1. INTRODUÇÃO
É inegável a influência dos institutos do Processo Civil Canônico sobre a legislação processual civil laica, sendo que se não são exatamente iguais, são espelhos que nos revelam donde surgiram e, guardadas as devidas proporções, se mantêm ao longo dos anos, a exemplo da Ação Renovatória que surgiu no século XII, junto com o movimento de “renascimento” ou “reorganização” das normas canônicas.
De igual sorte, devido ao excessivo lapso temporal decorrido para solução dos processos, o Papa Clemente V editou duas bulas, a Saepe contingit (1306) e Dispendiosam (1311), que firmaram a admissão do procedimento sumário, com lapsos temporais mais breves, concentração dos atos probatórios, dispensa de formalidades exigidas no procedimento ordinário, bem como natureza eminentemente oral.
O procedimento sumário foi recepcionado pelas legislações laicas, sendo que uma de suas características determinantes, a oralidade, é mantida até os dias atuais no rito sumário de nossa legislação civil.
O intuito de manter-se na Justiça Comum o procedimento sumário não é diferente daquele que impulsionou o Papa Clemente V quando da edição das bulas anteriormente referidas, ou seja, agilizar a solução das questões de menor complexidade.
Contudo, apesar da vigência e utilidade do procedimento sumário, previsto nos artigos 275 a 281, do Código de Processo Civil brasileiro, alguns magistrados vêm ignorando sua aplicabilidade, convertendo procedimentos que deveriam se desenvolver pelo rito sumário em ordinário.
Mencionadas decisões têm a perigosa propensão de se tornarem usuais, pois apesar de darem a impressão que estão desafogando as pautas de audiência dos magistrados, a verdade é que se estão postergando a realização do ato, fazendo que ações que deveriam ter rápida solução se arrastem pelo tempo, correndo-se o risco de tornar o procedimento sumário em letra morta em nosso código.
2.OBJETIVO
O escopo principal do presente trabalho é trazer aspectos do procedimento oral do Processo Canônico, comparando-o à oralidade do procedimento sumário do Código de Processo Civil, findando por discorrer sobre os benefícios inerentes a este procedimento, bem como sobre a atual prática de alguns magistrados em evitá-lo.
Partindo da legislação e de pontos basilares da doutrina e das lições de Processo Civil Canônico, pretendemos analisar a questão da oralidade procedimental, tanto na legislação processual civil canônica como na processual civil comum.
Considerando que a oralidade, desde sua introdução no direito canônico, já visava dar solução mais rápida aos litígios, sendo pelo mesmo motivo acolhida pela legislação laica, cremos seja fundamental que os operadores do direito tenham um claro panorama de sua utilidade, não permitindo fique ela adormecida em nosso sistema processual civil vigente.
3. METODOLOGIA DA PESQUISA
Para a análise do tema, tivemos que nos valer da legislação processual e material, tanto pura como comentada, bem como de livros de doutrina.
Também nos valemos de artigos publicados em sites jurídicos e técnicos voltados ao tema.
Por fim, considerou-se importante acrescentar exemplos de casos concretos e decisões judiciais, confrontando-os com a lei e a doutrina, de modo a obter o posicionamento do presente trabalho.
4.JUSTIFICATIVA
Escolhemos para estudo o presente tema, tendo em vista sua semelhança com o procedimento sumário do nosso Código de Processo Civil, além de ser extremamente oportuno o momento processual que vivemos, onde, no afã de eliminar processos “sub judice”, elimina-se a técnica processual para só mais tarde lamentar seus efeitos.
Por tal motivo, antes da supressão ou consentimento desse, melhor seria que tanto o magistrado como os operadores do direito em geral, tenham uma sólida base no que concerne aos seus princípios e teorias, pois somente assim teremos bem nítida a importância dos atos contenciosos orais.
O fato é que, talvez pela inexistência de estudos ou estimativas orientadoras nos âmbito legislativo, magistrados e advogados têm tido por boa a conversão do rito sumário em ordinário, já que para os primeiros significa desafogar suas pautas, para os segundos, maior prazo para formular defesa, entretanto, para a sociedade significa maior procrastinação na resolução das ações que, em circunstâncias normais, deveriam findar em alguns meses.
Por isso, nos parece conveniente comentarmos neste trabalho o trajeto percorrido pelo Processo Civil Canônico até chegar à inovação trazida pelo código de 1983, comparando-o, sob certos aspectos, com o Procedimento Sumário brasileiro, que hoje se vê ameaçado pela conveniência de um Poder Judiciário desaparelhado.
5.DESENVOLVIMENTO DO TEMA
5.1.Nota histórica da oralidade no processo civil romano.
Nas ordenações jurídicas pré-romanas, predominavam o desenvolvimento processual oral, havendo indícios de que mesmo as civilizações que conheciam a escrita e deixaram suas legislações registradas por escrito, na maior parte do tempo se utilizavam dos meios orais.
O Direito Romano, notadamente no campo do Processo Civil, teve três períodos evolutivos, quais sejam: a) Legis Actiones; b) Performulas e c) Cognitio extraordinaria.
As Ações de Lei (Legis Actiones) vieram das origens do sistema romano e perduraram até130 a.C. Oriundas da praxis, eram fórmulas orais pelas quais se iniciava o procedimento contencioso, no intuito de fazer valer um direito material.
A segunda fase, Performulas, abrange o período que vai do ano de 130 a.C. até 294 d.C, época que coincide com a expansão da influência romana na Península Ibérica.
Nesta fase destacavam-se duas etapas processuais, a primeira que era realizada oralmente perante o magistrado, em que era feito o chamamento do demandado, a indicação da ação e possíveis reações do demandado, tudo em forma oral, encerrando-se essa etapa com a formulação escrita e a expedição de uma ordem dirigida a instruir a segunda etapa.
Nesta segunda etapa as partes demonstravam oralmente seus direitos, no entanto, entre os anos de 100 a.C. e 211 d.C, as provas documentais tinham prestígio maior que as testemunhais.
Já a Cognitio extraordinaria era forma procedimental excepcional, cujo fim servia a veicular pretensões do imperador ou de cidadãos contra o Estado. O pedido era depositado por escrito no fórum, bem como escrita era a resposta; a audiência iniciava-se pela exposição do demandante e da defesa, seguindo-se a oitiva das testemunhas. Nesta fase mensurava-se o valor dos testemunhos segundo a condição social; sobrevalorizavam os documentos e destacavam as presunções; emanando sentença escrita.[1]
Apesar de na Cognitio extraordinaria se verificar o caráter escrito, a oralidade norteava a regra processual romana[2] .
Nesse mesmo sentido, José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos Azevedo apud Jefferson Carús Guedes[3] observam que no Direito Romano, em sua gênese, as formas orais eram a única maneira de realização dos atos processuais, que mais tarde evoluíram para sistemas mistos, introduzindo também a escritura.
5.2.Nota histórica da oralidade no processo civil canônico.
Durante quase toda a Idade Média, a ordem jurídica abandou a forma oral privilegiando a escrita.
Sob forte influência do direito romano, inclusive com relação às fontes jurídicas desse, se desenvolveu um movimento de mudança cultural, onde, em um mundo eminentemente cristão, essa mudança acaba por estender-se ao âmbito clerical, que passa a caminhar no sentido de ordenar de forma sistemática e espiritual sua continua tradição. Antes do intuito inovador, era a intenção de organizar o que já se dispunha.
É nesse contexto histórico que o canonista e professor da Universidade de Bolonha, João Graciano, reuniu e examinou um grande número de documentos e coleções canônicas, de modo a conciliar textos conflitantes de diferentes autores ou aclarar uma doutrina abalizada que dirimisse contradições, acrescentando comentários seus quando julgava necessário, razão pela qual o Decreto de Graciano, também ficou conhecido como Concordia Discordantium Canonum.
Esta obra constitui o núcleo do corpus iuris canonici, que é uma coleção elaborada em 1500 por Jean Chappuis, onde foram reunidos o Decreto de Graciano, as Decretais de Gregório IX, o Sexto de Bonifácio VIII, as Clementinas de Clemente V e as Extravagantes de João XXII[4].
A edição do corpus iuris canonici acaba por consolidar o direito canônico, que entre os séculos XIII e XIV atinge seu ápice, consagrando também o processo escrito, pois a demanda deveria ser apresentada por escrito, sob pena de não ser admitida.
Junto com a consolidação do direito canônico veio o aperfeiçoamento do procedimento ordinário, contudo, “o processo romano-canônico erudito constituía um caso particular; era incompreensível para a grande maioria das pessoas; era escrito e, portanto, demorado e custoso; e ofendia ainda mais porque era secreto e burocrático”[5].
