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A preclusão entre o CPC/1973 e o projeto de novo CPC

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01/07/2012 às 13:02
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6. Movimentos ainda em aberto quanto à possibilidade de reformas no modelo atual: embargos infringentes e limites para alteração da causa de pedir e pedido

VIII. A discussão a respeito da oportunidade de um novo CPC nesse momento histórico está em aberto no Congresso Nacional, sendo feitas críticas de inúmeras ordens ao movimento de reforma extrema. Ao se discutir os últimos dois pontos da nossa apresentação (marco da alteração da causa de pedir/pedido e supressão dos embargos infringentes) é possível dar-se conta de que a redação hoje projetada, depois de muito debate e tentativas de reforma, é exatamente a mesma do Código/1973 em vigor!

Ora, não há, pois, convicção a respeito de inúmeras matérias de reforma, iniciadas pelo (a) Anteprojeto 166/2010, passando pelo (b) Projeto final do Senado 8046/2010, agora em debate mais intenso na (c) Comissão Especial da Câmara Federal (relatoria geral do Deputado Paulo Teixeira) – com a discussão de alterações na letra do último Projeto, a partir de análises críticas fixadas em cinco relatórios parciais (destaque especial para a relatoria da parte geral a cargo do deputado Efraim Filho).

Parece, pois, despropositada a necessidade de substituição completa do diploma processual, sendo viável a continuidade de aperfeiçoamento do CPC-1973, fenômeno, aliás, que vem em curso desde 1994 (primeira manifesta ruptura do sistema originário, com a implementação das medidas de antecipação das tutelas de mérito).

Mais. A impressão que se tem da leitura do Projeto aprovado no Senado para um novo CPC, como também dos relatórios parciais na Câmara Federal, é a de que não há uma brusca ruptura com o modelo processual anterior, não parecendo despropositado se acreditar que muitas das alterações sugeridas já poderiam estar em curso a partir de escorreita interpretação do atual Codex à luz da Lei Maior – como, v.g., a determinação de estabelecimento de prévio contraditório entre as partes, mesmo em matérias que possam ser declaradas ex officio pelo Estado-juiz.

Outras tópicas (e benéficas) alterações, poderiam (podem) ser objeto de projeto de alteração imediata do CPC, o que permitiria termos a alteração positiva do sistema adjetivo vigente desde já, sem a necessidade de (demorada) aprovação do pacote completo a redundar em um novo diploma – como, v.g., a razoável medida de alteração do código processual para que não se declare a extemporaneidade de recurso apresentado antes da abertura solene do prazo para oferecimento de recurso; ou a determinação, há tempos aguardada, do fim da compensação de honorários na hipótese de sucumbência parcial, diante do reconhecimento de que a verba do procurador da parte possui natureza alimentar.

IX. De qualquer maneira, cabe trazer à baila, ao tempo do encerramento do ensaio, os dois mencionados pontos polêmicos do Projeto do Senado, que realmente precisam ser melhor debatidos – sendo fortemente desaconselhado que se atinja texto final com  a redação ora vigente, conforme buscaremos demonstrar. Tratemos basicamente dos (a) limites para alterar a causa de pedir e pedido; da (b) supressão dos embargos infringentes.

Com relação à alteração da causa de pedir e pedidos podemos dizer que tivemos algum retrocesso, já que o Projeto do Senado 8046 no art. 304, II manteve a redação originária do Código Buzaid, deixando, pois, de acolher a disposição contida no Anteprojeto 166-2010, o qual permitia mudanças na causa petendi e pedido até o momento de prolação da sentença de mérito – conforme disposição do art. 314.

 Seguramente foram firmadas críticas no Senado quanto à novel disposição que permitia maior liberdade na alteração do objeto litigioso, situação que, no nosso entendimento, não poderia causar tamanha surpresa devido aos exemplos vindos do direito comparado.

De qualquer forma, o Projeto 8046-2010 possui redação realmente muito parecida com a que temos no vigente art. 294 c/c art. 264, ambos do CPC, em que não é oportunizado ao autor a alteração dos rumos da lide após a citação sem o consentimento do réu, e mesmo com o consentimento desta após o saneamento do processo.

