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As Unidades de Conservação: a população tradicional e a questão territorial em conflito com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana

12/08/2012 às 11:03
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Com a criação das Unidades de Conservação, veio à tona a questão envolvendo os direitos dos povos tradicionais e a sua submissão à determinação do Estado em se retirar de seus locais de origem. Com a derradeira expulsão, esses povos são recolocados em áreas que não oferecem condições dignas.

Resumo: Este artigo trata de aspectos relevantes da questão envolvendo a criação das unidades de conservação e seu reflexo sobre as populações tradicionais, sobretudo as do norte de Minas Gerais. Uma das temáticas que merecem destaque neste trabalho é a relação das populações tradicionais com o meio ambiente e os projetos econômicos que, ao invés de ajudar, estão degradando a natureza. O estudo contará ainda com a questão envolvendo direitos fundamentais previstos na nossa Carta Magna de 1988, tais quais o direito ao território bem como do princípio da dignidade da pessoa humana no universo das populações tradicionais. Contará com apontamentos de renomados antropólogos e de estudiosos do tema, com ênfase aos Direitos e Garantias Fundamentais, como condição essencial da manutenção da vida em sociedade.

Palavras-chave: unidades de conservação, território, populações tradicionais, direitos fundamentais.


 INTRODUÇÃO

O presente artigo trata dos conflitos gerados pela criação de unidades de conservação na região Norte de Minas Gerais, sobretudo no território das populações tradicionais bem como se faz uma avaliação dos direitos fundamentais.

 O cerne da questão está entre o direito à terra dessas populações tradicionais e de sua recolocação em áreas que não oferecem condições dignas de manutenção e sobrevivência, gerando seu empobrecimento.

 Os conflitos podem não apenas se configurar como resultado de sobreposição de áreas protegidas criadas, mas também como resultado da presença e das práticas de populações tradicionais no interior de unidades de conservação de proteção integral e da criação de áreas quilombolas e indígenas que incidem sobre o mesmo agrupamento de pessoas.

Pretende-se relatar que no ordenamento jurídico brasileiro não existe um sistema legal que proteja eficazmente os direitos das comunidades tradicionais. Contudo, o descaso do ente federativo, acarreta o aviltamento de sua condição social, e contribuição para sua marginalização.

Mister salientar que quando as populações resistem e permanecem, suas necessidades de exploração dos recursos naturais inerentes a seu modo de vida e sobrevivência raramente são reconhecidas. Ao invés disso, passa a ocorrer uma “criminalização” dos atos mais corriqueiros e fundamentais para a reprodução sociocultural destas comunidades. A caça, a pesca, a utilização de recursos da floresta para a manufatura de utensílios e equipamentos diversos, a feitura das roças, a criação de galinhas ou porcos, o papagaio na varanda, a lenha para cozinhar e aquecer, a construção de uma nova casa para o filho que se casou, etc., tudo isso é, de uma penada jurídica, transformado em crime e seus praticantes perseguidos e penalizados. Ao mesmo tempo, são instados a proteger e respeitar o meio ambiente, sendo encarados como os principais responsáveis (e não o modelo urbano-industrial em expansão) pelo futuro da humanidade, corporificado na preservação da área em questão.

Destarte, o princípio da dignidade da pessoa humana exprime, em termos jurídicos, a máxima Kantiana, segundo a qual “o homem deve sempre ser tratado como um fim em si mesmo e nunca como um meio”. O ser humano precede o Direito e o Estado, que apenas se justificam em razão dele. Nesse sentido, a pessoa humana deve ser concebida e tratada como valor-fonte do ordenamento jurídico, como assevera Miguel Reale, sendo a defesa e promoção de sua dignidade, em todas as dimensões, a tarefa primordial do Estado Democrático de Direito.


DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO

Área Protegida, também denominada pela legislação brasileira como Unidades de Conservação, é um espaço geográfico claramente definido, reconhecido, dedicado e gerido, através de meios legais ou outros igualmente eficientes, com o fim de obter a conservação ao longo do tempo da natureza com os serviços associados ao ecossistema e os valores culturais.

