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Breve discussão sobre terrorismo internacional e direitos humanos

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7. O TERRORISMO ANTE O DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO

7.1 Atos de terrorismo e de guerra

Distinguir os grupos terroristas de outros que estão no âmbito do Direito internacional é relevante, o que se constata pelo fato de existirem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), visto que o Presidente Hugo Chaves, da Venezuela, pediu à União Eutopeia e aos Estados Unidos da América para que se reconheça as FARC como força política armada com um projeto político e com presença territorial (uma comunidade beligerante), retirando-as do rol dos grupos terroristas.[33]

É interessante notar, como já mencionado anteriormente neste texto, há uma tendência na América Latina, conforme exemplos do Brasil, em considerar terroristas como defensores de liberdades. Este repetido erro conceitual se resolve rapidamente ao o analisar sob o prisma de que as organizações internacionais entendem como atuar terrorista.[34]

A falta de uma tipificação única do terrorismo internacional acaba por dificultar a definição de quais grupos são terroristas, uma vez que ela não é feita pela natureza dos atos, mas por uma tortuosa classificação de índole política se determinado grupo é ou não terrorista.

Grupos de liberação nacional são diferentes dos grupos terroristas na forma que se desenvolvem as suas atividades e nos fins que perseguem. Um grupo de liberação nacional terá estratégia militar localizada em um contexto bélico preciso, em que se busca desgastar, fazer retroceder e derrotar um oponente militar. Ao contrário, a atuação terrorista utiliza meios ilegais, atinge prioritariamente civis para semear o pânico na população indefesa e visando a obter um crédito (político, econômico, religioso etc.). Isto é essencial, o terrorista não distingue combatentes/militares de civis desarmados,[35] sendo oportuna mais uma transcrição de trecho do livro que propicia a elaboração deste texto:

Sin lugar a duda, lo que se encuentra absolutamente prohibido y constituye un acto de terrorismo internacional es el ataque deliberado a la problación civil o a objetivos civiles, sea cual fuere el método empleado y el fin perseguido.[36]

É tarefa do Direito internacional distinguir a violência que se considera legítima, em situação de guerra, e aquela que configura terrorismo. Caso se classifique o delito como crime de guerra, estará sujeito à jurisdição da Corte Internacional Criminal, instituida pelo Estatuto de Roma (ratificado e em vigor no Brasil desde a edição do Decreto n. 4.388, de 25.9.2002[37]). Este dispõe:

Artigo 8º – Crimes de Guerra

1. O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes.

2. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crimes de guerra":

a) As violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente: I) Homicídio doloso; II) Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas; III) O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; IV) Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; V) O ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga; VI) Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial; VII) Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade; VIII) Tomada de reféns;

b) Outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional, a saber, qualquer um dos seguintes atos: I) Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades; II) Dirigir intencionalmente ataques a bens civis, ou seja bens que não sejam objetivos militares; III) Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida aos civis ou aos bens civis pelo direito internacional aplicável aos conflitos armados; IV) Lançar intencionalmente um ataque, sabendo que o mesmo causará perdas acidentais de vidas humanas ou ferimentos na população civil, danos em bens de caráter civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa; V) Atacar ou bombardear, por qualquer meio, cidades, vilarejos, habitações ou edifícios que não estejam defendidos e que não sejam objetivos militares; VI) Matar ou ferir um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo mais meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido; VII) Utilizar indevidamente uma bandeira de trégua, a bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, causando deste modo a morte ou ferimentos graves; VIII) A transferência, direta ou indireta, por uma potência ocupante de parte da sua população civil para o território que ocupa ou a deportação ou transferência da totalidade ou de parte da população do território ocupado, dentro ou para fora desse território; IX) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares; X) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de uma parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar, nem sejam efetuadas no interesse dessas pessoas, e que causem a morte ou coloquem seriamente em perigo a sua saúde; XI) Matar ou ferir à traição pessoas pertencentes à nação ou ao exército inimigo; XII) Declarar que não será dado quartel; XIII) Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que tais destruições ou apreensões sejam imperativamente determinadas pelas necessidades da guerra; XIV) Declarar abolidos, suspensos ou não admissíveis em tribunal os direitos e ações dos nacionais da parte inimiga; XV) Obrigar os nacionais da parte inimiga a participar em operações bélicas dirigidas contra o seu próprio país, ainda que eles tenham estado ao serviço daquela parte beligerante antes do início da guerra; XVI) Saquear uma cidade ou uma localidade, mesmo quando tomada de assalto; XVII) Utilizar veneno ou armas envenenadas; XVIII) Utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou outros gases ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo; XIX) Utilizar balas que se expandem ou achatam facilmente no interior do corpo humano, tais como balas de revestimento duro que não cobre totalmente o interior ou possui incisões; XX) Utilizar armas, projéteis; materiais e métodos de combate que, pela sua própria natureza, causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que surtam efeitos indiscriminados, em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados, na medida em que tais armas, projéteis, materiais e métodos de combate sejam objeto de uma proibição geral e estejam incluídos em um anexo ao presente Estatuto, em virtude de uma alteração aprovada em conformidade com o disposto nos artigos 121 e 123; XXI) Ultrajar a dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes; XXII) Cometer atos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f) do parágrafo 2º do artigo 7º, esterilização à força e qualquer outra forma de violência sexual que constitua também um desrespeito grave às Convenções de Genebra; XXIII) Utilizar a presença de civis ou de outras pessoas protegidas para evitar que determinados pontos, zonas ou forças militares sejam alvo de operações militares; XXIV) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, assim como o pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional; XXV) Provocar deliberadamente a inanição da população civil como método de guerra, privando-a dos bens indispensáveis à sua sobrevivência, impedindo, inclusive, o envio de socorros, tal como previsto nas Convenções de Genebra; XXVI) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades;

c) Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo: I) Atos de violência contra a vida e contra a pessoa, em particular o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura; II) Ultrajes à dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes; III) A tomada de reféns; IV) As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis.

d) A alínea c) do parágrafo 2º do presente artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante;

e) As outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, no quadro do direito internacional, a saber qualquer um dos seguintes atos: I) Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades; II) Dirigir intencionalmente ataques a edifícios, material, unidades e veículos sanitários, bem como ao pessoal que esteja usando os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, em conformidade com o direito internacional; III) Dirigir intencionalmente ataques ao pessoal, instalações, material, unidades ou veículos que participem numa missão de manutenção da paz ou de assistência humanitária, de acordo com a Carta das Nações Unidas, sempre que estes tenham direito à proteção conferida pelo direito internacional dos conflitos armados aos civis e aos bens civis; IV) Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares; V) Saquear um aglomerado populacional ou um local, mesmo quando tomado de assalto; VI) Cometer atos de agressão sexual, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez à força, tal como definida na alínea f do parágrafo 2º do artigo 7º; esterilização à força ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua uma violação grave do artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra; VII) Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades; VIII) Ordenar a deslocação da população civil por razões relacionadas com o conflito, salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas; IX) Matar ou ferir à traição um combatente de uma parte beligerante; X) Declarar que não será dado quartel; XI) Submeter pessoas que se encontrem sob o domínio de outra parte beligerante a mutilações físicas ou a qualquer tipo de experiências médicas ou científicas que não sejam motivadas por um tratamento médico, dentário ou hospitalar nem sejam efetuadas no interesse dessa pessoa, e que causem a morte ou ponham seriamente a sua saúde em perigo; XII) Destruir ou apreender bens do inimigo, a menos que as necessidades da guerra assim o exijam;

f) A alínea e) do parágrafo 2º do presente artigo aplicar-se-á aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplicará a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante; aplicar-se-á, ainda, a conflitos armados que tenham lugar no território de um Estado, quando exista um conflito armado prolongado entre as autoridades governamentais e grupos armados organizados ou entre estes grupos.

3. O disposto nas alíneas c) e e) do parágrafo 2º, em nada afetará a responsabilidade que incumbe a todo o Governo de manter e de restabelecer a ordem pública no Estado, e de defender a unidade e a integridade territorial do Estado por qualquer meio legítimo.

