Sumário: 1. Introdução. 2. Intervenção do síndico no procedimento falimentar. 3. A natureza do cargo de síndico. 4. A destituição do síndico dativo e o seu interesse de recorrer. 6. Breves conclusões.
Palavras-chaves: síndico dativo – auxiliar da justiça - partes – terceiros - nomeação – destituição - legitimidade – interesse.
1. Introdução
Ainda que tenha sido modificada a nomenclatura do síndico da massa falida para o de administrador judicial[1], o tema é, ainda, recorrente, eis que tramitam, no âmbito do Judiciário, inúmeros procedimentos falimentares, envolvendo, respectivamente, a sua destituição ou a substituição, incidentalmente.
A questão continua atual e resume-se à legitimidade e ao interesse de o síndico dativo destituído, sob o fundamento de quebra de confiança, por decisão singular, poder recorrer para manter-se na administração dos bens da massa falida.
Para tanto, faz-se necessário compreender e delimitar a intervenção do síndico na relação processual falimentar, os seus deveres e direitos, bem assim a natureza do cargo.
A abordagem será realizada objetivamente, à luz das diretrizes traçadas pelo artigo 499 do Código de Processo Civil e da doutrina.
2. A intervenção do síndico no procedimento falimentar
A administração da falência é exercida por um síndico, sob a imediata direção e superintendência do juiz[2], devendo ser escolhido entre os maiores credores do falido, de reconhecida idoneidade moral e financeira[3]. Entretanto, se nenhum dos credores nomeados aceitar o cargo, o juiz poderá nomear pessoa estranha, idônea e de boa fama, de preferência comerciante[4], ressalvados os impedimentos[5]. Qualquer interessado poderá impugnar o despacho de nomeação do síndico, em desconformidade com a norma[6].
Quando o juiz nomeia profissional habilitado para o exercício da função, diverso da qualidade de credor, diz-se na doutrina síndico dativo. Portanto, a recusa dos credores para o exercício da administração da massa falida é o fundamento para a nomeação de pessoa de confiança do juiz.
O síndico exerce função indelegável[7] e remunerada[8], devendo, após a sua nomeação, assinar o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades inerentes à qualidade de administrador[9], cumprindo todos os deveres[10]·, principalmente o de representação da massa, em juízo, como autora, ré ou assistente.
Poderá o síndico ser substituído[11], quando não aceitar o cargo, renunciá-lo, falecer, ser interditado, falir ou pedir concordata preventiva, ou ser destituído[12] pelo juiz, ex-officio, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer credor, quando exceder os prazos fixados para a realização de suas atividades, infringir outros deveres ou ter interesses contrários aos da massa.
Nas hipóteses de destituição, sempre serão ouvidos o síndico e o representante do Ministério Público, exceto quando o fundamento for o de excesso de prazo. A decisão de destituição, ou não, cabe agravo de instrumento, [13] por se tratar de incidente processual.
Na jurisprudência, constata-se, ainda, a possibilidade de o síndico dativo ser destituído, a qualquer tempo pela quebra de confiança do juiz ( RT 664/67), hipótese não contemplada nos artigos 65 e 66, da lei falimentar.
Ademais, no exercício da administração, o síndico responderá pessoalmente pelos prejuízos que causar à massa, pela má administração, ou por infringir a lei[14], e prestará contas de sua administração[15], quando renunciar o cargo, for substituído ou destituído, terminar a liquidação etc, estando sujeito à prisão, na hipótese de revelia[16].
Segundo ensinamento doutrinário de José da Silva Pacheco,[17] a destituição do síndico “é ato pelo qual o juiz demite, depõe o síndico, retirando-lhe a função pública que, por sua nomeação, exercia”
Waldo Fazzio Júnior[18], ao tratar da substituição e destituição do síndico, verbera que “exercendo funções de confiança, o síndico pode ser substituído a qualquer tempo, a critério do juiz. O síndico não é um agente público, porquanto não pertence aos quadros da organização judiciária, ou a qualquer outro. Trata-se de um particular que exerce um múnus público, não tendo, assim, qualquer direito subjetivo à nomeação, nem à conservação no cargo. Pode, pois, ser afastado da administração da massa, seja por substituição, seja por destituição”.