Por essa razão os canonistas passaram a buscar a abreviação do processo e simplicidade de suas formas, não sendo por outro motivo que, neste contexto, com as bulas do Papa Clemente V, a Sapae contingit e a Dispendiosam, instituiu-se a cognição sumária amenizando o solenis ordo judiciorum, caracterizada por prazos temporais mais curtos e natureza eminentemente oral.
“Esse procedimento facultava a demanda oral, abolia a litiscontestatio, ampliava os poderes instrutórios do juiz, permitia a limitação das audiências e tornava inapeláveis as sententiae interlocutoriae”[6].
Com efeito, temos que o procedimento sumário era somente uma forma procedimental acelerada, em que não se limitava a cognição, mas se dispensava certas formalidades do procedimento ordinário.
5.3.A oralidade no Código de Direito Canônico.
O Código de Direito Canônico vigente para a Igreja latina foi promulgado em 25 de janeiro de 1983, pelo Papa João Paulo II, entrando em vigor no dia 27 de novembro do mesmo ano.
O vigente código está disposto em 1.752 cânones, divididos em 7 livros: das normas gerais – cc. 1-203; do povo de Deus – cc.204-746; do mununs de ensinar da igreja – cc. 7474-833; do múnus de santificar da igreja – cc. 834-1.253; dos bens temporais da igreja – cc. 1.311-1.399 e dos processos – cc. 1.400-1.752.
O princípio da oralidade não norteia exclusivamente o procedimento contencioso oral, havendo situações que no próprio processo contencioso ordinário poderá ser aplicado, a exemplo da previsão legal contida no §1º, do cânone 1.503, a saber:
“Cân. 1.503 - §1. O juiz pode admitir a petição oral, sempre que o autor esteja impedido de apresentar o libelo, ou a causa seja de fácil investigação e de menor importância.”
Pelo que se infere, a petição na forma oral deverá ser aceita sempre que o autor não tiver condições de fazê-lo por escrito, seja por impossibilidade física ou cultural, assim como será oralmente aceita nos casos em que a causa for de fácil investigação e de menor importância.
Para a última hipótese de cabimento de libelo oral, vale chamar a atenção que não basta ser a causa de fácil investigação ou menor importância, devendo apresentar a somatória dos pressupostos, ou seja, ser de fácil investigação e menor importância, posto que nem sempre uma causa de menor importância é de fácil investigação e vice-versa.
Também citamos como exemplos de observância e prestígio ao princípio da oralidade no que tange à colheita das declarações das partes, prevista nos cânones 1.530 e seguintes e, em especial, no que respeita às provas testemunhais, sendo que os cânones 1.566 e 1.567 são claros em estabelecer que o depoimento testemunhal deva ser colhido oralmente, vedando-se a possibilidade da testemunha trazê-lo por escrito, podendo ser gravado e devendo ser reduzido por escrito. Vejamos:
“Cân. 1.566 – As testemunhas deponham oralmente; não leiam nada já escrito, a não ser que trate de algum cálculo ou de contas: neste caso, podem consultar as anotações trazidas consigo.
Cân. 1.567 - §1. A resposta deve ser imediatamente redigida por escrito pelo notário, e deve referir as próprias palavras do testemunho proferido, ao menos no que se refere à matéria em juízo.
§ 2. Pode-se admitir o uso de gravador de som, contanto que as respostas sejam posteriormente consignadas por escrito e, se possível, assinadas pelos depoentes.”
Daí se observar que embora o atual codex guarde inúmeros institutos da tradição milenar, por outro lado demonstra a consciente preocupação com a tempestividade da sentença, fornecendo, na medida do possível, meios processuais que visam abreviar a duração do processo.
Aliás, é exatamente da área procedimental que verificamos a maior inovação nesse sentido, já que além de prever o Processo Contencioso Ordinário, introduz pelos cânones 1.656 a 1.670 o Processo Contencioso Oral, o qual passaremos a analisar em seguida.
5.4. O Processo Contencioso Oral.
Como visto, o processo contencioso oral vem contemplado nos cânones 1.656 a 1.670, assim, no intuito de levantarmos pontos procedimentais para comparação com o Procedimento Sumário do Código de Processo Civil Brasileiro e facilitar sua visualização, nos deteremos pontualmente em cada um deles.
“Cân. 1.656 - §1. Podem ser tratadas pelo processo contencioso oral, de que se fala nesta seção, todas as causas não excluídas pelo direito, a não ser que a parte peça o processo contencioso ordinário.
§ 2. Se o processo oral for empregado fora dos casos permitidos pelo direito, os atos judiciais são nulos.”
Nos termos do cânone 1.656, o processo contencioso oral poderá abranger todas as causas, salvo: a) não forem explicitamente excluídas pelo direito canônico; b)nas causas que uma das partes deseje que ela se desenvolva pelo processo contencioso ordinário.
O código, no cânone 1.690, expressamente proíbe que: “as causas para a declaração da nulidade de matrimônio não podem ser tratadas mediante processo contencioso oral”.
Isso não quer dizer que a igreja se atentou para o tema, pelo contrário, na própria exposição de motivos do motu próprio do Papa Paulo VI, de 28 de março de 1971, cuja linha foi seguida pelo Código em vigor, nota-se a preocupação da igreja em estabelecer normas próprias a evitar o gravame da situação espiritual dos envolvidos. Vejamos:
“As CAUSAS MATRIMONIAIS foram sempre tratadas com um cuidado particular pela Santa Madre Igreja, a qual se esforça por defender, por meio delas, a santidade e a autêntica natureza do vínculo sagrado do matrimónio. O ministério dos juízes eclesiásticos manifesta claramente – ainda que de modo peculiar – a caridade pastoral da mesma Igreja, que sabe muito bem quanto deve atender aos interesses da salvação das almas, nos juízos matrimoniais.
Dado que no nosso tempo, o número destas causas cada dia se torna maior, a Igreja não pode deixar de ocupar-se solicitamente de tal matéria. Este aumento de causas, conforme dizíamos aos Prelados Auditores da Sagrada Rota Romana, “é um indício particular da diminuição do sentido do carácter sagrado que é ínsito àquela lei sobre a qual, como em fundamento adequado, se baseia a família cristã; é sinal da inquietude e da perturbação que caracteriza a vida hodierna; é, enfim, manifestação das condições sociais e económicas incertas em que a mesma família vive e, por isso, do perigo que pode ameaçar a solidez, a vitalidade e a felicidade da instituição familiar” (cf. AAS, LVIII [1966], p. 154).
A Santa Igreja confia, entretanto, que aquela aplicação posta pelo recente Concílio Ecuménico em ilustrar e promover o bem espiritual do matrimónio e os cuidados pastorais a dispensar-lhe, virá a dar os seus frutos, também pelo que diz respeito à firmeza do vínculo matrimonial; mas, ao mesmo tempo, ela deseja evitar, mediante o estabelecimento de normas oportunas, que o prolongarem-se demasiado os juizos matrimoniais torne mais gravosa ainda a situação espiritual de muitos dos seus filhos. (omissis)”(sic)[7].
Além de poder tratar todas as causas implicitamente permitidas, o Código possui previsões expressas de aplicação do processo contencioso oral, como veremos:
No § 1º, do cânone 1.590, vem explicitado que “se a questão incidente deve ser resolvida por sentença, observem-se as normas relativas ao processo contencioso oral, a não ser que outro seja o parecer do juiz, dada a importância da questão.”.
Pelo parágrafo do cânone acima, vemos que o desenvolvimento pelo processo contencioso oral é a indicada, contudo não se retira do juiz a faculdade de adotar outro processo.
O cânone 1.627 diz que: “As causas de querela de nulidade podem ser tratadas segundo as normas do processo contencioso oral”
A querela de nulidade, prevista nos cânones 1.619 a 1.633 é um meio extraordinário de impugnação da sentença definitiva ou de decisão interlocutória com força de definitiva, que contenha vício sanável ou insanável, no que diferirá o prazo para sua interposição, mas sempre se desenvolverá conforme o procedimento contencioso oral, sendo lícito a ampla possibilidade de produção de provas.
Já o cânone 1.631 diz que relativamente ao direito de apelar, se surgir alguma questão que verse sobre o tema, o tribunal de apelação deverá julgá-la com a máxima urgência, e conforme as normas do processo contencioso oral.
Por sua vez, o § 1º, do cânone 1.693, prevê que para as causas de separação de cônjuges, o processo a ser adotado é o contencioso oral, salvo se uma das partes ou o promotor de justiça peçam seja ele desenrolado pelo processo contencioso ordinário.
“Cân. 1.657 – O processo contencioso oral se faz, em primeiro grau, perante juiz único, de acordo com o cân. 1424.
Cân. 1.424 – O juiz único em qualquer juízo pode escolher, como consultores, dois assesores de vida ilibada, clérigos ou leigos.”
