III – O PROCESSO EXECUTIVO ATUAL E AS GARANTIAS DESTINADAS AO CREDOR
A nova dogmática do sistema executivo brasileiro teve como objetivo a prevalência dos direitos constitucionais fundamentais, focados especialmente nos princípios balizadores da Inafastabilidade da Jurisdição e da Duração razoável do processo.
Tais normas fundantes dividem-se em princípios e regras, as primeiras gerais, abstratas, não necessariamente positivadas expressamente, porém, as quais todo ordenamento jurídico, que se construa, com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito em sentido material deve respeito (FIGUEIREDO, 2001, p. 38).
Já nas regras postas, positivadas, não há espaço para conformações, tudo o que está ali disciplinado deve ser seguido, bem como tudo que lhe ultrapassa deve ser considerado como ofensivo, e, portanto, inválido.
Diante disso, é entendimento corrente da doutrina:
“Portanto, a partir do momento em que o texto constitucional pátrio traz esse direito fundamental de forma expressa, esse dispositivo terá, obrigatoriamente, o condão de vincular os legisladores, os administradores públicos e os magistrados de forma direta, tanto na criação de mecanismos e técnicas processuais através do trabalho realizado pelos legisladores ou em face da interpretação das normas ordinárias de acordo com a Constituição por todos os operadores do direito, fazendo com que o tutelado se utilize do Poder Judiciário e tenha sua pretensão satisfeita de forma integral e célere. No entanto, o grande problema enfrentado na esfera processual e no plano concreto está relacionado à crise de adimplemento, oriunda, ora de deficiências do sistema processual que não contêm meios suficientes para coibir determinados desmandos causados pelas partes (na grande maioria pelos réus/executados), ora dos aplicadores do direito (advogados, juízes, promotores, etc...) que não manuseiam de forma adequada os mecanismos contidos no sistema jurídico, principalmente das normas contidas na Constituição Federal, bem como de outros problemas inerentes à própria cultura e educação da população, o que acabou por gerar a famigerada crise da execução.” (SIQUEIRA et. al., 2009, grifo nosso).
Seguindo o festejado professor Marcelo Lima Guerra (2003, p. 102), acompanhado de outros tantos doutrinadores, inclusive os autores do artigo supramencionado, a tutela jurisdicional tem como obrigação proporcionar o resultado concreto que mais se assemelhe ao cumprimento espontâneo que prevêem o referido direito subjetivo.
Entretanto, o grande entrave a satisfação do credor vige na limitação à existência de bens aptos a subrogação, ou seja, transferência de propriedade do devedor para o credor. Neste ponto, apesar das inúmeras tentativas, há de se entender que o ordenamento jurídico brasileiro não sofreu grandes alterações a fim de superar a ineficácia de seus provimentos.
Hodiernamente a síndrome da ineficácia é tão latente que, com vistas a superar o conflito de interesses e garantir a pacificação social, a Constituição Federal deve ser considerada como meio de análise superior a quaisquer outros regramentos, sobretudo com fito no princípio da Hierarquia das normas.
Assim infere Cássio Scarpinella Bueno:
“O processo civil deve ser lido e relido à luz da Constituição Federal. Há uma correlação necessária entre ambos e uma inegável dependência daquela nesta. Tutela jurisdicional não é só dizer o direito, é também realizá-lo. Ao lado de uma ‘jurisdição’ tem que haver uma ‘júris-satisfação’.” (BUENO, 2006-a, grifo nosso).
Dentre as alterações proveitosas ao credor constantes da nova sistemática da Lei nº 11.382/2006, se destaca a alteração da ordem de preferência dos bens do devedor a serem expropriados. Com essa atitude, substituindo-se a hasta pública em primeiro plano pela adjudicação e pela alienação privada, garantiu-se, mesmo que minimamente, maior celeridade e liquidez ao processo executivo, dando certo alento ao credor já tão fragilizado.
