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Denunciação da lide: o papel do denunciado na demanda principal

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A denunciação da lide deita suas raízes no Direito Romano, possuindo íntima ligação com o instituto da evicção, e contém verdadeira demanda incidental de garantia, através da qual se formula pretensão em face do terceiro convocado a integrar o processo.

Resumo: A primeira parte do trabalho analisa o conceito e aspectos gerais do instituto da denunciação da lide, o qual se mostra como uma das modalidades mais discutidas de intervenção de terceiros no Processo. Num segundo momento o texto expõe as diversas correntes acerca do papel desempenhado pelo denunciado na lide principal; e, por último, uma conclusão sucinta a respeito das controvérsias em torno dos arts. 74 e 75 do Código de Processo Civil. A denunciação da lide deita suas raízes no Direito Romano, possuindo íntima ligação com o instituto da evicção, hipótese de aplicação mais relevante. Conforme será demonstrado, a denunciação da lide contém verdadeira demanda incidental de garantia, através da qual se formula pretensão em face do terceiro convocado a integrar o processo. O modelo romano reduz o instituto a estender ao terceiro a eficácia preclusiva da sentença, ficando para eventual processo sucessivo a iniciativa destinada a pedir sua condenação.  

Palavras-chave: Denunciação da lide; ação principal; denunciado; litisconsorte; assistente.

Sumário: 1 - Introdução. 2 – Conceito de Denunciação da lide. 3 – O papel do denunciado na ação principal. 3.1 – Noções. 3.2 – Assistente Simples. 3.3 – Assistente e Litisconsorte. 3.4 – Litisconsorte. 4 - Conclusões Finais.


1. INTRODUÇÃO

A denunciação da lide, regulada nos arts. 70 a 76 do Código de Processo Civil, é a modalidade de intervenção de terceiro que mais dificuldades e polêmicas provoca na doutrina.

O texto chama a atenção para a controvérsia contida nos arts. 74 e 75 do Código de Processo Civil Brasileiro. A divisão da doutrina ressalta as duas correntes principais: uma parte concorda com a dicção do Código afirmando haver litisconsórcio entre denunciante e denunciado, e outra, afirma que o litisdenunciado se torna mero assistente do litisdenunciante.

Não se pode deixar de referir, ainda, a posição de alguns autores que admitem haver assistência em alguns casos e litisconsórcio em outros. Importante, dessa forma, interpretar o verdadeiro sentido da lei no caso dos arts 74 e 75 do Código de Processo Civil.


2. CONCEITO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE

Pode-se definir a denunciação da lide como uma ação regressiva, in simultaneus processus, proponível tanto pelo autor como pelo réu, sendo citada como denunciada aquela pessoa contra quem o denunciante terá uma pretensão indenizatória ou de reembolso, caso ele, denunciante, vier a sucumbir na ação principal.[1]

Outra definição aduz que:

é a intervenção provocada pela parte que sustenta ter perante o terceiro algum direito de regresso (por evicção ou qualquer outra espécie de garantia: CPC, art. 70). Decompõem-se em duas iniciativas: (a) a de trazer o terceiro como assistente do próprio denunciante no litígio travado com o adversário comum e (b) a de mover-lhe verdadeira demanda de regresso, com pedido de sua eventual condenação em caso de o denunciante sucumbir e sofrer prejuízo perante o adversário inicial (art.76).[2]

Alexandre de Freitas Câmara[3] simplifica, com a devida clareza, o sentido desta modalidade de intervenção de terceiro:

Em outros termos, pode-se dizer que a denunciação da lide é modalidade de intervenção forçada de terceiro provocada por uma das partes da demanda original, quando esta pretende exercer contra aquele direito de regresso que decorrerá de eventual sucumbência na causa principal.

 Ocorre ampliação do objeto do processo em que é feita a denunciação, para que este então abrigue não só a pretensão inicial do autor, mas também a pretensão do denunciante em relação ao denunciado. Consequentemente, a sentença a ser pronunciada compor-se-á pelo menos de dois capítulos, cada um deles destinado ao julgamento de uma daquelas pretensões.

A bipolaridade funcional da denunciação da lide em sua feição disciplinada no Código Processual Civil – vincular terceiro ao julgamento da causa e obter a sua condenação a reparar danos – importa equivalente complexidade quanto à posição processual do terceiro a partir de quando inserido no processo por força da litisdenunciação.

