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A análise da aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais sob a luz da teoria Laws & Economics

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3. O movimento “Laws and Economics”:

O movimento “Laws and Economics” consagrado nos Estados Unidos da América e na Europa possui uma feição contemporânea que se reporta a Charles Sanders Peirce, a John Dewey e a William James. O principal representante do movimento direito e economia, Richard Posner, professor da Universidade de Chicago e juiz federal norte-americano (indicado e nomeado pelo republicano Ronald Reagan).

O direito, para a escola de Posner, deve maximizar a economia, multiplicando a riqueza e o bem-estar econômico. Pragmatismo e utilitarismo encontram-se na normatividade.

O movimento “Law & Economics” sofreu grande resistência no Brasil, em face se ser oriundo do regime de common law, pois havia um pensamento de que só países com esse tipo de sistema jurídico poderiam fazer direito e economia.

Contudo, certo é que também no Brasil, direito e economia estão cada vez mais próximos. A era dos tecnocratas e “czares” acabou faz tempo, e sua agonia se deu nos “pacotões” que antecederam o Plano Real (Cruzado, Bresser, Collor, etc.) nos quais assistimos variadas espécies de agressões não apenas à teoria econômica (esta, coitada, apanha calada, não tem como reagir), mas também, e mais seriamente, ao nosso ordenamento jurídico, com as conseqüências que se conhece. O tamanho do contencioso gerado pelos “planos econômicos” anteriores ao Plano Real oferece uma boa medida do indesejável distanciamento entre as disciplinas e respectivos operadores.

O Direito e a Economia - Law and Economics - se encontram num campo interdisciplinar de conhecimento, que aplica as ferramentas da Ciência Econômica - especialmente a Microeconomia e a Economia do bem-estar - a temas jurídicos e de polí­ticas públicas. Para tanto, algumas premissas fundamentais são adotadas tem sido adotadas, a partir da premissa que os indi­víduos são racionais e buscam sempre maximizar o seu bem-estar e, consequentemente, reagem a incentivos. Dentre estes, encontram-se as normas jurí­dicas, que por sua natureza coercitiva funcionam como potentes estí­mulos à conduta do indiví­duo.

Por sua vez, esses incentivos normativos acarretam conseqüências sociais e econômicas, que acabam naturalmente também afetando o desempenho do próprio ordenamento jurí­dico, sendo que os resultados nem sempre são aqueles pretendidos pelo legislador ou pelo juiz.

O "Direito e Economia" buscam, então, através da utilização de ferramentas tais como teoria dos preços, teoria dos jogos, econometria, teoria das externalidades e dos custos de transação, além de outras, tornarem o sistema jurídico mais eficiente para que possa, dessa forma, conseguir alcançar os seus propósitos de justiça e equidade, desejados por todos e possibilitadores da paz social e do desenvolvimento.

Para o movimento direito e economia a base para a decisão de um juiz deve ser a relação custo-benefício. O direito só é perspectivo quando promove a maximização das relações econômicas. A maximização da riqueza (wealth maximization) deve orientar a atuação do magistrado. O texto axial para a compreensão dos fundamentos conceituais do movimento direito e economia encontra-se em excerto de Richard Posner, com o título de A Pragmatic Manifesto.

O movimento direito e economia surgiu em meio ao descontentamento do direito para com um fundamentalismo jurídico que vinha triunfando desde a consagração do iluminismo. Entre as ciências sociais, a economia se mostrava como a mais promissora candidata para oferecer respostas corretas para problemas jurídicos, imaginando-se o direito como traído pela filosofia, e traidor da sociologia, embora servo muito bem comportado da política.

Ronald Coase e Guido Calabresi foram os precurssores do movimento direito e economia, que ganhou muita atenção com Richard Posner, que em 1973 publicou a primeira versão de seu livro The Economic Analysis of Law. Posner preocupa-se com a autonomia da argumentação jurídica, como premissa metodológica para a fundamentação das decisões judiciais.

Nesse sentido, suposta distância para aspectos mais realistas poderia levar-nos a conceber aparente convergência conceitual para com o positivismo. Concorda-se que o judiciário é prioritariamente impopular, dado que sempre desagrada uma das partes. E isso é recorrente na natureza humana. Um judiciário independente, para Posner, exige que se substitua o profissionalismo do magistrado (e a chamada neutralidade, nos dizeres de Michel Löwy) por legitimidade política, sem que isso constitua ativismo judiciário, percepção plasmada por aparente impossibilidade de realização.