Da própria literalidade do art. 8º transcrito fica evidente que os atos de terrorismo não podem ser classificados como crimes de guerra. Seria bom que o Estatuto de Roma tivesse tipificado o terrorismo, mas não o fez. De qualquer modo, a prática de ato terrorista no ambiente de guerra, aplicar-se-á o Direito internacional humanitário, mas o ato terrorista perpetrado fora de um conflito bélico estará sujeito às normas internacionais e nacionais antiterroristas específicas.[38]

Os denominados “combatentes pela liberdade”, à semelhança dos exércitos regulares dos Estados, estão amparados e também obrigados pelas normas do Direito internacional humanitário, as quais proibem, sem exceção, a prática de atos de terrorismo em conflitos armados internacionais ou nacionais, pois tal Direito “nunca autoriza o uso irrestrito de qualquer forma de violência contra a parte adversária em um conflito”.[39]

O art. 8º do Estatuto de Roma, transcrito neste texto, faz referência às quatro Convenções de Genebra de 12.8.1949, razão de não nos ocuparmos de apresentá-las aqui, uma vez que o assunto está regulado pelo novo tratado. Destarte, os atos de terrorismo, mesmo em ambiente de guerra, são considerados crimes.

7.2 Crimes contra a humanidade

Atos de terrorismo não se confundem com crimes contra a humanidade, embora possam produzir os resultados previsto no Estatuto de Roma. Este dispõe:

Art. 7º Crimes contra a Humanidade

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por "crime contra a humanidade", qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

2. Para efeitos do parágrafo 1º: a) Por "ataque contra uma população civil" entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1º contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política; b) O "extermínio" compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população; c) Por "escravidão" entende-se o exercício, relativamente a uma pessoa, de um poder ou de um conjunto de poderes que traduzam um direito de propriedade sobre uma pessoa, incluindo o exercício desse poder no âmbito do tráfico de pessoas, em particular mulheres e crianças; d) Por "deportação ou transferência à força de uma população" entende-se o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional; e) Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas; f) Por "gravidez à força" entende-se a privação ilegal de liberdade de uma mulher que foi engravidada à força, com o propósito de alterar a composição étnica de uma população ou de cometer outras violações graves do direito internacional. Esta definição não pode, de modo algum, ser interpretada como afetando as disposições de direito interno relativas à gravidez; g) Por "perseguição'' entende-se a privação intencional e grave de direitos fundamentais em violação do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa; h) Por "crime de apartheid" entende-se qualquer ato desumano análogo aos referidos no parágrafo 1°, praticado no contexto de um regime institucionalizado de opressão e domínio sistemático de um grupo racial sobre um ou outros grupos nacionais e com a intenção de manter esse regime; i) Por "desaparecimento forçado de pessoas" entende-se a detenção, a prisão ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou uma organização política ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo.

3. Para efeitos do presente Estatuto, entende-se que o termo "gênero" abrange os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não lhe devendo ser atribuído qualquer outro significado.

Observe-se que o § 2º do art. 7º do Estatuto de Roma faz interpretação autêntica dos dispositivos do § 1º do mesmo artigo. Porém, ao meu sentir, uma interpretação razoavelmente forçada permitiria à CIC verificar crime contra a humanidade consumado quando o dano evidente fosse unicamente material, desde que ficasse caracterizado dano grave à saude psíquica. Ocorre que, as vontades manifestadas pelas delegações que participaram da estruturação do Estatuto de Roma foram realizadas no sentido de levar à interpretação declarativa e autêntica da lei.[40]

É interessante notar que os crimes contra a humanidade são limitados de três formas:

Primeiro, crimes contra a humanidade não serão considerados como de competência para o Tribunal Penal Internacional a menos que seja cometido como “partes de um amplo ou sistemático ataque”. E outras palavras, um caso de homicídio, para exemplificar, não será qualificado como sendo crime contra a humanidade a menos que perpetrado em contexto de ataque “amplo”, isto é, envolvendo um certo número de pessoas ou acontecido sobre um amplo território. Alternativamente, crimes contra humanidade poderão ser caracterizados se integrar um ataque “sistemático”, isto é, envolvendo planejamento e organização.

Em segundo lugar, o ataque não será considerado como crime contra a humanidade a menos que, em adição, o ato seja praticado contra população civil. O art.7 determina que: “ataque contra população civil” significa conduta envolvimento o múltiplo cometimento de atos contra qualquer população civil, de conformidade com a política de um Estado ou de uma organização em cometer esses atos para promover política.

