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A mudança de destinação de radiofrequência e o instituto do direito adquirido

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30/10/2012 às 11:15
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Não há que se falar em direito adquirido dos autorizados à exploração espectro, nem à exploração do espectro pelo prazo restante de sua autorização nem à manutenção da destinação da faixa de radiofrequência.

Resumo: O presente trabalho busca analisar a natureza da autorização de uso de radiofrequência e verificar se os autorizados têm direito adquirido ao uso desse bem público diante de novas razões de interesse público, especialmente a necessidade de mudança de destinação das faixas de radiofrequências.

Palavra-chave:  Telecomunicações – Autorização de uso de radiofrequência – Mudança de destinação – Direito adquirido.

Sumário: 1. Introdução. 2. Natureza jurídica do espectro radioelétrico. 3. Autorização de uso de radiofrequência; 3.1. Formalização. 3.2. Vinculação e discricionariedade. 3.3. Precariedade. 4. O instituto do direito adquirido. 5. Direito adquirido e os autorizados ao uso de radiofrequência; 5.1. Inexistência de direito adquirido ao término do prazo da autorização de uso de radiofrequência. 5.2. Inexistência de direito adquirido à manutenção da destinação da faixa de radiofrequência. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.


1.Introdução.

O espectro de radiofrequências é considerado um bem público escasso, sendo necessário, pois, que sua administração se dê pelo Poder Público. Nesse sentido é que a Lei nº 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), em seu art. 19, inciso VIII, confere competência à Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel para administrar o espectro de radiofrequências e o uso de órbitas, expedindo as respectivas normas.

A LGT ainda impõe, nos arts. 127, inciso VII, e 160, o uso eficiente do espectro de radiofrequências, cabendo ao órgão regulador eventualmente restringir o emprego de determinadas radiofrequências ou faixas, considerado o interesse público.

Nesse contexto é que surge a tarefa de administrar o espectro numa época de constante evolução tecnológica e convergência digital, esta última mais diretamente responsável pela criação, em vários países, das chamadas licenças multi-serviços. Com o surgimento de novas tecnologias, portanto, as faixas de radiofrequências podem passar por mudanças em sua destinação, em prol do uso eficiente do espectro. Por sua vez, é possível ser necessária a devolução e/ou realocação de faixas, inclusive eventualmente com a elaboração de novo processo licitatório.

Assim, o presente estudo propõe-se a delimitar as consequências jurídicas de todo esse processo de mudança de destinação de faixas de radiofrequência, em busca do uso eficiente do espectro, e eventuais realocações e/ou devoluções de faixas, processo este que pode ser essencial para o desenvolvimento do setor de telecomunicações no Brasil.

Nessa esteira, o presente trabalho funda-se em duas premissas.

A primeira passa pela análise jurídica do instituto da autorização de uso de radiofrequência, comparando seu regime jurídico com outros institutos tradicionais do Direito Administrativo e abordando os direitos que dela surgem e a natureza destes, especialmente no contexto de eventuais modificações de destinação das faixas de radiofrequência.

A segunda premissa busca investigar o conceito de direito adquirido, abordando a doutrina mais moderna e a jurisprudência mais recente sobre o assunto, de modo a aplicá-lo à situação jurídica dos autorizados.

Com base nessas premissas, a proposta específica deste trabalho é estudar a natureza dos direitos oriundos da autorização de uso de radiofrequência, investigando se é possível considerar que os autorizados à exploração do espectro possuem, em razão da autorização outorgada, direito adquirido ao uso desse bem público, sobretudo frente a novas necessidades de interesse público.

Em outras palavras, procura-se saber quais consequências da outorga da autorização em tela surgem tanto para os administrados quanto para a Administração Pública, focando na existência ou não de direito adquirido dos autorizados frente a eventuais modificações na destinação de faixas de radiofrequência.


2.Natureza jurídica do espectro radioelétrico.

Primeiramente, é preciso tecer algumas considerações sobre o espectro de radiofrequências, de modo a deixar assentadas algumas premissas sobre o assunto.

