Um fato novo no meio jurídico vem causando controvérsias. É a alegada a inconstitucionalidade da Lei Ordinária n.º 10.174/2001, da Lei Complementar n.º 105/2001 e de seu regulamento, o Decreto n.º 3.724 de janeiro de 2001.
A divergência se refere à interpretação dos incisos X e XII, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. A indagação resume-se a saber se a proteção constitucional da intimidade e do sigilo das comunicações e dos dados alcança o sigilo bancário. Argumenta-se, outrossim, que os diplomas normativos citados importam risco de contribuintes terem suas vidas devassadas.
Se analisarmos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, constataremos que existe uma posição conservadora da maioria dos ministros daquela Corte no que se refere ao objeto desta discussão. A maior parte de seus membros já se posicionou pela inviolabilidade do sigilo bancário - ressalvada a hipótese de autorização judicial, prevalecendo o entendimento de que o sigilo bancário é um direito à privacidade, e com isso à intimidade, consagrado pela Constituição da República Federativa do Brasil no art. 5º, X, XII. Da mesma forma, mantêm-se inalterada a posição de outros ministros, tais como o Min. Francisco Rezek, que julga ser inexistente a vedação constitucional à quebra do sigilo bancário.
Em termos atuais, e também práticos, a prevalência de entendimento contrário ao do Min. Francisco Rezek seria favorecer a corrupção, a sonegação e a impunidade, além de afastar a possibilidade de uma tributação mais justa, de modo que se continuaria a apenar cada vez mais quem já cumpre, corretamente, com suas obrigações tributárias, especialmente os que têm recolhidos na fonte os tributos diretos ou os que pagam, como contribuintes de fato, os tributos indiretos.
Mas como fazer uma interpretação dos aspectos jurídicos referentes à manutenção do Sigilo Bancário, à sua relação com as Garantias Fundamentais e possibilidade de ter o seu acesso regulamentado através de normas infraconstitucionais, visto que os direitos previstos na Constituição não podem ser suprimidos ou alterados por leis complementares? E como poderemos esclarecer à população sobre a proteção da esfera intima de cada indivíduo, e que eles não terão as suas privacidades devassadas?
Para respondermos tais aflições, de uma maneira para todos possam compreender, transcrevemos trechos de entrevistas dadas pelo secretário da Receita Federal, Everardo Maciel:
"(...) A Receita não quer conhecer os cheques emitidos, saber em que o contribuinte realizou seu gasto. Tem interesse tão somente no extrato. A exceção são os casos de fantasmas e laranjas, nos quais obviamente não se pode falar em algo como intimidade. (...) Jamais o cidadão comum será alvo de fiscalização. O alvo é o sonegador, que está respondendo a um procedimento de fiscalização e que incorreu em uma das hipóteses de indispensabilidade: subfaturou, é uma empresa inapta, remeteu divisas ao exterior em proporção superior à sua disponibilidade, é um fantasma, um laranja etc." (1)
"Não haverá devassa na conta de ninguém. A não ser que se trate, como eu disse, de um fantasma. Haverá investigação de pessoas que fazem sonegação de impostos, não de médicos, nem de motoristas de táxi, nem do homem comum. (...) O cidadão comum não é um criminoso, não é um contrabandista, não é um sonegador, não é a pessoa que tem conta fantasma, que é sobre o que nós estamos falando. O cidadão comum não é a pessoa que faz operações em paraísos fiscais, isso não é o cidadão comum. Você veja: quando nós aplicamos alguns critérios nos cruzamentos de CPMF com o Imposto de Renda, nós estávamos falando de um número de pessoas físicas, que é algo um pouco acima de 38 milhões de pessoas, afora de cerca de 2 milhões de empresas. Portanto, nós teríamos algo em torno de 40 milhões entre pessoas físicas e empresas. Aplicando esses critérios em 15 Estados da Federação, nós alcançamos 1800 empresas e pessoas, num universo de 40 milhões. Esse não é o homem comum, o homem comum não faz nada disso. Quem faz é um criminoso, é um contrabandista, é um sonegador. E, quando essas pessoas praticam esses ilícitos, nós não só não estamos praticando a justiça fiscal como, sobretudo, estamos fazendo com que aqueles que pagam impostos paguem mais do que devem." (2)
Indispensável é esclarecermos que os requisitos para a quebra do sigilo bancário irão obedecer aos princípios da insignificância e da razoabilidade. Ou seja, ninguém terá o seu sigilo violado apenas pelo simples fato de ter caído na malha fina da Receita. De acordo com o artigo 12 do Decreto 3724, caso o contribuinte se considerar prejudicado por uso indevido das informações protegidas por sigilo bancário, requeridas pela Receita Federal às instituições financeiras, poderá recorrer ao corregedor-geral da Secretaria da Receita Federal, José Oleskovicz, para apuração dos fatos e, se for o caso, para aplicação de penalidades cabíveis ao servidor responsável pela infração.