Ainda que trate de juízo monocrático, o próprio código permite que o juiz se assessore de até duas pessoas, fixando como requisito tenham elas uma conduta social exemplar e escorreita e, embora nada mencione o texto da lei, por óbvio será dada a preferência aos praticantes do catolicismo.
Nos casos mais graves, exemplificados no cânone 1.425, o julgamento deverá ser confiado a um colégio de 3 juízes.
Cân. 1.658 - § 1. Além do que está citado no cân. 1.504, o libelo com que se introduz a lide deve:
1.º expor breve, íntegra e claramente os fatos em que se fundamentam os pedidos do autor;
2.º indicar de tal modo as provas com as quais o autor pretende demonstrar os fatos e que no momento não pode apresentar, que possam logo ser coligidas pelo juiz;
§ 2. Devem ser anexados ao libelo, pelo menos em cópia autêntica, os documentos em que se apóia o pedido.
Cân. 1.504 – O libelo introdutório da lide deve:
1.º dizer diante de qual juiz se introduz a causa, que se pede e de quem se pede;
2.º indicar o direito em que se fundamenta o autor e, ao menos de modo geral, os fatos e provas que possam demonstrar o que é alegado;
3.º ser assinado pelo autor ou seu procurador, com a indicação do dia, mês e ano, do lugar onde residem o autor ou o procurador ou onde disserem residir, para a recepção dos atos que lhes devem ser comunicados;
4.º indicar o domicílio ou quase-domicílio da parte demandada.
O libelo introdutório deverá conter os requisitos acima mencionados, valendo atentar que são os mesmos para o processo contencioso ordinário e, de igual forma, a regra geral é que seja apresentado por escrito, podendo, entretanto, ser apresentado na forma oral, nos termos do cân. 1.503.
Na forma escrita, o libelo deverá ser assinado pelo autor ou seu procurador que nem sempre será advogado.
É que, por mais costumeiro que seja a função de procurador recair em advogado, assim o código canônico não o exige.
Aliás, no Cân. 1.483 fica bem claro que se se tratar de advogado a representar o autor, este deverá ser católico, salvo permissão bispal. A saber:
Cân. 1.483 – O procurador e o advogado devem ser maiores de idade e ter boa reputação; além disso, o advogado deve ser católico, salvo permissão contrária do Bispo diocesano, e doutor em direito canônico, ou então verdadeiramente perito e aprovado pelo Bispo.
A exigência de ilibada reputação para procuradores e advogados é requisito de grande importância, sendo certo que o juiz poderá recusar procurador ou advogado.
O Tribunal da Assinatura Apostólica, em 12 de julho de 1993, já se pronunciou no sentido de que não goza de “boa fama” o advogado ou advogada que vivam sob regime da união livre, devendo ser recusado no patrocínio de causas de nulidade matrimonial perante o foro eclesiástico[8].
O zelo pelos dogmas matrimoniais é e sempre foi uma das grandes preocupações da igreja, aliás, se bem notarmos, no motu próprio acima mencionado, veremos que na exposição de motivo o Papa Paulo VI deixa claro que institui normas visando evitar a demora na solução de causas matrimoniais e, por conseguinte, piorar a situação de seus fiéis, por outro lado, diz que o aumento destas causas não se pode acolher com normalidade, ao passo que “é um indício particular da diminuição do sentido do carácter sagrado que é ínsito àquela lei sobre a qual, como em fundamento adequado, se baseia a família cristã; é sinal da inquietude e da perturbação que caracteriza a vida hodierna; é, enfim, manifestação das condições sociais e económicas incertas em que a mesma família vive e, por isso, do perigo que pode ameaçar a solidez, a vitalidade e a felicidade da instituição familiar” (cf. AAS, LVIII [1966], p. 154).(sic).
Já no que respeita aos documentos a serem juntados com libelo introdutório, infere-se do §2, do cân. 1.658, que estes deverão vir, pelo menos, em cópia autenticada.
Sabe-se que os documentos podem ser públicos ou particulares, sendo que ambos devem ser apresentados no original ou em cópia autenticada por autoridade eclesiástica, sendo que os públicos gozam presunção de veracidade, devendo o falso ser comprovado pela parte que alega (c. 1.541), ao passo que os particulares serão recebidos como confissão extrajudicial (c. 1.542).
Cân. 1.659 - §1. Se tiver sido inútil a tentativa de conciliação, de acordo com o cân. 1.446, §2, o juiz, se julgar que o libelo tem algum fundamento, dentro de três dias, com decreto ao pé do próprio libelo, ordene a notificação da cópia da petição à parte demandada, dando-lhe faculdade de enviar, dentro de quinze dias, resposta escrita à chancelaria do tribunal.
§2. Essa notificação tem os efeitos da citação judicial mencionados no cân. 1.512.
Cân. 1.446 - §1. Todos os fiéis, mas principalmente os Bispos, empenhem-se diligentemente a fim de que se evitem, quanto possível, salva a justiça, lides no povo de Deus e se componham pacificamente quanto antes.
§ 2. O juiz, no limiar da lide, e mesmo em qualquer outro momento, sempre que percebe alguma esperança de bom êxito, não deixe de exortar e ajudar as partes a procurarem, de comum acordo, uma solução eqüitativa da controvérsia, e de indicar-lhes os caminhos adequados para esse propósito, usando também da mediação de pessoas influentes.
§ 3. (omissis).
Cân. 1.512 – Tendo sido legitimamente notificada a citação, ou tendo as partes comparecido diante do juiz para fazer tramitar a causa:
1.º já não existe a res integra;
2.º a causa se torna própria do juiz ou do tribunal, já competente por outro título, ao qual a ação foi apresentada;
3.º consolida-se a jurisdição do juiz delegado, de modo a não mais cessar mesmo extinguindo-se o direito do delegante;
4.º interrompe-se a prescrição, salvo determinação contrária;
5.º começa a litispendência na lide, e por conseguinte tem imediata aplicação o princípio: na pendência da lide, nada se mude.”
Extrai-se do cânone 1.446, que todos os fiéis devem auxiliar as partes para uma composição amigável, assim, tal composição poderá ser judicial ou extrajudicial, inclusive por intermédio de pessoas influentes.
Recebida a peça inaugural, se o juiz, analisando a causa que lhe é posta, verificar que é possível conseguir a conciliação, assim o procederá, visando evitar a lide. O juiz pode tentar a conciliação sempre que lhe parecer oportuno, em qualquer fase processual.
Caso a conciliação não seja possível, o juiz analisará o objeto formal do processo admitindo ou rejeitando o libelo, nos termos do cânone 1.505, bem como, por decreto [9]no próprio libelo, ordenará a notificação da parte demandada.
Cân. 1.660 – Se as exceções da parte demandada o exigirem, o juiz estabeleça para a parte demandante prazo para responder, de modo que possa conhecer claramente o objeto da controvérsia, pelos elementos apresentados por ambas as partes.
Como as exceções devem ser arguidas e conhecidas antes do prosseguimento do feito, o demandado que, por culpa sua postergar a argüição de uma exceção peremptória, será responsável pelas despesas decorrentes de seu ato.
Cân. 1.661 - §1. Esgotados os prazos mencionados nos cânn. 1.659 e 1.660, o juiz, depois de ter examinado os autos, determine a fórmula da dúvida; em seguida cite para audiência, que deve ser realizada antes de trinta dias, todos os que devem estar presentes, anexando, para as partes, a fórmula da dúvida.
§2. Na citação, as partes sejam informadas de que podem, até três dias antes da audiência, apresentar ao tribunal um breve escrito para comprovar suas asserções.
Ao contrário do processo contencioso ordinário, o codex, fixa em 15 dias o prazo para que o demandado, em processo contencioso oral, apresente sua contestação.
Neste ponto o juiz deverá ter por certo o objeto da controvérsia, para ser discutido em audiência a ser designada antes de trinta dias, a contar da formulação da dúvida.
No processo contencioso oral também vige o princípio da imutabilidade da causa petendi e petitum, aplicando-se subsidiariamente o cânone 1.514.
Cân. 1.662 – Na audiência, tratam-se primeiro as questões mencionadas nos cânn. 1459-1.464.
Cân. 1.663 - §1. As provas são coligidas na audiência, salva a prescrição do cân. 1.418.
§ 2. A parte e seu advogado podem assistir ao interrogatório das outras partes, das testemunhas e dos peritos.
Cân. 1.418 – Qualquer tribunal tem o direito de solicitar a ajuda de outro tribunal para a instrução da causa ou para intimação de atos.
Cân. 1.664 – As respostas das partes, das testemunhas e dos peritos, as petições e exceções dos advogados devem ser redigidas por escrito pelo notário, mas sumariamente e só no que afeta à substância da coisa controvertida; devem ser assinadas pelos depoentes.