Na mesma onda de efetividade acompanharam importantes medidas, tal qual a Penhora On Line (Art. 655-A, CPC), a Penhora no faturamento de empresas, antes considerada como usufruto de bens imóveis, etc...
Quanto à área processual, a substituição dos meios de defesa diversos pela Impugnação ao Cumprimento de Sentença como forma usual de discussão do mérito da causa teve como intenção dar a celeridade e a efetividade ainda faltante ao procedimento executivo.
Nesse intuito existem alguns entendimentos jurisprudenciais que se integram a tal posicionamento, cabendo exemplificar:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. NOMEAÇÃO DE NOTAS DO TESOURO NACIONAL. BAIXA LIQUIDEZ. RECUSA DO EXEQUENTE. POSSIBILIDADE. MOLDURA FÁTICA A APONTAR QUE O EXECUTADO DISPÕE DE NUMERÁRIO SUFICIENTE. INCONVENIÊNCIA DA MEDIDA, POR ACARRETAR, SEM RAZOABILIDADE, MAIOR DISPÊNDIO DE TEMPO E DE ATOS PROCESSUAIS.
1. Conforme remansosa jurisprudência desta Corte, é legítima a recusa à penhora de título de baixa liquidez, de difícil alienação.
2. Em execução por quantia certa de valor que não se mostra exorbitante para a instituição financeira, é de rigor que a penhora, em observância à gradação legal, recaia sobre dinheiro, respeitadas apenas as reservas bancárias mantidas pelo Banco Central.
3. A moldura fática apurada pela Corte local aponta que a executada dispõe de numerário suficiente à garantia do Juízo, por isso a penhora das "Notas do Tesouro Nacional" mostra-se inconveniente, visto que acarretará maior dispêndio de tempo e de atos processuais para o Judiciário, afrontando, por não haver razoabilidade na adoção da medida, os princípios da efetividade, economia e celeridade processual.
4. Recurso especial não provido. (REsp 918677 / RS RECURSO ESPECIAL2007/0008902-3, STJ, T4 - QUARTA TURMA, REL. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO, JULG. EM 01/09/2011).
EMENTA: EXECUÇÃO. PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE BENS IMÓVEIS PENHORADOS POR TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE.
1. EM RELAÇÃO À FASE DE EXECUÇÃO, SE É CERTO QUE A EXPROPRIAÇÃO DE BENS DEVE OBEDECER A FORMA MENOS GRAVOSA AO DEVEDOR, TAMBÉM É CORRETO AFIRMAR QUE A ATUAÇÃO JUDICIAL EXISTE PARA SATISFAÇÃO DA OBRIGAÇÃO INADIMPLIDA. NECESSÁRIO A “PONDERAÇÃO DE VALORES E PRINCÍPIOS” DAS REGRAS PROCESSUAIS, PARA ENSEJAR SUA EFICÁCIA E EFETIVIDADE.
2. NO CASO VERTENTE, A PRETENSÃO DO DEVEDOR NÃO PODE PREVALECER. SÓ É ADMITIDA A SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA SE FOR POR “DINHEIRO”, NA FORMA DO ART. 668 DO CPC. AQUI, O DEVEDOR OFERECEU TÍTULOS DA DÍVIDA PÚBLICA NÃO ACEITOS PELO CREDOR.