Pretende-se do denunciado indenização, respondendo ele mesmo no processo em que o denunciante foi condenado, em sentença formalmente única.


3. O PAPEL DO DENUNCIADO NA AÇÃO PRINCIPAL

3.1.NOÇÕES

De acordo com a maioria dos autores pátrios a fórmula empregada pelo legislador, não merece elogios. Em primeiro lugar, por sugerir que ao denunciado caiba a opção entre ser ou não litisconsorte do autor, quando por este for feita a denunciação, ou de tornar-se litisconsorte do réu quando este propuser ação de regresso. Em segundo lugar por imaginar que caiba ao direito processual escolher quem serão as partes de uma determinada demanda.

A conclusão quanto à primeira questão é óbvia, pois não se imagina que, em nosso sistema, possa caber aos réus a opção entre aceitar ou não a demanda e, embora a denunciação seja promovida pelo autor, o denunciado será réu na ação regressiva. E nem mesmo será litisconsorte do denunciante na ação principal, como ver-se-á adiante, hipóteses em que se poderia invocar o princípio de que ninguém poderá ser obrigado a demandar como autor.

Quer queira, quer não, terá o denunciado de comparecer ao processo e defender-se. Certamente, cabe-lhe o direito de recusar a nomeação, o que, no entanto, somente poderá fazer na oportunidade em que contestar a ação regressiva.

O equívoco cometido pelo legislador deve-se à circunstância de ser tradicional no direito brasileiro a denunciação da lide com sentido apenas de notificação do litígio.

3.2 ASSISTENTE SIMPLES

Ovídio Baptista[4] atesta que é a natureza da lide que determinará quem haverão de ser os sujeitos que a compõem, portanto, o legislador de processo não tem a liberdade para atribuir ou deixar de atribuir a condição de litisconsorte a este ou àquele litigante.

Assim, por exemplo, proposta ação reivindicatória contra o adquirente, certamente ele será réu nessa ação reivindicatória. Se dois forem, na condição de condôminos, os que se digam titulares do domínio, ambos, quando citados para a causa, serão listisconsortes. Quem lhes transmitiu a coisa litigiosa poderá vir em socorro deles, auxiliando-os na defesa judicial contra o terceiro molestante. Este, no entanto, pelo fato de ser alienante, não se torna réu na ação de reivindicação, ainda que a lei do processo assim o deseje e prescreva. Nem a sentença proferida na reivindicatória poderá atingi-lo como coisa julgada

O litisdenunciado, porque já alienara o bem ao litisdenunciante, juridicamente não tem mais interesse nele (muito menos direito sobre ele) e, consequentemente, não tem interesse jurídico direto (muito menos pretensão) na ação reivindicatória propriamente dita.

Não estará envolvida nenhuma relação jurídica porventura existente entre o autor da reivindicatória e o alienante, denunciado à lide. Como, então, pode alguém ser litisconsorte sem ser, no processo, sujeito ativo ou passivo de qualquer pretensão?

A resposta inicia-se pela análise do interesse do denunciado pelo autor na referida ação reivindicatória, o qual é meramente eventual, somente se o denunciante vier a perdê-la é que, em tese, poderá contra o denunciado pretender garantia ou indenização pelo prejuízo, portanto, não há que se falar em litisconsórcio.

O ilustre processualista Adroaldo Furtado Fabrício comunga do mesmo entendimento:

a criticada equiparação do litisdenunciado ao litisconsorte, encontrável em disposições do Código, é fonte de equívocos. Na realidade, ele não se coliga com o denunciante para defender, em face do opositor deste, direito próprio, mesmo porque não há relação alguma de direito material que o justifique. No máximo, como ficou visto, sua relação com o denunciante será a de assistente-assistido, no que diz respeito à ação principal, única a cujo respeito seria pensável a hipótese de litisconsórcio: na ação dita secundária, veiculada pela denunciada, eles são antagonistas um do outro. Portanto, as referências legais a litisconsórcio entre denunciante e denunciado só se podem entender como equiparação para efeitos estritamente procedimentais. Litisconsórcio sem raízes no direito material é falso litisconsórcio, ou litisconsórcio por ficção.[5]

Nélson Nery Jr.[6], comentando a respeito do art. 74 do CPC, aduz que o denunciado não passa de assistente simples do denunciante, pois não tem relação jurídica com o adversário do denunciante, não sendo litisconsorte.

