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Reflexões sobre a decisão do STF a respeito da constitucionalidade do exame de ordem

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III - OUTROS APONTAMENTOS AINDA NÃO DISCUTIDOS QUE SUSCITAM, NO MÍNIMO, REFLEXÕES

a)                 Os dados que comprovam a existência de uma reserva de mercado

Nas primorosas palavras de Maurício Gieseler de Assis[20] que, recentemente, apresentou dados estatísticos que ratificam a reserva de mercado criado pelo exame de ordem:

As críticas e os elevados percentuais de reprovação geraram uma visão sinistra do que seria o Exame de Ordem. Ao invés de um processo seletivo, um impiedoso sistema de reserva de mercado imposto draconianamente, cujo propósito estaria vinculado a manter um percentual sempre estável de aprovados, independe do preparo dos candidatos.

A análise estatística das edições anteriores da prova afasta quaisquer raciocínios contrários:

Vejamos então os dados dos últimos Exames, considerando o número final de aprovados, exceto o atual Exame, ainda pendente da publicação da lista final de aprovados.

2008.1 — 39.357 inscritos — 11.063 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de presentes: 28.87%

2008.2 — 39.732 inscritos — 11.668 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de presentes: 30,22%

2008.3 — 47.521 inscritos — 12.659 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de presentes: 27,35%

2009.1 — 58.761 inscritos — 11.444 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de presentes: 19,48%

2009.2 — 70.094 inscritos — 16.507 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de presentes: 24,45%

2009.3 — 83.524 inscritos — 13.781 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de presentes: 16,50%

2010.1 — 95.764 inscritos — 13.435 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de inscritos: 14,03%

2010.2 — 106.041 inscritos — 16.974 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de inscritos: 16,00%

2010.3 — 106.891 inscritos — 12.534 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de inscritos: 11,73%

IV Exame Unificado — 121.380 inscritos — 18.234 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de inscritos: 15,02%

V Exame Unificado — 108.355 inscritos — 26.024 aprovadosPercentual de aprovados em relação ao número de inscritos: 24,01%

Demonstrando estes dados em gráfico tem-se a seguinte ilustração, relacionada ao número de alunos inscritos e aprovados. Na horizontal, encontra-se a relação das provas feitas em 2008, 2009, 2010 e 2011 (unificado). Na vertical, a escala de número de inscrições e aprovados:

Ao comentar o resultado relativo ao IV Exame Unificado (ou 2º/2011), o Presidente da OAB, Ophir Cavalcanti, fez questão de enfatizar que o crescimento da aprovação revela o maior compromisso e empenho das universidades e estudantes. No entanto, segundo ele, os altos índices de reprovação ainda devem permanecer: "É difícil mudar, pois este é o resultado de uma política que depreciou a qualidade do ensino jurídico no Brasil. Colhemos os frutos que foram plantados"[21].

Observa-se que o número de inscritos aumentou, mas o número de aprovados manteve-se quase constante. Logo, é patente que estamos diante de uma reserva de mercado, onde não importa o número de candidatos inscritos, pois haverá sempre um corte quando a linha beirar os 20.000 aprovados.

Se o exame de ordem tem a suposta finalidade de filtrar os bons profissionais, logo o número de advogados que entram no mercado, a cada prova, deveria ser irrelevante. Além disso, a quantidade de aprovados deveria ser diretamente proporcional ao número de inscritos. A OAB afirma que selecionar os advogados aptos é seu real objetivo e que não há reserva de mercado, muito menos lucro. Sendo assim, por que o número absoluto de aprovados se mantém? A prova ficou mais difícil? Se ficou, então estamos diante de um fenômeno raro, uma coincidência numérica espantosa. Será que a qualidade de ensino jurídico piorou tanto assim em 3 anos? A OAB nega, mas os números não mentem. Não se trata de uma simples observação estatística para se afirmar tal coisa. Doutro lado, os anos se passam e a OAB não oferece uma explicação satisfatória. Portanto, de qualquer ângulo que se olhe, o resultado será o mesmo, ou seja, a impressão de que medir a qualificação profissional não é e nunca foi o único objetivo do exame de ordem.

Com base nesses dados, pede-se licença para estimar o suposto valor arrecadado, sem demonstrá-lo com exatidão, por não se ter acesso ao processo licitatório, a margem real de lucro e a subtração das despesas (aluguel de salas, reprografia e fiscais). Assim temos:

2008.1 — 39.357 inscritos x R$ 200,00 = R$ 7.871.400,00

2008.2 — 39.732 inscritos x R$ 200,00 = R$ 7.946.400,00

2008.3 — 47.521 inscritos x R$ 200,00 = R$ 9.504.200,00

Total em 2008 = R$ 25.322.000,00

2009.1 — 58.761 inscritos x R$ 200,00 = 11.752.200,00

2009.2 — 70.094 inscritos x R$ 200,00 = 14.018.800,00

2009.3 — 83.524 inscritos x R$ 200,00 = 16.704.800,00

Total em 2009 = 42.475.800,00

2010.1 — 95.764 inscritos x R$ 200,00 = R$ 19.152.800,00

2010.2 — 106.041 inscritos x R$ 200,00 = R$ 21.208.200,00

2010.3 — 106.891 inscritos x R$ 200,00 = R$ 21.378.200,00

Total em 2010 = 61.739.200,00

IV Exame Unificado — 121.380 inscritos x R$ 200,00 = R$ 24.276.000

V Exame Unificado — 108.355 inscritos x R$ 200,00 = R$ 21.671.000,00

Parcial em 2011 = R$ 45.947.000,00

Se estes dados forem verossímeis, pode-se concluir que, de 2008 a 2011 (isto incluindo apenas os dois exames), a OAB Federal arrecadou apenas com o exame o montante de R$ 175.484.000,00 (cento e setenta e cinco milhões quatrocentos e oitenta e quatro mil reais). Isto sem falar que o Conselho Federal ainda absorve 20% do valor relativo à anuidade de cada advogado inscrito na seccional ou regional, sublinhando que este valor atualmente (2012) equivale, em média, a R$ 774,00 (setecentos e setenta e quatro) parcelado em onze vezes, e sem falar do estagiário, que paga R$ 85,00 (oitenta e cinco reais) pela inscrição e mais anuidade.

Sem querer fugir do tema, faz-se um adendo para acrescer que a OAB justifica o preço cobrado ao estagiário sob o pretexto de que aquele valor seria para custear as despesas com a confecção gráfica da carteira e boleto bancário. É no mínimo estranho, notadamente, quando realizamos um singela pesquisa no mercado livre (www.mercadolivre.com.br) e, ao colocarmos as expressões “carteirinha pvc” e clicarmos em buscar encontramos uma infinidade de gráficas no Brasil a fora que realizam o determinado serviço, pasmem, com valor de R$ 1,00 (um real) a R$ 8,00 (dezesseis reais), a unidade, dependendo da quantidade em que for solicitado.

Patente, portanto, que não há justificativa plausível pela cobrança do valor. No que refere ao boleto bancário, hoje qualquer impressora pode imprimir o boleto com código de barras.

Retornando ao assunto, uma tarifa única, nacional, de R$ 200,00 (duzentos reais), para a realização do Exame da Ordem inegavelmente é igual ou maior do que o valor de inscrição de concursos para promotor, delegado, procurador e magistrado, em alguns Estados, cuja remuneração, se aprovado, varia entre R$ 12.000,00 a R$ 21.000,00. A situação se agrava ao se saber que, ao ser aprovado na OAB e realizar sua inscrição, assume, o advogado, uma dívida anual de R$ 735,00 a R$ 935,00, dependendo da região. Isto apenas ratifica que se trata de legítima escola de cidadãos que podem pagar para exercer tal profissão, vantagem para classe mais dotada de recursos.

A questão do valor da tarifa de inscrição é tão polêmico, que está sendo alvo de uma Ação Civil Pública - ACP proposta pelo Ministério Público Federal na Justiça Federal da 1ª Região, sob o nº 0015055-77.2011.4.01.3803, com o objetivo de ser declarada a inconstitucionalidade do valor cobrado para a realização dos exames da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, e a política praticada para isenção da referida taxa, lastreada no Decreto nº 6.593, de 02 de outubro de 2008.

 Saliente-se que a naquela referida ACP, o MPF requereu antecipação de tutela, objetivando que o Conselho Federal da OAB se abstenha de cobrar qualquer valor a título de inscrição nos exames de Ordem, e, em não sendo acolhido tal pedido, requereu que o valor cobrado seja o estritamente necessário a cobrir as despesas de realização e aplicação dos certames.

b)                 Os poderes de avaliação e fiscalização exercidos pelo MEC que excluem a exigência de uma nova prova para aferição de qualiicação profissional

A segunda parte do Art. 5º inciso XIII da Constituição Federal dispõe que a função de qualificar para o trabalho compete às instituições de ensino e que a avaliação e a fiscalização do ensino competem ao Estado, e não, evidentemente, à OAB. De acordo com o art. 205 da Constituição Federal, a educação tem como uma de suas finalidades a qualificação para o trabalho. O ensino é livre à iniciativa privada e cabe ao Poder Público a autorização para a abertura e o funcionamento dos cursos e a avaliação de sua qualidade.

Ademais, de acordo com a Lei no 10.861/04 - que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior ­ SINAES, o estudante que não prestar o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) não obterá o diploma de conclusão do nível superior, consoante dispõe o Art. 5, § 5º:

O ENADE é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, sendo inscrita no histórico escolar do estudante somente a sua situação regular com relação a essa obrigação, atestada pela sua efetiva participação ou, quando for o caso, dispensa oficial pelo Ministério da Educação, na forma estabelecida em regulamento.