A aludida prática no direito comparado, contrabalançando o rigorismo formal com o princípio da economia processual, e a própria concepção de um moderno processo cooperativo, indica no sentido de ser viável a relativização dessa inflexível estabilização no Brasil, em limites moderados, respeitando-se a situação cultural da nossa sociedade.

Frisemos, de antemão, que a estabilização do processo, mediante a inalteração da causa de pedir e pedido, possui duplo fundamento: um particular, com efeitos privados, consiste na realização prática do princípio da lealdade processual, o qual não consiste apenas na fidelidade à verdade, mas compreende a colocação clara e precisa dos fatos e dos fundamentos jurídicos por ambas as partes, de modo a não se surpreender, nem um nem outro, com alegações novas de fatos ou indicação de provas imprevistas. O outro fundamento da estabilização do processo é o do interesse público na boa administração da justiça, que deve responder de maneira certa e definitiva à provocação consistente no pedido do autor.

Um sistema legislativo que permitisse livremente a alteração dos elementos da ação geraria instabilidade na prestação jurisdicional e, consequentemente, nas relações jurídicas em geral. O juiz deve decidir sobre o que foi expressamente pedido, nos limites da causa petendi; sendo que se o autor tiver outro pedido, ou até deseje expor outro fato jurídico principal, que o faça, reforça-se, em processo distinto.

Essa máxima do processo civil não encontra fiel parâmetro no processo penal pátrio, cujo sistema prevê a possibilidade de adequação do pedido à verdade real (CPP, arts. 383 e 384); justificando-se nesse campo uma maior liberdade porque o processo criminal deve esgotar a atividade jurisdicional sobre todo fato da natureza (melhor composto durante a instrução), e não apenas sobre o que foi pedido formalmente (na oportunidade preambular), de modo que, no âmbito especificamente penal, se faz indispensável a existência de mecanismo de adequação do objeto do processo ao fato – desde que seja resguardado o direito ao amplo contraditório a partir do momento processual oportunizador da emenda.

Estávamos, no entanto, no atual momento do processo civil pátrio, próximos de aproximarmos as linhas sobreditas de (histórica) diferenciação para com o processo criminal; seguindo, por outro lado, uma verdadeira tradição do direito processual civil continental-europeu em que, embora haja naturais restrições implementadas pelos sistemas processuais, sensível é que as preclusões são menos rígidas e além disso o espaço de defesa das partes é consideravelmente amplo.

Isto porque o Projeto n° 166-2010 para um novo CPC, alterando sensivelmente os ditames do atual art. 264 c/c art. 294 do Código Buzaid, fixava, no art. 314, que “o autor poderá, enquanto não proferida a sentença, aditar ou alterar o pedido, desde que o faça de boa-fé e que não importe em prejuízo ao réu, assegurando o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de quinze dias, facultada a produção de prova suplementar”.

O limite para a alteração da causa de pedir e pedido, pelo requerimento da parte demandante, chegou a surpreender, já que o sistema atual é absolutamente rígido (impedindo a alteração da causa de pedir e pedido após o saneamento) e passaria a ser significativamente flexível (autorizando a alteração da causa de pedir e pedido até o momento de prolação da decisão exauriente de mérito). Tal constatação, ao que parece, chegou realmente a influenciar o Senado ao tempo de aprovação da redação final do Projeto 8046-2010.

Uma solução intermediária a ser debatida na Câmara Federal, e que já tivemos a oportunidade de defender, com base na doutrina especializada, seria de se abrir a possibilidade de modificação da demanda na primeira audiência de debates (prevista no atual art. 331 do CPC), depois de esclarecidos os fatos da causa em diálogo mantido pelo órgão judicial com os litigantes, mesmo sem autorização expressa da parte não propositora da alteração, desde que fosse conveniente. Assim até esse momento de realização do evento solene, em que se buscaria inclusive uma solução amigável à contenda, poderia o autor propor a alteração da causa de pedir ou incremento no pedido, caso estivesse de boa-fé e fosse considerado oportuno pelo julgador, mesmo que não houvesse expresso consentimento do réu.