Esta terminologia fora definida pela União Internacional para Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), em um workshop sobre Categorias do 4º Congresso Mundial sobre Parques Nacionais e Áreas Protegidas no ano de 1994.

A definição engloba o universo das áreas protegidas, nela se enquadrando todas as suas categorias.

 A Lei 9.985 de 18 de Julho de 2000 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), estabelecendo critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação.

O dispositivo legal do art. 2º, I, da Lei 9.985/2000, traz a definição de unidades de conservação:

“unidade de conservação: espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção;”

As Unidades de Conservação fazem parte do sistema brasileiro de proteção ao meio ambiente, sendo controladas pelo órgão federal ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), compondo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).

Em Minas Gerais, a identificação, criação e implantação de áreas protegidas é um das atribuições do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Atualmente existem em Minas Gerais dez categorias de unidades de conservação e áreas protegidas. 

O art. 5º, X, da Lei 9.985/2000 determina que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) seja regido por diretrizes que garantam às populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de subsistência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos.

O texto legal estabelece que a posse e o uso das áreas ocupadas pelas populações tradicionais nas Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável sejam reguladas por contrato, conforme se dispuser no regulamento. Determina que as populações tradicionais obrigam-se a participar da preservação, recuperação, defesa e manutenção da unidade de conservação. Para tanto, estabelece normas como: a proibição do uso de espécies localmente ameaçadas de extinção ou de práticas que danifiquem os seus habitats e também da proibição de práticas ou atividades que impeçam a regeneração natural dos ecossistemas.

Segundo a autora Elisa Cotta de Araújo, a flexibilização da legislação vem reforçar a tendência da política ambiental do Estado de se voltar para ações mitigadoras, compensatória. De privilegiar a criação de Unidades de Conservação como forma de proteção da biodiversidade e de não interferir sobre a lógica desenvolvimentista dos grandes empreendimentos e projetos. Na prática esta política territorial pautada por uma perspectiva conservacionista está estimulando empreendimentos degradadores e desconsiderando o impacto destes sobre as populações tradicionais, bem como, sobre os aspectos socioculturais que sustentam a própria diversidade.


DAS POPULAÇÕES TRADICIONAIS

A entrada das Populações Tradicionais no mundo do "meio ambiente", deu-se a partir da discussão sobre a presença humana nas Unidades de Conservação. Os países pioneiros na criação de unidades de conservação estabeleceram a tradição de que dentro das mesmas não cabia a presença da espécie humana. Porém, a situação encontrada em países em desenvolvimento, como o Brasil, que apenas há poucos anos criaram suas áreas de preservação e conservação, obrigou a examinar com maior profundidade a relação entre o homem e o meio em tais áreas, chegando-se à constatação de que realmente existem populações cuja ação é altamente benéfica para a conservação do meio. Estas têm sido constatações empíricas e de exame "in loco", pois ainda falta bastante pesquisa, inclusive para provar que se não fosse a presença dessa População Tradicional, várias espécies não teriam sobrevivido. Podemos citar como exemplo a luta de populações que têm impedido a devastação de lagos, rios e florestas; sem a presença destas pessoas, predadores humanos exógenos teriam acabado com espécies terrestres e aquáticas, vegetais e animais.

Nos estudos do Professor João Batista de Almeida Costa, se pode extrair que a lógica que orienta essas populações tradicionais é marcada pela existência de um regime agrário coletivo, de relações de trabalho que se estruturam pela reciprocidade entre membros de uma mesma coletividade. Mais adiante ele afirma que se há uma lógica capitalista embranquecida e etnizada do território e do espaço social regional hodierno, opõe-se a ela, resistindo com lógica semelhante, um território e um espaço social não-capitalistas e não-brancos, permitindo aos trabalhadores rurais reafirmarem suas autonomias ainda que em condições mínimas e descontínuas, frente à dominação imposta.O recurso à migração sazonal para fora da propriedade ou posse, como mão-de-obra para empresas agropecuárias, propicia a atualização do padrão produtivo familiar, como forma de resistência ao sistema produtivo vigente hegemônico. Assim como realizaram seus antepassados.

