4. A APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE NA ESCOLHA DAS CONDICIONANTES
4.1. DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
Conforrme já visto, as condicionantes presentes na licença ambiental constituem meio de atingir a proteção do meio ambiente almejada pelo poder público. Agora cabe verificar a possibilidade ou não da utilização da proporcionalidade como elemento de limitação sobre a liberdade de escolha das condicionantes ambientais por parte do poder público.
Do ponto de vista do direito positivo, é necessário verificar a existência de um imperativo ou permissivo legal no sentido da aplicação da proporcionalidade. Para isso, vale recorrer à conclusão anterior de que a proporcionalidade é um instrumento consagrado na Constituição Federal, podendo ser vista como um direito fundamental, na medida em que funciona como instrumento de efetivação e de proteção de outros direitos fundamentais de conteúdo materialmente definido. Parece, então, que há uma ordem imperativa da Constituição no sentido da aplicação da proporcionalidade.
Diante desse status, não se pode negar ao empreendedor que, ao ver limitada a sua livre iniciativa, bem como o uso de sua propriedade, tenha direito à aplicação do multicitado princípio.
Do ponto de vista lógico, será possível a aplicação da proporcionalidade caso sejam pertinentes e viáveis as análises das três vertentes ou dos três princípios intrínsecos a ela, quais sejam a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.
No caso da licença ambiental, no que tange às condicionantes, é possível analisar, sem maiores problemas, a adequação de uma delas na consecução dos fins almejados, senão, vejamos. Imagine-se a instalação de uma indústria em área rural, em cujo entorno resida um grupo de pessoas, formando uma comunidade agrícola, e que esta indústria tenha como externalidade a emissão de níveis consideráveis de ruído. Para esta situação, uma condicionante comum é a colocação de vegetação específica no entorno, ou entre a planta da indústria e a comunidade, para a formação de uma barreira natural capaz de dissipar os ruídos emitidos no período de funcionamento. Isolar acusticamente as paredes do prédio de onde emanam os ruídos também é uma medida possível de ser exigida pelo órgão ambiental. Note-se que, neste caso é possível verificar a adequação de ambas as medidas, concluindo-se que qualquer uma das duas poderia vir a ser adotada.
Em relação à necessidade, também não há nenhum impeditivo lógico à sua verificação. Tomemos o mesmo exemplo usado no parágrafo anterior, e imaginemos que o órgão ambiental resolva propor como medida a substituição de todo o maquinário da indústria por um maquinário de última geração, que emita ruídos em nível 50% menor que as máquinas antigas. Sem dúvida essa exigência constitui uma ingerência direta na prática da atividade econômica do empreendedor, sendo possível analisar a existência ou não de outra medida, igualmente eficaz, capaz de reduzir a emissão de ruídos nos mesmos 50% e que interfira menos na viabilidade econômica da atividade praticada.
Neste caso, a exigência do maquinário novo somente se justificaria – e assim poderia ser imposta – caso inexistisse qualquer outra medida que pudesse ser adotada pela empresa, capaz de promover o mesmo benefício ambiental. Caso se verificasse, por exemplo, capacidade equivalente de redução do ruído pelo revestimento acústico do prédio, e que esta medida custaria somente a quarta parte da exigência mais onerosa, estaria aí limitada por um critério de proporcionalidade a discricionariedade do poder público na escolha da primeira opção.
Por fim, ainda na mesma situação hipotética, é possível analisar também a proporcionalidade em sentido estrito, senão, vejamos. Imaginemos que o órgão ambiental imponha ao empreendedor o revestimento das paredes de seu empreendimento com determinado material importado e de alto custo que reduza as emissões sonoras em 55%. Imaginemos que o proprietário possua, já instalado, um revestimento capaz de reduzir em 50% a chegada dessas emissões ao ambiente externo. Aqui, cabe a indagação sobre a existência ou não de uma proporção entre os custos imputados ao empreendedor em relação aos benefícios obtidos pela comunidade.
Nessa situação, a análise não se faz tão facilmente, sendo necessário verificar a adequação dos níves de ruído à legislação ambiental vigente. Admitindo-se que ambas as medidas fossem suficientes para manter o ruído em níveis legalmente aceitáveis, seria árdua a tarefa do estado de comprovar que pequena diferença no resultado se justificaria diante do abismo existente entre os custos das duas medidas – manutenção ou troca do revestimento.
A despeito da resposta prima facie aos problemas apresentados como exemplos, é certo que não resta dúvida também sobre a possibilidade lógica de aplicação da proporcionalidade em relação às condicionantes impostas ao empreendedor no bojo da licença ambiental.