O direito decorreria de práticas sociais e não de idéias, e nesse sentido faz-se oposição aos formalistas, crentes no direito natural e na sua realização completa nos cânones da legislação vigente. E se, por um lado, haveria estruturação lógica nas regras de direito, por outro elas são efetivamente muito vagas, carregam amplo espaço de reserva de sentido, são altamente contestáveis, bem como voláteis, porque constantemente alteradas.

Esse espaço de indeterminação pode ser colmatado por decisionismo que permita decisões judiciais tendentes a maximizar a ordem econômica. O direito perseguiria muito mais uma lógica de justificação do que uma lógica da descoberta, segundo Richard Posner - que é juiz - os magistrados seguem precedentes, porém o fazem mais pela certeza e pela previsibilidade do direito do que para atingirem um direito justo e correto.

Contudo, não se pode concordar com tal posição, pois as decisões, muitas vezes, não são ordens que se aproximam no mundo fático. Afinal, os juízes devem aplicar e não descobrir o direito. A premissa, proclamada por Posner, identifica o ancestral do movimento, que radica no realismo do primeiro pós-guerra. Juízes valer-se-iam de preferências pessoais para decidirem as causas que lhes são dirigidas. Tais preferências refletem resíduos atávicos do direito natural. Além do que, e por outro lado, para Posner, o direito natural é carente de significação discursiva quando cogitado em uma sociedade moralmente heterogênea, como a contemporânea.

Qualquer esforço para a consecução da autonomia e da objetividade do direito seria em vão, pois o autor entende que os casos mais difíceis (hard cases) não podem ser objetivamente decididos. processos não racionais influenciam as decisões jurídicas, formatando um direito que se mostra menos um conjunto conceitual e mais uma atividade pragmática. Dessa forma, não existiria um sentido comum de interpretação do direito; o processo de interpretação não seria um procedimento lógico. Não haveria, para Posner, conceito final de justiça, haja vista que a justiça corretiva plasma a vingança e a decisão judicial deve perseguir a maximização da riqueza, expressando utilitarismo muito afeito ao espírito pragmático norte-americano.

Neste contexto, a lei seria funcional e não simbólica; tem uma finalidade, não representa um ideal fundacionalista e metafísico. Fins práticos caracterizam o direito. De tal modo, para Posner, o direito precisaria respeitar os fatos, aceitar as mudanças e reconhecer quando é falível e não factível. O direito, para Posner, não é texto sagrado, é texto de prática social.

Certo é que os primeiros adeptos do movimento direito e economia renunciaram ao compromisso modernista para com uma lei fundamental, embora não tenham renunciado totalmente a possibilidade de verdade jurídica universal, que imputavam à busca da eficiência econômica. Cogitou-se de um sujeito de direitos, identificado como um ator racional, de feição econômica, alguém que quer maximizar sua expectativa de utilidade, mas que poderia, no entanto, revelar preocupação com o bem estar alheio. Posner acredita que o homem é um maximizador racional em relação a seus fins em vida.

A lei de oferta e da procura (the law of demand) poderia ter muitas aplicações no direito. Exemplifica-se com a questão da criminalidade e da penalidade resultante. A pena seria o preço que a sociedade cobra pelo cometimento de uma ofensa criminal. Quanto maior a pena, mais o criminoso seria encorajado a dirigir-se para outras formas de comportamento. A percepção é perigosa, pois poderia se prestar a justificar a pena de morte (MINDA, 1995).

Os custos de oportunidade também promovem leitura econômica do direito, já que ao se quantificar uma indenização pela perda de uma criança, não se deve computar o quanto ela ganha ou ganharia de salários, pois era economicamente inativa e os ganhos futuros são imprevisíveis. Pode-se, no entanto, quantificar os valores que os pais teriam investido no menor. Busca-se critério de eficiência no julgamento, que os juízes deveriam perseguir. Apela-se para Ronald Coase, que minou o intervencionismo estatal típico dos anos sessenta, embora ele eventualmente tivesse admitido que pequena intervenção governamental pudesse fazer o mercado funcionar.  

O direito poderia compor modelo de regulamentação com o objetivo de corrigir as externalidades negativas. Essa percepção pode ser visível, por exemplo, em direito ambiental, que pode se orientar no sentido de propiciar a internalização das externalidades negativas, o que ambientalistas poderiam chamar como o princípio do poluidor pagador.

