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A Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/06), estágios de vegetação e a atuação do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA

09/07/2012 às 15:25
Leia nesta página:

O CONAMA estabelece parâmetros a serem considerados pelos Estados nas definições específicas de seu território, sem prejuízo da atuação supletiva, já que eles detêm competência comum em se tratando de legislação sobre meio ambiente.

A chamada Lei da Mata Atlântica, Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, foi editada com amparo no artigo 225, §4º da Constituição, regulando justamente a forma pela qual será utilizado tal “patrimônio nacional”, “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”, expressões essas encontradas no texto constitucional.

Em 13 de abril do presente ano, foi publicada a Resolução nº 423 do Conselho Nacional do Meio Ambiente, dispondo sobre “parâmetros básicos para identificação e análise da vegetação primária e dos estágios sucessionais da vegetação secundária nos Campos de Altitude associados ou abrangidos pela Mata Atlântica”.

Por se tratar de tema técnico, deveras específico, e relacionado com legislação ambiental especial, ao CONAMA, órgão em que os mais diversos setores da sociedade e do Poder Público se encontram representados, foi atribuído o poder de definir os estágios de regeneração da vegetação – o que seja vegetação primária (aquela que não sofreu degradação) e secundária (aquela já em regeneração, em decorrência de ações anteriores antrópicas ou causas naturais)[1]. Por isso, válidas as considerações abaixo, como apresentação, ainda que superficial, do tema.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, integrante do SISNAMA, é definido pela Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) como órgão consultivo e deliberativo com finalidades próprias, verbis:

Art 6º - Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, assim estruturado:

[...]

II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;

No caso em questão, a atuação do CONAMA foi imposta especificamente pela Lei nº 11.428/06:

Art. 4º A definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada, será de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

§ 1º O Conselho Nacional do Meio Ambiente terá prazo de 180 (cento e oitenta) dias para estabelecer o que dispõe o caput deste artigo, sendo que qualquer intervenção na vegetação primária ou secundária nos estágios avançado e médio de regeneração somente poderá ocorrer após atendido o disposto neste artigo.

§ 2º Na definição referida no caput deste artigo, serão observados os seguintes parâmetros básicos:

I - fisionomia;

II - estratos predominantes;

III - distribuição diamétrica e altura;

IV - existência, diversidade e quantidade de epífitas;

V - existência, diversidade e quantidade de trepadeiras;

VI - presença, ausência e características da serapilheira;

VII - sub-bosque;

VIII - diversidade e dominância de espécies;

IX - espécies vegetais indicadoras.

Em novembro de 2009, o próprio CONAMA já havia editado a Resolução nº 417, com norma de teor idêntico, mas referente à vegetação de Restinga na Mata Atlântica, dentro da mesma competência atribuída pelo artigo 4º da Lei 11.428/06. Já a Resolução 423/2010 busca definir os parâmetros básicos para identificar o estágio da vegetação especificamente em Campos de Altitude, considerados como integrantes do Bioma Mata Atlântica pelo artigo 2º da mesma lei acima citada. Destaco que as definições de vegetação primária e secundária são idênticas nas duas resoluções, assim como a possibilidade de complementação por parte dos Estados e a descaracterização como remanescente de vegetação das áreas ocupadas com “agricultura, cidades, pastagens e florestas plantadas ou outras áreas desprovidas de vegetação nativa”, garantindo uniformidade normativa no Conselho.

Importante, neste ínterim, sempre ter em mente que os atos normativos do CONAMA são marcados por discricionariedade técnica, que se legitima após discussões em Câmaras Técnicas, consoante disposto no Regimento Interno. Embora se possam aplicar alguns princípios e regras da Administração Pública, já que o CONAMA vincula-se à estrutura do Poder Executivo, as deliberações normativas do CONAMA devem submeter-se ao crivo de seus componentes, cujas representações são de diversos setores, públicos ou da sociedade civil. Nesse sentido é que se afirma que o CONAMA, enquanto espaço público institucional, possui autonomia técnica e política no momento da edição de normas voltadas aos seus fins indicados em lei.

