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Novos rumos da Administração Pública eficiente: participação administrativa, procedimentalização, consensualismo e as decisões colegiadas

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25/10/2012 às 15:10
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É necessário estabelecer limites materiais e formais à participação popular nas decisões estatais.

Resumo: Neste trabalho busca-se analisar o modelo da administração atual, suas falhas, deficiências, e o estudo dos novos rumos e alternativas para o modelo da Administração Pública que se adeque às exigências da sociedade moderna hipercomplexa. A partir da Evolução do Estado ao longo dos anos e enfocando as restrições do modelo burocrático legalista, esse estudo visa fomentar a discussão sobre o modelo adotado pela Administração Pública que clama por uma reestruturação que propicie uma gestão eficiente, baseada em mecanismos de governança em rede, procedimentalização administrativa, tomada de decisão colegiada, participação democrática, gestão integrada de ações e do envolvimento da sociedade.

Sumário: 1. Introdução; 2. A evolução do Estado; 3. O modelo de Administração Pública: legalidade e eficiência; 4. Participação procedimental; 5. A cultura do “não” e a participação procedimental; 6. Participação popular – experiência Mineira; 7. Conclusão.


1.  Introdução

A partir da noção de que o homem é um ser social, cabendo-lhe, portanto, o convívio em sociedade com seus semelhantes, é possível compreender quão relevante é a importância atribuída ao interesse público. De forma bastante genérica, e segundo concepção aristotélica, pode-se entender a sociedade como um todo orgânico, cuja ordem entre as partes coordena o convívio social, prima pela harmonia e busca alcançar o fim comum da sociedade. Assim, o interesse público é, de certa forma, fator que viabiliza a conservação da vida em comunidade, uma vez que busca, por meio da ação estatal, propiciar, na máxima medida possível, a manutenção de um convívio harmônico e organizado.  

Nesse sentido, e de acordo com as peculiaridades de cada povo e território, deve o Estado objetivar a concretude do bem comum. Desse modo, a Administração Pública, orientada por essa premissa, deve buscar alcançar da melhor forma seu fim último, mesmo que sejam vários os entraves e barreiras que se imponham à sua atuação. Dentre as barreiras evidenciadas pode-se listar a própria legislação.

O princípio da legalidade, que não deixa de ser o alicerce da atuação estatal e pedestal da Administração Pública, representa, muitas vezes, verdadeiro entrave para a atuação do agente público na busca pelo atendimento dos anseios da sociedade pluralista atual. O arcabouço legal elaborado nos moldes do modelo ortodoxo burocrático administrativo não acompanhou as mudanças da sociedade, e nem poderia, uma vez que é evidente que a lei não consegue prever todas as situações que são apresentadas no caso concreto. Em uma sociedade pluralista, em que a complexidade e os interesses de vários segmentos sociais são tão diversos, a aplicação massificada da lei genérica não traduz uma atuação eficiente, bem como não atende de forma satisfatória todas as camadas sociais e demandas apresentadas.

Portanto, as constantes mudanças que marcam os processos humanos e a gama plural de interesses da sociedade atual, densificam os desafios impostos ao Estado que, como representante do povo, deve buscar atender aos anseios sociais de forma eficiente. Nesse sentido, a máquina pública Estatal deve acompanhar as mudanças do contexto vigente e, portanto, modernizar a estrutura gerencial da Administração Pública.

Neste trabalho, busca-se analisar o modelo da administração atual, suas falhas, deficiências, e o estudo dos novos rumos e alternativas para o modelo da Administração Pública que se adeque às exigências da sociedade moderna hipercomplexa. Nesse sentido, esse estudo visa fomentar a discussão sobre o modelo adotado pela Administração Pública que clama por uma reestruturação que propicie uma gestão eficiente, baseada em mecanismos de governança em rede, procedimentalização administrativa, tomada de decisão colegiada, participação democrática, gestão integrada de ações e do envolvimento da sociedade.


2. A Evolução do Estado

O Estado, como uma sociedade essencialmente política, busca oferecer os meios adequados para que os fins particulares possam, em certa medida, ser alcançados. Ao mesmo tempo, cabe também ao Estado garantir a mínima conservação da harmonia social como forma de manutenção da vida em sociedade que, mediatamente, representa um meio indispensável para a concretização dos próprios interesses individuais. Pode-se dizer que esse fim geral corresponde ao bem comum, devendo o governante ou o administrador público externar e almejar, por meio de suas ações e comandos, esse interesse. Nesse sentido leciona Meirelles (1990):

A natureza da administração pública é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que regem a sua atuação.