3. A natureza do cargo de síndico
É importante esclarecer que o síndico pratica atos de administração, na qualidade de representante da massa falida, sendo que a sua função decorre de um imperativo legal, isto é, um verdadeiro múnus público, porque a massa se origina da sentença declaratória de falência, pela perda do devedor do direito de administrar e dispor dos seus bens, os quais ficam sujeitos à execução coletiva, nascendo um novo estado jurídico patrimonial, desafetado da anterior titularidade do falido.
Segundo lição de Arruda Alvim[19], o síndico “é nomeado pelo juiz para auxiliar a Justiça, tendo deveres inerentes ao seu cargo, não sendo propriamente sucessor do falido, na administração, mas recebendo poderes diretamente da lei e através do Judiciário”.
Não integrando o síndico a Organização Judiciária, mas com ela colaborando na administração judicial da falência, passa a ser auxiliar da justiça, isto, é um terceiro desinteressado[20], em relação às partes envolvidas, na relação processual falimentar, porquanto não postula tutela jurídica no processo, em nome próprio.
O único direito ressalvado ao síndico é o da remuneração pela prática dos atos da administração judicial dos bens da massa.[21]
4. A destituição do síndico dativo e o seu interesse de recorrer
Na relação processual instaurada entre o credor e o devedor insolvente, o síndico é um estranho no ninho ( na demanda), surgindo a sua intervenção, posteriormente à decretação da quebra, por sentença, nomeado por ato do juiz, para administrar os bens da massa falida, com poderes de representação.
Trata-se de pessoa de extrema confiança do juiz, revestida de capacidade administrativa, e nessas condições é nomeada e assina um termo de compromisso, sem qualquer direito subjetivo à nomeação, nem à conservação no cargo, sendo equiparado aos auxiliares da justiça. Perdendo essas condições, deve ser destituído, para que o procedimento falimentar possa ter bom andamento, diga-se para a indispensável efetividade da jurisdição.
Não há dúvidas de que o recurso de terceiros passa pelo exame do interesse e da legitimidade, como disciplina o artigo 499, do Código de Processo Civil:
“Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público.
§ 1º. “Cumpre o terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial “.
Contudo, não se trata de qualquer terceiro, mas de terceiro prejudicado juridicamente com a decisão proferida. Assim, o terceiro intervindo no processo pendente assume a condição de parte.
Para ser considerado terceiro, o síndico dativo deve demonstrar que a decisão de sua destituição, ou substituição, afetou relação jurídica de que seja titular direta ou indiretamente, bem assim que através do recurso poderá melhorar a sua situação.
Portanto, a legitimação do estranho processual decorre do interesse resultante do vínculo entre duas relações jurídicas.
Barbosa Moreira[22] afirma que “é terceiro quem não seja parte, quer nunca o tenha sido, quer haja deixado de sê-lo em momento posterior àquele que se profira a decisão”.
A nomeação do síndico dativo e sua destituição são incidentes processuais. O síndico nomeado não ingressa na relação processual principal, em nenhum momento, mesmo porque, nos atos processuais supervenientes à quebra, que envolvam a massa falida, figura, apenas, como seu representante legal, não praticando atos em nome próprio. A sua destituição, também, não envolve a relação processual falimentar progressiva.
Pelo visto, os contornos definidores de terceiro prejudicado não identificam o síndico dativo como um deles, ainda que sofra diretamente as conseqüências da decisão de destituição, porque perderá o direito à remuneração pelo desempenho do múnus publico. O síndico como sujeito incidental do processo, pessoalmente, não suporta nenhuma carga decorrente do desfecho do incidente, exceto a de que deixou de gozar da confiança do juiz da causa.
Sendo, pois, o síndico dativo administrador judicial, auxiliar da justiça, não estaria legitimado a recorrer da decisão de sua destituição ou substituição, à luz do permissivo constante do artigo 499, do CPC.