Luiz Fux[7] é outro que tenta atribuir um sentido à palavra litisconsorte prevista nos mencionados dispositivos legais.

Este autor entende que a expressão litisconsorte dos arts. 74 e 75 deve ser entendida no plano ideal, isto porque a derrota do denunciante é pressuposto da derrota do denunciado, daí pugnar este pela vitória daquele. É só no sentido de auxílio que se pode conceber um litisconsórcio, porque, sendo a denunciação verdadeira ação de regresso, o denunciado é adversário do denunciante e não co-litigante.

Celso Agrícola Barbi[8] menciona que a redação do art. 74 do CPC é correta apenas para o sistema do Código de 1939, porém inadequada ao instituído no Código de Processo Civil de 1973, aduzindo com maior riqueza de detalhes a existência de assistência simples:

É certo que, em relação à parte contrária na demanda principal, ele é adversário e, nesse ponto, seu interesse coincide com o do denunciante, mas apenas nesse ponto. O modelo alemão, que serviu ao nosso legislador, é correto: o denunciado não vem discutir seu direito ou obrigação em relação ao denunciante, mas sim ajudá-lo a vencer a outra parte na ação; por isto, ali é ele considerado assistente do denunciante. Como nosso Código incluiu a demanda indenizatória entre denunciante e denunciado, divergindo, nesse ponto do Código Alemão, deveria ter modificado todo o procedimento.

E diz mais:

a única interpretação razoável será a que desdobre a posição do denunciado, em face da demanda principal, e em face da demanda que está propondo contra ele o denunciante. Naquela, ele poderá, pouco tecnicamente, assumir a posição de litisconsorte, como fala a lei; mas na última ele assume a posição de réu em relação ao denunciante e tem o ônus de contestar a pretensão deste contra ele.[9]

Desta feita, depreende-se a formação de um litisconsórcio denominado pela doutrina de alternativo ou eventual, no qual forma-se uma cumulação subjetiva onde as partes do mesmo pólo possuem pretensões antagônicas.

Ocorre, todavia, que a idéia de litisconsórcio alternativo ou eventual não é aceita por toda doutrina, uma vez que na idéia essencial de litisconsórcio está inserida a cumulação subjetiva com afinidade de objetivos, onde as partes atuam do mesmo lado.

Dinamarco[10] enfatiza que eventual pluralidade de partes de representantes da mesma parte não dá origem ao fenômeno do litisconsórcio, porque um só permanece sendo o titular das situações processuais a ocupar determinado pólo da relação processual.

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Comentando a respeito da denunciação feita pelo autor, afirma que este está ao mesmo tempo aforando demanda em face de dois réus, com preferência pela que move a um deles; o litisdenunciado é parte originária, não intervém, uma vez que figura na própria demanda.

Conclui, portanto, não haver litisconsórcio nos casos formulados pela lei:

Diz a lei que o litisdenunciado figurará como litisconsorte do litisdenunciante (arts. 74 e 75, inc. I), mas não se concebe um “litisconsorte” que nada peça para si ou em face do qual nada se pede no processo. Litisconsorte, como parte principal, há de ser legitimado in próprio à demanda pendente – o que obviamente não se dá em relação ao denunciado. Por isso, o melhor entendimento é o de que esse terceiro vem ao processo, no tocante ao litígio já pendente, na qualidade de assistente do denunciante e com a função de ajudá-lo como puder (tercería coadyuvante). [11]

Convém ressaltar que tampouco o denunciado é considerado assistente litisconsorcial do denunciante. Há autores como Sydney Sanches[12] que atestam ser o assistente litisconsorcial sempre um assistente e nunca um litisconsorte. Ele continua a sê-lo ainda quando equiparado a este em seus poderes, faculdades, ônus, deveres etc., ou mesmo quando diga a lei que ele se considera um litisconsorte.

A intervenção litisconsorcial voluntária do direito brasileiro não é, como se vê, modalidade de intervenção ad coadjuvandum. O terceiro ingressa em busca de um provimento para si e não para favorecer a situação de uma das partes originárias. No direito brasileiro a intervenção ad coadjuvandum chama-se assistência e é sempre adesiva, ainda nos casos em que recebe o nome de assistência litisconsorcial (CPC, art.54).[13]

3.3.ASSISTENTE E LITISCONSORTE  

Como se sabe, as hipóteses de cabimento da denunciação da lide estão presentes no art. 70 e incisos. Entendem alguns autores que, de acordo com o inciso II do art. 70 é admissível a formação de litisconsórcio entre denunciante e denunciado, entretanto, essa pluralidade de partes não será criação do direito processual, mas estará radicada no direito material, devido à circunstância de serem ambos possuidores: um titular da posse direta , e outro da posse indireta.