O espectro de radiofrequências é o meio físico utilizado para a transmissão de ondas eletromagnéticas, que, por sua vez, servem à efetivação dos serviços de comunicação sem fio. Por esse mecanismo é que funcionam, por exemplo, as transmissões de rádio, TV e celular, dentre outros. Juridicamente, o espectro consubstancia um bem público, administrado pelo Estado, in casu, pela Anatel. É o que dispõe o art. 157 da LGT:

Art. 157. O espectro de radiofreqüências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público, administrado pela Agência[1].

Muito se discute atualmente sobre o grau de controle estatal que deve ser exercido sobre o espectro. Especialistas como o professor de direito norte-americano Yohai Benkler e o fundador do Supernova Group e ex-consultor do Federal Communication Commission – FCC, agência reguladora dos Estados Unidos, Kevin Werbach, defendem um espectro livre, acessível a todos que cumpram certas regras de convivência na transmissão de sinais radioelétricos.

Esse movimento de dimensões globais, conhecido como Open Spectrum, busca uma democratização no acesso ao espectro, permitindo que todos que respeitem determinadas regras previamente estabelecidas possam dele fazer uso. Contrapõe-se ao modelo atual, que exige que cada interessado possua um ato de autorização de uso do espectro. No modelo proposto por esse movimento, os órgãos reguladores teriam apenas que definir regras para que as ondas radioelétricas não gerassem interferências prejudiciais umas nas outras.

Faz-se um paralelo do espectro com as ruas das cidades, que são livres para a circulação de todos que tenham interesse em nelas trafegar. A única exigência é o respeito às regras de trânsito. Nesse sentido, o movimento Open Spectrum advoga em favor de um espectro aberto a todos os interessados, bastando que as ondas radioelétricas emitidas trafeguem dentro das regras estipuladas.

Tal abertura do espectro, contudo, parece por certo ainda depender de tecnologia em massa suficientemente capaz de atender a tais requisitos, ou seja, é preciso que os todos os equipamentos emitam e recebam sinais capazes de obedecer às tais regras estabelecidas.

Deve-se deixar claro, nesse ponto, que a proposta desse movimento não se confunde com a ausência de regulação do espectro por parte do Estado. Ao contrário, parte do pressuposto de que é fundamental a existência de regras para o bom aproveitamento do espectro.

A necessidade de regulação do espectro, como se vê, é, em maior ou menor grau, necessária. Primeiramente, porque consubstancia bem público limitado, ou seja, em princípio não há espaço para todos os interessados em usá-lo[2]. Dessa forma, se o bem público é escasso e há mais interessados do que ele comporta, há de haver licitação para a outorga de autorização de uso de radiofrequência, conforme se depreende do art. 164 da LGT[3]. Na verdade, a exigência de licitação decorre do próprio princípio da impessoalidade previsto no art. 37 da Constituição Federal.

Em segundo lugar, porque a regulação propicia um uso mais eficiente do espectro, na esteira do que impõe o art. 127, inciso VII, da LGT, ao aduzir que a Anatel deve garantir o uso eficiente do espectro de radiofrequências[4]. O uso eficiente do espectro, nessa esteira, amplia o número de prestadores e associa as faixas de radiofrequências aos serviços mais adequados, implicando um melhor aproveitamento dessa espécie de recurso.

Com isso, busca-se o mister da regulação do espectro, qual seja, o de propiciar à população em geral uma comunicação de qualidade, livre de interferências prejudiciais.

Tecidas essas considerações, já estando patente a necessidade de regras para o uso do espectro, passa-se a analisar o regime jurídico ao qual esse uso está submetido.

Pois bem.

A LGT, ao impor à Anatel a administração do espectro, conferiu a competência para conceder aos particulares o direito de uso desse bem público. Esse é o teor do seu art. 163, in verbis:

Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação.

§ 1° Autorização de uso de radiofreqüência é o ato administrativo vinculado, associado à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações, que atribui a interessado, por prazo determinado, o direito de uso de radiofreqüência, nas condições legais e regulamentares.

A legislação, como se vê, trata a autorização de uso do espectro como um direito de uso de bem público. O dispositivo ainda reza que a autorização é associada à concessão, permissão ou autorização para prestação de serviço de telecomunicações. Faz, portanto, a clara distinção entre a outorga para uso do bem público e a outorga para a prestação do serviço.

