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Telefone móvel e restrição à liberdade: forma de contraprestação compatível com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho

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29/10/2012 às 10:35

Resumo:


  • A evolução tecnológica alterou a forma como os trabalhadores aguardam ordens do empregador, passando do "bip" para o telefone celular.

  • A CLT prevê remuneração para situações de sobreaviso e prontidão, mas não aborda especificamente o tempo aguardando chamado por celular.

  • A ausência de regulamentação específica abre espaço para interpretações baseadas em princípios gerais do direito do trabalho e na analogia juris.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CONCLUSÃO

As inovações tecnológicas fazem com que a interpretação literal do art. 244 da CLT, pensado inicialmente para os ferroviários e, após, por força da jurisprudência, estendido às mais diversas categorias, seja insuficiente. O avanço dos meios de comunicação, que não poderia ser previsto quando da edição da norma, gera lacuna, cujo preenchimento se impõe[19].

Desse dispositivo, no entanto, é possível extrairmos um princípio geral e um critério suficientemente seguros para determinar qual é a remuneração devida ao trabalhador que aguarda eventual chamado por meio de telefone celular ou de outro meio de comunicação móvel. O princípio geral é no sentido de que quanto menor é a restrição da liberdade, menor é o valor devido pelo tempo em que o empregado está aguardando ordens. Já o critério se funda na gradação constante do art. 244 da CLT, com base na qual concluímos que, para o trabalhador que sofre limitação menos intensa do que aquela característica do regime de sobreaviso, é devido o pagamento correspondente a 1/6 do salário-hora normal[20].


Notas

[1] Além de farta legislação ordinária, a própria Constituição considera o repouso semanal como direito social (art. 7º, XV).

[2] Por todas, selecionamos a seguinte ementa: HORAS DE SOBREAVISO. USO DO TELEFONE CELULAR Se não há obrigação da permanência do empregado em sua residência, como o Tribunal Regional reconheceu, o uso do aparelho de comunicação fornecido pelo empregador, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. A hipótese remete concretamente à diretriz da OJ-SBDI-I-TST-49, desde que a jurisprudência tem afirmado em relação ao BIP, aplica-se, com toda propriedade, ao uso do telefone celular. (TST - AIRR 989200130404403 - 6ª T. - Rel. Min. Horácio Senna Pires - DJ 02.06.2006)

[3] Cf. Eduardo Gabriel Saad. Comentários à CLT. 37ª ed., São Paulo: LTr, 2004, pp. 228-229.

[4] Essa previsão também aparece nas Leis 5.811/72 (petroleiros) e 7.183/1984 (aeronautas).

[5] Oscar Krost observa que “a Organização Mundial da Saúde – OMS indica como principais fatores de produção de stress no trabalho o cumprimento de jornadas imprevisíveis, fora do horário normal ou em turnos mal concebidos, dando ensejo a comportamentos disfuncionais e não-habituais e, em situações de maior gravidade, causando problemas psíquicos irreversíveis e incapacitantes para o trabalho” (A Caracterização do Regime de Sobreaviso diante das Inovações Tecnológicas dos Meios de Comunicação. in Revista Eletrônica do TRT da 4ª Região, ano III, nº 47, julho de 2007, p. 46, disponível em https://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/revistaeletronica, acesso em 12.07.2010.

[6] Chico Viana. Hipocondria e celular. Disponível em https://www.chicoviana.com/cronicas.php?id=140, acesso em 06.07.2010.

[7] João Ubaldo Ribeiro. Por que não botam logo uma coleira? Disponível em https://www.almacarioca.net/por-que-nao-botam-logo-uma-coleira-joao-ubaldo-ribeiro/, acesso em 06.07.2010.

[8] Em 1943, a CLT já previa as horas de sobreaviso. A redação atual do art. 244, no entanto, foi conferida pelo Decreto 6.353/44. Sobre a evolução legislativa, cf. Fernanda Passini. Sistema de Sobreaviso Frente a Utilização de Telefones Celulares. in Revista Justiça do Trabalho nº 259. Porto Alegre: HS Editora, jul. 2005, p. 38.

[9] Existe Projeto de Lei buscando estender as horas de sobreaviso para os trabalhadores que portam telefone celular (PL 4060/2008, autor Deputado Carlos Bezerra). Embora este não seja o momento para uma análise aprofundada do texto, verificamos algumas disposições que encontrarão dificuldade prática, como atribuir a regulamentação para normas coletivas.

[10] Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4 ed., São Paulo: Atlas, 2003, pp. 220-221.

[11] Idem, p. 221.

[12] Art. 4º da LICC: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 8º da CLT: As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

Art. 126 do CPC: O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

[13] Tercio Sampaio Ferraz Junior, op. cit., pp. 302-303. É nesse sentido, também, a lição de Claus-Wilhelm Canaris: “A afirmação da jurisprudência dos interesses de que a integração das lacunas não seria possível através duma argumentação a partir do sistema é improcedente para um sistema teleológico e, do mesmo modo, também para este não faz sentido a contraposição tão apreciada entre a “construção apreensora” e a “construção integradora das lacunas”. Pois, quando no desenvolvimento do sistema interior de uma ordem jurídica, se trate da descoberta dos valores fundamentais constitutivos, surgem aqueles elementos, com cujo auxílio não só a determinação mas também a integração de lacunas é possível numa série de casos: os princípios gerais” (Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Introdução e tradução de A. Menezes Cordeiro. 2 ed., Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, pp. 167-168)

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[14] Op. cit., p. 39.

[15] Do Direito à Desconexão do Trabalho. in Revista Justiça do Trabalho nº 238. Porto Alegre: HS Editora, out. 2003, pp. 7-20.

[16] Direito Individual do Trabalho. 4 ed., Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 395.

[17] Nas palavras de Eros Roberto Grau, “o juiz decide sempre dentro de uma situação histórica determinada, participando da consciência social de seu tempo, considerando o direito todo, e não apenas um determinado texto normativo. (…) O discurso do texto normativo está parcialmente aberto à inovação, mesmo porque o que lhe confere contemporaneidade é a sua transformação em discurso normativo (= transformação do texto em norma). O direito é um organismo vivo, peculiar, porém, porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo” (Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 38-55).

[18] Embora defenda que as inovações tecnológicas deveriam propiciar a redução do tempo necessário para o trabalho e não a criação de um estado de vigília, Oscar Krost reconhece que a limitação da liberdade é atenuada com a utilização da comunicação móvel (op. cit., p. 48).

[19] “Perece a força normativa do direito quando ele já não corresponde à natureza singular do presente. Opera-se então a frustração material da finalidade dos seus textos que estejam em conflito com a realidade, e ele se transforma em obstáculo ao pleno desenvolvimento das forças sociais. (…) ao intérprete incumbe, então, sob o manto dos princípios atualizá-lo” (Eros Roberto Grau. op. cit., p. 54).

[20] O nome que se dê a esse regime – sobreaviso mitigado, espera, conexão, aguardo, vigília, precaução – não é relevante. O que importa é que a falta de disposição expressa não faça com que se desconsidere que a vinculação do trabalhador à empresa implica cerceamento da sua liberdade, impossibilitando o exercício pleno do direito de não trabalhar e, conseqüentemente, o direito à remuneração desse período.

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Sobre o autor
Max Carrion Brueckner

Juiz do Trabalho (4ª Região - RS), ex-Procurador Federal, ex-Servidor do TRT/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUECKNER, Max Carrion. Telefone móvel e restrição à liberdade: forma de contraprestação compatível com a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3407, 29 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22908. Acesso em: 22 dez. 2024.

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