4. Conclusão
A história da prisão é a história da violência e da barbárie.
Mais que isso, a prisão é um golpe que é desferido contra a civilização, que, bestializada, assistiu ao incremento da pena desde tempos remotos.
Antes, permitíamos a morte (até hoje permitimos) e as penas corporais. Permitíamos o degredo, as galés, o calabouço.
Com os anos a pena “sofisticou-se”. Surgiu a idéia da penitenciária.
E o Estado jamais deixou de tipificar crimes e cominar penas. Desde a opinião pública até aos argumentos políticos eleitoreiros partidários, a criminalização de condutas sempre foi utilizada como panaceia para os males sociais e para seus excluídos.
Etiquetaram-se cidadãos. Puseram-lhes a pecha. Para o criminoso, a cadeia!
Com esse verdadeiro discurso punitivo, nada mais natural do que o inchaço das prisões. As vagas são escassas; as condições, desumanas.
Os instrumentos de ressocialização – um dos pilares dos defensores até daqueles que defendem a pena de prisão – não são eficazes. Não há dinheiro, e o que é pior, não há vontade política no sentido de se melhorar as condições prisionais.
Presídio não dá voto. Nunca deu. Ao contrário, pode tirar.
As vozes das ruas formam coro em face do delinquente.
O novel instituto das Parcerias Público-Privadas é uma tentativa de melhoria concreta do sistema penitenciário, com a colocação da pessoa, do homem, do cidadão no centro do debate. A visão que está a se defender é antropocêntrica, não financeira.
As Parcerias entre os entes público e privado na gestão prisional, atende ao imperativo dos direitos fundamentais, da dignidade da pessoa humana em qualquer circunstância em que se encontre.
Não se está aqui a defender a gestão híbrida prisional como a única solução para as agruras do sujeito encarcerado, nem do sistema prisional, que precisa, e muito, de transformações estruturais.
Mas sem dúvida, os argumentos favoráveis à existência das Parcerias se revestem de notável relevo científico e humanista.
De fato, hoje nós temos verdadeiros depósitos humanos, universidade de crime, desrespeito completo aos direitos humanos e barril de pólvora todo dia próximo a explodir.
Penso que a possibilidade do sistema de Parceria Público-Privada na gestão prisional deva ser enfrentada não do ponto de vista ideológico, carregado de cores subjetivas, ou se o sujeito é contrário ou favorável. A questão tem que ser enfrentada como uma necessidade quase que insuperável. Ou se acolhe a gestão híbrida ou se aumenta o número de presídios públicos, com a imensa desvantagem de – nesse caso, aumentar o problema carcerário e social do país. Ou melhoramos as condições de vida e readaptamos o preso à vida social sem a necessidade de um investimento maior do estado ou vamos continuar a assistir lamentável agressão contra os internos, que, via de consequência, é também agressão ao próprio estado de direito.
O que se deve perquirir, prima facie, é a situação do indivíduo preso, sua condição de amontoado em um sistema falido e ao mesmo tempo condenado a piorar.
A criação das parcerias, nos moldes das que estão a surgir no Brasil, entre o setor público e os investidores privados com expertise necessária somam forças para melhorar de forma efetiva o sistema prisional. Ainda que se tenha que discutir determinadas questões sobre a viabilidade do incremento em larga escala de Parcerias no campo penitenciário, sua implementação é um fato de imperiosa necessidade.
Há que se ter em mente, inclusive, a possibilidade da participação do empresário internacional nas licitações em matéria prisional, em conjunto com empresas brasileiras.
Concordamos com o projeto de Minas Gerais, em que se remunera o parceiro privado em R$ 70,00 (setenta) reais por dia, ainda que se diga que tal valor é superior ao que é gasto na tradicional gestão exclusivamente pública.
Ocorre que mesmo nesse ponto, (o mais importante é, repita-se, o direito do preso) as Parcerias podem e devem ser vantajosas, porquanto o parceiro privado será remunerado de acordo com índices de gestão, e não com a máquina burocrática do estado.
Esse é o valor máximo, o teto da remuneração diária. Como informado ao longo deste artigo, a remuneração estará vinculada ao número de rebeliões, de óbitos, de fugas, ao nível educacional dos internos, ao labor prisional, à qualidade dos serviços de saúde prestados e à qualidade da assistência jurídica prestadas ao cidadão preso, com indicadores de gestão.
A já citada abordagem feita pelo advogado Luis Flavio Borges D’Urso também é de merecer acolhida, uma vez que o cerne da questão leva em conta a pessoa humana, que se vê ofendida em sua dignidade.