4.2. A PROPORCIONALIDADE E A FINALIDADE DA LICENÇA COMO LIMITE À DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA.
O exercício do poder de polícia do órgão licenciador na escolha das condicionantes se dá de modo a mitigar o máximo possível a intensidade dos impactos negativos causados ao meio ambiente. Trata-se, de outro ponto de vista, da tentativa de consagrar, em maior grau possível, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que encontra-se previsto na Constituição Federal, em seu artigo 225.
Deve-se atentar para o fato de que a referida norma jurídica tem caráter principiológico, senão, vejamos:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Essa constatação implica na seguinte conclusão: limitar a atuação do estado, ainda que discricionária, no sentido da proteção do meio ambiente, significa limitar um princípio referente a direito fundamental, o que, necessariamente, deverá se dar quando este estiver atuando em oposição a outro, como, por exemplo, o já referido princípio da livre iniciativa.
Diante de uma colisão de princípios, cogita-se então da aplicação da proporcionalidade como metanorma, como postulado[19], como máxima[20], ou seja, como norma aplicável sobre normas jurídicas.
Manoel Jorge e Silva Neto, em seu Curso de Direito Constitucional, recorre à lição de J. J. Gomes Canotilho para afirmar que a proporcionalidade em sentido estrito confunde-se com a pragmática da ponderação ou lei da ponderação. Decorre da análise do espaço de discricionariedade semântica presente no sistema jurídico.[21]
Parece que, no caso em tela, a discricionariedade vai além das questões de natureza linguística ou semântica. Há, na escolha das condicionantes, uma gama de possibilidades e soluções técnicas capazes de mitigar os danos causados ao meio ambinte, pelas quais pode transitar quase que livremente o órgão licenciador.
O autor percebe também a relação que a proporcionalidade é capaz de criar entre direitos na atividade de ponderação, afirmando que
o juízo de ponderação entre os pesos dos direitos e bens contrapostos deve ter uma medida que permita alcançar a melhor proporção entre os meios e os fins. Em outras palavras, ‘os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida’.[22]
Nesse caso, a proporcionalidade funciona como um elo entre o princípio que quer defender o órgão ambiental com a imposição das condicionantes (precaução; prevenção; poluidor-pagador; etc.) e o princípio afetado referente ao particular responsável pelo empreendimento licenciado, mormente relacionado à propriedade e à livre iniciativa da atividade econômica.
Defende ainda o autor que “A opção feita pelo legislador ou o executivo deve ser passível de prova no sentido de ter sido a melhor e única possibilidade viável para a obtenção de certos fins e de menor custo ao indivíduo.”[23]
Ainda que não se pretenda discutir mais a fundo este tema no presente trabalho, deve ser vista com cautela a posição adotada pelo professor Manoel Jorge quanto à necessidade do poder público de fazer prova sobre as escolhas tomadas no seu âmbito discricionário. Isso porque, conforme se sabe, o ato administrativo goza de presunção de legalidade e legitimidade, razão pela qual o particular deverá suportar o ônus de demonstrar – administrativamente ou em juízo – a ilegalidade ou o abuso nos deveres impostos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proporcionalidade é, reconhecidamente, na doutrina e na jurisprudência, um valor caro ao nosso ordenamento, na medida em que relaciona-se com alguns dos instrumentos basilares do estado democrático de direito, tais quais o devido processo legal substancial e a proteção dos direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade.
Ainda que se possa discutir questões de natureza terminológica, optando-se por um dos termos utilizados pela doutrina – “máxima”, “postulado”, “princípio” – não se pode deixar de conhecer o conteúdo próprio da proporcionalidade, e a possibilidade de sua aplicação tanto sobre questões de natureza fática, quanto sobre questões de natureza normativa.
A licença ambiental, possui natureza sui generis em relação à classificação tradicional dos atos administrativos, eis que esta possui, a um só tempo, caracteres de autorização e de licença. A existência de uma relevante parcela de discricionariedade no seu bojo faz com que se torne possível – e imperativa em virtude de seu caráter normativo e protetivo de direitos fundamentais – a aplicação da proporcionalidade como instrumento de definição dos limites dessa discricionariedade.
A definição precisa dos referidos limites, no entanto, somente pode se dar tendo em conta a finalidade do licenciamento ambiental. Essa finalidade protetiva do direito difuso ao meio ambiente equilibrado, confunde-se com a finalidade das condicionantes inseridas na licença, já que estas limitam a atividade econômica de modo a mitigar ou evitar eventuais impactos ambientais negativos.