Como se depreende dos cânones acima, no processo contencioso oral, a concentração dos atos permite que audiência se conheça de matéria preliminar que possa ser argüida, colheita de provas e prolação de sentença, evidenciando-se, ainda, o caráter oral do que ela produzir, devendo apenas ser redigido aquilo que afeta a substância da coisa litigiosa.
Cân. 1.665 – Provas que não tenham sido apresentadas ou pedidas na petição ou na resposta, o juiz pode admiti-las somente de acordo com o cân. 1.452; todavia, depois que tiver sido ouvida, mesmo que seja uma única testemunha o juiz pode decretar novas provas só de acordo com o cân.1.600.
Cân. 1.452 -§ 1. Em negócio que interessa unicamente a particulares, o juiz pode proceder somente a requerimento da parte.Todavia, uma vez legitimamente introduzida a causa, o juiz pode e deve proceder também ex officio nas causas penais e em outras referentes ao bem público da igreja ou à salvação das almas.
§ 2. Contudo, o juiz pode, além disso, suprir a negligência das partes na apresentação de provas ou na oposição de exceções, sempre que julgar necessário para evitar uma sentença gravemente injusta, salvas as prescrições do cân.1.600.
Cân.1.600 -§ 1. Depois da conciliação in causa, o juiz pode chamar as mesmas ou outras testemunhas a juízo, ou dispor novas provas que não tenham sido anteriormente pedidas, somente:
1º em causas em que se trata só do bem particular das partes, se todas as partes concordarem;
2º em outras causas, ouvidas as partes, contanto que haja grave razão e seja removido qualquer perigo de fraude ou suborno;
3º em todas as causas, sempre que seja verossímil que, não sendo admitida a prova, se dê uma sentença injusta, pelas razões mencionadas no cân.1645, §2, n 1-3.
§ 2. No entanto, o juiz pode mandar ou admitir que se apresente documento que, sem culpa do interessado, não pode talvez ser apresentado antes.
§ 3. As novas provas sejam publicadas, observando-se o cân.1.598,
Cân.1.666 – Se na audiência não tiver sido possível coligir todas as Provas, seja marcada outra audiência.
No que tange às provas, vale trazer à lembrança que incide o princípio do dispositivo, de modo que somente serão apreciadas pelo juiz aquelas apresentadas, oportunamente, pelas partes, salvo nos casos em que houver interesse público ou versar sobre o estado das pessoas, caso em que será possível a intervenção de promotor de justiça, nos termos acima transcritos.
Como não é vedada a produção de provas periciais em âmbito do processo contencioso oral, apesar de raro, será possível, regendo-se, subsidiariamente, pelos cânones 1.574 a 1.581, com amparo no cânone 1.670.
Cân.1.667 – Coletadas as provas, faça-se a discussão oral na mesma audiência.
Aqui, notamos que além de ser ponto onde serão dirimidas as dúvidas sobre as provas produzidas, temos que também será ótima oportunidade para se tentar a conciliação, posto que, às vezes, a parte que repudiava a composição, pelo decorrer da instrução, pode sentir que a conciliação seja adequada. Assim, a depender da sensibilidade e arbítrio do juiz, nos termos do §2, do cânone 1.446.
Cân.1.668 - §1. A não ser que na discussão se evidencie a necessidade de suprir alguma coisa na instrução da causa, ou exista alguma coisa que impeça pronunciar a sentença, o juiz, terminada a audiência, decida a causa em particular; leia-se imediatamente a parte dispositiva da sentença perante as partes presentes.
§ 2. Contudo, em razão da dificuldade da questão ou por outra justa causa, o tribunal pode adiar a decisão por cinco dias úteis.
§ 3. O texto integral da sentença, expostas as motivações, seja notificado às partes quanto antes, ordinariamente antes de quinze dias.
A sentença deverá ser redigida e deverão ser expostas suas motivações aos interessados, contudo, em audiência e quando possível, será oralmente mencionada sua parte dispositiva.
Cân. 1669 – Se o tribunal de apelação constatar que no grau inferior de juízo foi empregado o processo contencioso oral em casos excluídos pelo direito, declare a nulidade da sentença e remeta a causa ao tribunal que proferiu a sentença.
Como visto, nas causas que não se permite a adoção do processo contencioso sumário para solução da lide, tal como a declaração de nulidade do vínculo matrimonial, acaso seja julgada por esse processo, quando do conhecimento da sentença por tribunal superior, em sede de recurso de apelação, será a sentença anulada, retornando a causa ao tribunal que o julgou, a fim de que seja novamente analisada, agora sob o rito do processo contencioso ordinário.
Cân. 1670 – Nas outras coisas referentes ao modo de proceder, observem-se as prescrições dos cânones sobre o juízo contencioso ordinário. Contudo, por decreto próprio devidamente motivado, o tribunal pode derrogar normas processuais que não estejam estabelecidas para a validade, a fim de favorecer assim a rapidez do processo, salva a justiça.
Como último cânone da seção, ele possibilita sejam utilizadas, subsidiariamente, as normas do processo contencioso ordinário, porém, poderá o tribunal derrogar normas para favorecer a rapidez processual, salvo se contrário à justiça.
A exposição dos cânones acima não tem a pretensão de esgotar o tema, posto que existem temas que exigiriam maiores digressões como a questão da competência e dos recursos.
Todavia, como o intuito é traçar superficialmente alguns pontos para confronto com o procedimento sumário, findando por analisar a problemática da indevida conversão ritual para o procedimento ordinário, passaremos a seguir ao panorama da oralidade no processo civil brasileiro.
5.5. Panorama da oralidade no processo civil brasileiro.
Como colônia do Reino Português, a legislação pátria sofreu grande influência das Ordenações, herdando um sistema formal e escrito, com raras exceções orais em certos modos procedimentais.
Ainda hoje, sentimos a resistência à oralidade, o que não é exclusivo de nossa legislação.
Como bem cita Newton de Lucca apud Erica Brandini Barbagalo[10] “tão arraigados ficamos com a idéia de que tudo, de certa forma, vem para o mundo jurídico em forma de papel, que alguns têm dificuldade, até hoje, de entender ser possível o mandato verbal, embora ele esteja previsto desde o início do século em nosso Código Civil...”.
Com a edição do Código de Processo Civil de 1939, considerado como uma evolução técnica, destacava os princípios da oralidade, da concentração de atos processuais e da identidade física do juiz.
Notadamente não fora suficiente tal evolução, até mesmo porque se olvidou da audiência inicial, como tentativa de abreviar a solução da lide pela conciliação, sendo que só mais tarde viria o Código de Processo Civil de 1973.
“O Anteprojeto Buzaid decorreu da preponderância da idéia de se editar novo Código, ao invés de se proceder a reformas parciais, diante da grandiosidade e dos riscos da última das alternativas. Depois de demorada reflexão, segundo o autor do anteprojeto, Alfredo Buzaid, optou-se pela substituição total do sistema anterior, que dividia o Código de Processo Civil em quatro partes: processo de conhecimento, procedimentos especiais, recursos e processos de competência dos tribunais e execução, por outro – dividido em cinco partes: processo de conhecimento, processo de execução, processo cautelar, procedimentos especiais[11] e disposições transitórias.
Conforme o autor do anteprojeto, o processo oral foi mantido em grande parte, “mitigando o rigor a fim de atender a peculiaridades da extensão territorial do país. O ideal seria atingir a oralidade em toda sua extensão”. O Anteprojeto conservou o valor da audiência como momento e o local de coleta de toda prova, excepcionados os casos de abreviação do procedimento pelo julgamento antecipado (art.359) ou de extinção do processo (art.358)”[12]
No anteprojeto foram mantidos também princípios como: da identidade física do juiz; da imediatidade ; concentração dos atos etc, além de instituir o procedimento sumaríssimo, que consagrava a celeridade processual, que mais tarde veio ser substituída pelo Procedimento Sumário, hoje em vigor.
5.6. O Procedimento Sumário.
O procedimento sumário, previsto entre os artigos 275 a 281 do Código de Processo Civil, adota o princípio da concentração dos atos processuais, no intuito de tornar mais célere sua tramitação e solução final.
Pelo princípio da concentração dos atos processuais, tem-se a principal característica do procedimento oral, que consiste em encurtar o feito num período breve de tempo, reduzindo-o a uma ou poucas audiências, concentrando atividades processuais de modo que o juiz, colhendo as provas, ou ouvindo alegações finais, decida sob as impressões ainda vivas em sua memória. É, pois, a realização da colheita probatória, discussão da causa e decisão, tudo em uma única audiência, quando possível.
Apesar de sua denominação, o procedimento sumário não é de cognição sumária, que por sua análise superficial geraria uma sentença sujeita a revisão. Tal como concebido, esse procedimento é de cognição plena, produzindo sentença tão estável quanto no procedimento ordinário, diferindo apenas com relação à concentração de atos, ou seja, no modo de proceder.
