CONSIDERAÇÕES FINAIS
A consolidação de um modelo de sistema normativo formado por regras e princípios jurídicos representa, inegavelmente, um traço evolutivo do novo constitucionalismo sobre o positivismo jurídico contemporâneo. O reconhecimento da normatividade dos princípios contribui para a estruturação de um conceito de sistema jurídico marcado pela inter-relação axiológica e teleológica de princípios constitucionais e valores fundamentais. Um modelo de ordenamento jurídico que se apresenta aberto, dinâmico e coerente, informado pelo constante processo dialógico entre o Direito e a realidade social, bem como pela imposição aos poderes constituídos, enquanto função precípua, da satisfação e defesa dos princípios e objetivos fundamentais do Estado constitucional de direito.
Os princípios constitucionais desempenham uma função fundamental no ordenamento, conferindo-lhe adequação valorativa, ordenação axiológica e unidade interior. São suas pautas basilares e norteadoras, de onde decorrem os atributos de abertura e dinamicidade do sistema, vias pelas quais a moralidade se espraia a todos os confins do Direito. Os princípios explícitos e implícitos devem ser entendidos como os canais de inter-relação entre o Direito e a moral, as janelas por meio das quais ocorre o efetivo diálogo entre o ordenamento jurídico e a realidade social.
Um sistema jurídico informado por uma adequada teoria dos princípios, certamente, consegue fazer frente aos principais inconvenientes daquele modelo de sistema puro de regras jurídicas. O problema das lacunas de abertura, o afastamento da interpretação teleológica e a mitigada força normativa dos direitos fundamentais, são questões satisfatoriamente resolvidas no seio de um sistema de regras e princípios.
Por outro lado, a superação dos problemas do modelo puro de regras traz consigo outras adversidades próprias do sistema compartilhado, sobretudo a questão das lacunas de indeterminação, já que o fechamento sistemático oferecido pela teoria dos princípios seria apenas aparente. A indeterminação, a insegurança e o decisionismo talvez sejam os principais problemas a serem enfrentados pela teoria dos princípios, uma das bases instrumentais do pós-positivismo jurídico.
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Notas
[1] Para estudos complementares, pode-se consultar: (HESSE, 1991).
[2] Para uma análise do “neoconstitucionalismo” como equivalente ao “pós-positivismo”, pode-se consultar o pensamento de Manuel Atienza. (ATIENZA, Manuel. 2001, p. 672-73). Para uma análise mais aprofundada do “neoconstitucionalismo” em suas mais diversas vertentes teóricas, pode-se consultar: (CARBONEL, 2005).
[3] Para um estudo mais aprofundado acerca do pós-positivismo, pode-se consultar, entre outros: (CALSAMIGLIA, Albert. 1998). No Brasil, o termo “pós-positivismo” é usado com forte semelhança de sentido, entre outros, por Paulo Bonavides. (BONAVIDES, Paulo. 2000, p. 228-66). Para aprofundar o estudo acerca das ideias que marcam o chamado pluralismo jurídico, aqui referido, pode-se consultar: (WOLKMER, 2001).
[4] Para uma análise acerca das bases teóricas do liberalismo clássico, pode-se consultar: (LOCKE, John. 1998).
[5] (ZAGREBELSKI, 1995, p. 150-53) Para um estudo aprofundado sobre a problemática da eficácia dos direitos fundamentais, pode-se consultar: (SARLET, 2004).
[6] Para um estudo mais aprofundado acerca do conceito de sistema jurídico, pode-se consultar: (CRISTÓVAM, 2011, p. 39-63)
[7] Para um estudo acerca da evolução histórica dos princípios jurídicos, pode-se consultar: (CRISTÓVAM, 2011, p. 65-68).
[8] Para estudos complementares acerca da distinção entre regras e princípios jurídicos, pode-se consultar a análise empreendida por Humberto Ávila, quando resta debatido ainda o conceito de postulados normativos enquanto metanormas que se constituem em deveres situados em um segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação dos princípios e das regras. (ÁVILA, 2004, p. 21-86)
[9] Idem, p. 83.
[10] Existem, ainda, vários outros critérios como o que discute a “determinabilidade dos casos de aplicação”, sob o argumento de que os princípios, por serem vagos e indeterminados, necessitam de mediações concretizadoras, ao passo que as regras comportam aplicação direta; o da “diferenciação entre normas criadas e normas crescidas”; o da “explicitação do conteúdo valorativo”; o da “proximidade da ideia de direito”, pelo qual os princípios são “standards” juridicamente vinculantes fundados nas exigências de justiça ou na ideia de direito, ao passo que as regras podem ser normas dotadas de conteúdo meramente funcional; e, para finalizar, o critério da “importância que têm para o ordenamento normativo”. Neste sentido, pode-se consultar: (ALEXY, 2008, p. 83-84); (BONAVIDES, 200, p. 248-50) e (CANOTILHO, 1998, p. 1034-36).