Para as comunidades tradicionais, a terra tem um sentido muito maior, de uma vida em abundância para que a comunidade tenha garantia de vida digna, o que é totalmente diverso do que vem sendo colocado aí, o que é totalmente diferente dos grandes projetos de linha econômica que estão aí, do que vem sendo divulgado pelo governo sobre os projetos econômicos que mais que ajudar tem atrapalhado. Por que o princípio destas comunidades é a liberdade. Liberdade de escolher, liberdade de iniciativa. Muitos projetos não respeitam a cultura, a história destas comunidades... a relação que as populações têm com o rio, é de uma dependência, de uma necessidade recíproca. Eles tratam o rio com cuidado, sabem que dependem do rio e que o rio também depende delas. (Agente CPT, II Encontro de vazanteiros e vazanteiras do São Francisco, Serra do Ramalho, maio de 2007).

As populações tradicionais norte-mineiras são reconhecidas pelas pessoas, como sendo vazanteiros, barranqueiros, caatingueiros, geraizeiros ou geralistas. Para Ladeira (1951 apud Dayrell, 1988) há no interior das regiões do vale do São Francisco pequenos núcleos de populações com denominações especiais, conforme a região habitada. Para ele há os chapadeiros, que vivem nas chapadas regionais, o campineiro, gente que habita as campinas, os barranqueiros ou vazanteiros, que vivem e produzem nas barracas ou vazantes do Rio São Francisco.

Para entender melhor a questão das populações tradicionais é fundamental entender sua cultura que está intimamente dependente das relações de produção e de sobrevivência. O professor Diegues enumera as seguintes características das culturas tradicionais:

a.  Dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis a partir do qual se constrói um "modo de vida";

b. Conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é transferido de geração em geração por via oral;

c. Noção de território ou espaço onde o grupo se reproduz econômica e socialmente;

d. Moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra dos seus antepassados;

e. Importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica numa relação com o mercado;

f.  Reduzida acumulação de capital;

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g. Importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou de compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;

h. Importância de mito e rituais associados à caça, à pesca e a atividades extrativistas;

i. A tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o trabalho artesanal. Nele, o produtor e sua família, dominam o processo de trabalho até o produto final;

j. Fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos centros urbanos; e

k. Auto-identificação ou identificação pelos outro de se pertencer a uma cultura distinta das outras.

Noutro norte, para entender a importância do território para os povos e populações tradicionais, é preciso compreender o seu significado. Nos ensinamentos do de Paul E. Little, se pode extrair que os territórios se fundamentam em décadas, em alguns casos, séculos de ocupação efetiva. A longa duração dessas ocupações fornece um peso histórico às suas reivindicações territoriais.

Para Antonio Carlos Diegues e Rinaldo Arruda (2001), populações tradicionais são grupos culturalmente diferenciados que em sua trajetória histórica construíram e atualizam seu modo particular de vida e de relação com a natureza, considerando a cooperação social entre seus membros, a adaptação a um meio ecológico específico e um grau variável de isolamento.

O princípio 22 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 estabelece que:

As populações indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm papel fundamental na gestão do meio ambiente e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses dessas populações e comunidades, bem como habilitá-las a participar efetivamente da promoção do desenvolvimento sustentável.

De acordo com Almeida (2004), a territorialidade funciona como fator de identificação, defesa e força, mesmo quando se trata de apropriações temporárias dos recursos naturais, por grupos sociais classificados muitas vezes como “nômades” e “itinerantes”. Laços solidários e de ajuda mútua informam um conjunto de regras firmadas sobre uma base física considerada comum, essencial e inalienável, não obstante disposições sucessórias porventura existentes.