3. A IMPUGNAÇÃO À GRADAÇÃO DA PENHORA, ESTANDO O FEITO NA FASE DE AVALIAÇÃO E PRAÇA, ALÉM DE EXTEMPORÂNEA, REVELA-SE INCORRETA, POIS A ORDEM LEGAL ESTABELECIDA PARA A NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA, CONFORME PRECEDENTES DA CORTE, NÃO TEM CARÁTER ABSOLUTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 251157 / DF RECURSO ESPECIAL 2000/0024172-5, STJ, T4 - QUARTA TURMA, REL. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO, JULG. EM 07/08/2008).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. BORDERÔS DE DESCONTO DE DUPLICATAS. EFICÁCIA EXECUTIVA RECONHECIDA EM RELAÇÃO A UM DOS TÍTULOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL NO TOCANTE AO MESMO. RECURSO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM ANÁLISE DE MÉRITO ABRANGENDO OS DEMAIS TÍTULOS CAMBIÁRIOS ALCANÇADOS SUPERVENIENTEMENTE PELA PERDA DA EFICÁCIA EXECUTÓRIA. PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE E ECONOMIA PROCESSUAL. APLICAÇÃO. CABIMENTO. CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 585, § 3º, DO CPC. JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO POSITIVA E LÍQUIDA. ART. 397, CAPUT, DA LEI SUBSTANTIVA CIVIL. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E NESTA PROVIDO. (AC 2007.000501-8, TJ/SC, Primeira Câmara de Direito Comercial, REL. Rodrigo Antônio, JULG. EM 08/10/2010).
Contudo, o ainda exagerado número de recursos e incidentes processuais, dentre os quais a “Exceção de Pré-Executividade”, fizeram cair por terra, em parte, a pretensão inicial, constituindo a fase executiva em processo tão extenso ou até maior que a fase cognitiva/preparatória.
É o entendimento do ilustre escritor Ricardo Gama, quando salienta: “justiça tardia não é outra coisa senão a maior das injustiças.” (GAMA, 2002, p. 21).
Atrelado a isto, a visão estritamente patrimonialista foca a obrigação no patrimônio do devedor, sem, contudo, forçar o pagamento espontâneo. Nesse diapasão, imperioso o comentário do professor Olavo de Oliveira Neto:
“Sendo a nossa execução eminentemente patrimonial, sem a possibilidade de execução pessoal, que foi abandonada a partir da segunda fase da execução romana, não é possível que a atividade executiva venha a atingir a pessoa do devedor. Entretanto, como acontece no caso das obrigações de fazer e não fazer (Art. 461) e das obrigações de dar coisa certa e incerta (Art. 461-A), seria possível conceber outras medidas de execução indireta com a finalidade de obter a satisfação da obrigação. Estabelecer algumas formas de restrição na esfera dos direitos do devedor, como a suspensão de licença para dirigir veículos automotores, em nosso entender, tornaria bem mais eficaz a atividade executiva.” (OLIVEIRA NETO, 2004, p. 196-197).
Tendo em vista tudo o que foi contemplado até o presente momento, notório que, apesar do avanço firmado pelas novas regras das Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006, aquelas ainda não corresponderam ao ensejo dos operadores do direito e dos jurisdicionados, especialmente, dentre estes últimos, os titulares do direito subjetivo a ser contemplado, quanto à crise de ineficácia que assola o processo executivo brasileiro, como entende parcela da doutrina, que se vê:
"É inquestionável a importância do resultado do processo para se chegar ao conceito de efetividade, mas ele não é suficiente para fornecer o conceito e elastério desta última. Há que examinar a efetividade a partir do princípio do devido processo legal, do modelo constitucional de processo, de modo que só se poderá considerar efetivo o processo em que forem observadas as garantias constitucionais." (LOPES, 2004).
Hodiernamente, a PL nº 166/2010 (Projeto do Novo Código de processo Civil) surge como suporte ao anseio dos litigantes, especialmente os credores, no intuito de possibilitar maior fluidez, com eficácia, aos procedimentos executivos que não atingem solução satisfatória.
Em realidade, o sistema executivo brasileiro não há de ser modificado radicalmente com o advento do Novo Código de Processo Civil, conforme atualmente está concebido (PL nº 166/2010). A Comissão encarregada, tão somente visando solucionar as controvérsias não dirimidas pelas Leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006, apontou algumas modificações, as quais, para superficial análise, se seguem:
Primeiramente, criou-se capítulo próprio para as ações de Cumprimento de Obrigação de Fazer e Não fazer (Arts. 502 e 503, CPC), deixando aquelas de constar no Capítulo II do Digesto para formar o capítulo III, unicamente acerca daquele assunto (THEODORO JÚNIOR, 2010).