A frase derradeira indica que atores não-governamentais estão expostos á responsabilidade individual sempre que os atos tenham sido cometidos associados ou a uma política estatal ou organizacional (estatal ou não). Esta fórmula tem o considerável mérito de manter de fora todas as situações caracterizadas por um sério nível de violência organizada que envolva esporádicos ou espontâneos distúrbios. Ao mesmo tempo, como discutido acima, a ausência de qualquer referência a conflito armados afasta a Corte de envolver-se em altas e potencialmente conflituosas-indagações.

Em terceiro lugar, os atos devem ser cometidos com “conhecimento do ataque”. Disto emergem dois pontos subsidiários: qual nível de conhecimento do ataque deve o perpetrador ter ido antes de realizá-lo? E, como matéria de prova, deve o Ministério Público provar atual conhecimento do alegado ofensor de que o ataque aconteceu, estava acontecendo ou estava planejado para acontecer ou algo a menos?

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Seja como for, a determinação dos motivos e do conhecimento do ataque é matéria que cabe ao Ministério Público provar. Se casos de homicídio ordinários não são processados pelo Tribunal Penal Internacional, então o acusado terá um grande incentivo, dependendo dos fatos, para alegar que o crime foi cometido por razões pessoais e não em conformidade com a política de um Estado ou de uma organização em cometer esses atos para promover política.[41]

De qualquer modo, os crimes contra a humanidade não correspondem ao combate ao terrorismo. Este deve ser regulado por normas específicas, afastando-se da jurisdição da Corte Internacional Criminal. Porém, conforme dispõe o art. 1º do Estatuto de Roma, sua natureza complementar das jurisdições nacionais, permite que atos de terrorismo sejam levados subsidiariamente à CIC.

Ante a posição doutrinária exposta, na maioria dos casos de atos de terrorismo, haveria dificuldade para classificar como terrorista porque, em regra, os ataques não são conhecidos previamente, sendo que muitos sequer são assumidos por qualquer organização ou grupo que se caracteriza por lutar por alguma “causa”.

O terrorismo afeta a democracia, empobrecendo a sociedade complexa em todo seu conjunto, constituindo uma das principais ameaças às democracias contemporâneas, sendo oportuna a seguinte afirmação:

Todo ello con el seguiente agravante: el actor que se expresa mediante la perpetración de actos terroristas carece de cualquier tipo de legitimidad democrática para hacerlo, y por tanto, actúa en forma totalitaria, heterónoma y no autonómicamente, imponiendo “su” modelo, “su” discurso a los demás, por medio del pánico que genera la violencia.[42]

O exposto não corresponde a dizer que o terrorista deve merecer morte civil, ou afirmar, como Rosseau, que ele não mais pertence ao Estado.[43] Citando Kant, Jakobs informa que todo direito está vinculado a uma autorização para emprego da força e a coação mais intensa é a criminal.[44] Porém, isso não pode corresponder a entender como lícitos os abusos estatais. Por isso, não se pode admitir ações desproporcionais em relação às ameaças à segurança que se pretende supostamente combater.[45]

Por oportuno, é conveniente lembrar que a violência estatal é a maior que se pode constatar. Nesse sentido, Luigi Ferrajoli sustenta que a criminalidade do Estado, interna ou externa, é a campeã, in verbis:

A vida e a segurança dos cidadãos são hoje, mais do que nunca, colocadas em perigo não apenas pela violência e pelos poderes selvagens dos particulares e, em nenhum caso por simples desvios ou ilegalidades de singulares poderes públicos, mas também, e em medida bem mais vistosa e dramática, dos Estados mesmos enquanto tais: guerra, armamentos, perigos de conflitos militares e, internamente, torturas, massacres, desaparecimentos de pessoas representam já ameaças incomparavelmente mais graves à vida humana. Se é verdade, como se diz, que a história das penas é mais infamante para a humanidade que a história dos delitos, uma e outra juntas não se igualam, por ferocidade e dimensões, à deliquencia dos Estados.[46]

Observe-se, no entanto, que o cerne do presente texto é o terrorismo internacional, não se podendo pretender tornar central a análise de situações de ditaduras, com profundas violações aos direitos humanos, concretizadas até recentemente. Aqui, pretendemos advogar por uma legislação internacional razoável para tutela de direitos humanos fundamentais, mormente de civis indefesos.

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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Breve discussão sobre terrorismo internacional e direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3370, 22 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22661. Acesso em: 19 abr. 2024.

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