Para Diegues e Arruda (2001, p. 29), “(...) além do espaço de reprodução econômica das relações sociais, o território é também o lócus das representações mentais e do imaginário mitológico dessas sociedades”, onde “(...) as representações simbólicas que essas populações fazem dos diversos habitats em que vivem, também dependem de um maior ou menor controle que dispõem sobre o meio físico”. Paul Little define “(...) territorialidade como o esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-se assim em seu „território?” (2002, p. 3). Ele considera ainda que: “(...) a noção de pertencimento a um lugar agrupa tanto os povos indígenas de uma área imemorial quanto os grupos que surgiram historicamente numa área através de processos de etnogênese e, portanto, contam que esse lugar representa seu verdadeiro e único homeland. Ser de um lugar não requer uma relação necessária com etnicidade ou com raça, que tendem a ser avaliadas em termos de pureza, mas sim uma relação com um espaço físico determinado” (Little, 2002, p. 10).

Como assevera Daniel Sarmento, o Estado tem não apenas o dever de se abster de praticar atos que atentem contra a dignidade humana, como também o de promover esta dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. O homem tem a sua dignidade aviltada não apenas quando se vê privado de alguma das suas liberdades fundamentais, como também quando não tem acesso à alimentação, educação básica, saúde, moradia etc.


DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM CONFLITO

O Estado deve existir para estar a serviço da pessoa humana, para suprir as suas necessidades, entre elas a de viver em liberdade e em condições que possam facilitar o seu desenvolvimento e a sua personalidade. O que significa dizer que cabe ao Estado e, portanto, também ao Direito, propiciar o pleno acesso às condições necessárias para a promoção dessa realização.

Embora haja uma preocupação significativa com os direitos fundamentais no Brasil e com a valorização da dignidade da pessoa humana, na medida em que estão tutelados e declarados no Texto Constitucional, infelizmente observa-se a violação contínua dos referidos direitos e o aviltamento da dignidade humana.

Hodiernamente, as Declarações de Direitos contempladas no plano internacional e as Constituições Substanciais e/ou Formais dos países livres consignam capítulo especial aos Direitos e Garantias Fundamentais, como condição essencial da manutenção da vida em sociedade. Trata-se de uma das maiores conquistas da civilização, em prol da valorização da pessoa humana.

Diz Norberto Bobbio que:

Todas as declarações recentes dos direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que constituem em poderes.

A declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu art. I reza que :“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

A relação entre Estado e Princípio da Dignidade Humana consiste na efetivação de um tratamento humanitário, igualitário para todos e na erradicação das desigualdades sociais. Implica dizer, ainda, que se trata do cumprimento de princípio constitucional fundamental e que deve embasar todas as relações sociais, jurídicas e a atuação do Estado como garantidor da Justiça Social.

A dignidade da pessoa humana encontra-se no epicentro da ordem jurídica brasileira tendo em vista que concebe a valorização da pessoa humana como sendo razão fundamental para a estrutura de organização do Estado e para o Direito. O legislador constituinte elevou à categoria de princípio fundamental da República a dignidade da pessoa humana (um dos pilares estruturais fundamentais da organização do Estado brasileiro), prevista no art. 1º, inciso III da Constituição de 1988.

Com a criação das Unidades de Conservação, veio à tona a questão envolvendo os direitos dos povos tradicionais e a sua submissão à determinação do Estado em se retirar de seus locais de origem. Com a derradeira expulsão, esses povos são recolocados em áreas que não oferecem condições dignas de manutenção e que não permite a continuidade de seu modo de vida tradicional, apenas colabora para a sua marginalização e empobrecimento.

Apesar de haver o reconhecimento de direitos socioambientais na Constituição Federal de 1988, a “inexistência de tal proteção jurídica aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade tem gerado as mais diversas formas de espoliação e de apropriação indevida” (SANTILLI, 2003, p.19).