No caso do serviço público, diz-se ser a titularidade da União, que transfere ao particular apenas a execução. Já no caso do bem público, a propriedade é da União, que outorga ao particular o direito de uso. De bom alvitre destacar, nessa seara, que os bens públicos, categoria na qual se insere o espectro, possuem, como regra, as seguintes características: inalienabilidade, impenhorabilidade e não oneração.


3.Autorização de uso de radiofrequência.

Nesse contexto, é preciso dizer que a doutrina do Direito Administrativo aponta três formas tradicionais para se conceder o direito de uso de um bem público, a saber: (i) autorização; (ii) permissão; e (iii) concessão.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello[5], a autorização de uso é o ato unilateral pelo qual a autoridade administrativa faculta o uso de bem público para utilização episódica e de curta duração. Já a permissão de uso seria o ato também unilateral, precário e discricionário quanto à decisão de outorga, pelo qual se faculta a alguém o uso de um bem público. Por fim, a concessão de uso seria um contrato administrativo pelo qual a Administração trespassa a alguém o uso de um bem público.

José dos Santos Carvalho Filho[6], por sua vez, afirma ser a autorização de uso o ato administrativo pelo qual o Poder Público consente que determinado indivíduo utilize bem público de modo privativo, atendendo primordialmente a seu próprio interesse (é ato unilateral, discricionário e precário). A permissão de uso, apesar de também ser o ato administrativo pelo qual a Administração consente que certa pessoa utilize privativamente bem público, difere da autorização por atender, simultaneamente, aos interesses público e privado (é ato unilateral, discricionário e precário). Já a concessão de uso é, para o autor, contrato administrativo por intermédio do qual o Poder Público confere a pessoa determinada o uso privativo de bem público, independentemente do maior ou menor interesse público da pessoa concedente (é contrato, discricionário e não precário).

Maria Sylvia Zanella di Pietro[7], ainda em busca dessa distinção, comenta que na concessão de uso de bem público, o concessionário assume obrigações perante terceiros e encargos elevados, que somente se justificam se ele for beneficiado com a fixação de prazos mais prolongados, que assegurem um mínimo de estabilidade no exercício de suas atividades.

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Diante dos ensinamentos doutrinários trazidos à baila, percebe-se que, embora a LGT trate o uso do espectro como uma autorização, supostamente consubstanciada por meio de ato administrativo, tal fenômeno jurídico se aproxima mais ao instituto da tradicional concessão de uso de bem público.

Essa discussão merece ser analisada em cotejo com o sistema a que se submetem os interessados em explorar os serviços de telecomunicações. Ocorre que, de acordo coma LGT, a obtenção da outorga para prestação do serviço aparece como um processo mais simplificado, quando prestado no regime privado (autorização de serviço de telecomunicações). Até porque, como regra, o art. 136 da LGT aduz não haver limite ao número de autorizações de serviço, salvo em caso de impossibilidade técnica ou, excepcionalmente, quando o excesso de competidores puder comprometer a prestação de uma modalidade de serviço de interesse coletivo.

Na verdade, portanto, as grandes licitações, que arrecadam vultosas quantias aos cofres públicos, assim o são em razão da disputa pelo uso do espectro, sobretudo de faixas de radiofrequências consideradas nobres, e não em virtude da disputa pela autorização para exploração do serviço. Esta, em razão da ausência, em princípio, de limite ao número de autorizações de serviço, é obtida mediante o pagamento de preços apenas simbólicos, se comparados ao volume de investimentos do setor.

Nesse contexto, é de se perquirir sobre as características da autorização de uso de radiofrequência, ou seja: (i) se é formalizada por meio de ato ou contrato; (ii) se é vinculada ou discricionária; e (iii) se é ou não precária.

3.1. Formalização.

Quanto à formalização, a LGT é clara ao dispor que o uso do espectro depende de prévia autorização da Anatel, que se materializará por me meio de ato administrativo. De fato, a Agência expede um ato de autorização de uso de radiofrequência. Ocorre que, concomitantemente, há a figura do termo de autorização de uso de radiofrequência, assinado pela Anatel e pelo autorizado. Na minuta desse termo consta, inclusive, que se trata de termo de outorga de autorização de uso de radiofrequência, associada a determinado(s) serviço(s), que entre si celebram a Anatel e o particular.

