Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos erravam cegos pelo continente,
levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
(Vai Passar – Chico Buarque)
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. A natureza jurídica das custas judiciais e emolumentos extrajudiciais 3. A problemática da destinação a associações ou outras pessoas do produto arrecadado pelas custas processuais 4. Um caso concreto: o estado do Espírito Santo 5. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
Certos estados-membros têm destinado parte de seus recursos oriundos de custas e emolumentos judiciais e extrajudiciais a determinadas pessoas estranhas ao Poder Judiciário, o que, à primeira vista, já causa bastante perplexidade.
Ao consultar o andamento de um processo (geralmente nos sites dos Tribunais de Justiça) e verificar que há guias de pagamento relativas às custas judiciais e aos emolumentos extrajudiciais, visualiza-se para quem estão sendo direcionados percentuais (embora nem sempre fixos) obtidos do pagamento pelos contribuintes (nesse caso, as partes processuais). Porém, não é fácil visualizar essa constatação, pois muitas vezes apenas o próprio contribuinte pode verificar isso, e quase sempre o contribuinte não percebe que está pagando alguém totalmente alheio ao processo, ou que não tem ligação com a manutenção do aparelhamento judiciário, ou, ainda, que não está legalmente autorizado para receber certa quantia pelo pagamento das custas judiciais.
Um típico caso é o que ocorre no estado do Espírito Santo, onde ainda se insiste em destinar valores advindos das custas processuais a determinadas associações privadas.
Nessa linha, é de suma relevância analisar (criticamente) esse problemático caso a partir dos dispositivos constitucionais então vigentes.
2. A NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS
Antes de iniciar um estudo crítico sobre a questão da possível inconstitucionalidade da forma como são cobradas as custas e como é direcionado seu produto, cumpre melhor entender qual é sua natureza jurídica, isto é, qual a sua posição dentro do sistema jurídico, do que se trata, enfim.
Inicialmente, deve-se compreender que a taxa, nas palavras de Roque Antonio Carrazza (2006, p. 503-504),
é uma obrigação ex lege que nasce da realização de uma atividade estatal relacionada, de modo específico, ao contribuinte, embora muitas vezes por ele não requerida ou, até mesmo, sendo para ele desvantajosa. [...] É preciso que o Estado faça algo em favor do contribuinte, para ele poder exigir, de modo válido, esta particular espécie tributária. [...] Esta atuação estatal pode consistir ou num serviço público, ou num ato de polícia.
Por sua vez, os artigos 145, inciso II, da Constituição Federal de 1988, e 77, do Código Tributário Nacional, regem o seguinte sobre a espécie tributária taxa:
Art. 145, CF/88. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
[...]
II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição.
Art. 77, CTN. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Vale dizer, portanto, que a hipótese de incidência das taxas pode ser ou a prestação de serviço público diretamente referida a um indivíduo – isto é, os serviços públicos devem ser prestados uti singuli, de utilização individual e mensurável, tais como o serviço de telefone e de energia elétrica – ou o exercício do poder de polícia, entendido como a faculdade estatal de expedir regras disciplinadoras do exercício dos direitos à liberdade e à propriedade dos cidadãos, compatibilizando-o com o bem comum.
Por isso, quando se discorre sobre a natureza jurídica das custas judiciais e dos emolumentos extrajudiciais, ampla corrente doutrinária e vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidaram o entendimento de que a mesma se trata da modalidade tributária taxa.
No âmbito do STF, podem-se conferir os seguintes julgados: ADIN 1.145/PB, Relator: Ministro Carlos Velloso, órgão julgador: Tribunal Pleno, data do julgamento: 03 out. 2002, data da publicação: 08 nov. 2002; MC na ADIN 1.378/ES, relator: Ministro Celso de Mello, órgão julgador: Tribunal Pleno, data do julgamento: 29 nov. 1995, data da publicação: 30 maio 1997; ADIN 1.444/PR, relator: Ministro Sydney Sanches, órgão julgador: Tribunal Pleno, data do julgamento: 12 fev. 2003, data da publicação: 11 abr. 2003; MS 28.141/MT, relator: Ministro Ricardo Lewandowski, data do julgamento: 24 jul. 2009, data da publicação: 04 ago. 2009; ADIN 3.694/AP, órgão julgador: Tribunal Pleno, relator: Ministro Sepúlveda Pertence, data do julgamento: 20 set. 2006, data da publicação: 06 nov. 2006.