[11] Idem, p. 61.
[12] Conforme sustenta Hart, independentemente do “processo escolhido, precedente ou legislação, para a comunicação de padrões de comportamento, estes, não obstante a facilidade com que actuam sobre a grande massa de casos correntes, revelar-se-ão como indeterminados em certo ponto em que a sua aplicação esteja em questão; possuirão aquilo que foi designado como textura aberta”. (HART, 1996, p. 140-41).
[13] Discutindo acerca das bases de sua teoria, chamada de teoria liberal do Direito, Dworkin delimita claramente o objeto de sua crítica, referindo-se a uma teoria que em geral se considera liberal, designada como teoria jurídica dominante e composta de duas partes independentes: “A primeira é uma teoria acerca do que é o Direito; dito informalmente, trata-se de uma teoria sobre as condições necessárias e suficientes para que uma proposição jurídica seja válida. Esta é a teoria do positivismo jurídico, que sustenta que a verdade das proposições jurídicas consiste em fatos que fazem referência às regras que têm sido adotadas por instituições sociais específicas, e nada mais. A segunda é uma teoria sobre o que deve ser o Direito e sobre como devem ser as instituições jurídicas conhecidas. Tal é a teoria do utilitarismo, que sustenta que o Direito e suas instituições deve servir ao bem-estar geral e nada mais. Ambas as partes da teoria dominante derivam da filosofia de Jeremy Bentham”. (DWORKIN, 1989, p. 31)
[14] Para um estudo mais aprofundado acerca da relação de entrelaçamento e complementaridade entre Direito e moral, pode-se consultar o trabalho de Jurgen Habermas. Em um primeiro momento, o autor procura explicar como o Direito positivo, com a ajuda do Direito natural racional, evoluiu para a diferenciação do complexo tradicional formado pela moral, o Direito e a política. Em seguida, partindo da relação entre o Direito natural racional e a moderna concepção de Estado de direito, Habermas discute, baseado em uma perspectiva interna, a relação de complementaridade entre Direito e moral. (HABERMAS, 1988, p. 21-45)
[15] Idem, p. 129.
[16] O próprio Hart admite textualmente que seu propósito consiste em oferecer uma teoria do que é o Direito do ponto de vista geral e descritivo: geral porque não se refere a nenhum sistema jurídico particular; descritivo porque se propõe moralmente neutra e desprovida de propósitos de justificação. (RAMÓN DE PÁRAMO, 1988, p. 348)
[17] Dworkin usa o termo norma como pauta diferente dos princípios em uma acepção genérica. Entretanto, o termo norma será substituído por regra, uma vez que norma tem sido aqui entendida como gênero dos quais figuram como espécies os princípios e as regras jurídicas. No mesmo sentido: (ALEXY, 1993, p. 83); (PRIETO SANCHÍS, 1992, p. 32)
[18] Idem, p. 75-76.
[19] Idem, p. 35-36.
[20] Idem, p. 42-43.
[21] Expressão empregada por Bonavides, a fim de identificar a tese defendida por Alexy como apta a distinguir as duas espécies de normas jurídicas. (BONAVIDES, 2000, p. 250)
[22] Para um estudo acerca do conflito entre regras e da colisão entre princípios, bem como acerca da máxima da ponderação na teoria de Alexy, pode-se consultar: (CRISTÓVAM, 2011, p. 224-236)
[23] Atienza e Ruiz Manero distinguem os princípios em sentido estrito – normas que expressam os valores superiores de um ordenamento jurídico, das diretrizes ou normas programáticas – normas que estipulam a obrigação de perseguir determinados fins. Apenas as diretrizes comportariam o cumprimento em diferentes graus, nos termos defendidos por Alexy. (ATIENZA; RUIZ MANERO, 1991, p. 105-10)
[24] Idem, p. 109-111.
[25] Segundo defende Prieto Sanchís, o consequencialismo pode ser usado em qualquer processo de justificação jurídica, conjugando-se com outros argumentos ou métodos de interpretação, e não apenas naqueles casos difíceis em que não se encontra a solução por meio de “algum método hercúleo de interpretação dworkiniana”. (Idem, p. 171-72)
[26] Idem, 172-173.