É regra no nosso direito de que o proprietário e o possuidor direto, por força da obrigação, ou relação jurídica, são garantes da posse que cederam ao denunciante. Por isso, se este vier a perdê-la, aqueles responderão pelos prejuízos advindos. Desse modo, resta claro que, pretendendo o terceiro, autor da moléstia, haver a posse plena da coisa litigiosa, sua demanda deverá ser dirigida contra ambos os possuidores.

Ovídio Baptista estatui:

Ademais, além de eventual ação regressiva que o possuidor imediato possa ter contra aquele de quem houvera a posse, se a ação principal tiver como objetivo a transferência integral da posse, o litisconsórcio será inevitável, tendo o autor de propô-la contra ambos os possuidores, ocorrendo, então, aquela situação já referida em que a denunciação é feita contra quem já estava no processo, como réu da ação principal.[14]

Aroldo Plínio Gonçalves[15] é autor que admite haver litisconsórcio entre denunciante e denunciado na ação principal e em outros casos afirma haver assistência.

Diz que a chave para a identificação da natureza e finalidades do instituto acha-se na disposição relativa à sentença, sendo importante notar que entre a parte não denunciante e o terceiro a quem se denuncia a lide não há relação de direito material (ou se há não é objeto do processo), sequer afirmada por alguns dos interessados.

Afirma que há, na verdade, relação de direito material suposta (afirmada por uma das partes) entre autor e réu, a constituir objeto da ação direta principal; e ao lado dela uma relação jurídica virtual, que se afirma poderá nascer da sentença – e esta é objeto da ação veiculada pela denunciação.

Ainda assim, ocorre certamente interesse jurídico do interveniente a respeito da ação principal, porque a questão central a ser resolvida nesta é prejudicial em relação ao objeto da ação secundária: se o denunciante for vencedor, sequer caberá cogitar da declaração da responsabilidade do denunciado em ação regressiva.

Explicita que tal se dá em virtude da existência de duas ações que, embora submetidas a um simultaneus processus, insere o denunciado em dupla posição:

quanto à ação principal, seu interesse jurídico na vitória do denunciante colocá-lo-ia na situação de assistente simples deste (como ocorre no direito alemão, nunca na de litisconsorte, como quer o nosso Código); relativamente à demanda secundária, sua posição é de réu na ação de regresso.[16]

Em todos os casos em que poderia parecer ao denunciado coubesse sempre a obrigação ou o ônus da defesa, a lei deve ser interpretada estritamente, como referindo-se apenas à garantia própria (formal). Nesta, sim, o denunciado é legítimo contraditor. Na moléstia, quer seja do autor, quer seja do réu, proposta a ação originária, há uma relação jurídica contestada – a relação de garantia, contestada pelo molestante que, no fundo, impugna o próprio objeto da alienação.

Este é o pensamento defendido pelo respeitável autor, ou seja, de que é aceitável a nomenclatura “litisconsorte” dos arts. 74 e 75 do CPC, apenas no que tange à garantia formal ou própria. 

Contestada a garantia prestada, nasce a possibilidade do chamamento (denunciação) do garante para vir defendê-la, devendo haver, pela lei brasileira, a propositura da ação de indenização, em regresso, para a eventualidade da sucumbência. Por conseguinte, conclui que o instituto da garantia articula-se em três momentos: declaração contratual, moléstia e indenização.

Pelo primeiro alguém torna-se garante; com o segundo em virtude da pretensão do terceiro, negando o direito e ou turbando-o, surge o interesse e a ocasião para a denunciação da lide ao garante, pois, com efeito, é sua declaração contratual que está sendo diretamente contestada. Assim, acredita que a denunciação da lide é feita, sobretudo, no interesse do garante, principal contraditor do terceiro molestante.

Por isso, atesta que as disposições do Código de Processo Civil, fazendo do denunciado litisconsorte do denunciante, pelo menos no que toca à garantia própria (formal), não merecem a menor censura.