Vale conferir o que ficou salientado durante o julgamento da Medida Liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.378/ES:
[...] NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina. (STF, Medida liminar na ADI nº 1.378/ES, Tribunal Pleno, Relator: Ministro Celso de Mello, data do julgamento: 29 nov. 1995, data da publicação: 30 maio 1997).
Na doutrina, Sacha Calmon Navarro Coelho, referido pelo professor Carrazza (2006, p. 517), destaca que as custas e os emolumentos são efetivamente taxas, “pela prestação dos serviços públicos ora ligados à certificação dos atos e negócios ora conectados ao aparato administrativo e cartorial que serve de suporte à prestação jurisdicional”.
Desse modo, dizer que se está cobrando por uma determinada custa judicial significa afirmar que está sendo cobrada uma taxa no âmbito processual.
3. A PROBLEMÁTICA DA DESTINAÇÃO A ASSOCIAÇÕES OU OUTRAS PESSOAS DO PRODUTO ARRECADADO PELAS CUSTAS PROCESSUAIS
A primeira afronta ao texto constitucional na forma como as custas processuais são cobradas e destinados os valores auferidos diz respeito à desnaturação de sua natureza, confrontando-se com o disposto no art. 145, inciso II, CF/88.
Marcio Severo Marques (2000, p. 223-224), analisando as espécies de tributo, adota importante classificação que identifica três variáveis para se diferenciar as taxas das demais modalidades de tributos, a saber: (i) a exigência constitucional ou não de previsão legal de vinculação entre a materialidade do antecedente normativo e uma atividade estatal referida ao contribuinte; (ii) a exigência constitucional ou não de previsão legal de destinação específica para o produto de arrecadação; e (iii) a exigência constitucional ou não de previsão legal de restituição do montante arrecadado ao contribuinte, ao cabo de determinado período. Sendo assim, são consideradas taxas os tributos em relação aos quais:
[...] há exigência constitucional de previsão legal de vinculação da materialidade do antecedente normativo ao exercício de uma atividade por parte do Estado, referida ao contribuinte; há exigência constitucional de previsão legal de destinação específica para o produto de sua arrecadação; e não há exigência constitucional de previsão legal de devolução do produtor arrecadado ao contribuinte, ao cabo de determinado período (MARQUES, 2000, p. 223-224) (destacou-se).
O referido autor expõe, em termos mais sucintos, a compreensão da classificação das espécies tributárias no quadro abaixo, que vale conferir (MARQUES, 2000, p. 225):
Tributos identificados |
1º critério: exigência constitucional de previsão legal de vinculação entre a materialidade do antecedente normativo e uma atividade estatal referida ao contribuinte |
2º critério: exigência constitucional de previsão legal de destinação específica para o produto de arrecadação |
3º critério: exigência constitucional de previsão legal de restituição do montante arrecadado ao contribuinte, ao cabo de determinado período |
impostos |
não |
não |
não |
taxas |
sim |
sim |
não |
contribuições de melhoria |
sim |
não |
não |
contribuições |
não |
sim |
não |
empréstimos compulsórios |
não |
sim |
sim |
Identificada a exigência de destinação específica do produto arrecadado através das custas e emolumentos como segundo critério identificador da taxa, e combinado esse critério com o que dispõe o art. 98, § 2º, da Constituição Federal, é de se concluir pela inconstitucionalidade das custas processuais. Assim rege o aludido dispositivo constitucional:
Art. 98, § 2º. As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça (destacou-se).