Nestes termos, também há inúmeros posicionamentos da Corte cidadã (STJ) sobre o tema, visto ser alvo constante de impetração de Mandado de Segurança, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENADE. OBRIGATORIEDADE.

1. O concluinte do curso superior, quando convocado para prestar o exame nacional de desempenho, não pode deixar de comparecer.

2. Exame que é regulamentado por lei.

3. Ciência da data e do local onde o exame seria realizado comprovada.

4. Obrigatoriedade de prestar o exame para receber a colação de grau. Exigência apoiada na Lei n. 10.861, de 2004, regulamentada pela Portaria MEC 2.051/04 e Portaria n. 603 de 07.03.2006.

5. Inexistência de direito líquido e certo a proteger. Mandado de segurança denegado.(MS 13082 / DF. Relator Ministro JOSÉ DELGADO. Data de julgamento: 28/05/2008)

No dia 26.01.2010, o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão que impede a colação de grau de formandos que não realizarem o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE). Uma estudante impetrou mandado de segurança contra ato do Ministro da Educação e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O Presidente do STJ, Ministro Cesar Asfor Rocha, negou o pedido de liminar em mandado de segurança, mesmo tendo sido justificada a ausência por motivos de saúde ou doença. O mérito ainda será julgado no âmbito da 1ª Seção do STJ, especializada em Direito Administrativo e outras matérias de Direito Público, tendo como relatora a Ministra Denise Arruda[22].

Assim, está cabalmente provado que o estudante dos cursos jurídicos é qualificado para o exercício da advocacia e tem essa qualificação certificada, de acordo com a legislação vigente, pelo reitor de cada universidade, através de um diploma. Nenhuma outra instituição tem competência para qualificar os bacharéis ao exercício de suas profissões, nem mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil. Por expressa delegação do Estado brasileiro (art. 207 da Constituição Federal de 1.988 e Lei 9.394/96, art. 53, VI), somente os cursos jurídicos detêm a prerrogativa legal de outorgar ao aluno o diploma de Bacharel em Direito, que certifica a sua qualificação para o exercício da advocacia.

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O raciocínio para entender a questão é simples: A OAB não tem poderes para invalidar o diploma de bacharel em Direito, mas impede o exercício da advocacia para quem não faz parte de sua Ordem.

Seria interessante que a avaliação do exercício profissional pudesse ocorrer através do exame do ENADE, mas nunca da entidade de fiscalização do exercício profissional.

c)                  O descabimento da exigência do Exame da Ordem para aprovados em concursos públicos para cargos da advocacia pública

Estipular como requisito ao registro junto a OAB a aprovação no Exame de Ordem é fato que vai de encontro a inúmeros princípios constitucionais e traz consigo, nas entrelinhas, a sensação de favoritismo e o privilégio em contribuir para o enriquecimento de entidade de classe representativa.

Por essas razões entende-se ser descabido, desarrazoado, imoral e ilegal a exigir prévio exame de ordem para registro junto a Ordem dos Advogados do Brasil, particularmente, quando se referir aos cargos de Advogado da União, Procurador do Estado, Procurador da Fazenda Nacional e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

Destaque, que o art. 29 do Estatuto da Ordem prevê determinada liberdade apenas para aqueles que exercem cargo de dirigente de órgãos jurídicos ou o titular de cada pasta: Procurador-Geral, Advogado-Geral, Defensor-Geral.

Independente do cargo, seria de bom alvitre que se o profissional conseguiu êxito na prova preenchendo todos os requisitos do edital para determinado concurso público, não é o fato de ele possuir ou não OAB que vai determinar se é ou não um bom profissional a exercer determinado cargo. Sublinha-se que para estes concursos, em regra, são três etapas a serem superadas: prova objetiva, prova discursiva e prova oral.

Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 prescreve em seu art. 37, inciso II, que o acesso em cargos ou empregos públicos, depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego na forma prevista em lei, sendo isto exigido da Administração Direta e Indireta.

Logo, este argumento demonstra, com clareza, que nos concursos públicos para advocacia pública, o registro de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, condicionada à aprovação no exame da ordem, não parece harmonizar-se com o texto constitucional, reforçando a ideia de uma reservada de mercado.

Dessa forma, torna despiciendo a utilização da OAB, bastando simplesmente à indicação, nos documentos por estes produzidos, da matrícula e cargo que ocupa na instituição. 

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Sobre o autor
Clinston Antonio Fernandes Caixeta

Bacharel em Direito. Possui 16 anos de experiência no serviço público federal, atuou em diversos setores (Licitações, Contratos, Convênios, Corregedoria), tanto na Administração Direta (Ministério do Trabalho, Ministério da Saúde, Ministério Público do Trabalho e Secretaria de Desenvolvimento Social do GDF), como na Administração Indireta (Funasa, Dnit).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAIXETA, Clinston Antonio Fernandes. Reflexões sobre a decisão do STF a respeito da constitucionalidade do exame de ordem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3331, 14 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22410. Acesso em: 22 nov. 2024.

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