Além disso, pode-se falar dos negócios jurídicos, se os custos de transação fossem baixos, a intervenção do direito na vida negocial não teria grandes conseqüências na alocação de recursos. Negócios privados atingiriam excelentes resultados, não obstante as intervenções judiciais (MINDA, 1995). A previsão contratual de intervenção do judiciário, para resolver controvérsias de um negócio, promove (se implementada) um tortuoso caminho pelo judiciário, marcado pelos elevados custos com advogados, taxas judiciais, perícias, além, obviamente, da natural ansiedade que as demandas causam. Embora chamado para corrigir uma externalidade negocial, o direito não as internalizaria, prorrogando retórica de indecisão, acrescentando custos e mitigando ganhos. Esse conceito pode também ser evidenciado em temas de infortunística e de direito obrigacional.

Afinal, ao invés de perguntar quem causou determinado prejuízo deve-se questionar como o modelo jurídico poderia minimizar os custos com o acidente. O direito deve ser eficiente, e mede-se essa realidade pela maximização da riqueza.

No âmbito de direito norte-americano identificam-se quatro eixos temáticos indicativos do movimento direito e economia. Segundo o behavioral claim a economia pode oferecer uma teoria útil para previsão dos comportamentos a serem qualificados pelas regras jurídicas. De acordo com a normative claim, o direito deve ser eficiente. A obtenção de bons resultados deve orientar o direito.

A análise econômica do direito é instrumental, adaptativa e funcional. O movimento direito e economia tornou-se a mais eloqüente porta-voz de um pragmatismo jurídico (MINDA, 1995). O movimento direito e economia mostra-se como interdisciplinar, sem os perigos de ser antidisciplinar. Cobre quase todos os campos do direito, preocupando-se com criminalidade, uso de drogas, roubo de obras de arte, exploração do sexo, barrigas de aluguel, direito internacional público, democracia, religião, permitindo que o direito seja estudado como um sistema, que seja revelado como coerente e que seja melhorado.

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Posner afirma ser a economia é ferramenta importante para analisar questões que operadores do direito não conseguem conectar com problemas concretos (POSNER, 2003). A economia é a ciência das escolhas racionais, orientada para um mundo no qual os recursos são inferiores aos desejos humanos.

Nesse sentido, o homem é um maximizador de utilização racional. As satisfações são aumentadas na medida em que comportamentos são alterados. Custos informam as opções, os custos sociais diminuem a riqueza da sociedade, os custos privados promovem uma realocação desses recursos (POSNER, 2003). Assim, valor, utilidade e eficiência norteiariam escolhas.

Admite-se, entretanto, que o alcance da economia é limitado, dado que se centra em valor, utilidade e eficiência. Essa conclusão comprova que o pragmatismo é ponto comum na relação entre direito e economia, pois a racionalidade (instrumental e convencional) instruiria as relações entre direito e economia. A chamada habilidade para uso do raciocínio como instrumento para resolução dos problemas da vida formataria os eixos epistemológicos de uma convergência conceitual e discursiva entre direito e economia. Todos os campos do direito podem ser avaliados pela economia, e seus paradigmas de valor, utilidade e suficiência.


 4. A Defesa do Consumidor como Direito Fundamental e Princípio da Ordem Econômica:

Difícil tarefa é compatibilizar a proteção do consumidor como direito fundamental com os princípios da ordem econômica, isso porque a defesa do consumidor tem origem constitucional nos arts. 5º, XXXII e 170 da Constituição Brasileira.

Por meio do artigo, 170, V, da CF/88, deve-se garantir a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos através da implementação de uma política de nacional de consumo.

Assim, a defesa do consumidor como princípio geral da atividade econômica está emparelhado e atua lado a lado, com outros princípios basilares do modelo político-econômico brasileiro, como o da soberania nacional, da livre concorrência, dentre outros. Como principio, tem o condão de controlar as normas que procuram afastar a tutela protetiva.

Observa-se aqui, que podem ocorrer conflitos nas situações práticas de proteção ao consumidor e a política nacional da ordem econômica. Em nossa opinião, caso aconteça colisão entre os princípios que protegem o consumidor com os princípios gerais da ordem econômica entre si, só um será aplicável no caso concreto, ou seja, a escolha de aplicabilidade não se dará em caráter axiológico, na escolha da solução mais justa. O que se busca é a solução correta. Deste modo, no caso concreto, os princípios não são conflitantes, mas eles se excepcionam.