Salvo nas ações relativas ao estado e capacidade das pessoas, que não admitem a adoção do procedimento sumário (art.275,§ único), as causas que tenham valor equivalente até sessenta salários mínimos o observarão.
Nos termos do artigo 275, para a adoção do procedimento sumário as causas deverão enquadrar-se aos requisitos de valor ou matéria.
Com relação ao valor, a causa não poderá ultrapassar o equivalente a sessenta vezes o valor do salário mínimo vigente no país, caso contrário deverá seguir o rito ordinário.
Note-se, contudo, que independente do valor dado à causa, quando se tratar de ações: a) de arrendamento rural e parceira agrícola; b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo via terrestre; e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; g) nos demais casos previstos em lei, deverá ser observado o rito sumário.
Existem casos, como estabelecido na letra “g”, do inciso II, artigo 275, que a lei poderá definir seja seguido o rito sumário, por exemplo: “na ação revisional de aluguel (LI, 68,“caput”); nas ações de acidente do trabalho (Lei 8.213/91, art.129, II); nas adjudicações compulsórias (Dec.lei 58/37, art. 16,”caput”, redação da Lei 6.014/73, no tít. PROMESSA DE COMPRA E VENDA E LOTEAMENTO); nas ações de usucapião especial rural ou urbano (Lei 6.969/81, art.5º, “caput”, e Lei10.257/01, art.14, no tít. USUCAPIÃO ESPECIAL); nas ações discriminatórias (Lei 6.383/76, art.20); nas ratificações de erros de grafia no registro civil de pessoas naturais (LRP, 110, §4º); nas ações decorrentes de danos pessoais “causados por embarcações ou por sua carga” (Lei 8.374/91, art.12, em Lex 1991/1.017); nas controvérsias entre representante comercial autônomo e representado (Lei 4.886/65, art.39, na redação da Lei 8.420/92, em Lex 1992/182)”[13]
Como visto, no procedimento sumário não há restrição à cognição, sendo ela plena, inclusive, com possibilidade de produção de provas periciais.
Na petição inicial, o autor deve oferecer o rol de testemunhas que pretende ouvir em audiência de instrução e julgamento, requerer a perícia que acaso julgue necessária, formular os quesitos a serem enfrentados pelo perito judicial, bem como, querendo, indicar assistente técnicos para acompanhar a perícia a ser realizada.
Com antecedência mínima de dez dias, o requerido deverá ser citado para audiência de conciliação, a ser designada pelo juiz dentro de 30 dias, devendo também ser alertado que sua ausência fará presumir verdadeiros os fatos alegados na peça inaugural do autor, contudo, trata-se de presunção relativa, devendo ser coligida com os demais elementos dos autos.
Nesta primeira audiência, não sendo possível a conciliação, o juiz decidirá de plano a impugnação ao valor da causa ou controvérsia sobre a natureza da demanda e eventual descabimento do rito, sendo possível sua conversão para o rito ordinário quando a natureza da demanda e ou a complexidade da prova técnica assim o exigirem.
Superada a infrutífera tentativa de conciliação, e cumpridas as etapas acima, nesta mesma audiência o réu deverá ofertar sua resposta, que poderá ser apresentada na forma escrita ou oral, juntar os documentos que disponha, oferecer o rol de testemunhas que pretende sejam ouvidas na audiência de instrução e julgamento, requerer produção de prova pericial, formular quesitos a serem analisados pelo perito e indicar assistente técnico.
Esta audiência, como observa José Eduardo Carreira Alvim “apesar de denominada “de conciliação”, trata-se, na verdade, de uma audiência nos moldes da audiência preliminar de que trata o art. 331, pois nela se concentra a maior parte dos atos processuais que compõem o procedimento sumário, só restando para a segunda audiência a produção da prova oral e técnica, que será, então, a de instrução e julgamento”[14].
Nos termos do artigo 280, “no procedimento sumário não são admissíveis a ação declaratória incidental e a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro”.
Com efeito, embora não seja possível ao réu reconvir, lhe é facultado apresentar pedido contraposto, desde que tenha como fundamento os mesmos fatos referidos na petição inicial (art.278,§1º).
Se bem notarmos, com essa disposição restringe-se a ampliação do assunto de contenda, ao passo que não permite, como na reconvenção, a simples conexão com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
Não sendo autorizada a reconvenção e, caso o réu não tenha sucesso em converter o rito para o ordinário, terá que propor ação própria para discutir eventual direito, já que a reconvenção não se coaduna com a celeridade desejada no rito sumário. Aliás, a limitação visando a celeridade processual também é o motivo para não admitir a ação declaratória incidental e a intervenção de terceiros que não seja: a assistência; o recurso de terceiro prejudicado e; a intervenção fundada em contrato de seguro (art.280).
Conforme estabelecido no artigo 277, caso não haja necessidade de se colher provas orais ou periciais, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência , e quando ocorrer a revelia (Art. 319), poderá o juiz sentenciar o feito, caso contrário deverá designar audiência de instrução e julgamento, dentro de trinta dias, salvo se houver que se aguardar perícia.
Nos casos que a prova pericial é solicitada, esta deverá ser produzida antes da audiência de instrução e julgamento, possibilitando prévio conhecimento e possível esclarecimento na audiência prevista no artigo 281, devendo seguir o previsto nos artigos 420 a 439. Observe-se ainda, que caso a prova pericial seja complexa, impõe-se a conversão ritual.
Na instrução e o julgamento, proceder-se-á com as normas do procedimento ordinário, podendo ser documentada pelos métodos de taquigrafia, estenotipia ou outro hábil, ou não sendo possível, os depoimentos serão reduzidos a termo do qual constará apenas o essencial[15].
Terminada a colheita de provas e realizado o debate oral, o juiz, quando possível, proferirá a sentença na própria audiência ou no prazo máximo de dez dias.
No que diz respeito às alegações finais, embora nada mencione a lei, quando possível deverá ser oferecida pelas partes na própria audiência, mas isto não impede que o juiz fixe às partes prazo para apresentá-las, desde que a causa por demais complexa para formulação de alegações finais orais, assim como não atente contra a celeridade processual, sendo que neste caso virão por escrito.
5.7 .Outros princípios vigentes no procedimento sumário.
O procedimento sumário é marcado pela oralidade, a qual não significa que “quantitativamente” os atos escritos não possam ser maiores, contudo, significa que “qualitativamente” são os atos orais mais relevantes e decisivos na formação da convicção do juiz para solução da lide.
Neste procedimento não está presente somente o principio da concentração dos atos processuais visto anteriormente, existindo outros tão importantes quanto esse, e que serão úteis quando formos abordar o processo contencioso oral do direito processual canônico. Senão vejamos:
a) Princípio da imediação ou imediatidade
É aquele que consagra que o juiz que vai proferir a sentença, deve ter tido diretamente contato com as partes e com as provas.
Isso se explica tendo em vista que, o juiz que colhe elementos tão relevantes para formação de uma convicção, terá condições de valorar a credibilidade do testemunho, pois presenciará sua postura, suas reações, sua firmeza na resposta etc., podendo concluir se expressava ou não a verdade.
Nosso código processual civil externou o acolhimento de tal princípio ao determinar que ao juiz compete proceder pessoalmente à colheita das provas (art. 446, II), ouvindo os peritos (art.435), inquirindo testemunhas (art. 416) e as partes (art. 344), diretamente, inspecionando pessoas, coisas ou locais (arts. 440 e 442).
b) Princípio da identidade física do juiz
Preceitua que o juiz que preside a fase instrutória deverá proferir a sentença, salvo casos em que isso não puder ser cumprido, como nos casos de licenciamento, afastamento, convocação, promoção e aposentadoria, onde a prolação da sentença caberá a seu sucessor (art. 132).
Ressalte-se por oportuno, que este princípio também não poderá ser observado quando a colheita da prova tiver que ser feita em juízo deprecado.
c) Princípio da unidade e continuidade da audiência
Traduz-se a mencionar que a audiência é sempre continua, ainda que se desdobre em mais de uma etapa, ou seja, as fases transpassadas não se repetem (art. 455).
Assim mesmo que o juiz suspenda a audiência que não pode ser concluída no mesmo dia, tendo que designar nova ou novas datas, ainda assim tratar-se-á da mesma audiência.
d) Princípio da irrecorribilidade das interlocutórias
Significa que “decisões” interlocutórias não serão recorríveis, visando dar celeridade ao procedimento.
Note-se que no sistema brasileiro a regra é a recorribilidade destas decisões, entretanto, limitações já eram manifestadas para atingir o princípio acima, como exemplo o alterado §4º, do artigo 522, que já estipulava que o agravo deveria vir na forma retida das decisões após a sentença.