Diegues e Arruda, p. 53, ao discorrer sobre os povos indígenas diz que apesar de os mesmo terem reconhecidos constitucionalmente o direito à identidade cultural e direitos originários às terras que ocupam, asseveram que o Estado não tem cumprido esse papel legal de proteção às áreas indígenas; mesmo as totalmente regularizadas, na sua maior parte, sofrem invasões de garimpeiros, mineradoras, madeireiras e posseiros; são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão, inundadas por usinas hidrelétricas e outros impactos decorrentes de projetos econômicos da iniciativa privada e projetos desenvolvimentistas governamentais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As Unidades de Conservação estão sujeitas a um regime de proteção externo, com território definido pelo Estado, cujas autoridades decidem as áreas a serem colocadas sob proteção e sob que modalidade e, independentemente, formulam e executam os respectivos planos de manejo. As pessoas que vivem no interior ou no entorno das áreas não participam em nada destas decisões. Mais que isso, as decisões costumam ser mantidas em sigilo até sua transformação em lei, justamente para evitar movimentações sociais que possam criar embaraços para os planejadores oficiais.

Paul E. Little em seus apontamentos diz que: “(...) a questão dos direitos dos povos tradicionais passa pelo reconhecimento das respectivas leis consuetudinárias que esses povos mantêm, particularmente no que se refere a seus regimes de propriedade. Essa situação conduz ao reconhecimento da noção de pluralismo legal?, conceito que vem sendo trabalhado tanto dentro da antropologia quanto no âmbito do direito” (Little, 2002, p. 21).

As populações tradicionais são discriminadas por sua identidade sociocultural e impedidas de reproduzir seu modo de vida, tanto pelo modelo de ocupação predatório que se expande quanto pelo modelo de conservação ambiental vigente. Assim, paradoxalmente acabam por desenvolver uma postura anticonservacionista, identificando o ambientalismo como o substituto dos antigos grileiros e passando a desenvolver práticas predatórias do meio ambiente como único meio de garantir sua subsistência e não cair na marginalidade ou na indigência.

É papel do Estado o de garantir às populações tradicionais condições dignas de sobrevivência e principalmente valorizar sua cultura, tradição, e modos pelos quais conservam e preservam o meio ambiente a centenas de gerações. Além de que propor medidas que acarretam numa melhoria de suas condições de vida e na garantia de sua participação na construção de uma política de conservação da qual sejam também beneficiadas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Alfredo Wagner Breno. Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização, movimentos sociais e uso comum. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Vol.6, nº 1. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR), maio de 2004. p. 9-32.

ARRUDA, Rinaldo S. V. & DIEGUES, Antônio Carlos. Saberes Tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campos, 1992, p. 21.

COSTA, João Batista de Almeida.  Cultura, Natureza e Populações Tradicionais: O Norte de Minas como síntese da nação brasileira. Revista Verde Grande 3.

LITTLE, Paul E. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. Brasília, Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, 2002.

MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1997.

Ministério do Meio ambiente- MMA – SNUC – Sistema Nacional de Unidades de ConservaçãodaNatureza.Disponívelem;              http://www.ecosocialnet.com/legislacao/SNUC.pdf

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005.

TAYLOR, Charles. Multiculturalismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

VADE MECUM. Obra coletiva da editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes.- 7. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7. 


The Protected Areas: The traditional population and the territorial issue in conflict with the constitutional principle of human dignity.

ABSTRACT: This article deals with relevant aspects of the issue involving the creation of protected areas and its effects on traditional populations, especially those in the north of Minas Gerais. One of the issues that deserve attention in this work is the relationship of the traditional with the environment and economic projects, instead of helping, are degrading nature. The study will also include the issue involving fundamental rights provided in our 1988 Constitution, such that the right to the territory and the principle of human dignity in the universe of traditional populations. Will have notes of renowned anthropologists and scholars of the subject, with emphasis on Fundamental Rights and Guarantees, as an essential condition of maintaining life in society.

Key Words: conservation areas, territory, traditional populations, fundamental rights.

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Sobre a autora
Renata Rodrigues

Advogada em Montes Claros (MG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renata. As Unidades de Conservação: a população tradicional e a questão territorial em conflito com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3329, 12 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22394. Acesso em: 23 abr. 2024.

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