Ao contrário das regras, que se aplicam de maneira ou tudo ou nada - in na all-or-nothing fashion. (Dworkin, 1978, p. 24), e que, portanto, comportam exceções enumeráveis previamente à sua aplicação (Dworking, 1978, p. 25), os princípios comportam exceções à sua aplicação que não podem ser enumeradas previamente à hipótese concreta de sua incidência (Dworkin, 1978, p. 25), por que qualquer outro princípio pode, abstratamente, representar uma exceção à aplicação de um princípio. [...] não se trata de imaginar uma ponderação, ou seja, imaginar-se um conflito resolvido pela aplicação de outro princípio, orientada pela hieraquização dos mesmos, mas de se imaginar que os princípios são normas que se excepcionam reciprocamente nos casos concretos, vez que não podem, muitas vezes, ser contemporaneamente aplicados. É claro que um princípio só pode excepcionar a aplicação de outro quando isso for suficientemente fundamentado de um ponto de vista discursivo. Mas efetivamente os discursos de aplicação podem apresentar tal fundamentação. (GALUPPO, 1999, p. 199)

Na situação concreta é que se verificará a exceção de um princípio ao outro e nunca abstratamente. Além disso, o fato de em um dado caso um princípio excepcionar ou outro, não necessariamente, quer dizer que em todo caso será dessa forma. É a circunstância concreta que deverá determinar a aplicação deste ou aquele princípio, buscando garantir efetivação de iguais direitos fundamentais aos afetados naquela situação.

Assim procedendo, a solução de uma situação difícil e de conflito, está na construção teórica feita diretamente no caso concreto, ou seja, através da interpretação se reconstrói a concretude em conformidade com os princípios jurídicos aplicáveis e reconhecidos pela comunidade jurídica, visando alcançar a decisão correta, tal qual um romance em cadeia.

Pode-se afirmar, então, que não há contradição entre princípios, mas concorrência e, também, não há hierarquia, vez que estão no mesmo plano de aplicação. A segurança jurídica está no campo da aplicação do direito como integridade, pois se garante a coerência de princípios que são criados pela comunidade personificada.

Neste sentido, verifica-se que o principio geral da atividade econômica de defesa do consumidor impõe a realização de uma política pública com dupla eficácia: a positiva determina que os poderes públicos tenham o dever de desenvolver o programa constitucional, por meio de ação coordenada que estimule a ordem econômica brasileira; a negativa quer impedir que o legislador ou a Administração Pública edite normas conflitantes com o objetivo do programa constitucional de proteção do consumidor.

Já que defesa do consumidor também é um direito fundamental, oportuno se faz neste momento definir o que seriam esses direitos: Bonavides acredita que os direitos fundamentais “são os do homem que as Constituições positivaram” (BONAVIDES, 2000, p. 514-518), recebendo nível mais elevado de garantias ou segurança, pois, cada Estado, tem seus direitos fundamentais específicos. Entretanto, o autor acrescenta que os direitos fundamentais “estão vinculados aos valores de liberdade e dignidade humana, levando-nos, assim, ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana”. (BONAVIDES, 2000, p. 514-518)

Já Canotilho ensina que a positivação dos direitos fundamentais, considerados “naturais e inalienáveis” (CANOTILHO, 1998, p.369) do indivíduo pela Constituição como normas fundamentais constitucionais, é que vincula o direito. “Sem o reconhecimento constitucional, estes direitos seriam meramente aspirações ou ideais, seriam apenas direitos do homem na qualidade de normas de ação moralmente justificadas”. (CANOTILHO, 1998, p.369)

Claudia Lima Marques (2008) também afirma ser o direito do consumidor um direito humano de terceira geração, um direito positivo de atuação do Estado na sua projeção, que atinge a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros aqui residentes.

Quanto à terminologia de direitos humanos e direitos fundamentais, surge a necessidade de diferenciação: direitos humanos são sempre direitos do ser humano inerente a sua dignidade e convívio social, sem, contudo, apresentar juridicidade constitucional, enquanto os direitos fundamentais encontram-se positivados na esfera constitucional. Ingo Wolfgang SARLET, assim os define:

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo "direitos fundamentais" se aplica para aqueles direitos do ser humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem o ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que, portanto, aspiram à validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). (SARLET, 2006, p.35-36)

Ainda assim, não poderá tais conceitos ser entendidos como sinônimos, pois a efetividade de cada um é diferente. Neste ponto Ingo Wolfgang SARLET é incisivo ao afirmar que:

Além disso, importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos. (SARLET, 2006, p. 40)

Desse modo, os direitos humanos seriam garantias inerentes à existência da pessoa, albergados como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos diversos instrumentos de Direito Internacional Público, mas que por fatores instrumentais não possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas. Por outro lado, os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios, positivados constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos dos direitos humanos, que visam garantir a existência digna (ainda que minimamente) da pessoa, tendo sua eficácia assegurada pelos tribunais internos.