É nas condicionantes que se manifesta de maneira mais marcante a discricionariedade existente nas licenças ambientas, razão pela qual é possível uma maior influência do princípio em estudo sobre elas, sendo definitiva a sua aplicação no sentido de evitar abusos do poder público sob o argumento da proteção de interesses coletivos lato sensu.
Em termos práticos, essa limitação deve se dar pela aplicação dos sub princípios contidos na proporcionalidade: verificando-se a adequação das condicionantes à consecução dos fins específicos almejados, cabendo ao poder público demonstrá-la; verificando-se a necessidade, pelo que se deve sempre preterir condicionantes que, comparadas a outras possíveis, provoquem uma maior restrição de direitos fundamentais; observando a proporcionalidade strictu sensu, pelo que os benefícios de uma determinada exigência devem justificar as restrições impostas aos particulares.
Dessa forma, somente devem ser consideradas aquelas condicionantes que: (1) Sejam capazes de promover os fins gerais e específicos de determinada licença ambiental concedida; (2) Sejam escolhidas na falta de opções igualmente eficazes, ao mesmo tempo, menos onerosas do ponto de vista da restrição a direitos fundamentais; (3) Promovam uma restrição a direito que seja devidamente compensada por um relevante benefício, de intensidade semelhante à da restrição infligida.
6. REFERÊNCIAS
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ANTUNES,Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo : Malheiros, 2009.
BECHARA, Erika. Uma contribuição ao aprimoramento do instituto da compensação ambiental previsto na lei 9.985/2000. [online] Disponível em http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5490. Acesso em 10/07/2010.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. [online] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm. Acesso em 04/07/2010.
BRASIL. Resolução CONAMA n° 237 de 1997.[online] Disponível em http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html. Acesso em 04/07/2010.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2009.
KRELL, Andreas. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2004.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2. Ed. São Paulo : Saraiva, 2008.
SANTIAGO, Willis. Noções Fundamentais sobre o Princípio Constitucional da Proporcionalidade. In: Leituras Complementares de Constitucional. Organizador: Marcelo Novelino Camargo. 2. ed. Salvador : Podivm, 2007. Capitulo IV.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro : Lumen Juris. 2006.
Notas
[1] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo : Malheiros, 2009.
[2] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo : Malheiros, 2009. p. 124.
[3] SANTIAGO, Willis. Noções Fundamentais sobre o Princípio Constitucional da Proporcionalidade. In: Leituras Complementares de Constitucional. Organizador: Marcelo Novelino Camargo. 2. ed. Salvador : Podivm, 2007. Capitulo IV.
[4]Ibidem.
[5] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 2. Ed. São Paulo : Saraiva, 2008.
[6] SANTIAGO, Willis. Noções Fundamentais sobre o Princípio Constitucional da Proporcionalidade. In: Leituras Complementares de Constitucional. Organizador: Marcelo Novelino Camargo. 2. ed. Salvador : Podivm, 2007. Capitulo IV.
[7] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo : Malheiros, 2009. p. 162.
[8] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo : Malheiros, 2009. p. 166.
[9] Ibidem
[10] Ibidem
[11] Sobre essa mesma tripartição, Willis Santiago posiciona-se de maneira próxima, utilizando somente uma nomenclatura diferente para a dimensão da “necessidade”, preferindo os termos “exigibilidade” ou “máxima do meio mais suave”. O autor prefere também considerar essas três dimensões como princípios separados, menores, decorrentes da proporcionalidade.
[12] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5.ed. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo : Malheiros, 2008. p. 118-119
[13] Ibidem.
[14] ANTUNES,Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008.
[15] BECHARA, Erika. Uma contribuição ao aprimoramento do instituto da compensação ambiental previsto na lei 9.985/2000. [online] Disponível em http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5490. Acesso em 10/07/2010.
[16] BECHARA, Erika. Uma contribuição ao aprimoramento do instituto da compensação ambiental previsto na lei 9.985/2000. [online] Disponível em http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5490. Acesso em 10/07/2010.
[17] KRELL, Andreas. Discricionariedade Administrativa e Proteção Ambiental. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2004. p. 57.
[18] ANTUNES,Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2008
[19] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10 ed. São Paulo : Malheiros, 2009. p. 166.
[20] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 5.ed. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo : Malheiros, 2008.
[21] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro : Lumen Juris. 2006. p.111.
[22] Ibidem.
[23] SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro : Lumen Juris. 2006. p.110.