O âmbito de aplicabilidade da resolução aprovada – campos de altitude associados ou abrangidos pela Mata Atlântica - está bem delimitado tanto na Lei da Mata Atlântica quanto em outra Resolução do próprio CONAMA, qual seja, Resolução nº 10, de 1993:

Art. 5º As definições adotadas para as formações vegetais de que trata o artigo 4º, para efeito desta Resolução, são as seguintes:

[…]

III - Campo de Altitude - vegetação típica de ambientes montano e alto-montano, com estrutura arbustiva e/ou herbácea, que ocorre geralmente nos cumes litólicos das serras com altitudes elevadas, predominando em clima subtropical ou temperado. Caracteriza-se por uma ruptura na sequencia natural das espécies presentes nas formações fisionômicas circunvizinhas. As comunidades florísticas próprias dessa vegetação são caracterizadas por endemismos.

Ressalto que essa Resolução anterior foi editada pelo CONAMA cumprindo atribuição conferida pelo Decreto 750/1993[2], de teor semelhante ao artigo 4º da Lei 11.428/06. Destaco também que as regras do ato sobre análise também não se sobrepõem ao que estabelecido na Resolução CONAMA nº 10/1993, por força do artigo 4º daquela norma:

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Art. 4º A caracterização dos estágios de regeneração da vegetação, definidos no artigo 3º, desta Resolução, não é aplicável aos ecossistemas associados às formações vegetais do domínio da Mata Atlântica, tais como manguezal, restinga, campo de altitude, brejo interiorano e encrave florestal do nordeste.

O ponto a ser compreendido é que a atuação do CONAMA não se encontra balizada apenas pela Lei 6.938/81 – norma genérica de atribuição do poder de editar normas técnicas sobre licenciamento ambiental e padrões de qualidade ambiental:

Art. 8º Compete ao CONAMA:

 I - estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluídoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA;

[...]

VI - estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos Ministérios competentes;

VII - estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.

O CONAMA atuou, nos casos acima referidos (Resoluções 427/09 e 429/10) com base nas hipóteses previstas tanto na Lei 6.938/81 quanto na Lei 11.428/06, estabelecendo os parâmetros a serem considerados pelos Estados nas definições específicas de seu território; por isso as ementas das Resoluções fazem referência a “parâmetros básicos para definição”, abrindo ensejo à atuação supletiva de tais entes federados.

Não se encontra, assim, prejudicada a possibilidade de atuação dos Estados, que detêm competência comum em se tratando de legislação sobre meio ambiente.

Há que se considerar, por fim, a importância da definição dos chamados “estágios sucessionais” da vegetação em Mata Atlântica, uma vez que há todo um regime de corte e supressão da vegetação[3], sendo inicialmente vedados, em se tratando de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração. Valem, todavia, as seguintes exceções, sempre que os casos estiverem caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, inexistindo alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto:

- supressão de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneração - somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública, ou para pesquisas científicas e práticas preservacionistas

- supressão de vegetação secundária em estágio médio de regeneração- casos de utilidade pública e interesse social,

Regra extremamente importante é aquela que presume casos em que haverá, na forma da Constituição, significativa degradação ao meio ambiente, quando se tratar de corte ou supressão de vegetação primária e secundária em estágio avançado de regeneração. Por força dos artigos 20, parágrafo único, e 22 da Lei 11.428/06, é indispensável a realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA. Como ensina Paulo Affonso Leme Machado[4]:

A possibilidade de “significativa degradação ao meio ambiente” já é presumida pela própria lei, não cabendo ao gestor ambiental indagar se há ou não probabilidade de dano ambiental.

Confirmadas, assim, as balizas de atuação do Conselho Nacional do Meio Ambiente, cabe aos órgãos estaduais também atuar, atendendo os parâmetros da Lei da Mata Atlântica e das Resoluções do CONAMA, definindo os procedimentos e critérios e editando listas complementares de espécies para seu território.


Notas

[1] Definições essas retiradas da obra Direito Ambiental Brasileiro, de Paulo Affonso Leme Machado, 18ª ed., São Paulo, Malheiros: 2010, p. 812.

[2] Que trazia disposições sobre o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, e dava outras providências, revogado pelo Decreto nº 6.660, de 2008, que veio justamente regulamentar a Lei 11.428/06.

[3] Como dispõe a própria Lei 11.428/06:

Art. 8º O corte, a supressão e a exploração da vegetação do Bioma Mata Atlântica far-se-ão de maneira diferenciada, conforme se trate de vegetação primária ou secundária, nesta última levando-se em conta o estágio de regeneração.

[4] Op. cit. p. 816.

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Sobre o autor
Marcelo Moura da Conceição

Advogado da União, lotado na Procuradoria-Seccional da União em Campinas-SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Marcelo Moura. A Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/06), estágios de vegetação e a atuação do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3295, 9 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22169. Acesso em: 5 nov. 2024.

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