma com um bebê de 09 (nove) meses, e outra, recém saída da maternidade, com um bebê de 10 (dez) dias.
Das entrevistadas, apenas duas já tinham sido presas e processadas antes, uma pelo crime de furto (art. 155, do CP), com pena ainda não cumprida, e a outra por homicídio (art. 121, CP), sendo reincidente no mesmo crime. Observa-se, deste modo, que as mulheres entrevistadas não tinham um comportamento criminoso reiterado, tendo se envolvido com o crime de forma pontual. Necessário esclarecer se este envolvimento se deu em razão da dependência afetiva, a fim de verificar a procedência das informações colhidas.
Quanto aos crimes dos quais foram acusadas, considerando os crimes isoladamente, mesmo no caso em que houve concurso de crimes, obteve-se o seguinte:
Gráfico 04: Crimes dos quais as entrevistadas foram acusadas
Fonte: pesquisa direta
Observa-se, desse modo, que os crimes pelos quais foram acusadas refletem os dados obtidos durante a pesquisa, onde se constatou que muitas mulheres, atualmente, têm sido detidas por crimes anteriormente relacionados ao gênero masculino. A maioria delas, como se pode observar, se encontrava em cárcere pelo crime de tráfico de drogas. Nenhuma das entrevistadas havia sido detida pelo crime de estelionato (art. 171, CP), pelo que não se pode verificar a procedência, no Piauí, da comparação feita por Rita de Cássia Salmasso entre os dois crimes.
Das entrevistadas, apenas 03 (três) tinham processos já sentenciados, e, quanto às demais, 04 (quatro) sequer haviam sido ouvidas em audiência222.
Com relação aos companheiros das detentas, em especial, e outras pessoas próximas a elas, como familiares e amigos, pode-se organizar os dados relativos ao seu envolvimento com o crime da seguinte forma:
Gráfico 5: Envolvimento de companheiros das detentas e outras pessoas próximas com o crime
Fonte: pesquisa direta
Algumas das situações descritas acima comunicam-se em alguns dos casos, como o exemplo de uma das detentas cujo marido já havia sido preso antes por outro crime e encontra-se atualmente preso pelo mesmo crime de que foi acusada a entrevistada, em concurso de agentes. Por meio das circunstâncias acima delineadas, pode-se constatar que muitas das entrevistas mantinham relacionamento com pessoa já inserida no meio criminoso, o que poderia vir a facilitar seu contato com o crime.
Ao serem questionadas sobre a autoria e forma como se deu o envolvimento com o crime, as respostas foram as seguintes:
Gráfico 6: Autoria e forma como se deu o envolvimento com o crime
Fonte: pesquisa direta
A maioria das detentas, como se pode constatar, assume a autoria do delito e se resigna com o fato. Interessa a esta pesquisa apenas aqueles casos onde a culpa e a influência foram atribuídas a outras pessoas. Em todos eles a acusação havia sido de tráfico de drogas.
Houve 02 (dois) casos em que a detenta atribuiu o seu envolvimento à influência de terceiros: no primeiro, a detenta foi presa traficando crack, enquanto transportava a droga a pedido de amigos; no segundo, o companheiro da detenta estava preso, e, diante de sua situação de desemprego, o companheiro sugeriu que a mesma começasse a vender drogas para conseguir sustentar os filhos. Embora as acusadas apontem a participação de terceiros como fatores que levaram ao envolvimento com o crime, as situações expostas não se identificam com a abordagem desta pesquisa.
Quanto aos casos em que a entrevistada atribuiu a culpa da imputação a um terceiro, pode-se dizer que os dados obtidos entram em consonância com o que foi explanado neste trabalho. Um dos casos se diferencia dos demais pelo fato de que o causador da situação vivida pela entrevistada era seu filho, enquanto que, nos demais casos, tratava-se do companheiro.
Neste caso, a detenta, além do filho viciado em substâncias entorpecentes, tinha o companheiro também viciado, encontrando-se preso. Foi presa por causa de uma denúncia anônima para a polícia, que encontrou, em sua casa, a droga que o filho havia escondido, para que a esposa não encontrasse.
No caso seguinte, mesmo não usando qualquer substância química, a detenta tinha por companheiro um traficante, que a influenciou a começar no tráfico. Tinha muito medo de ser presa e, quando aconteceu, em sua casa, só ela foi levada, pois o companheiro não se encontrava. Ele não assumiu a culpa, ao contrário das situações encontradas por Miriam Ida Rodrigues Breitman.
O terceiro caso é de uma mulher que foi presa juntamente com o companheiro, que assumiu toda a responsabilidade pelo crime. A detenta acredita que está presa apenas por ser “esposa de traficante”. A mesma, porém, afirma que foi presa em razão de escutas telefônicas feitas pela polícia, em que se constatou o auxílio que dava ao companheiro.
A situação vivenciada por outra detenta é semelhante: foi presa junto com o companheiro, que já havia cumprido pena por roubo e é usuário de drogas. A droga foi encontrada na casa de ambos pela polícia, que os acusou de tráfico.
Por último, a detenta entrevistada também se encontrava presa por causa de seu companheiro, que foi preso juntamente com ela. A detenta afirmou que a droga era do companheiro, mas para consumo próprio, pois o mesmo é dependente, não para tráfico. Tinha medo de ser presa, mas gostava do companheiro e aceitava a situação. E encerrou a entrevista dizendo que, quando saísse da penitenciária, o ajudaria a se livrar do vício.
Constata-se, assim, que algumas mulheres se envolvem com crime em razão de seu envolvimento emocional com uma figura masculina, que, constantemente, é aquele com que se relaciona amorosamente ou, ainda, membros da família, como filhos.
Diante da situação vivenciada na penitenciária, a distância dos familiares, especialmente dos filhos, as mulheres entrevistadas, segundo suas palavras, acabaram por se arrepender do envolvimento com o crime e, algumas até, de terem se envolvido com os seus companheiros, em virtude deste relacionamento as terem levado ao encarceramento, situação considerada desagradável.
Por essa razão, as expectativas para quando saírem da penitenciária envolvem o cuidado com os filhos, a volta aos estudos e a busca por uma profissão digna, para aquelas que não tinham, e o retorno às atividades profissionais para as que já tinham um trabalho, para que possam viver de forma digna e dar bom exemplo aos filhos. Desse modo, afirmam as entrevistadas que não pretendem mais se envolver com os fatos que deram causa ao seu encarceramento, para que não tenham que voltar à penitenciária.