Ora, só o fato de haver um termo celebrado entre as parte já denota que a natureza não é a de mero ato administrativo, unilateral, portanto. A formalização se dá pelo ato e pela assinatura bilateral de um termo, que possui a feição jurídica de verdadeiro contrato.

Além desse aspecto, destaca-se a existência de prazo determinado para o uso do bem público, o que, em princípio, guarda mais relação com a figura dos contratos. É espécie de garantia, dada pela Administração, de que o particular poderá explorar o bem durante aquele período, sinalizando para um aporte de investimentos. Essa característica, aliás, se contrapõe ao tradicional entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello de que a autorização de uso de bem público serve apenas para utilização episódica e de curta duração.

3.2. Vinculação e discricionariedade.

Já quanto à questão da vinculação ou discricionariedade, é preciso deixar claro que, quando a doutrina do Direito Administrativo menciona que a autorização, a permissão e a concessão de uso de bem público são discricionárias, há referência à decisão de se conferir o uso ao particular. Ou seja, a discricionariedade implica que a Administração deve decidir se é ou não conveniente e oportuno conferir a utilização privativa do bem ao particular.

No caso do espectro, a autorização de uso é vinculada porque a própria lei já realizou esse juízo de valor. Até porque o espectro, pelas suas características singulares, só serve de meio para a exploração dos serviços de telecomunicações (lato sensu). Difere, portanto, dos demais bens físicos, que também podem ser úteis à sociedade de outra forma, enquadrando-se, por exemplo, como bem de uso comum do povo ou de uso especial.

De fato, o uso do espectro é sempre associado à outorga para a prestação de um ou mais de um serviço específico. Sem a outorga do serviço, o espectro perde sua finalidade, que é a de servir de meio à exploração do serviço. Um está umbilicalmente ligado ao outro, no caso de serviços prestados via uso do espectro[8]. A Anatel, por meio do Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências, aprovado pela Resolução nº 259/2001, chegou a definir os objetivos do espectro[9].

Dessa forma, em razão da sua peculiaridade, tem-se que o espectro será usado necessariamente para a exploração dos serviços de telecomunicações e radiodifusão. Esse é o viés a que diz respeito a vinculação trazida pelo § 1º do art. 163 da LGT.

Contudo, não parece adequado parar a análise por aí e concluir que a autorização para uso do espectro não possui um aspecto discricionário. Pois bem. Entre a certeza de que o espectro será usado para a prestação dos serviços e a efetiva outorga da autorização existem várias etapas que merecem ser examinadas.

Primeiro, o Poder Público tem que estabelecer quais faixas de radiofrequências estarão disponíveis para uso dos particulares, porquanto, em princípio, devem ser destacadas algumas faixas para uso pelas Forças Armadas. É o que se depreende do § 2º do art. 163 da LGT, que dispensa até mesmo a outorga da autorização em determinados casos[10].

Em segundo lugar, deve-se definir qual serviço é o adequado para cada faixa de radiofrequência, ou seja, é preciso destinar adequadamente os serviços às diferentes faixas existentes, de modo a assegurar um uso eficiente do espectro. Nessa definição, também se levam em consideração as recomendações da União Internacional de Telecomunicações – UIT, que traça diretrizes a serem seguidas pelos países. Com base nessas premissas, a Anatel define, discricionariamente, um plano de destinação de faixas, como determina o art. 158 da LGT[11].

Terceiro, a Anatel irá definir as especificações técnicas que deverão ser seguidas pelos particulares no uso do espectro, de modo a garantir a inexistência de interferências prejudiciais mútuas entre eles (ou, mais precisamente, entre os sinais radioelétricos emitidos por eles).