Sendo da espécie taxa, as custas devem servir especificamente para os serviços envolvidos nas atividades de cada processo em curso, isto é, para o pagamento de despesas com citações e intimações por aviso de recebimento, citações pessoais, certidões extraídas de processos, publicação de editais, atos de busca e apreensão, notificações, custas com papel, impressão, envio do processo via correios, cálculos, averbações, expedição de alvarás, etc. Vale dizer: não serve a taxa judiciária quitada pelas partes processuais para ser destinada ao custeio de associações privadas (dito de outra forma: clubes), mesmo que sejam de pessoas ligadas diretamente ao Poder Judiciário.
Nessa linha de entendimento, insta frisar a importância que advém de se respeitar neste campo o princípio constitucional da igualdade.
Para Alexandre de Moraes, a igualdade, adotada como princípio máximo pela Constituição Federal de 1988, opera em dois planos distintos: de um lado, ao legislador e ao próprio executivo, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas; de outro, ao judiciário, como intérprete do direito, na obrigatoriedade de aplicar a lei (em sentido lato) de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações arbitrárias, de discriminações absurdas, respeitando a chamada igualdade material: “dar tratamento desigual aos casos desiguais, na medida de suas desigualdades”. E mais: o princípio da igualdade se configura como uma eficácia transcendente, evitando que uma norma seja antes recepcionada caso demonstre incompatibilidade com os valores da Constituição (MORAES, 2010, p. 36-37).
[...] A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos (MORAES, 2010, p. 36-37).
Privilegiar determinadas pessoas em detrimento de outras fere frontalmente a Constituição Federal. Caso se pensasse numa possível legalidade em destinar parte do produto das taxas judiciárias a certas pessoas, como as Associações dos Oficiais de Justiça, por que não estender o mesmo procedimento a outras associações, como as Associações dos Contadores, dos Escrivães, dos Magistrados, dos Promotores de Justiça, dos Defensores Públicos, ou a Caixa de Assistência dos Advogados, enfim, todos que participam direta ou indiretamente das atividades da justiça, de forma tão fundamental como as atividades dos Oficiais de Justiça, ou como atividades de outros servidores da justiça? Portanto, além da questão da inconstitucionalidade na desnaturação da natureza da taxa, restaria a afronta ao disposto no art. 5º, caput, CF/88.
4. UM CASO CONCRETO: O ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Para ilustrar a problemática até então tratada, é de bom alvitre reforçar as explicações com um caso específico: as custas judiciais no estado do Espírito Santo.
O Espírito Santo, ainda na década de 1990, vislumbrou o ajuizamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade em face do art. 49, caput e parágrafo único, e art. 50, da Lei nº 4.847/1993 (Regimento Interno de Custas do Estado do Espírito Santo), com as alterações introduzidas pela Lei nº 5.011/1995.
A Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG-BR) ajuizou a ADIN nº 1.298/ES em 20 de junho de 1995, enquanto que a Procuradoria-Geral da República havia ajuizado, em 22 de novembro de 1995, a ADIN nº 1.378/ES. Mas, de todo modo, ambas as ações questionavam os mesmos dispositivos legais supramencionados, os quais destinavam da seguinte forma os percentuais das receitas oriundos do recolhimento de custas e emolumentos judiciários e extrajudiciários:
· três quintos para a diretoria do fórum da comarca onde ocorrer o fato gerador;
· um quinto para a Caixa de Assistência dos Advogados da Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Espírito Santo);
· um quinto para a Associação dos Magistrados do Espírito Santo (AMAGES).
Estava assim caracterizada, conforme sustentavam os requerentes, a violação ao art. 167, inciso IV, da Constituição Federal (que disciplinava àquela época ser vedada, ressalvadas certas exceções, “a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa”), bem como a incompatibilidade com a função constitucional da taxa (art. 145, inciso II, CF/88), pela destinação diversa do que foi instituída.
No mesmo ano do ajuizamento das ações, o STF, por votação unânime, deferiu o pedido de liminar nas ADINs para suspender, até decisão final, a eficácia do art. 49, caput e parágrafo único, e do art. 50, ambos da Lei nº 4.847, de 30 de dezembro de 1993. Segue a ementa da decisão:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS - NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) - DESTINAÇÃO PARCIAL DOS RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS - INADMISSIBILIDADE - VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA TAXA - RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA.
- NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS EXTRAJUDICIAIS.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em consequência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade. Precedentes. Doutrina.
- SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS.
- A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada "em caráter privado, por delegação do poder público" (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa.
- As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas "a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos" (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e Jurisprudência.
- DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS A FINALIDADES INCOMPATÍVEIS COM A SUA NATUREZA TRIBUTÁRIA.
- Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ia a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilegiado (e inaceitável) tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados) importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade. Precedentes (STF, Medida liminar na ADI nº 1.378/ES, Tribunal Pleno, Relator: Ministro Celso de Mello, data do julgamento: 29 nov. 1995, data da publicação: 30 maio 1997).
Registra-se que as ações ficaram com andamento paralisado na Corte Suprema entre os anos de 1999 a 2007. Após, foram solicitados esclarecimentos ao Governo do Estado do Espírito Santo sobre a vigência dos artigos questionados. A Assembleia Legislativa do Espírito Santo, além do Governador do Estado, prestaram informações ao STF, o qual, por unanimidade e nos termos do voto do Ministro Relator José Antônio Dias Toffoli, julgou prejudicadas as duas ADINs em razão da perda superveniente do objeto (revogação das normas questionadas), em decisões publicadas no dia 09 de fevereiro de 2011:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 49 E 50 DA LEI Nº 4.847, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1993, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI ESTADUAL Nº 5.011/95. LIMINAR DEFERIDA PELO PLENO DESTA CORTE. REVOGAÇÃO. PERDA DE OBJETO.
1. A Lei Complementar nº 219, de 26 de dezembro de 2001, em seu art. 11, determinou a revogação das disposições em contrário, especialmente as constantes da Lei nº 4.847/93. Ao reestruturar o Fundo Especial do Poder Judiciário do Espírito Santo (FUNDEPJ), criado pela Lei nº 5.942/99, destinou-lhe as taxas judiciárias, custas judiciais e emolumentos remuneratórios dos serviços judiciários e extrajudiciais oficializados previstos na Lei nº 4.847/93 – Regimento de Custas (art. 3º, II), revogando, portanto, os artigos impugnados na presente ação direta, que repartiam as receitas oriundas do recolhimento de custas e emolumentos remuneratórios dos serviços judiciários e extrajudiciários.
2. A jurisprudência desta Corte é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade por perda superveniente de objeto quando sobrevém a revogação da norma questionada. Precedentes.
3. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada prejudicada em razão da perda superveniente de seu objeto (ADIN 1.298/ES e ADIN 1.378/ES, STF, Tribunal Pleno, Relator: Ministro Dias Toffoli, data do julgamento: 13 out. 2010, data da publicação: 09 fev. 2011).
De fato, os pareceres da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República foram fortes para o convencimento do Ministro Dias Toffoli, argumentando que, ao reestruturar o Fundo Especial do Poder Judiciário do Espírito Santo (FUNEPJ) por meio da Lei nº 5.942/1999, os emolumentos, as taxas e as custas judiciais cobrados e previstos na Lei nº 4.847/1993 foram todos destinados a esse especial fundo – criado pela Lei Complementar estadual de nº 219/2001 (1) –, e não mais para a AMAGES, para a Caixa de Assistência da OAB/ES e para a diretoria do fórum das Comarcas onde ocorrera o fato gerador. A AGU, em sua fundamentação, assim sustentou:
[...] Com efeito, a Lei nº 5.942, publicada no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo em 26 de outubro de 1999, alterou, por meio de seu artigo 4º, alínea “a”, a destinação das taxas, custas e emolumentos referidos pelos artigos impugnados, dispondo que essas exações constituem receitas do Fundo Especial do Tribunal de Justiça – FETJES. Transcreva-se, por oportunidade, o dispositivo revogador:
Art. 4º. São receitas do Fundo Especial do Tribunal de Justiça, sem prejuízo das dotações orçamentárias as provenientes de:
a) taxas, custas e emolumentos previstos na Lei nº 4.847/93.