A caótica situação prisional do país tem ensejado situações inusitadas, porém justas. Em uma delas, o juiz da Vara de Execuções Penais de Bacabal, estado do Maranhão, determinou, no dia 08/04/09, o recolhimento domiciliar de cinco presos. O motivo foi a superlotação do presídio local. Numa cela de 16 metros quadrados, que, por força legal só pode receber três presos, encontravam-se dezesseis presos. Das 150 cadeias do Estado, 60 estão interditadas. “Aqui em Bacabal, no Estado e no país, o que nós temos são masmorras. E é uma situação intolerável. Precisa ser modificada”, disse o juiz ao fundamentar a saída dos presos.[26] [grifo nosso]
Tal decisão encontra arrimo no ordenamento jurídico, estando de acordo com a Constituição Federal de 1988 e os primados dos direitos humanos. A lacuna aberta pelo Poder Judiciário faz com que o magistrado humanista e neoconstitucional tenha tomado a corajosa decisão.
Diante desta assombrosa realidade, da escassez de recursos públicos disponíveis e de know-how adequado, é que surgem unidades prisionais inseridas no modelo de Parcerias Público-Privadas.
Assim, torna-se mais provável que o indivíduo retorne ao convívio social logrando atingir direitos inerentes à sua cidadania.
O Estado não se ausentará de suas responsabilidades: a ele caberá papel de significância indelegável. O que se terá é a participação mais ativa de segmentos empresariais em uma atividade que ainda engatinha, mas que pode ser determinante para a concretização dos direitos fundamentais inerentes à condição humana.
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Notas
[1] SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 118.
[2] MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica: as origens do sistema penitenciário, (séculos XVI – XIX). Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. p. 191.
[3] ASSIS, Rafael Damasceno de. Privatização de prisões e adoção de um modelo de gestão privatizada. Disponível em: <www.jusvigilantibus.com.br > Acesso em: 18 jun. 2012.
[4] RÍMULO, Alexandre. A pena restritiva de liberdade à luz dos sistemas penitenciários. Disponível em: <www.direito.net.com.br> Acesso em: 18 jun. 2012.
[5] SANTOS, Antônio Carlos dos. As Parcerias Públicas Privadas e o Sistema Prisional Brasileiro. In: Âmbito de Aplicação das Parcerias Públicas - Privadas no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 124.
[6] “a qualidade dos serviços a serem prestados pelo Consórcio GPA será garantida por mecanismos como o sistema de indicadores de desempenho que define metas e níveis de serviços rigorosos, acima do que é praticado por qualquer estado do Brasil, consolidando Minas Gerais como referência nacional da gestão-prisional.” extraído do sítio da Secretaria de Defesa de Minas Gerais.
[7]Superlotação de presídios. Disponível em: 22 mai. 2012. <http://ibccrim.org.br/site/noticias/conteudo.php?not_id=14027> Acesso em: 10 jun. 2012.
[8] “Art. 5. Inciso I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação;”
[9] MINHOTO, Lauro Dias. Presídios com parcerias público-privadas são ilegais, dizem críticos. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/07/13/ult5772u4623.jhtm.> Acesso em: 16 mar. 2012.
[10]Privatização das Prisões, mais uma vez a polêmica. Disponível em: <WWW.oabms.gov.br/noticias/lernoticia.php?not_id=137.> Acesso em: 11 jun. 2012.
[11]Privatizar Resolve? Revista Época. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76972-6009,00-PRIVATIZAR+RESOLVE.html. Acesso em: 11 jun. 2012.
[12] FREUD, Sigmund. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. V. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p. 85.
[13] CONDE, Francisco Muñoz. Direito Penal e Controle Social. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 73.
[14] BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: BARROSO, Luis Roberto. (Orgs.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 327-328.
[15] FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. formação do patronato político brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2001. p. 107.
[16][16] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;”
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 75.
[18] NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa. Coimbra: Almedina, 2005. p. 52.
[19] FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias: la ley del más débil. Madrid: Trotta, 1999. p. 22. (tradução livre)
[20] PAVIA, Marie-Luce. La dignite de la persona humaine. 4. ed. Dalloz: Paris, 1997. p. 105.
[21] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 376.
[22] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 408.
[23] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 196.
[24] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 16. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997. p. 152.
[25] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 190.
[26] GOMES, Luiz Flávio. juiz do Maranhão solta presos de cadeia lotada. Disponível em: <http//www.lfg.com.br> Acesso em: 29 abr. 2012.
Abstract: This article discusses the possibility of the implementation of Public-Private Partnerships in the Brazilian prison management. For a variety of factors, the prison system failed and could not reach the dictates of fundamental rights of incarcerated citizens. Within this perspective, there is the possibility of private participation in management of prisons in an attempt to alleviate the serious problem of overcrowding in prisons.
Keywords:Fundamental Rights. Public-Private Partnerships. Prison Management. Human Rights