5. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de consumo:
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também chamada pela doutrina de eficácia privada ou externa, ou Drittwirkung, defende a força vinculante e a eficácia imediata dos direitos fundamentais nas relações entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito às relações privadas em que há nítido desequilíbrio de forças entre os sujeitos envolvidos, fazendo com que os direitos fundamentais exerçam função essencial para o deslinde da questão, restaurando ao sujeito ofendido a integridade de sua dignidade como pessoa humana.
Importa esclarecer que a doutrina tradicional entende os direitos fundamentais como normas destinadas a proteger o indivíduo contra eventuais violações causadas pelo Estado, quando este abusa de seu poder.
Gilmar Mendes bem explicita:
A História aponta o Poder Público como destinatário precípuo das obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. A finalidade para o qual os direitos fundamentais foram inicialmente concebidos consistia, exatamente, em estabelecer um espaço de imunidade do indivíduo em face dos poderes estatais. (MENDES, 2008, p. 275).
Neste assunto, parte da doutrina defende que a aplicabilidade das normas vinculadoras de direitos fundamentais nas relações entre particulares é mediata, isto é, os direitos fundamentais seriam direitos relativos à defesa do particular contra o poder do Estado, implicando que as relações extra-estatais estariam fora da zona de incidência dos direitos fundamentais, entregues aos diversos subsistemas jurídicos autonomia plena.
Esses investigadores jurídicos entendem que as regras constitucionais vinculadas aos direitos fundamentais não podem ser opostas aos particulares diretamente, pois os valores objetivos traçados no seio constitucional devem ser materializados através da produção de normas jurídicas de baixa densidade (normas infraconstitucionais), ou seja, a regulamentação das regras constitucionais seria o caminho apropriado para proteção dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.
Em contraponto à tese da eficácia mediata dos direitos fundamentais, estão os aqueles doutrinadores que defendem que os direitos fundamentais produzem eficácia imediata e irrestrita, o que provocaria a eficácia nas relações privadas, ou seja, a aplicabilidade do artigo 5º, § 1º da CF não se restringiria somente ao Poder Público, mas também, as relações jurídicas estabelecidas entre particulares. Isto porque o texto Constitucional prescreve que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata e não delimita nem restringe sua atuação, isto é, não há bloqueio constitucional na aplicabilidade dos direitos fundamentais em qualquer relação, seja ela: pública; mista; ou privada.
Nesta linha de raciocínio, Sarlet expõe:
Ponto de partida para o reconhecimento de uma eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas é a constatação de que, ao contrário do Estado clássico e liberal de Direito, no qual os direitos fundamentais, nas condições de direitos de defesa, tinham por escopo proteger o indivíduo de ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pessoal e no qual, em virtude de uma preconizada separação entre Estado e sociedade, entre público e o privado, os direitos fundamentais alcançam sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, no Estado social de Direito não apenas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas também a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra os poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que a liberdade se encontra particularmente ameaçada. (SARLET, 2007, p. 398-9)
O debate referente à eficácia horizontal dos direitos fundamentais no âmbito das relações jurídico-privadas teve início nos anos cinqüenta e primórdios da década de sessenta, na Alemanha. Ingo Sarlet (2007) lembra que a doutrina e a jurisprudência evocam como paradigma o famoso caso Lüth, cuja decisão proferida pela Corte Federal Constitucional da Alemanha, em 1958, reconheceu que os direitos fundamentais não possuíam apenas a função de direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do poder público, mas também, consistiriam em decisões valorativas de natureza objetiva da Constituição, produzindo eficácia em relação a todo o ordenamento jurídico, fornecendo diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos.
Guilherme Magalhães Martins afirma que “os direitos básicos dos consumidores seriam normas materialmente constitucionais fundamentais, dotadas de EFICÁCIA HORIZONTAL, irradiando-se por todo o ordenamento jurídico público e privado” (MARTINS, 2010, p.2), em que pese não se situarem no texto constitucional.
Fica claro, então, que a opção da CF/88 em tratar da defesa do consumidor se deu pela grande necessidade de corrigir certas situações de desequilíbrio social e contratual, provenientes do fenômeno de contratação em massa herdados do Estado Liberal. Para tanto, a CF/88 ofereceu instrumentos de ação de cunho jurídico ou econômico. Desta forma, o CDC identifica um novo sujeito de direito especial, o consumidor, e o protege através de um sistema de normas e princípios orgânicos.