Além disso, para as sentenças que impuserem qualquer tipo de cumprimento de obrigação será exigida a intimação pessoal do devedor. Importante asseverar que tal intimação pessoal não tem o condão de retardar o processo, haja vista ser mediante carta, com presunção absoluta de recebimento pelo devedor, assemelhando-se a citação por hora certa (STJ, 3ª T., REsp 746.524/SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, AC 03/03/2009, DJe 16/03/2009).
Com tais alterações, o procedimento executivo iniciará com a intimação pessoal do devedor, correndo independentemente de provocação do credor. No entanto, acaso interessado na cessação ou suspensão do feito, cabe ao Credor expor sua pretensão (Art. 701 do projeto, atual 569 do CPC).
Segundo esclarecedor comentário do emérito Professor Humberto Theodoro Júnior:
“A diferença de orientação entre o Código vigente e o projeto registra-se no seguinte ponto: No sistema atual, o cumprimento forçado da sentença, principalmente nas condenações por quantia certa, depende de requerimento do credor (CPC, art. 475-J). Já no Projeto, essa providência independerá de provocação de sua parte, muito embora lhe seja facultado opor-se a ela, segundo sua conveniência particular. Na execução de condenação a cumprir prestação de quantia certa, porém, a necessidade, senão de requerimento, pelo menos de cooperação do credor. A ele o art. 495 do projeto atribui o encargo de organizar e apresentar ‘demonstrativo de cálculo discriminado e atualizado do débito’, do qual o devedor será intimado para pagamento em quinze dias, ‘sob pena de multa de dez por cento’.” (THEODORO JÚNIOR, 2010).
Estabeleceram-se ainda 02 novos casos para a dispensa de caução ao Exeqüente (Art. 491, § 2º), quais sejam a “situação de necessidade do credor” (Inciso II) e a sentença formulada sob “súmula vinculante ou julgamento de casos repetitivos” (Inciso IV).
Já com relação às espécies de títulos executivos, o artigo 492 do projeto não ampliou as hipóteses citadas no atual artigo 475-N do CPC, mas desdobrou as já existentes, com o fito de facilitar a compreensão da comunidade (THEODORO JÚNIOR, 2010).
Novidade interessantíssima aos advogados é a imposição de honorários sucumbenciais de 10% (dez por cento) caso o pagamento espontâneo não seja feito no prazo, podendo ainda ser aumentado, segundo disposição do § 5º do supramencionado artigo 495 do Projeto.
Por último, o PL nº 166/2010 entende as Astreintes como forma mais eficaz de coerção contra os inadimplentes. Tal é vista de forma diferenciada apenas quando diz respeito à multa na Execução Provisória, que só poderá ser levantada após o trânsito em julgado ou durante trâmite de Agravo contra decisão denegatória de seguimento de RExt ou de REsp (Art. 503, § 1º); ou em casos que o descumprimento da medida possa repercutir na saúde, vida ou liberdade do credor, o que exigirá cumprimento imediato da obrigação, sob pena de desobediência (Art. 503, § 8º).
Como pode se observar do que foi explanado, o projeto do Novo CPC, sobretudo no que diz respeito ao processo de Execução, apesar do dinamismo de suas boas idéias, infelizmente não alterará sobremaneira a atual situação brasileira, haja vista não impõe ao devedor a percepção de que o cumprimento espontâneo é a melhor forma de solução dos conflitos, mantendo a sensação de ineficácia e de insegurança jurídica hoje corrente ao nosso direito.
Diante disso, forçoso se pensar em novas experiências, notadamente encontradas nos demais ramos do direito, a exemplo do Trabalhista, como forma de reerguer modelo defasado e gerador de desconfianças.