Hoje, com a Lei nº 11.187, de 19 de outubro de 2005, alterou-se, entre outros, o artigo 522, do Código de Processo Civil, ficando disposto o seguinte:
Art. 522 - Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.
Parágrafo único - O agravo retido independe de preparo.
Em que pesem diversas críticas sobre o advento desta lei, não nos resta dúvida que buscando a celeridade processual, acabou-se por dar mais um passo na busca da aplicação do princípio em análise.
5.8 .Confronto entre o processo contencioso oral e o procedimento sumário.
Por primeiro, não se pode perder de vista que o processo contencioso oral, previsto no direito canônico, tem sua aplicação direcionada às causas de âmbito eclesiástico, portanto, com peculiaridades próprias, ainda que utilizem termos e designações parecidas.
Explicamos. O juiz, por exemplo, no processo civil canônico possui a mesma função que no direito laico, todavia, naquele sua nomeação é feita pelo Bispo da diocese que pertença e, em regra, deverá ser um clérigo, salvo se a Conferência de Bispos permitir a nomeação de um leigo, caso que este deverá gozar de boa reputação e ser doutor ou ao menos licenciado em direito canônico (c.1.421). As regras que regulam a atividade do juiz estão insertas nos cânones de 1.419 a 1.427.
Por outro lado, o juiz da legislação processual civil brasileira, somente é nomeado depois de ser aprovado em concurso público realizado por autoridade civil competente, não podendo ter outra atividade além da judicatura, salvo a de magistério que se coaduna com suas funções.
Posto isto, veremos que os procedimentos em questão são muito parecidos no que concerne ao seu modo operacional.
A petição inicial no procedimento sumário deverá seguir o que está mencionado no artigo 276, CPC, atentando ainda para questões válidas também para o procedimento ordinário, tais como os requisitos da petição inicial (arts. 282 e 283), não podendo, no juízo cível, ser apresentada na forma oral.
Também, diferentemente do processo contencioso oral, a representação das partes deverá ser feita, necessariamente, por advogado, o qual estará presente no processo desde a primeira manifestação das partes.
No âmbito do direito canônico, o processo contencioso oral sempre será adotado, desde que as partes não peçam expressamente a adoção do processo ordinário ou a lei proíba (c. 1.656).
Pelo que se infere, o processo contencioso oral é a regra no sistema processual civil canônico, o que revela preocupação muito maior em imprimir celeridade aos feitos eclesiásticos que no sistema processual laico, ao passo que o procedimento sumário terá incidência somente nos casos previstos no artigo 275, do CPC, ou seja, somente quando a lei expressamente o permite.
Quando da petição inicial, no procedimento sumário é necessário que o requerente exponha os fatos e os fundamentos jurídicos de seu pleito, assim como indicando as provas que pretenda produzir, inclusive a pericial, quando poderá, desde pronto indicar assistente técnico e formular os quesitos que queira ver analisados pelo expert judicial, além de ter que oferecer o rol de testemunhas e juntar os documentos que disponha.
No direito canônico, nos termos do cân. 1.658, combinado com o cân. 1.665, verificamos que não é diferente, pois além dos requisitos a serem cumpridos para elaboração do libelo, também há a necessidade de apresentar e pedir as provas que intenta produzir, se caso for, inclusive a rara prova pericial.
Com relação às partes litigantes, hoje, mais do que nunca, há uma grande semelhança entre o processo contencioso oral e o procedimento sumário, porquanto em ambos pode ser parte aqueles cujo objeto litigioso lhes afetem de alguma maneira.
Nem sempre houve esta semelhança, ao passo que somente com a edição do Código de Direito Canônico de 1983 é que se permitiu litigar perante o foro eclesiástico o “não batizado” (c. 1.476).
Com efeito, pelo Código Canônico revogado, mesmo que a parte tivesse interesse legítimo, não sendo batizado na religião católica, não poderia ser parte em litígio.
Já no que concerne à capacidade para litigar, em regra geral, tanto na legislação temporal como na canônica, menores e incapazes precisam ser representados por seus pais, tutores ou curadores, entretanto, a legislação processual canônica traz uma peculiaridade, que é uma relevante diferença na questão da menoridade, já que no § 3., do cân. 1.478, estabeleceu que “nas causas espirituais ou conexas com as espirituais, se os menores já tiverem adquirido o uso da razão, podem agir e responder sem o consentimento dos pais.
Tal como no processo contencioso oral, que ao receber a peça inaugural o juiz pode tentar a conciliação (c. 1.446), no procedimento sumário, pelo que se infere do artigo 277, do Código de Processo Civil, o magistrado também procurará buscar a conciliação, podendo, inclusive, valer-se de um conciliador (§1º, art. 277, CPC).
O Código de Processo Civil não foi tão claro quanto a lei canônica, deixando de fixar se este conciliador deverá ou não ser bacharelado em direito e quais os requisitos mínimos, o que ficará a cargo da organização judiciária de cada estado[16].
Indubitável, porém, que pelo próprio caráter da atividade, esta pessoa deverá ter grande apelo persuasivo, bem como estar desprendido de conhecimentos que o levem a pender para a justiça legal, buscando simplesmente a composição das partes.
É recomendável que esses conciliadores tenham nível sócio-cultural que lhes permita entender a exata dimensão do litígio, ou seja, de nível equivalente ao do conciliador, de modo que seria recomendável fossem as causas distribuídas por categorias, conforme perfil de cada conciliador.
Antes de analisarmos a audiência e a fase probatória, oportuno se faz lembrar no procedimento sumário, como visto anteriormente, quando da contestação o réu poderá apresentar pedido contraposto, mas nunca reconvenção, bem como não será admitido ação declaratória incidental e intervenção de terceiros, salvas as hipóteses previstas no artigo 280, do Código de Processo Civil.
Estas limitações não estão presentes no processo contencioso oral, uma vez que não são expressamente vedadas, assim, nos termos do cânone 1.670, poderão ser admitidas pelo juiz.
Visto isso voltamos à audiência, quando não sendo possível a conciliação, passa-se a sanear o processo e a realizar a instrução probatória.
É nas audiências que os procedimentos em análise guardam sua maior e mais importante similitude, posto viger em ambos o principio da concentração dos atos processuais, que é facilitado pelo princípio da oralidade.
Como mencionado em linhas anteriores, é na própria audiência que o juiz analisará preliminares argüidas, ouvirá depoimento das partes, colherá as provas que tiverem sido indicadas e, se possível for, prolatará a sentença.
No sistema canônico, todavia, não está contemplado o princípio da unidade e continuidade da audiência, uma vez que o cânone 1.666 é claro em dizer que “Se na audiência não tiver sido possível coligir todas as Provas, seja marcada outa audiência”.
Aliás, também ausentes no sistema canônico os princípios da imediatidade e o da identidade física do juiz, já que o juiz ou presidente do tribunal colegial poderá designar um auditor para proceder à instrução probatória, não sendo, necessariamente o mesmo que irá julgar.
Esse auditor será designado pelo juiz ou presidente do tribunal, com aprovação do bispo da diocese, sendo que poderá ser clérigo ou leigo, de reconhecida probidade, prudência e doutrina. Obviamente, também será exigido tenha ele reputação ilibada e, desejavelmente, seja católico.
Em regra, o caminho da instrução probatória cabe ao próprio auditor, que já entrega as provas colhidas ao juiz, contudo, no próprio mandato o juiz poderá fixar quais provas e como devem ser recolhidas (c.1.428).
Com a edição do Código Canônico de 1983, o sistema probatório apresentou grande evolução quanto à forma de valoração, na medida em que rompe com a tradição das provas tarifadas adotando o mesmo sistema de valoração vigente no procedimento sumário, que é o da persuasão racional, ainda que guarde a regra da insuficiência probatória de um só testemunho (c.1.573).
Já no que tange a sentença, sua prolação em ambos os procedimentos deverá ser feita em audiência, salvo motivo que justifique sua postergação, sendo certo que no procedimento sumário poderá ser prolatada até dez dias depois de encerrada a instrução probatória e os debates orais, ao passo que no processo contencioso oral a decisão deverá ser dada em até cinco dias úteis, dando ciência às partes o mais rápido possível, ordinariamente antes de quinze dias.
Existem outras semelhanças entre o procedimento sumário e o processo contencioso oral, tal como o cabimento da produção antecipada de provas entre outros, no entanto, focamos nosso olhar sob o aspecto da celeridade processual advinda da oralidade e da concentração dos atos processuais, posto que nos parece conveniente discorrer, em breves linhas, sobre a questão da conversão ritual da forma que está sendo adotada por alguns magistrados, no âmbito do processo civil laico brasileiro.
5.9.A indevida conversão do procedimento sumário para o ordinário.