Em termos jurídicos, é muito importante lembrar que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, além do mais, não podemos esquecer que o verdadeiro direito ao sigilo bancário, espécie do direito à privacidade, não é imutável, e que as exceções a tal direito são disciplinadas por normas infraconstitucionais de status de lei complementar (Lei nº 4.595, de 31.12.64, art. 38). E, se analisarmos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, constataremos que a " criação de novas hipóteses de quebra do sigilo bancário, não previstas na Lei 4.595/64, ou a forma de acesso a informações bancárias sigilosas, só pode ser fruto de lei complementar"(3), como é o caso da Lei n.º 105 de 10 de janeiro de 2001 ( de natureza complementar e que, em seu artigo 13, revoga o art. 38 da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964 ), e com isso, reafirma a legalidade do seu regulamento, o Decreto n.º 3.724/2001.
Dentre os autores que dissertam, especificamente, sobre o Sigilo Bancário e a sua relação com as Garantias Fundamentais, podemos destacar José Afonso da Silva, que trata o art. 5º, XII da CF como um "direito à segurança das comunicações pessoais", uma garantia constitucional que visa assegurar o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, garantia também do sigilo das comunicações de dados pessoais, a fim de proteger a esfera intima do indivíduo, mas não cita o sigilo bancário como um "direito à segurança das comunicações pessoais". " (...) Ao declarar que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicação telegráficas, de dados e telefônicas, a Constituição está proibindo que se abram cartas e outras formas de correspondência escritas, se interrompa o seu curso e se escutem e interceptem telefonemas."(4)
Resta saber se as informações relativas ao patrimônio se confunde com a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas.
De acordo com a nossa jurisprudência "as informações sobre o patrimônio das pessoas não se inserem nas hipóteses previstas pelo art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, porquanto o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem." (5)
Não há, entre os brasileiros responsáveis e honestos, ninguém que seja a favor da sonegação fiscal. O sonegador pode acobertar crimes ainda mais hediondos do que o de não pagar impostos. Mas esses criminosos jamais serão apanhados enquanto nossos legisladores não elaborarem leis sérias.
Os opositores às leis alegam ainda que burocratas vão poder invadir a privacidade de cidadãos. É um argumento falso. Transforma o servidor público em delinqüente, quando o verdadeiro delinqüente é o sonegador. A Receita poderá cruzar dados da CPMF com as declarações de renda, obedecendo a padrões rigidamente estabelecidos. Consideramos suspeitas as vozes que se insurgem em defesa das liberdades individuais, mas permaneceram caladas durante a ditadura, quando bastava um telefonema para a quebra do sigilo bancário nas Comissões Gerais de Inquérito. A discussão é democrática. O que não é democrático é a sonegação. Transfere lucros para paraísos fiscais no Exterior e deixa imensos prejuízos para o país.
Assim, nossa esperança é que os tribunais pátrios, sobretudo o Supremo, saberão bem decidir, interpretando o direito levando em conta sua função social e seus mais legítimos valores.
Notas
1. Entrevista do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, ao repórter Alex Ribeiro, do jornal Folha de São Paulo, em 14 de janeiro de 2001.
2. Transcrição da entrevista do secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, à Rádio Jovem Pan, em 12 de janeiro de 2001.
3. STJ - Habeas Corpus nº 2.332-8-RJ - Relator: Ministro Assis Toledo.
4. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª edição, São Paulo: Malheiros Editora, 2000.
5. TRF 4ª R - AInc 95.04.44243-9 - SC - TP - Rel. p/ o acórdão Juiz Nylson Paim de Abreu - J. 26.11.1997.