X. A respeito da inutilização dos embargos infringentes, ratificamos a nossa preocupação com a supressão de importante recurso que inegavelmente se mostra oportuno para o reexame das questões fáticas. Em inúmeras matérias com carga fática importante, muitas delas com efeito prospectivo considerável, relevante se dar à instância ad quem a possibilidade de reexame fático minudente, com formação mais sólida da posição do Tribunal em relação aos temas, por meio de seu Grupo Cível.

A disposição do Projeto do Senado, contida no art. 948, mantém a mesma linha do Anteprojeto 166-2010, no sentido de ser realmente suprimido tal recurso conjuntamente com o agravo retido. Recentemente, no entanto, na Câmara Federal, por intermédios dos relatórios parciais tornados públicos recentemente, viu-se que cresceu a crítica a essa novidade, sendo possível (até mesmo provável) que os infringentes retornem ao texto do Novo Código.

Por estas manifestações antagônicas, no Senado e na Câmara, percebe-se quão polêmica figura-se a supressão dos embargos infringentes do regime processual, já que esse é, em tese, o último recurso que a parte possui para discutir, a fundo, a totalidade das questões de fato perante o Judiciário – dada a vedação tradicional de levar tal matéria às superiores instâncias, conforme prevê especialmente a Súmula n° 07 do STJ.

 No Projeto do Senado, como dito, não estão previstos os embargos infringentes, no entanto, o parágrafo 1º do artigo 948 refere que o voto vencido, que, no CPC-73, é elemento essencial para a interposição deste recurso (artigo 530 do atual diploma), deverá ser necessariamente declarado, sendo considerada parte integrante do acórdão, com função inclusive de prequestionamento.

Seria essa uma contrapartida, em razão da supressão do recurso. Mesmo assim, entendemos pela necessidade de manutenção do recurso no regime processual, já que a busca irrefletida por efetividade não pode chegar ao ponto de dificultar a formação de decisão final qualificada, razão pela qual no ponto a efetividade deve ceder à segurança jurídica – de forma semelhante ao que se sucede, como antes escrevemos, em matéria de produção probatória na fase de instrução.


7. Considerações finais

XI. Encerramos essa apresentação ratificando a desnecessidade de um novo CPC nesse momento, nada obstante a possibilidade de constante atualização e aperfeiçoamento do diploma originário.

No entanto, pelo ritmo mais intenso de discussão do Projeto 8046/2010 na Câmara Federal, é possível que se estabeleçam avanços, com aprovação pela Câmara do aludido Projeto com alterações – o que implicará em novo encaminhamento do material ao Senado Federal para votação.

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Ainda para exemplificar, uma das principais alterações sugeridas na Câmara Federal é a oportuna criação de sessão no Código para melhor regularizar o processo eletrônico – sendo proposta a incorporação dos arts. 167/172 a respeito. Parece, pois, que o novo CPC sai do papel, mas ainda sem prazo definido, diante das novidades – como a presente – que ainda podem ser incorporadas.

Em relação ao tema preclusivo, as alterações incrementadas são, no nosso sentir, positivas; não excluindo a preclusão do sistema, mas sim diminuindo os seus préstimos em questões pontuais oportunas, como: (a) a supressão do agravo retido, deixando de ser preclusivas as decisões interlocutórias de menor gravidade; (b) a diminuição do tamanho da preclusão na instrução, autorizando a dilação de prazos para a produção de provas; e ainda (c) o estabelecimento de limites restritivos ao fenômeno da eficácia preclusiva da coisa julgada material, reduzindo os efeitos potenciais da preclusão para além das bordas do processo.

Enfim, no contexto estritamente processual, sendo o CPC-73 uma obra sempre memorável, não imaginamos que a alteração da norma central do eixo do processo civil brasileiro terá o condão de sanar problemas de cunho cultural e social. Ao que se percebe das manifestações supra, o “Novo CPC” não se mostra apto a fazer a “revolução” (em nome da efetividade) que pretendia. Por certo, o novo código, caso aprovado, deve vir acompanhado de investimentos em cartórios judiciais, com autorização para o aumento do número de julgadores e de servidores do Poder Judiciário, para que se possa realmente bem atender à população que clama pela realização de justiça – questão complexa essa, que evidentemente não será resolvida simplesmente com a projetada mudança legislativa.


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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. A preclusão entre o CPC/1973 e o projeto de novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3287, 1 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22122. Acesso em: 24 nov. 2024.

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