De plano convém esclarecer não pretendemos defender a impossibilidade da conversão do procedimento sumário em ordinário, até porque há expresso permissivo no artigo 277, do Código de Processo Civil. A saber:
“ Art. 277 - O juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta dias, citando-se o réu com a antecedência mínima de dez dias e sob a advertência prevista no § 2º deste artigo, determinando o comparecimento das partes. Sendo ré a Fazenda Pública, os prazos contar-se-ão em dobro.
§ 1º - ...(omisso).
§ 2º - ...(omisso).
§ 3º - ...(omisso).
§ 4º - O juiz, na audiência, decidirá de plano a impugnação ao valor da causa ou a controvérsia sobre a natureza da demanda, determinando, se for o caso, a conversão do procedimento sumário em ordinário.
§ 5º - A conversão também ocorrerá quando houver necessidade de prova técnica de complexidade.”
Como se depreende, o juiz, ao receber a peça inicial e perceber que as provas solicitadas são por demais complexas, poderá determinar a conversão do procedimento sumário para o ordinário.
O mesmo poderá ocorrer quando referida situação for constatada em audiência, ou ainda quando da apreciação de impugnação ao valor da causa apresentada pelo requerido, pois se verificado que o valor correto supera 60 (sessenta) salários mínimos, também determinará sua conversão.
Tal solução foi dada pelo código, uma vez que tais hipóteses presumidamente impossibilitariam a celeridade processual, fazendo não ser possível se concentrar em curto espaço de tempo a realização dos atos necessários ao deslinde do feito.
Como demonstrado neste trabalho, a evolução processual trilhou um caminho muito nítido, a) partiu de uma época (pré-romana) onde o processo tinha formas meramente orais; b) com a popularização do papel, encontrou no Direito Romano a forma mista, que acrescentou a escritura aos atos processuais; c) as regras processuais romanas influenciaram as formas do direito canônico, que devido a importância e poder da Igreja, influenciou o direito laico de vários países, mantendo também o sistema misto, com forte tendência escrita e; d) empiricamente, nota o direito processual civil canônico que é necessário buscar a celeridade processual, abandonando o rigor escrito e buscando a oralidade, abreviação e simplicidade processual, que fica claro com o atual codex canônico.
Com efeito, a experiência processual que também influenciou o sistema brasileiro, nos dá conta que a prestação jurisdicional deve ser tempestiva para ser capaz de apaziguar o ânimo das partes e mantê-las sob tutela do Estado, sendo que desde outrora já enfrentavam o problema da morosidade judicial.
Talvez a criação de procedimentos menos formais, mais orais e mais breves não seja a única solução para a celeridade processual, que também deve observar a questão da qualidade e aparelhamento do Poder Judiciário, bem como agir na base cultural e inconformista das partes e seus advogados.
Entretanto, não raras vezes notamos que existem meios processuais que se fossem bem utilizados, poderiam certamente mitigar alguns dos problemas existentes.
Apenas como exemplificação, podemos mencionar: a) o caso da pena de litigância de má-fé, que muitas vezes deixa de ser aplicada mesmo em face de comprovado artifício procrastinatório, a qual deveria ser seguida com mais rigor, no intuito de desencorajar tal conduta no âmbito judicial e; b) a possibilidade de antecipação, ainda que parcialmente, do pedido da parte, nos termos do § 6.º, do artigo 273, do CPC, que muitas vezes deixa de ser aplicado injustificadamente.
Como dito, a própria legislação processual fornece meios que agiriam como verdadeiros remédios para certos males, podendo evitar que as partes (e seus advogados), abandonassem o costume de, mesmo sem razão, recorrer e impedir o curso normal do processo, pois perceberiam que certas atitudes não teriam guarida.
O procedimento sumário também é um dos meios fornecidos pelo nosso sistema processual no intuito de trazer maior brevidade a certas causas judiciais, tidas como menos complexas.
Ocorre que, mesmo tendo a história processual evoluído ao ponto de hoje dispor do procedimento sumário, observa-se hoje decisões judiciais que em causas abrangidas pelo artigo 275, e fora das possibilidades de conversão ritual prevista nos §§ 4º e 5º, do artigo 277, todos do Código de Processo Civil, determinam sejam elas desenvolvidas pelo procedimento ordinário, sob argumento de estarem as pautas de audiência sobrecarregadas.
Nesse sentido:
“Embora, por força do disposto no artigo 275 do Código de Processo Civil, as ações como a tratada nestes autos deva obedecer o rito sumário, entende conveniente a sua conversão para o rito ordinário. De fato, a pauta de audiência deste Juízo, em média, é superior a três meses, em vista da significativa distribuição de processo em todas as Varas Cíveis do Fórum João Mendes. Aliás, em muitas ocasiões a audiência do artigo 277 do Código de Processo Civil resta prejudicada, por falta de localização do réu e respectiva citação, motivando sucessivas redesignações e acarretando maior prejuízo para a pauta de audiências. Quando a citação se realiza sem dificuldades, as partes têm de aguardar a data da audiência, ficando o processo sem andamento em vez de o prazo para resposta já estar em curso, o que impede a solução da lide com maior rapidez. Como resultado, o procedimento sumário, que deveria ser mais célebre (escopo da legislação em vigor), é decidido em igual ou prazo superior ao dos processos de rito ordinário. Ressalte-se que a supressão da audiência do artigo 277 do Código de Processo Civil, com a adoção do rito ordinário, não trará prejuízo às partes, pois estas podem a qualquer momento noticiar a celebração de acordo e o Juízo tem a prerrogativa, se e quando o caso, de convocá-las nos termos do artigo 125, IV, do estatuto processual. Além disso, o autor poderá promover a formação da relação processual com a subseqüente abertura de prazo para resposta com maior celeridade, sem ter de aguardar a data da audiência. O réu, por sua vez, disporá de maior prazo para proceder a sua defesa. Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou, entendendo não haver nulidade: “A jurisprudência do STJ acolhe o entendimento no sentido de que inexistindo prejuízo para a parte adversa, admissível é a conversão do rito sumário para o ordinário”. (Resp 62318/São Paulo, Rel. Min. Waldemar Zveiter). Diante do exposto, visando a celeridade processual, processe-se pelo rito ordinário, mantido, porém, o processo na seção de origem, para evitar acúmulo na seção ordinária. 2. Cite-se, intimando-se as partes para a audiência de conciliação a se realizar no SETOR DE CONCILIAÇÃO, situado neste Fórum João Mendes, no 21º andar, sala 2109, devendo constar expressamente do mandado que o prazo para oferta de contestação (15 dias), terá sua contagem iniciada no dia seguinte da audiência. Remetam-se os autos ao mencionado setor, para realização de audiência de conciliação. Antes da remessa, intime-se o autor para recolher as despesas com oficial de justiça necessárias ao ato de citação. Mantenham-se as anotações cartorárias sobre o rito, inclusive no distribuidor. Mantenha-se, igualmente, a autuação, apenas anotando-se a presente decisão”[17].
Processo 000.05.070855-4 – Procedimento Sumário (Cobrança de Condomínio) – CONDOMINIO EDIFÍCIO MATHILDE – DINA CUSTODIO DE SOUZA – Fls 32/33
“Muito embora, por força do disposto no art. 275 do CPC, o rito para as ações como esta deve ser o sumário, entendo conveniente para o rito ordinário. Isto porque muitas vezes o réu acaba não sendo localizado, o que impede sua citação e intimação no prazo a que alude o artigo 277 do CPC. O resultado é nefasto: o processo pelo rito sumário, que deveria ser mais célebre, acaba sendo mais demorado que aqueles de rito ordinário. De outra parte, a conversão do rito não enseja nenhuma nulidade, visto que esta se é declarável quando trouxe prejuízos às partes. Nesse sentido manifestou-se e E. Superior Tribunal de Justiça: A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que inexistindo prejuízo para a parte adversa, admissível é a conversão do rito sumário para o rito ordinário. (Resp 62.318-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter). Portanto, recomenda-se a conversão do rito para o ordinário, o que possibilitará maior agilidade na prestação jurisdicional. Isto posto, o processo fica mantido na seção de origem, mas tramitará pelo rito ordinário, fazendo-se as devidas anotações. Cite-se para resposta no prazo de quinze dias”.[18]
Processo nº 11.05.005571-5 – Ação: Sumário Partes: Condomínio Edifício Lizabeth x Lydia Luciano Bueno Fls. 44
“Vistos. A fim de não alongar a pauta de audiências e para acelerar a prestação jurisdicional, faz-se necessário a conversão do rito sumário para o ordinário. O procedimento sumário, que deveria ser mais célebre, é decidido em igual prazo ou superior ao dos processos do rito ordinário. Ressalte-se, ainda, que a conversão do rito sumário para o ordinário não acarreta às partes prejuízo, as quais podem a qualquer momento noticiar celebração de acordo. Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou, entendendo inexistir nulidade: A jurisprudência do STJ acolhe o entendimento no sentido de que inexistindo prejuízo para a parte adversa, admissível é a conversão do rito sumário para o ordinário. (Resp 62318/São Paulo, Rel. Min. Waldemar Zveiter) Proceda-se a citação do réu, pelo rito ordinário, desde que haja regular preparo. Mantenham-se as anotações cartorárias sobre o rito, inclusive no Distribuidor. Mantenha-se, igualmente, a autuação, apenas anotando-se a presente decisão”.[19]
Processo 000.05.059857-0 – Procedimento Sumário (Cobrança de Condomínio) – CONDOMÍNIO EDIFÍCIO MARIA HELENA – HENRIQUE MANDIM MIRANDA – Fls 37 – CTR IMPAR
E virou a regra.