Todo poder encontra sua justificação unicamente no bem comum, na realização de uma ordem social justa. (MEIRELLES, 1990, p. 81)

Desse modo, de acordo com as peculiaridades de cada povo e território, deve o Estado objetivar a concretude do bem comum. Entretanto, como é grande a dinamicidade que envolve tanto o Estado quanto o interesse público, a busca pelo bem comum acompanha a evolução da sociedade, de forma a adequar-se e melhor atender aos anseios e às necessidades existentes em cada contexto. Portanto, para alcançar a definição desse conceito atual, é importante analisar todo o processo evolutivo do Direito Público, haja vista que ele é uma realidade histórico-cultural resultante de um dinâmico percurso, que tem por base o passado e apresenta-se, por sua vez, como suporte de referência para o ordenamento jurídico futuro. Assim, sua alusão remete-nos a uma produção cultural longamente sedimentada, perspectivas, portanto, que não emergiram de forma pronta e definitiva.

Desde os primórdios da antiguidade grega aos dias atuais, diversas foram as mudanças sociais que traduziram alterações na máquina pública estatal. Com o intuito único de apresentar um breve panorama dos constantes movimentos que influíram, mediata e imediatamente, na estruturação da Administração Pública e, consequentemente, no tratamento conferido ao bem público, essa evolução será tratada de forma bastante simples, partindo do Estado Liberal, iniciado pelo processo revolucionário do século XVIII.

As Revoluções Francesa e Americana apresentaram-se como significativos marcos históricos da radical transformação na regulação do poder público na medida em que este passou a ter o dever de obediência a certas normas jurídicas limitadoras de sua própria atuação. Nota-se, assim, a inserção do controle do poder pelos seus destinatários. Tem-se, portanto, o desencadeamento do gradativo processo responsável pela formação do Estado de Direito, expressada pela primazia da lei, pelo princípio da legalidade e por meio da positivação das liberdades individuais.

Nesse contexto, o poder absoluto se retrai perante o domínio dos direitos individuais que correspondiam às exigências liberal-burguesas de superação do arbítrio estatal e de estabilidade e previsibilidade, necessárias ao desenvolvimento das atividades econômicas. Nessa fase, a administração pública concentrava sua atuação no exercício do poder de polícia, manutenção da ordem pública, da liberdade individual, da propriedade e da segurança individual, necessárias ao desenvolvimento da atividade econômica. Desse modo, a lógica liberal permite a primazia do mercado sobre o Estado, afastando toda a forma de intervenção econômica Estatal, trata-se da Administração Publica submissa à lei.

No decorrer do século XX, as convulsões bélicas, juntamente com as crises econômicas, as rápidas mudanças e os grandes avanços tecnológicos, levaram ao declínio do Estado Liberal e à estruturação do Social. O Estado Social se pautou na tentativa de proporcionar a materialização quantitativa e qualitativa dos direitos, não apenas no âmbito individual e político, mas também no social, como, por exemplo, ao buscar fundamentos pautados na proteção da dignidade da pessoa humana, na garantia contra o desemprego, nos seguros contra doenças e invalidez na velhice, oferecimento de casas a preços populares, etc.

Nesse período, o desastre econômico do liberalismo levou à descrença da auto-regulação do mercado, o que fez com que o Estado deixasse de ter uma atuação mínima e negativa. A Administração foi então assumindo o protagonismo na concretização de finalidades sociais, na promoção do bem-comum. Ademais, a universalização do sufrágio deslocou o eixo político para as camadas populares, sendo necessária a observância das demandas sociais, o que, certamente, aumentou a base tributária e a máquina burocrática. A conscientização das camadas mais baixas a respeito da sua força de trabalho fez com que houvesse um embate entre o poderio econômico da burguesia e o poder das classes trabalhadoras. O Estado Social pautava-se, portanto, na tentativa de proporcionar a materialização quantitativa e qualitativa dos direitos, não apenas no âmbito individual e político, mas também no social. Nesse período vislumbra-se que a sociedade torna-se cada vez mais dependente do Estado, e cresce a máquina pública burocrática.