Por fim, o uso do espectro possui certa complexidade, de modo que, havendo mais de um interessado, cabe à Agência definir, respeitado o interesse público, o momento em que se dará a licitação, o regramento desse certame e a existência ou não de compromissos de interesse da coletividade, definindo os critérios de julgamento, isolada ou conjuntamente: maior oferta de preço público pela concessão, permissão ou autorização, tarifa ou preço máximo do serviço que será praticado junto aos usuários, melhor qualidade dos serviços ou, ainda, melhor atendimento da demanda[12].

Enfim, a referência a que a LGT faz ao aspecto da vinculação da autorização do uso de radiofrequências diz respeito, apenas, à obrigatoriedade de, estando disponível e não havendo mais interessados, a Anatel autorizar o uso da faixa de radiofrequência, observando, obviamente, a sua destinação e os demais aspectos técnicos.

3.3.Precariedade.

Quanto ao aspecto da precariedade, percebe-se uma vertente da doutrina do Direito Administrativo que identifica a precariedade com a posição de prevalência existente em favor da Administração. Sobre o assunto, de bom alvitre colacionar o entendimento de José dos Santos Carvalho Filho[13]:

Dizer-se que o uso é precário tem o significado de admitir posição de prevalência para a Administração, de modo que, sobrevindo interesse público, possa ser revogado o instrumento jurídico que legitimou o uso. Essa revogação, como regra, não rende ensejo a qualquer indenização, mas pode ocorrer que seja devida pela Administração em casos especiais, como, por exemplo, a hipótese em que uma autorização de uso tenha sido conferida por tempo certo, e a Administração resolva revogá-la antes do termo final.

O autor parece considerar as autorizações e as permissões de uso de bem público como precárias e, por outro lado, considerar as concessões de uso como não precárias. Essa diferença se imporia, segundo o autor, em razão da forma contratual das concessões de uso e da estabilidade necessária para esse tipo de uso. Afirma o que segue[14]:

Se o concessionário ficasse à mercê do concedente, sendo totalmente precária a concessão, não se sentiria decerto atraído para implementar a atividade e fazer os necessários investimentos, já que seriam significativos os riscos do empreendimento. Isso não quer dizer, porém, que a estabilidade seja absoluta. Não o é, nem pode sê-lo porque acima de qualquer interesse privado sobrejaz o interesse público. Mas ao menos milita a presunção de que, inexistindo qualquer grave razão superveniente, o contrato se executará no tempo ajustado pelas partes.

Carvalho Filho parece estabelecer graus de precariedade, quando defende que a concessão de uso não pode ser totalmente precária, dando a entender que seria apenas um pouco precária. Parece haver certa confusão entre a pouca precariedade e as possibilidades advindas das implícitas cláusulas exorbitantes em favor da Administração Pública.

É que a identificação da precariedade com a posição de prevalência da Administração faria com que todos os contratos administrativos fossem precários, já que, em tese, em todos eles há posição de prevalência da Administração. É da natureza dos contratos celebrados entre a Administração e os particulares a existência dessa prevalência, que se traduz, como se sabe, na existência de cláusulas exorbitantes, ainda que implícitas. Sempre há, portanto, uma submissão do contrato a um regime público (ou ao menos misto, como dizem alguns). Sob outro ângulo, é certo que os contratos celebrados entre particular e Administração nunca são regidos exclusivamente pelo regime privado.

Nos contratos administrativos previstos na Lei nº 8.666/93 por óbvio também há essa prevalência da Administração. Basta citar a possibilidade de a Administração rescindir unilateralmente o contrato por razões de interesse público. O art. 79 da citada Lei aduz que a rescisão do contrato poderá ser determinada por ato unilateral e escrito da Administração quando existirem razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato, situação esta considerada motivo para a rescisão, conforme dispõe o art. 78.

Poder-se-ia concluir, então, que os contratos administrativos em questão são precários? Parece-nos que não. Segundo as lições de José dos Santos Carvalho Filho, eles seriam precários, embora não totalmente precários.

Ora, parece-nos que a questão da precariedade deva referir-se, primeiro, à possibilidade ou não de se revogar o ato e, depois, com a obrigatoriedade ou não de se conceder uma indenização, o que, por sua vez, guarda relação com a existência ou não de prazo para o uso do bem público.