Atualmente, a doutrina os classifica em direitos humanos fundamentais em primeira, segunda, terceira e quarta dimensões[1] cujos conteúdos ensejariam os princípios: liberdade, igualdade e fraternidade.

Direitos de primeira dimensão (LUCCA, 2008) ou de liberdade seriam os direitos e as garantias individuais e políticos clássicos, as chamadas liberdades públicas. Visam inibir a interferência indevida do Estado na vida do cidadão.

Os direitos de segunda dimensão (LUCCA, 2008) ou de igualdade referem-se aos direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século XX. Eram os direitos de caráter social. Neste caso, a interferência do Estado era desejada para garantir a igualdade material dos indivíduos.

Já os direitos de terceira dimensão (LUCCA, 2008) ou de solidariedade ou fraternidade são os da coletividade, de titularidade coletiva ou difusa. Entre eles, encontra-se o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, à comunicação e à proteção do consumidor.

Bonavides (2000) cita a quarta dimensão de direitos originários do mundo globalizado: os direitos à democracia, à informação, ao pluralismo. Seriam estes direitos que possibilitariam a legítima globalização política.

Alguns autores defendem que a defesa do consumidor seria coligada à Cláusula Geral da Personalidade, ou seja, a Constituição, ao prever o respeito à dignidade humana como seu fundamento mais importante, e ainda, considerar como objetivo da República a erradicação da pobreza e a marginalização, para reduzir as desigualdades, mostram-se com a intenção de proteger os consumidores.

Neste contexto, Gustavo Tepedino assevera:

[...] o coligamento destes preceitos com os princípios fundamentais da Constituição, que incluem entre os fundamentos da República “a dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), e entre os objetivos da República “erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III), demonstra a clara intenção do legislador constituinte no sentido de romper à ótica produtivista e patrimonialista que muitas vezes prevalece no exame dos interesses dos consumidores.

O constituinte, assim procedendo, não somente inseriu a tutela dos consumidores entre os direitos e garantias individuais, mas afirma que sua proteção deve ser feita do ponto de vista instrumental, ou seja, com a instrumentalização dos seus interesses patrimoniais à tutela de sua dignidade e aos valores existenciais. Trata-se, portanto, do ponto de vista normativo, de proteger a pessoa humana nas relações de consumo, não já o consumidor como categoria de per se considerada.

A proteção jurídica do consumidor, nesta perspectiva, deve ser estudada como momento particular e essencial de uma tutela mais ampla: aquela da personalidade humana; seja do ponto de vista de seus interesses individuais indisponíveis, seja do ponto de vista dos interesses coletivos e difusos. (TEPEDINO, 1998, p. 249-250)

A propósito, o STJ (BRASIL, 2007) já reconheceu que: A intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na livre iniciativa deve observar os princípios do direito do consumidor como seu limitador, já que este se trata de objeto de tutela constitucional especial.

CANOTILHO (2000) chama a defesa do consumidor de “princípio constitucional impositivo” que apresenta duas funções: a primeira como instrumento para assegurar a todos existência digna e a segunda, para instrumento para assegurar a conquista o objetivo particular a ser alcançado (assume a função de DIRETRIZ, para Dworkin, a “norma-objetivo”), justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas.

Assim, como todo o Direito Privado, o sistema de amparo às relações de consumo surge em consonância com a axiologia e principiologia constitucional, visando alcançar a igualdade substancial ou material nas relações jurídicas de consumo. Esta almejada igualdade pode ocorrer através da aplicação da Tese da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais.

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Sobre os autores
César Leandro de Almeida Rabelo

graduação em Administração de Empresas pela Universidade FUMEC (2000) e graduação em Direito pela Universidade FUMEC (2007). Especialista em Docência no Ensino Superior pela PUC/MG e em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE (2010). Atualmente é advogado supervisor da Universidade FUMEC e professor na Faculdade de Ciências Humanas de Itabira - FUNCESI e Faculdade Del Rey em Belo Horizonte. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC (2012). Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público, Privado, Trabalhista e Processual. Professor de Prática Real Cível e Penal, previdenciário, processo civil e processo coletivo.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Del Rey – Uniesp - Professora de Direito da PUC MINAS e Faculdades Del Rey – UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RABELO, César Leandro Almeida ; VIEGAS, Cláudia Mara Almeida Rabelo. A análise da aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais sob a luz da teoria Laws & Economics . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3294, 8 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22171. Acesso em: 25 abr. 2024.

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