Nesse ponto, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins dissertam:
O reconhecimento do efeito horizontal parece ser necessário quando encontramos, entre os particulares em conflito, uma evidente desproporção de poder social. Uma grande empresa é juridicamente um sujeito de direito igual a qualquer um de seus empregados. Enquanto sujeito de direito, a empresa tem a liberdade de decidir unilateralmente sobre a rescisão contratual. Na realidade, a diferença em termos de poder social, ou seja, o desequilíbrio estrutural de forças entre as partes juridicamente iguais é tão grande que poderíamos tratar a parte forte como detentora de um poder semelhante ao do Estado. (DIMITRI, 2007, p.109)
Seguindo esta linha, pode-se concluir que o elevado grau de desigualdade entre os particulares, o que se constata entre os sujeitos da Relação Jurídica de Consumo, autoriza e firma o entendimento da incidência imediata dos direitos fundamentais nas relações extra-estatais. Isto partindo do fundamento que quanto mais o direito a ser tutelado for essencial à vida da pessoa humana (carga valorativa alta) maior deverá ser a subsunção das normas de direitos fundamentais nas relações entre particulares.
As normas jurídicas vinculadoras de direitos fundamentais, transportadores de imensa carga valorativa, devem ser interpretadas de forma literal e irrestrita, sendo certo que não caberá ao legislador ordinário, bem como ao cientista do direito restringir sua a atuação, eficácia e aplicabilidade.
O Constituinte de 1988 prescreveu, taxativamente, que os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata, pois é impensável a colocação de regras prescritas por subsistemas antes da aplicabilidade do sistema constitucional. Portanto, a eficácia horizontal do direito fundamental do consumidor, também possui aplicabilidade imediata nas relações intersubjetivas privadas, haja vista que o mandamento constitucional não ofertou qualquer restrição em relação a sua eficácia.
Não é demais lembra que, no concernente aos limites da autonomia privada, a incidência direta da dignidade a pessoa humana nas relações contra si mesma, já que a ninguém é facultada a possibilidade de usar de sua liberdade para violar a própria dignidade, de tal sorte que a dignidade da pessoa assume a condição de limite material à renúncia e auto-limitação de direitos fundamentais (SARLET, 2007, p.402).
Há diversas formas de se proteger os direitos fundamentais nas relações entre particulares, uma delas seria por meio de intervenções legislativas, a exemplo da ampla legislação trabalhista e de proteção ao consumidor, assegurando a livre formação da vontade dos hipossuficientes, e prevenindo a discriminação, no âmbito das relações civis.
Também pode se dar por meio da interpretação e aplicação de cláusulas gerais de direito privado, a exemplo da jurisprudência formada sobre os contratos de adesão, em que se considerou abusiva a eleição de foro inserida nesses contratos, somente após muitas decisões que o legislador alterou o Código de Processo Civil (CPC) no seu art. 112 e inseriu um caso excepcional de incompetência relativa pode ser declarada de ofício pelo juiz[2].
Guilherme Martins explicita que o STF já chancelou a tese da aplicação direta dos direitos fundamentais às relações privadas:
Como exemplo da aplicação concreta do direito fundamental à proteção do consumidor, pode ser mencionada a sua prevalência, no campo do transporte nacional, pelo critério da hierarquia, sobre os tetos indenizatórios e cláusulas de não indenizar previstas, respectivamente, em matéria de transporte nacional e internacional, no Código Brasileiro da Aeronáutica e nas Convenções de Varsóvia e Montreal, nos casos de atraso de vôo, acidente com passageiro ou extravio de bagagem. Da mesma forma, o julgamento do Supremo Tribunal Federal, da ADIn 2591 (relator Min. Carlos Velloso e relator para o acórdão Min. Eros Roberto Grau, Tribunal Pleno, j. 07/06/2006), no sentido de constitucionalidade da aplicação do CDC às instituições bancárias de crédito e securitárias, consagra a força normativa da Constituição enquanto leading case. (MARTINS, 2010, p. 8-9)
Cláudia Lima Marques (2009, p. 416) pondera que, hoje, a grande desafio do direito civil é “a solidariedade e a realização dos direitos humanos em pleno direito privado”.