Assim, no caso da autorização do uso de radiofrequência, tem-se que não é ato precário, porquanto deve haver respeito ao prazo estipulado e, caso não haja, deve haver indenização se comprovados prejuízos decorrentes diretamente desse desrespeito.

Sobre o prazo, vale chamar atenção para o fato de que ele não é estipulado nem apenas em favor da Administração nem apenas em favor do particular. Serve de segurança aos dois, tal como ocorre num contrato.

Veja-se o exemplo da renúncia à autorização para uso do espectro. O art. 142 da LGT dispõe que a renúncia é o ato formal unilateral, irrevogável e irretratável, pelo qual a prestadora manifesta seu desinteresse pela autorização. O seu parágrafo único, em complemento, reza que a renúncia não será causa para punição do autorizado, nem o desonerará de suas obrigações com terceiros.

Ora, a renúncia é, de fato, um ato unilateral. Em linhas gerais, impossível a imposição de obrigação de fazer a uma pessoa, por mais que ela tenha contratualmente se obrigado a fazer algo. Contudo, do rompimento da obrigação a que se tinha comprometido surge o dever de indenizar, isto é, a obrigação de fazer se converte em perdas e danos.

No caso do uso do espectro, o particular, com a assinatura do termo de autorização, que possui feição contratual, se compromete, em alguns casos, perante a Anatel e a sociedade, a cumprir certos compromissos de abrangência. Tanto é que o particular pode ter que apresentar, no curso da licitação, garantias de que irá cumprir tais compromissos de abrangência.

Essa garantia demonstra para a Anatel e para a sociedade que, durante o prazo da autorização de uso do espectro, a população estará sendo atendida e os compromissos de abrangência estarão sendo cumpridos. Tudo isso, ressalte-se, está inserido numa política pública de ampliação da oferta dos serviços de telecomunicações, mesmo daqueles prestados em regime privado.

Nesse contexto, registra-se que o espectro deve ser usado em consonância com a sua função social, sobretudo porque consubstancia bem público. Ora, até mesmo a propriedade privada (ou bem privado) tem que atender à sua função social[15]. Dessa forma, não pode o particular simplesmente renunciar e deixar a sociedade a ver navios.

A renúncia, na verdade, tem implicações tanto na sociedade quanto no Estado (Anatel). Na sociedade porque ficará, de forma abrupta, sem o serviço, e na Anatel porque terá que licitar novamente aquela faixa de radiofrequência, o que certamente demanda tempo e custos. O ideal seria que a renúncia, caso venha a ocorrer, fosse comunicada à Anatel com certa antecedência, de modo a permitir que a Agência já preparasse nova licitação, visando ao restabelecimento mais rápido do serviço por outro particular.

A própria LGT, como destacado acima, ao mesmo tempo em que dispõe que a renúncia não pode ser causa de punição do renunciante, também determina que não o desonerará de suas obrigações com terceiros. Por esse motivo o particular deve arcar com os ônus da sua renúncia, lembrando, novamente, que o prazo estipulado para o uso do espectro não é apenas em favor do particular, ou seja, não é apenas para protegê-lo de eventual retomada do espectro pela Administração. Concomitantemente, o prazo também é estipulado em favor da Administração, tendo como finalidade a garantia, para o Estado, de que durante aquele período a sociedade estará obtendo proveito da exploração do bem público pelo particular. Se há quebra do prazo, compensações têm que surgir, sobretudo para garantir o cumprimento das obrigações assumidas em prol de terceiros, como determina a LGT.

Entende-se que essas eventuais compensações não se enquadram como punição, o que afasta o argumento de descumprimento da LGT. Representam, ao contrário, forma de garantir que a renúncia não desonerará a prestadora de suas obrigações assumidas perante terceiros. Embora a base para que as compensações ocorram já exista na legislação, maiores detalhes sobre a forma como elas se darão poderiam vir nos editais de licitação e na própria regulamentação do órgão regulador.

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Sobre o autor
Paulo Firmeza Soares

Procurador Federal em Brasília (DF). Pós-graduado em Regulação de Telecomunicações. Pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Paulo Firmeza. A mudança de destinação de radiofrequência e o instituto do direito adquirido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3408, 30 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22916. Acesso em: 2 nov. 2024.

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