Na verdade, denunciante e denunciado são antagonistas, mas menos antagonistas que aliados, em relação à demanda surgida com a litisdenunciação. São, com efeito, litisconsortes (litisconsórcio unitário) – no que diz respeito à ação principal, em se tratando de hipótese de garantia própria.; em sendo, porém, caso de garantia imprópria – responsabilidade civil – a posição do litisdenunciado em face do denunciante é de assistente simples no que toca à ação principal.[17]

Concluindo o pensamento defendido por Plínio Gonçalves sobre a denunciação da lide estabelece que na garantia própria – por transferência de direitos – o denunciado é de fato litisconsorte do denunciante, já que aparece também como interessado na resposta, visto como sua qualidade de garante foi contestada pela atividade do terceiro autor da moléstia. A posição deste é, principalmente, no sentido de negar a declaração de que o bem objeto da transferência ou de que o crédito ou de que a coisa ou o direito dados em gozo estavam isentos de vícios materiais ou jurídicos.

Diz o autor que nas hipóteses dos itens I e III do art. 75, o legislador esteve de olhos voltados para a garantia própria, quando o denunciando assume verdadeiro papel de assistente simples do denunciante.

Na garantia imprópria – hipóteses de responsabilidade civil – em que o denunciado responde perante o denunciante que, por sua vez, foi acionado por outrem, não se pode falar em litisconsórcio, a despeito da linguagem  da lei. Feita a denunciação da lide a um terceiro responsável perante o denunciante, sua posição será de assistente simples deste. Inequívoco o interesse jurídico do denunciado na vitória do denunciante, com quem, aliás, litiga em caráter eventual e cuja derrota, quase com certeza, irá traduzir-se também na sua própria sucumbência.

O litisdenunciado, nas hipóteses dos incisos I e III do art. 70 do CPC, não é, a rigor, um litisconsorte do denunciante, pelo menos no sentido dos arts. 46 e ss., nem mesmo seu assistente litisconsorcial, a que se referem o art. 54 e seu parágrafo único; mas apenas seu assistente, nos precisos termos do art. 50 do CPC.

É que, para coadjuvar o denunciante em face do respectivo adversário, o litisdenunciado só intervém se quiser.

No caso do inciso II do art. 75 acrescenta que se o denunciado não aceita a qualidade que lhe é atribuída, não admitindo a condição de garante, não há como tocar em formação de litisconsórcio, cabendo ao denunciante responder sozinho à moléstia, arcando o denunciado com as conseqüências de sua inatividade ou de seu procedimento, recusando-se a aceitar a nomeação.

O código de 1973, apesar das aparências, não estabeleceu que o denunciado tenha uma obrigação de defesa do denunciante – quando muito defende-se a si mesmo – tal como pretendia o insigne P. Calamandrei, ao expor sua tão repetida teoria sobre a natureza jurídica da chiamata in garanzia.[18]

Sydney Sanches[19] também aceita falar em litisconsórcio nas hipóteses do inciso II do artigo 70, eis que um tem a posse direta e outro a posse indireta do bem.

Via de regra, afirma que denunciante e denunciado assumirão a posição de litisconsortes nos casos do inc. II do art. 70 do CPC, porém, frisa que só será admitido se o adversário do denunciante estiver pretendendo a posse plena e exclusiva; caso contrário, também nesse caso o denunciante e o denunciado serão apenas (na ação principal) assistido e assistente, pela ordem.

3.4. LITISCONSORTE

    Arruda Alvim aceita sem restrições a posição de litisconsórcio do denunciado em relação ao denunciante na ação primitiva, não fazendo qualquer distinção entre garantia própria e imprópria:

O litisdenunciado pelo autor, comparecendo, estabelece a lei, assumirá a posição de litisconsorte do denunciante. A norma parece prever essa condição para sua ligação ao processo. Entretanto, tal se dá pela só citação do denunciado, quer pelo autor, quer pelo réu, pois este já se torna réu da ação regressiva e litisconsorte do denunciante, podendo ser abrangido, como vimos, pelo art. 76, independentemente de seu comparecimento. A lei no art. 75, I, quer significar que, comparecendo, o litisdenunciado poderá agir, aditando a petição inicial, pois é litisconsorte. Caso não compareça, nem por isso deve entender-se ineficaz a denunciação do litígio.[20]

Acrescenta, ainda, tratar-se de litisconsórcio facultativo e unitário.[21] Detém-se sobre a questão e afirma que o litisconsórcio, no caso, seria fundado nos incisos II e III do art. 46 do CPC.