Após o exposto, percebe-se que a incorporação pela CF/88, de situações jurídicas antes disciplinadas pelo Direito Civil, nos mostra que a “pessoa-consumidor” se projeta numa dimensão constitucional, de modo que, na hipótese de conflito entre o direito fundamental do consumidor e as exigências do mercado livre, haverá a mitigação entre eles, já que, só no caso concreto que é possível estabelecer a exceção de um princípio a outro.
6. A compatibilidade da análise econômica do direito e a eficácia dos direitos fundamentais:
A análise econômica do direito visa à eficiência, sendo que a principal contribuição da Teoria dos Custos de Transação se dá na conclusão de que a relação de consumo pode ser boa para o consumidor, para o fornecedor, bem como para o mercado, através da maximização da utilidade do consumo, do lucro não excessivo ao fornecedor e do menor custo de transação em relação ao mercado.
Outro ponto em comum seria que a eficiência pode ser confundida com a maximização da riqueza, pretendida por Posner, isso porque se busca a eficiência contratual, que seria o principal instrumento utilizado pelo consumidor para garantir seus bens de consumo. O conceito de justo contratual refere-se ao preço justo e ao equilíbrio contratual, que reflete na preservação do preço justo do contrato de execução futura, como forma de garantir que nenhuma das partes obtenha vantagens não previamente acordadas.
Neste ponto, se encaixa a eficácia dos direito fundamentais, que seria o fundamento a permitir a revisão dos contratos consumeristas que ao longo do tempo se tornassem desequilibrados, por alterações das externalidades, previstas na “teoria direito e economia”. Isso justificaria a revisão contratual como forma de efetivação dos direito fundamentais.
7. Considerações Finais:
A Economia e o Direito são disciplinas cujo diálogo tem sido cada vez mais intenso. Onde há sociedade, há direito e também economia.
A temática dos direitos fundamentais tem sido, há muito, explorada pela doutrina nacional e estrangeira, dada a sua alta relevância para o cotidiano dos operadores do direito. Reconhece a doutrina que os direitos fundamentais possuem uma função autônoma por constituírem valores que a sociedade deve respeitar e concretizar.
A Constituição Brasileira inseriu a defesa do consumidor no rol dos direitos fundamentais, como um direito e garantia individual, que pode ser reclamado e efetivado, seja contra o Estado, ou diretamente nas relações privadas.
O que fundamenta a aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas de consumo é a existência de uma desigualdade fática entre os sujeitos da Relação Jurídica Consumerista, assim como pela Teoria do Direito e Economia que busca eficiência nas relações, visando o menor custo de transação. .nomia justificaria a revisao s Isso porque a mudan
Daí a eficácia horizontal dos direitos fundamentais pode e deve ocorrer nas relações de direito privado, seja por meio da atuação dos indivíduos na sociedade, ou pela interpretação sistemática do ordenamento jurídico, bem como pela construção do direito através da aplicação das cláusulas gerais, da boa-fé, função social, no caso concreto.
Após breve exposição da Teoria de “direito e economia”, conclui-se que não se pode exagerar no papel da economia em relação ao direito. A análise econômica do direito é importantíssima e a noção de introdução de eficiência no direito é condição sine qua non para o progresso econômico e para boa aplicação da justiça.
Contudo, não se quer uma justiça que esteja exclusivamente a serviço da economia, sacrificando os direitos individuais. O Drittwirkung pode ser utilizado para justificar a intervenção estatal em contratos consumeristas que visem exclusivamente à exploração econômica de uma das partes. Afinal, estar-se-á num Estado Democrático de Direito, que tem como princípio basilar a proteção da dignidade da pessoa humana.
Portanto, verificou-se que a Economia e o Direito se complementam, mas, no caso concreto, um pode se sobrepor ao outro. Reconhece-se aqui, que na hierarquia de valores, o da justiça precede ao da eficiência econômica.
ABSTRACT: This article is for uliliza of interdisplicinariedade discussed the current relationship between important and intricate the application of horizontal effectiveness of fundamental rights in relations with Brazil in the consumerist economic analysis of law to do so, it will be from a historical perspective of the disciplines law and economics in order to prove that one was always close to each other. Furthermore, we shall consider the horizontal application of fundamental rights as a way of realization of individual rights. It is known that economic analysis tends to verify the transaction costs at the time of law enforcement and Drittwirkung to protect individuals in private affairs. As the consumer's right to a fundamental right enshrined in the Constitution of 1988, it is intended here to verify the compatibility of these issues among themselves.
KEYWORDS: horizontal effectiveness; fundamental rights, laws & economics, economic analysis of law.