Apesar dos inegáveis avanços do Estado Social, nem todos seus efeitos foram favoráveis, sendo sua crise evidenciada a partir de medos da década de 1970. O esgotamento do Estado Prestador ocorreu, sobretudo, devido ao aumento da carga tributária, agigantamento da máquina Estatal, da ineficiência da intervenção estatal e da constatação da corrupção e do nepotismo dos administradores públicos. Nesse sentido dispõe Netto:

Nesse cenário de crise, o Estado Social, intensamente intervencionista e prestador direto de diversas atividades e serviços, vai cedendo lugar a um estado que se caracteriza por ser Estado Social e Democrático de Direito, isto é, estrutura-se sobre os princípios do Estado de Direito ou juridicidade, da democracia e da sociabilidade, não deixa de perseguir o bem-estar, mas o faz não preferencialmente valendo-se de atividades diretamente desenvolvidas por entidades integrantes do aparato Estatal, privilegia a regulação e a atuação conjunta com a sociedade sobre vários títulos. (NETTO, , p.  )

A ampliação dos direitos e a real possibilidade de participação popular nas decisões estatais foram de indiscutível importância para a estruturação do Estado Democrático de Direito. Nesse novo paradigma, a sociedade, além de participar, seja de forma direita ou indireta das resoluções do Estado, exerce certo controle sobre as atividades estatais, já que estas devem ser orientadas, sobretudo, para o alcance do bem comum. Nesse sentido, cogita-se a estruturação da Administração Pública cooperativa, voltada ao consenso em lugar da oposição, exigindo-se a participação social no exercício das funções Estatais.

Ademais, ao longo desse processo evolutivo nota-se a proliferação de diversas camadas e grupos sociais distintos. As sociedades do passado, que antes contavam com um número reduzido de grupos diferenciados (nobreza, clero, burguesia, camponeses, operariado e funcionários públicos), com interesses nitidamente diferenciados, contavam agora com diversos grupos cujos interesses, não raro, são antagônicos. Vislumbrou-se o inicio do chamado Estado pluralista.

Segundo BATISTA (2009) a Constituição Federal do Brasil modela um Estado Democrático de Direito humanista, essencialmente social, fundamentado pelas justiças social e fiscal e orientado para a persecução do bem comum. Desse modo, o Estado Democrático de Direito foi constituído para satisfazer as necessidades da coletividade e garantir os direitos fundamentais, primando pelo bem comum da sociedade.


3.  O modelo da Administração Pública: legalidade e eficiência

Inicialmente, o modelo da Administração Pública foi desenvolvido sob influxo direto das doutrinas liberal e positivistas. Nesse modelo existem normas que organizam, limitam e regulam a atuação de todos, inclusive do próprio poder estatal. Logo, o Estado subordina-se ao Direito e sujeita-se às suas normas reguladoras. Nota-se, portanto, a inserção do controle do poder pelos seus destinatários e a proteção do cidadão contra o Estado autoritário.

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O Direito Administrativo, como foi construído, traçou medidas de cunho burocrático, visando a uma atuação administrativa protegida contra o clientelismo, patrimonialismo e outras práticas predatórias. A desconfiança quanto à atuação discricionária do administrador público culminou na estruturação de um modelo de normas e manuais, que estabelece, assim, um padrão pré-estabelecido de atuação do agente público. Ou seja, para a consecução dos objetivos traçados pelo Estado de Direito é necessário uma atuação da Administração Pública pautada pelos ditames legais que, necessariamente, devem visar o bem comum.

 Dessa forma, o arcabouço normativo funciona como parâmetro que deve ser seguido pelo administrador público, parâmetro este em que se encontram traduzidas e impressas as demandas sociais e, consequentemente, o bem comum.  Em síntese, o servidor torna sua ação legítima ao observar as balizas legais, uma vez que é na lei que se busca o fundamento do que é o interesse público.

O modelo burocrático assim estruturado, na grande maioria das situações, apresentava-se eficiente frente aos procedimentos rotineiros, além disso, é dotado de mecanismos de proteção contra a corrupção e, principalmente, é apto a conduzir a atuação da Administração Pública de acordo com o princípio da legalidade. Desse modo, a regulamentação e elaboração de manuais administrativos funcionaram como escudo contra práticas predatórias, como, por exemplo, o clientelismo e a imoralidade administrativa dentro da máquina pública. Esse modelo tem como base um arcabouço normativo, que deve ser estritamente cumprido, conforme estabelecido a priori. Nesse contexto, o agente público considerado eficiente é aquele que atua rigorosamente em observância aos manuais e regulamentos, e que, assim, não apresenta qualquer desvio de comportamento que cause dúvida quanto à sua atuação. Nesse contexto, a Administração Pública não possui certa margem de discricionariedade suficiente para a tomada de decisão em situações excepcionais não previstas nos regulamentos.