Por esses despachos alguns juízes pretendem desafogar as pautas de audiência, já que não necessitará designá-la de pronto, podendo receber a contestação e réplica tudo com prazos mais dilatados.
Por sua vez, muitos advogados deixam de recorrer de tais decisões, alguns por saberem que eventual agravo por instrumento faria retardar ainda mais o andamento do feito, e outros por também lhes convir o retardamento de sua próxima participação no processo.
Se bem analisado, o que de princípio parece um desafogo, em segunda análise se perceberá o efeito “bola de neve”, além da ilícita criação de procedimento ritual pelos juízos monocráticos.
De fato, não é novidade a carência de funcionários e equipamentos do poder Judiciário, de modo que os magistrados têm razão ao dizer que as pautas de audiência estão abarrotadas, tal como está o expediente cartorário e mandados dos Oficiais de Justiça.
Saliente-se, contudo, que a criatividade brasileira não pode se sobrepor à lei, aliás, o que preocupa é exatamente a criatividade sem prévio estudo, pois ao imprimir o procedimento ordinário a causas de simples solução, veremos tramitar nas varas ações que há muito já teriam se resolvido na audiência prevista no artigo 277, do CPC.
Mas não é só, pois se abre a possibilidade de interposição de vários meios processuais que alargam o objeto de contenda, tais como: intervenções de terceiros, ações incidentais, ação reconvencional etc.
É certo que alguns autores defendem que o autor poderá optar por ingressar pelo procedimento ordinário, mesmo que a causa esteja prevista no artigo 275, do CPC, afirmando a disponibilidade de rito.
Nesse sentido, Athos Gusmão Carneiro apud José Eduardo Carreira Alvim diz que “... O CPC de 73 mantém a norma: Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário (art.292,§2º).
Ora, se o demandante pode empregar o rito comum ordinário, em lugar do especial ou comum sumaríssimo, com objetivo de tornar admissível uma cumulação de pedidos, porque não poderá preferir o rito ordinário, em lugar do sumaríssimo, com o intento de obter uma instrução não açodada de determinada causa”[20].
Por seu turno, o próprio José Eduardo Carreira Alvim afirma que também o réu poderá requerer a conversão do rito sumário para o ordinário pois apesar da “preponderância do interesse do autor na adoção de um ou outro rito, não se pode descurar também do interesse do réu, pelo que, sempre que este demonstrar, seja na impugnação do valor da causa, seja em questão levantada na defesa sobre a natureza da demanda, ter interesse – por exemplo, para nomear à autoria, denunciar à lide ou chamar ao processo – na conversão do procedimento sumário em ordinário, deve o juiz tê-lo em consideração para decidir”[21].
A verdade é que o próprio sistema processual já prevê as hipóteses específicas de aplicação de um rito ou outro, e se é verdade que o rito ordinário, quando adotado pelo autor e não questionado pelo réu poderá se desenvolver validamente, uma vez que não traz prejuízo ao réu, nem sempre se pode afirmar o reverso, pela possibilidade de ampliar o debate e procrastinar a solução do feito.
Não bastasse isso, afirmar que, havendo interesse, o réu poderá ver o procedimento sumário convertido em ordinário, também não se afigura o mais correto, pois deverá ele comprovar o interesse, somado a um dos permissivos do artigo 277, CPC.
Sendo a cumulação de pedidos possível, o código realmente prevê que “quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário” (§2º, art.292), entretanto, isso somente será possível quando o autor renunciar às benesses do procedimento sumário e mesmo assim, porque tal solução lhe é dada pelo próprio Código de Processo Civil, verificando se o caso concreto se amolda ao permissivo da lei.
Claro que a lei ofertou ao autor maiores meios de direcionar o rito que seguirá o processo, afinal, é ele quem procura o judiciário, presumindo-se tenha ele maior interesse na resolução do processo, razão pela qual, pelo artigo acima, abre-se hipóteses legais para renúncia de um procedimento mais célere, em prol da resolução de mais de um pedido, ou seja, deixa de seguir o rito mais favorável, mas por economia processual, deixa de intentar duas ou mais ações cumulando pedidos.
Aliás, muito boa nos parece a posição tomada no V Encontro dos tribunais de Alçada, em nota trazida por Nelson Nery Junior, que diz: “a) Inexiste, para as partes ou para o juiz, a faculdade de substituir o procedimento sumaríssimo pelo ordinário, submetendo a causa a este quando a lei prescreve aquele; b) contudo, a erronia do rito não conduz à invalidade do processo, devendo-se aproveitar todos os atos realizados; c) relativamente aos atos processuais ainda não consumados no momento em que se constata a inadequação do rito, deve ser o procedimento sumaríssimo adotado, nada importando o estágio de andamento e o grau de jurisdição em que se ache o feito”[22], isto porque não tolhe o direito do autor ou do réu, bem como não retira do juiz a faculdade que lhe dá a própria lei.
5.10.Considerações Finais
Desde o início do presente trabalho procuramos evidenciar a importância e influência do Direito Canônico sobre as legislações laicas, sobretudo a brasileira, que foi colônia de exploração de um Reino Cristão, recebendo inúmeras heranças processuais.
Intentou-se demonstrar também as reviravoltas e experiências das regras de processo na história, principalmente sob o prisma da oralidade, brevidade e concentração dos atos, partindo-se de uma época (pré-romana) onde o processo tinha formas meramente orais; experimentando no Direito Romano a forma mista, com forte tendência escrita nos atos processuais; as quais acabaram por influenciar diretamente o direito canônico; que por sua vez, devido a importância e poder da Igreja, influenciou o direito laico, que também mantiveram o sistema misto e tendente à escritura; sendo que já em 1306, com o Papa Clemente V, a empírica canônica nota que é necessário buscar a celeridade processual, abandonando o rigor escrito e buscando a oralidade, abreviação e simplicidade processual, o que vem sendo buscado desde então.
Consideramos necessária a breve nota histórica para demonstrar que a sistemática processual do Direito Canônico, que é uma das mais antigas, e nos influenciou diretamente, há muito constatou e vem buscando meios para agilizar o processo e acabar com suas “etapas mortas”[23], vendo, modernamente no processo contencioso oral, uma das formas de facilitar a brevidade, simplicidade e concentração dos atos processuais (e na oralidade).
Ao compararmos, ainda que superficialmente, as características do processo contencioso oral, previsto no processo civil canônico, com o procedimento sumário, previsto no Código de Processo Civil brasileiro, podemos notar a grande similitude de ambos, essencialmente quanto à oralidade nas audiências, ao encurtamento da marcha processual, pela concentração dos atos que podem ser produzidos nestas e a consequente celeridade processual.
A experiência processual canônica nos demonstra que o processo (procedimento) fulcrado nestes princípios se revelou mais útil e eficaz, ou seja, representa grande evolução processual, sendo de interesse público sejam eles seguidos e aprimorados, não ignorados.
Como vimos, não é só com a criação ou aprimoramento de procedimentos orais, breves e simplificados que se resolverá o problema da morosidade judicial, mas certamente ao renegar a incidência do procedimento sumário, convertendo-o em ordinário, sob a alegação de sobrecarga das pautas e defesa do interesse público, não é a melhor solução, posto que se posterga a resolução do conflito, prejudica e desgasta as partes e gera maior acúmulo de causas pendentes de solução.
Temos então que não é dado ao autor, ao réu ou até mesmo ao juiz, fora das previsões e limites de nosso sistema processual, optar sobre aquele ou esse procedimento, já que o próprio sistema processual dá providências que permitem a correta conversão ritual.
Concluímos então que não é razoável sustentar que é de interesse público, frente à sobrecarga das pautas de audiência, determinar-se a conversão procedimental, posto que além de procrastinar ainda mais a resolução dos feitos, sobretudo agora que se dispõe de um setor experimental de conciliação, de maior interesse público é a aplicação da lei.