Diz o consagrado processualista:

entre o denunciante e o denunciado os direitos e obrigações derivam do mesmo fundamento de direito, por outro lado, e, inegavelmente, a ação proposta por A contra B, será conexa por prejudicialidade àquela que, posteriormente, teria de propor regressivamente contra C. [22]

Inclusive, assinala que  a expressão “contestar o pedido” contida no inc. I do art. 75 se refere à contestação do denunciado ao pedido do adversário do denunciante, pois é isso que o transforma em litisconsorte deste último.

Sérgio Sahione Fadel[23] afirma que o litisconsórcio entre denunciante e denunciado é necessário, porém recebe críticas no sentido de que a parte da ação principal denuncia a lide a terceiro se quiser, até porque pode não pretender exercer contra este ação de garantia ou de indenização.

A posição da Arruda Alvim[24], para os autores que defendem a posição de litisconsorte do denunciado frente à ação principal, mostra-se como a mais aceita, porém não se encontra livre de críticas por parte dos opositores à letra do Código, pois há autores, como Sanches, que a rebatem dizendo que nos incisos I e III do art. 70 os direitos e obrigações não derivam do mesmo fundamento de fato ou de direito.

O argumento utilizado contra a tese da formação do litisconsórcio facultativo e unitário desenvolve-se na demonstração de que eventual direito do denunciante perante seu adversário decorre de seu próprio título (o de domínio, por exemplo, no caso do inciso I, ou de outra natureza se se tratar do inciso III), já o eventual direito do denunciante em face do denunciado decorre sempre da obrigação de garantia ou indenização deste perante aquele (outro título, portanto, ainda que resultante de um mesmo instrumento contratual).

Convém ressaltar a posição irreverente de Athos Gusmão Carneiro[25], o qual defende a posição de litisconsorte prevista na lei processual todas as vezes que o denunciado  aceitar a qualidade que lhe é atribuída, tendo, como conseqüência,  a condenação direta deste frente ao adversário do denunciante na ação principal, naturalmente sujeitando-o à eficácia da coisa julgada.

Em ciclo de Estudos de Processo Civil realizado em Curitiba, no ano de 1983, pela Ordem dos Advogados do Brasil e Associação dos Magistrados do Paraná, resultou aprovada por unanimidade a tese apresentada pelo citado autor:

A posição do denunciado pelo réu é, na ação principal, a de litisconsorte do denunciante, nos exatos termos do artigo 75, I, do CPC; em conseqüência, o autor, procedente a demanda principal, poderá executá-la também contra o denunciado, embora com atenção aos limites em que foi procedente a ação de direito de regresso e à natureza da relação de direito material.

Gusmão Carneiro ainda acrescenta, admitindo a criação de litisconsórcio baseada em lei processual:

Nos casos de ação regressiva por responsabilidade civil (inclusive nas demandas contra o Estado), igualmente consideramos possível ao autor executar a sentença condenatória não só contra o réu denunciante como contra o denunciado, seu litisconsorte por força da lei processual, isso naturalmente dentro dos limites da condenação na demanda regressiva.[26]

A respeito, houve recurso especial julgado pelo STJ[27] o qual direcionou-se no sentido de que deve prevalecer a regra legal que atribui a qualidade de litisconsorte ao denunciado que contesta o pedido do autor, o que em última análise, permite que a ele se atribua diretamente o ônus da responsabilidade, com exclusão do denunciante, que, na hipótese, assim o foi porque não verificada a tradição do bem adquirido.

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar[28], em antigo pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça já endossava essa orientação, referindo que sempre lhe parecera que o instituto da denunciação da lide, para servir de instrumento eficaz à melhor prestação jurisdicional, deveria permitir ao juiz proferir sentença favorável ao autor quando fosse o caso, também e diretamente contra o denunciado, pois afinal ele ocupa a posição de litisconsorte do denunciante; e alude à “flexibilização” do sistema, instituída pelo art. 101 do Código de Defesa do Consumidor que permite, em seu inciso II, o ajuizamento de demanda diretamente contra o segurador, no caso de falência do réu.