É fácil perceber a finalidade do Estado Democrático de Direito, e de todo seu arcabouço: buscar a concretude do bem comum, almejar a igualdade formal e material, a justiça social, a liberdade individual, a dignidade de seus cidadãos e sua participação na gestão da Administração Pública. Entretanto, nem sempre os meios adotados pelo Estado são adequados ao alcance do bem comum, pelo contrário, muitos deles acabam por levar a estruturas extremamente burocráticas e incapazes de atender aos anseios de uma sociedade pluralista.

Na contemporaneidade, a legitimidade do interesse público está diretamente ligada aos aspectos fundamentais do Estado Democrático de Direito, os quais, por sua vez, se encontram intrinsecamente correlacionados, sendo eles: constitucionalismo, república, participação popular direta, separação dos poderes, legalidade, direitos (individuais, políticos e sociais), desenvolvimento e justiça social. Pode-se afirmar que o Estado Democrático de Direito, por meio das leis e normas reguladoras, não só garante a busca, no mundo jurídico, do bem comum, como também orienta a Administração Pública para que esta possa concretizar o bem comum em questão. Contudo, as definições legais devem ser capazes de acompanhar a evolução do contexto no qual estão inseridas e a ele se adequarem.

Na sociedade contemporânea atual verifica-se a existência de inúmeros interesses individuais, os quais nem sempre são convergentes, pelo contrário, muitas vezes são diversos, discrepantes e, até mesmo, antagônicos. Logo, cabe ao Estado, como administrador da máquina pública, acolhê-los e processá-los, buscando, assim, prover as necessidades da sociedade conforme seus anseios. Certamente, um Estado Democrático de Direitos de caráter humanista e solidário não pode se ver limitado ao estrito cumprimento da lei sem se atentar para os reais anseios da sociedade. No contexto da sociedade moderna atual, em que as ideologias e os paradigmas multiplicam-se e, os interesses, não raro, se contrapõem, é, muitas vezes, inapropriada a consolidação de padrões e valores absolutos. Em assim sendo, torna-se inquestionável que o modelo ortodoxo burocrático não mais se mostra suficiente para buscar o bem comum. Nesse sentido, as definições legais apresentam-se, em situações excepcionais em que a decisão tida como eficiente não encontra-se prevista na norma,  insuficientes para atendimento das demandas da sociedade. Desse modo, o modelo burocrático começa a se mostrar ineficiente para bem atender aos múltiplos interesses da sociedade pluralista. Dessa forma, surge a seguinte questão: o Estado, atuando em estrita observância aos ditames legais, pode abrir mão do interesse público? Até que ponto o excesso de legalismo ofende o princípio da indisponibilidade do interesse público?

O Estado não é titular do interesse público e, mesmo atuando segundo o dispositivo legal, não pode ir contra sua própria finalidade como administrador e representante da sociedade. Nesse sentido, deve-se almejar uma modernização da gestão pública que permita a implantação de estratégias que levem à maximização do atendimento ao bem comum, combatendo o chamado “legalismo estéril”.

Ademais, os avanços da sociedade moderna pluralista acarretaram novas demandas de distintos segmentos sociais. Desse modo, o regulamento, que antes era aplicado de forma genérica a todos os cidadãos, passou a ser insuficiente em situações excepcionais que não encontravam previsão no texto legal, uma vez que é evidente que os dispositivos normativos, manuais e regulamentos não conseguem prever todas as possíveis situações apresentadas ao agente no caso concreto, e nem assim poderia ser, devido às constantes contingências da realidade social. 

 Portanto, no caso concreto são apresentadas situações diversas das previstas em lei que exigem que sejam tomadas medidas divergentes das pré-estabelecidas pelas normas. Nesse contexto, a realidade moderna da sociedade, com múltiplos interesses e desigualdades, impõe a estruturação de um novo modelo de administração que atenda efetivamente os diversos interesses dos vários segmentos sociais.

Nesse sentido entende Batista Júnior:

De fato o modelo burocrático mais ortodoxo foca suas preocupações nos aspectos “garantisticos” e, para tanto, centra suas atenções nos aspectos jurídico-formais. Entretanto, a realidade complexa da moderna sociedade pluralista desmontou a possibilidade de sucesso do imponente modelo puramente burocrático. A burocracia do Estado Providência, estruturada para uma atuação administrativa prestacional uniforme e impessoal, pensada nos moldes de uma “linha de produção”, segundo o modelo fordista de produção em massa, não se adapta sempre às exigências da moderna sociedade pluralista, de classes trabalhadoras diferenciadas em múltiplos estratos, com interesses, aspirações e modos de vida diferenciados. (BATISTA júnior, 2012? , p. 2)

Conforme demonstra o autor, o excesso de formalismo e a rigidez legal do modelo burocrático engessam a atuação da Administração frente às situações excepcionais, advindas dos múltiplos interesses da sociedade, não previstas na norma. Desse modo, considerando as diversas demandas da sociedade plural, a atuação do agente público pautada apenas nos ditames da lei não se mostra adequada e suficiente a todos os casos apresentados. Torna-se necessário que haja certa margem de liberdade decisória para que a Administração Pública possa atuar em situações excepcionais em observância ao bem comum, situações em que o disposto nas leis e regulamentos não leva a decisões eficientes.