Contudo, embora tenha ocorrido a mudança no direcionamento das receitas provenientes das custas e emolumentos, já que os dispositivos guerreados antes pelas ADINs haviam sido revogados pela Lei Complementar nº 219/2001 e pela Lei estadual nº 6.670/2001, ainda assim continuavam (e ainda continuam) a pairar certas ilegalidades quanto ao regime das custas no estado do Espírito Santo. É que parte do produto das guias referentes às custas judiciais, normalmente do tipo “prévias” (iniciais) (2) a ser pagas pelo contribuinte/autor da ação logo após o protocolo da petição inicial, está sendo direcionado para certas associações eminentemente privadas, inclusive para pessoas físicas (3). E, caso o contribuinte/autor da ação não realize o pagamento das custas iniciais em 30 dias, a ação será julgada extinta sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto de constituição válido e regular do Processo (artigo 257 c/c artigo 267, inciso IV, ambos do Código de Processo Civil) (4), de acordo com o que dispõe especificamente o art. 257 do CPC: “Será cancelada a distribuição do feito que, em trinta dias, não for preparado no cartório em que deu entrada”.
Ressalta-se que em algumas guias há como visualizar o número do CNPJ ou do CPF da pessoa a quem está sendo direcionado percentual da receita com o pagamento das custas. Essa visualização, no entanto, somente é possível enquanto a guia estiver pendente de pagamento. Após a quitação, torna-se impossível essa verificação devido à situação da guia (compensação bancária).
4. CONCLUSÃO
A partir da argumentação e das considerações acima tecidas, observa-se que a cobrança das custas judiciais prévias (iniciais), para serem quitadas pelo contribuinte (parte autora do processo) no prazo de 30 dias – sob pena de indeferimento da petição inicial –, é irregular, indevida, ilegal e inconstitucional, pois parte do produto arrecadado com esta taxa é destinado a associações privadas e pessoas físicas diversas com finalidade privada, afrontando, assim, o disposto nos artigos 5º, caput, 98, § 2º, e 145, inciso II, todos da Constituição Federal de 1988.
A cobrança de outras espécies de custas, sejam do tipo complementar (custas finais), sejam para “pagamento de despesas” com processamento de Carta Precatória ou o que for, são igualmente inconstitucionais quando comprovada a destinação de parte de seu produto a entidades privadas ou diretamente a pessoas físicas, mesmo que estas façam parte do aparelho judiciário.
O Poder Judiciário ainda insiste na enfadonha prática de destinar percentuais que, embora não fixos, são destinados diretamente a associações de classe e/ou com finalidades privadas, o que é vedado constitucionalmente, sem mencionar a jurisprudência já consolidada pela Corte Suprema.
Sendo inconstitucional o modo como é destinado o produto da arrecadação das custas judiciais, todas as despesas indevidamente pagas pelo contribuinte devem ser ressarcidas, com juros e correção, desde a data do advento da lei estadual, a qual desde o início de sua publicação estava eivada de inconstitucionalidade.
NOTAS:
1. Vale conferir os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 219, que assim dispõem: “Art. 1º. Fica criado, na estrutura administrativa do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo, o novo Fundo Especial – FUNEPJ. Art. 2º. O Fundo Especial tem por objetivo a dotação de recursos financeiros ao processo de modernização e reaparelhamento do Poder Judiciário, por meio de: I – elaboração e execução de programas e projetos; II – construção, ampliação e reforma de prédios próprios do Poder Judiciário e conservação de imóveis, objetos de comodato, bem como despesas de capital e custeio, exceto às pertinentes à folha de pagamento de pessoal do quadro permanente e respectivos encargos; III – ampliação e modernização dos serviços informatizados”.
2. O que não dispensa o fato de existir outros tipos de custas e emolumentos que vinculam certas associações/pessoas ao produto da receita auferida, como as custas remanescentes (também denominadas complementares), calculadas ao final do processo.
3. Este pesquisador alerta que não foram disponibilizados os nomes das associações e das pessoas físicas que vêm auferindo os recursos das custas, como forma de preservar sua própria integridade. Para consultas e maior detalhes, entrar em contato com o pesquisador.
4. Se for outro tipo de custas, o não pagamento, via de regra, implica inscrição em dívida ativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2010.