No entanto, a doutrina [23] vem admitindo a possibilidade de os auxiliares da justiça recorrerem das decisões judiciais, em incidentes processuais de que façam parte, que tenham reflexos sobre o seu patrimônio jurídico, tais como o juiz, nos incidentes de suspeição ou impedimento, contra acórdão do tribunal que julgar a exceção, os leiloeiros, o liquidante e o administrador judicial, por direito próprio, flexibilizando o conceito de parte – litigantes no processo – para alcançar os litigantes em incidentes processuais.
Sob essa ótica, o síndico dativo estaria legitimado a interpor recurso, contra a decisão de sua destituição, objetivando a manutenção de sua nomeação (legitimidade recursal própria), ainda que contra o fundamento da perda da confiança de quem o nomeou (fundamento eminentemente subjetivo: presume-se que se inabalada a confiança o sindico estaria no exercício do cargo). Evidente que a decisão de nomeação ou destituição tem reflexo meramente econômico (remuneratório), mas não jurídico.
Por seu turno, na jurisprudência[24], observa-se o processamento e julgamento do mérito de recursos de agravos de instrumento, manejados por síndicos contra as decisões de destituição, e de recurso especial, sem, contudo, ficar demonstrada, explicitamente, a presença dos pressupostos processuais de admissibilidade.
5. Breves conclusões
À luz do artigo 499, do CPC, o síndico dativo, equiparado a auxiliar da justiça, não detém legitimidade e interesse de recorrer da decisão, que o destituiu do cargo, sob o fundamento da quebra da confiança.
A doutrina propõe mudança na concepção da definição de partes e de terceiros, no plano do direito processual civil, pela adoção de interpretação aberta e flexível sobre a qualidade de partes e de terceiros, com vistas a facilitar a participação processual de todos os interessados. Assim, o síndico poderia recorrer de decisão judicial, que lhe seja prejudicial, não como terceiro, mas com base em legitimidade própria, considerando-se a sua condição de sujeito do incidente processual.
Notas
[1] Art. 21, da Lei 11.101, de 09.2.05
[2] Art. 59, do DL 7661, de 21.6.1945.
[3] Art. 60, DL 7661/45
[4] Art. 60,§ 2º, DL 7661/45
[5] Art. 60,§ 3º, DL 7661/45
[6] Art. 60,§ 4º, DL 7661/45
[7] Art. 61, DL 7661/45
[8] Art. 67, DL 7661/45
[9] Art. 62, DL 7661/45
[10] Art. 63, DL 7661/45
[11] Art. 65, DL 7661/45
[12] Art. 66, DL 7661/45
[13] Art. 66,§ 2º, DL 7661/45
[14] Art. 68, DL 7661/45
[15] Art. 69, DL 7661/45
[16] Art.69,§ 7º, DL 7661/45
[17] PACHECO, José da Silva. Processo de falência e concordata. 6ª Ed. Forense: Rio de Janeiro, 1996, p. 383.
[18] Lei de falências e Concordatas Comentada. 2ª Ed. Editora Jurídico Atlas.
[19] Manual de Direito Processual Civil. 10ª Ed. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2006, p.74
[20] O auxiliar da justiça, no exercício de sua atividade, pode ser considerado terceiro desinteressado, porque não têm qualquer tipo de interesse no processo e na prestação jurisdicional, que possa justificar a sua intervenção.
[21] Art. 67, DL 7661/45
[22] Comentários ao Código de Processo Civil. 6ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 262.
[23] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª edição, revista, amp. atual. São Paulo: Revista dos tribunais, 2006, 248-251.
[24] Recurso Especial nº 793.903-RS. Rel. Min. Ari Pargendler; TJSP. Agravo Instrumento nº 120.571-4/5, Relator Des. Alfredo Migliore; TJSP. Agravo de Instrumento nº 115.158-4/9, Relator Des. Alexandre Germano; TJPR. Agravo de Instrumento nº 476.894-5. Rel. Des. Gamaliel Seme Scaff. TJPR. Agravo de Instrumento nº 174.146-0. Relator Des. Lauro Augusto Fabrício de Melo.