Atualmente, a condenação direta das seguradoras denunciadas à lide em ações de indenização é amplamente aceita no Superior Tribunal de Justiça, não sendo, porém, unânime nas demais hipóteses em que se mostra cabível a denunciação da lide, havendo certa resistência e apego ao formalismo.

Vale transcrever ementa de julgado do mencionado Tribunal Superior[29]:

Civil e Processual. Colisão de Veículos. Ação de Reparação de Danos. Denunciação da Lide feita pelo réu. Aceitação. Contestação do pedido principal. Condenação direta da denunciada (seguradora) e solidária com o réu. Possibilidade.1-Se a seguradora comparece a Juízo aceitando a denunciação da lide feita pelo réu e contestando o pedido principal, assume ela a condição de litisconsorte  passiva, formal e materialmente, podendo, em conseqüência, ser condenada, direta e solidariamente, com o réu. Precedentes do STJ. 

Se entendermos sem ressalvas as menções da lei processual nos arts. 74 e 75 estaremos cumprindo efetivamente o princípio da economia processual.

Porém, Alexandre Freitas Câmara, autor que defende a situação jurídica de assistência, critica a possibilidade de condenação direta do denunciado frente ao adversário do denunciante:

É preciso deixar claro que, sendo a denunciação da lide uma demanda incidental de garantia, cujo julgamento é condicionado à sucumbência do litisdenunciante na demanda principal, não se pode admitir a condenação do litisdenunciado diretamente em favor do adversário do litisdenunciante. Tal sentença seria nula por estar sendo proferida fora dos limites do objeto do processo, uma vez que o pedido formulado na demanda principal não foi de condenação do litisdenunciado, tendo tal pretensão sido manifestada apenas na denunciação da lide. Tal sentença seria, pois, extra petita e, portanto, nula.[30]

Assim, a posição que concorda literalmente com a lei vem acompanhada de sérias críticas em virtude afrontar o sentido de vários institutos processuais como o é a assistência e a coisa julgada. 

Há autores que, por sua vez, aceitam parcialmente a expressão “litisconsorte” contida nos arts. 74 e 75 do Código de Processo Civil, e concluem ser o instituto utilizado para fins meramente procedimentais, vez que a posição de assistente do denunciado mostra-se evidente.

A litisconsorcialidade, então, estaria na participação do denunciado nos atos processuais, como a intimação de atos essenciais do processo, a participação em audiência, e em outros componentes da cognição, mormente os prazos dilatados previstos no art. 191 do CPC.

Decisões sinalizam neste sentido:

A litisconsorcialidade que se estatui entre denunciante e denunciado, em face do autor (art. 75, I, CPC), é circunscrita ao âmbito da atuação processual. Ou seja, para efeito apenas de comportamento processual, denunciante e denunciado são tidos por litisconsortes em relação ao autor (...)[31]

A jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que:

(...) os prazos são contados nos termos do aludido art. 191 quando o litisdenunciado contesta o pedido formulado na ação principal e possui procurador outro que não o do denunciante, e isso mesmo se apenas um deles houver apelado da sentença ( AI 133.348, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, dec. De 22-4-1997, DJU, 5 de maio 1997, p. 17301).

A regra da contagem majorada dos prazos, no entanto, não incide se o denunciado se limita a negar a existência do vínculo do qual decorreria o invocado direito de regresso ( AgrG em AI 166.206, ac de 24-3-1998, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, 11-jun-1998,p.132).

Processual Civil. Ação de Indenização. Denunciação à Lide da Empresa Seguradora. Apelação. Prazo Dobrado. Litisconsórcio. CPC, Art.191. I- Admitida pela seguradora litisdenunciada a sua integração à lide no pólo passivo da demanda, passa ela a dispor, juntamente com a litisdenunciante, de prazo dobrado para recorrer quando atuam em juízo com procuradores distintos (...) ( REsp 72614, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, ac de 04-10-2001, DJU 18-02-2002, p.445).

Percebe-se, pois, a tentativa de não desprezar a letra da lei por completo.

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Sobre a autora
Juliana de Assis Aires Gonçalves

Procuradora Federal, lotada na Procuradoria Federal do Estado de Goiás, em exercício na Agência Nacional de Telecomunicações.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Juliana Assis Aires. Denunciação da lide: o papel do denunciado na demanda principal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3277, 21 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22062. Acesso em: 2 nov. 2024.

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