O CONTROLE JURISDICIONAL COMO GARANTIA DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL
Não são poucas as ocasiões em que se constata o flagrante abuso de poder do Fisco, seja editando atos infralegais prevendo sanções inconstitucionais, seja como aplicador da Lei interpretando-a de forma a fugir da finalidade precípua, sendo apocalíptica a conclusão sobre a deficiência do procedimento administrativo, no qual é inexistente o pressuposto basilar da imparcialidade, pois o órgão administrativo julgador imbuído de poderes decisórios não é, senão o próprio instrumento parte do litígio, assim os recursos administrativos tributários que são decididos pelo próprio organismo de arrecadação. Pelo que, se faz imperioso o controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, sempre que a ordem constitucional for violada.
Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, controle, em tema de administração pública, é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro. A palavra controle é de origem francesa (controle) e, por isso, sempre encontrou resistências entre os cultores do vernáculo. Mas, por seu intraduzível e insubstituível no seu significado vulgar ou técnico, incorporou-se definitivamente em nosso idioma, já constando nos modernos dicionários da Língua Portuguesa nas suas várias acepções. E, no Direito pátrio, o vocábulo controle foi introduzido e consagrado, em 1941, por Seabra Fagundes desde a publicação de sua insuperável monografia “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário.”
Compete privativamente ao Poder Judiciário o controle (judicial) sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário, quando realizam atividades administrativas fora dos limites constitucionais, ponderando que a decisão administrativa não faz coisa julgada.
O julgado abaixo bem demonstra o papel firme e decidido que deve ter o julgador para aplicar o controle jurisdicional aos atos administrativos realizados em inobservância aos preceitos constitucionais, ferindo, assim, o Estado Democrático de Direito, nos dizeres do eminente juiz do Trabalho do TRT da 8ª Região, Carlos Rodrigues Zahlouth Júnior[10] :
“O que ocorre, é que durante anos a fio, a sociedade brasileira acostumou-se com Juízes subservientes ao Poder Executivo, entretanto com a brisa democrática, os mesmos assumiram definitiva e verdadeiramente a nobre e fundamental missão de curadores do direito, infelizmente para alguns, tal posicionamento jurisdicional incomoda, pois estavam na sentados na premissa de que bastava baixar Decretos, Portarias, Resoluções, em clara infrigência ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, que nada lhes acontecia, face a inércia imposta absurdamente a função judicante.”
A respeito do assunto, o Prof. Mauricio Godinho Delgado[11] afirma:"É que o Magistrado consubstancia, no panorama institucional de uma sociedade democrática, o intérprete conclusivo do Direito, o último leitor e concretizador da norma jurídica à situação fática efetivada. Em decorrência, emerge como último instante institucional de retificação e resguardo de direitos lesados na órbita da sociedade e Estado respectivos. Esgotado esse instante, esgota-se a ordem jurídica, com o início, se for o caso, do duvidoso espaço das intervenções não-institucionais e não-democráticas. Esse caráter de derradeiro templo à audiência, reflexão e decisão sobre direitos tidos por lesado, inclusive, eventualmente, pelo próprio Estado, confere à junção judicante a necessária garantia institucional da independência. Principalmente independência perante o Estado, os poderosos de todas as vertentes e os modernos grupos de pressão econômica, política e corporativa. A independência emerge, pois, como condição objetiva imprescindível ao exercício da função judicante, plasmando-se, na pessoa do Magistrado, também como atributo subjetivo à efetivação da judicatura."
O controle jurisdicional dos abusos do Fisco tem ressonância no magistério doutrinário, como se depreende das lições de Hugo de Brito Machado[12]: “Muitos estudiosos do Direito Tributário ainda não se deram conta de que o poder de tributar não pode ser limitado apenas pela lei, posto que muitas vezes o arbítrio estatal se manifesta pela voz do próprio legislador. Essa pressão gigantesca do poder de tributar, que não poucas vezes verga o legislador e o faz produzir normas de tributação contrárias aos princípios fundamentais do Direito Tributário. Temos sustentado que a supremacia constitucional é o único instrumento que o Direito pode oferecer contra o arbítrio, quando deste se manifesta na atividade legislativa, e temos visto com satisfação que essa nossa idéia está na mente de eminentes constitucionalistas e tributaristas, que se preocupam com os mecanismos jurídicos de contenção do arbítrio estatal, e mesmo diante de constituições nas quais, diferentemente da nossa, estão ainda ausentes normas específicas de regramento da atividade tributária.”