É indiscutível que o Direito Administrativo exige soluções isonômicas e, nesse sentido, o modelo burocrático em muito contribuiu, na medida em que se serviu como um parâmetro de atuação do agente frente à generalidade de situações rotineiras, além de ter servido como um escudo contra à corrupção e à imoralidade administrativa. Entretanto, mesmo propiciando inúmeras contribuições positivas, suas deficiências são inegáveis, uma vez que a Administração, sem a disponibilidade de mecanismos para atuar de modo diverso daquele disposto na lei, muitas vezes, toma decisões contrárias ao interesse público, seu desiderato fulcral.  

Nesse sentido, deve-se almejar uma modernização da gestão pública que permita a implantação de estratégias que levem à maximização da busca do bem comum. Além disso, a desburocratização, a descentralização, o alargamento da cidadania, a democratização da Administração Pública e os constantes canais de participação popular também permitem uma adequação estatal mais otimizada na busca de seu fim último: o bem comum.

Portanto, a solução possível e adequada ao atendimento das demandas da sociedade moderna atual é a abertura de certa margem de discricionariedade decisória ao agente público, o que permite à Administração uma tomada de decisão mais eficiente em casos excepcionais que exigem diretrizes diferenciadas daquelas taxativamente previstas em lei. A possibilidade de tratamento diferenciado em situações especiais permite àqueles que estiverem em situações semelhantes tratamento similar, o que certamente coincide com a necessária isonomia na tomada de decisão. Segundo Batista Júnior (2012?), essa margem de discricionariedade será modelada com lastro em conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais que vinculam tendencialmente a Administração Pública.  Esses conceitos possibilitam a abertura de certa margem de liberdade ao agente público, uma vez que não apresentam uma descrição rígida e fechada da atuação da Administração, e, em contrapartida, direcionam sua atuação em prol do interesse público, uma vez que encontra-se pautado pela busca do bem comum.

Nos dizeres de Bandeira de Mello:

Os conceitos jurídicos indeterminados um núcleo significativo e certo e um halo circundante, uma auréola marginal, vaga ou imprecisa. Daí resulta que haverá sempre uma zona de certeza positiva, da qual ninguém duvidará do cabimento da aplicação do conceito, uma zona circundante, onde justamente proliferação incertezas que não podem ser eliminadas objetivamente, e, finalmente, uma zona de certeza negativa, onde será indisputavelmente seguro que descabe a aplicação do conceito.

Cumpre destacar que o tratamento excepcional detalhado refere-se tão somente a situações excepcionais, não se trata de um abandono da legalidade em prol da eficiência administrativa. Ademais, ressalta-se que o princípio da legalidade não se opõe à ideia de maior discricionariedade conferida à Administração Pública, uma vez que as medidas tomadas de forma discricionária devem observância ao fim último da lei, o alcance do bem comum. Desse modo, a discricionariedade conferida não afronta os ditames legais, que, em última instância, também almejam o alcance do bem comum. Cabe ressaltar que a discricionariedade que é conferida à Administração não se refere à arbitrariedade pelo Poder Executivo, uma vez que todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle. Portanto, mesmo em situações excepcionais não previstas na lei, o ato administrativo discricionário deve observância aos princípios básicos da atividade administrativa a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, CRFB/88).

Portanto, a abertura de certa margem de discricionariedade ao gestor público deve implicar, necessariamente, na criação de mecanismos de controle que, concomitantemente, verifiquem a correta aplicação da medida em atendimento ao interesse público e legitimem a decisão tomada. A “flexibilização responsável”, assim, exige a efetividade dos mecanismos de controle.

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Sobre a autora
Gabriela Costa Xavier

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro. Pós-graduação em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica PUC/MG (em curso). Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, lotada na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. Atualmente ocupa o cargo de Gerente de Projeto na Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo do Estado de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

XAVIER, Gabriela Costa. Novos rumos da Administração Pública eficiente: participação administrativa, procedimentalização, consensualismo e as decisões colegiadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3403, 25 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22885. Acesso em: 25 abr. 2024.

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