Outra não pode ser a conclusão, senão a de que cabe ao Poder Judiciário prestar a tutela jurisdicional do Estado, dentro de uma concepção maior de Justiça, respeitando a harmonia entre os poderes, mas, acima e antes de tudo, primar pela supremacia constitucional, garantidora dos direitos fundamentais do cidadão. O Poder Judiciário, com os atributos inerentes a jurisdição, tais como imparcialidade, legalidade, moralidade, tem condição de distribuir a Justiça, corrigindo o ato administrativo eivado de vício, responsabilizando o agente público faltoso e por fim, moralizando o Poder Público.
CONCLUSÃO
Ao Fisco é conferido um plexo de poderes para a persecução dos objetivos arrecadatórios, visando o aumento das riquezas do Estado e a manutenção da máquina pública, em benefício do interesse comum. Por sua vez, estes poderes embora discricionários encontram sua linha limítrofe na Constituição Federal, já que os atos administrativos fiscais que não atendam aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, por ilegais, desarrazoados, desproporcionais ou sem motivação adequada, configuram abuso de poder, sendo passíveis de correção pelo Poder Judiciário, o qual poderá declará-los nulos.
A Constituição Federal, como garantidora do Estado Democrático de Direito, não pode ser aviltada sob qualquer pretexto. O intervencionismo do Estado na atividade econômica pelo Fisco tem confrontado os mais comezinhos princípios constitucionais, editando sanções políticas desproporcionais e contrárias ao interesse da coletividade, visando coibir o contribuinte a pagar o débito tributário ou visando efetivar metas políticas, em detrimento da livre iniciativa em desconsideração ao fim social da empresa.
Outro caminho não há senão o da conscientização dos contribuintes a exercerem a cidadania e a conscientização dos operadores do direito a lutar pela manutenção do Estado Democrático de Direito, não se deixando seduzir pelo discurso repressor à fraudes perpetrado pelo Fisco como escudo para a inobservância da ordem constitucional.
E a ministra Eliana Calmon, pelo Resp. 493.811/SP, julgado pela 2ª Turma do STJ, em 11.11.2003, deixou assente a nova visão do Poder Judiciário sobre o poder discricionário: “1. Na atualidade, o império da Lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrado.”
Portanto, esse acertado julgado, vincularam-se as novas franquias constitucionais para estabelecer um freio às decisões políticas, que mesmo discricionárias devem preconizar os princípios e normas constitucionais elencados na Magna Carta, que são objetivos. Caso contrário, haverá abuso de poder político do Fisco.
Como a necessidade do efetivo controle do ato administrativo discricionário, não se invade o raio de competência do poder executivo, visto que caberá ao Judiciário manter eficaz a unidade da Constituição.
Desta feita, nos preocupamos em demonstrar a fronteira de atuação do Fisco, para que haja a devida e necessária coibição dos abusos perpetrados em nome de um interesse político, contrário à ConstituiNotas
[1] MACHADO, Hugo de Brito “Sanções Políticas no Direito Tributário, in Revista Dialética de Direito Tributário n 30, p 46/47.
[2] COELHO, Sacha Calmon Navarro, Teoria e prática da multas tributárias. op. cit. p. 41.
[3] Salles Almeida, Juliana, matéria publicada com o título O "neo-protecionismo" e seus instrumentos atuais, no site www.jusnavigandi.com.br
[4] MAQUIAVEL, Nicolau, O Príncipe, traduzido por Nélia Maria vom Tempski-Silka, 1a Ed. Ed. Juruá, 2001.
[5] Apud, A Pena Administrativa de Perdimento nos Crimes de “Lavagem de Dinheiro, localizado no site www.jfpb.gov.br/esmafe/pdf_esmafe/artigo
[6] A fiscalização abstrata de constitucionalidade do direito brasileiro. São Paulo, 1995, RT. p. 36/37.
[7]. MENDES, FERREIRA GILMAR, A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Repertório IOB de Jurisprudência 23/94, p. 475;
[8] BUZAID, Alfredo; Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958.
[9] Sosa, Roosevelt “Comentários à Lei Aduaneira” publicado pelas Edições Aduaneiras;
[10] juiz do Trabalho do TRT da 8ª Região, Carlos Rodrigues Zahlouth Júnior, ( HABEAS CORPUS Nº 94.01.31259-1/PA):
[11] in Democracia e Justiça, Ed. LTr, 1993, p.43/44
[12] MACHADO, Hugo de Brito, “Importância do Direito Constitucional Tributário”, in www.jusnavigandi.com.br.