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A investigação criminal e o Ministério Público

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O recrudescimento da violência anotado nos derradeiros tempos, a exteriorização pela mídia dos problemas relativos ao envolvimento dos membros das policias com o crime organizado e as últimas greves orquestradas pelos aparatos policiais tem levado a sociedade a debater novamente a falência do sistema persecutório brasileiro.

O debate, que é sempre salutar, tem-se demonstrado mais desastroso do que eficaz, pois infelizmente os antecedentes demonstram que as "soluções milagrosas" surgidas nestes momentos só têm contribuído para agravar o quadro social e não ameniza-lo; daí se afirmar que "não se legisla matéria penal em momento de clamor público".

Uma das muitas soluções apontadas tem sido a possibilidade do Ministério Público passar a investigar os ilícitos penais diretamente, o que a primeira vista seria viável, já que o Parquet é o destinatário final das investigações hoje elaboradas pela Polícia Judiciária. Entretanto, diversos escritos demonstram que o resultado, desde outrora, aponta-se muito mais desastroso do que eficaz.

O saudoso mestre Evaristo de Moraes Filho, na Tribuna do Advogado publicada em novembro de 1996, fls. 10, destacou uma destas infelizes experiências nos seguintes termos: "Recentemente, em caso rumoroso, o Ministério Público Federal intimou um cidadão, para ouvi-lo na sede da Procuradoria da República, a respeito de fatos que já eram objeto de inquérito na Polícia Federal, onde o mesmo figurava como indiciado. Seguindo orientação de seu patrono, ele negou-se a atender à inusitada intimação, esclarecendo, através de petição, cuja cópia remeteu a Justiça Federal, os motivos legais de sua recusa. Apesar disto, um dos fundamentos do pedido de prisão preventiva, formulado depois do não comparecimento do indiciado para depor na Procuradoria da República, foi exatamente esta pretensa rebeldia (...)".

A continuidade da narrativa atesta que a prisão foi decretada pelo mesmo fundamento, tendo o TRF concedido liminar em Habeas Corpus para restaurar a liberdade do paciente.

O objetivo da exposição tinha como lastro a moção apresentada a VII Conferência Estadual da OAB/RJ durante a exposição do painel: Poder Judiciário, Advocacia e Ministério Público – A Reforma, onde o expositor sustentou a verdadeira ilegitimidade dos "(...) inquéritos policiais instaurados e dirigidos, diretamente, pelo Ministério Público (...)".

Encerrando a narrativa, o digníssimo Professor destaca a abrilhantada visão do Desembargador Silvio Teixeira, que ao relatar HC nº 615/96, da 1ª Câmara Criminal do TJRJ, decidiu: "A função de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares, são privativas das polícias civis. Ao Ministério Público cabe o monopólio da ação penal pública, mas sua atribuição não passa do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar. Somente quando se cuidar de inquéritos civis é que a função do Ministério Público abrange também a instauração deles e de outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes, aqui incluídas das diligências investigatórias." (grifos são nossos).

O artigo recebeu resposta, à época, do não menos brilhante Promotor Coordenador das Centrais de Inquéritos do MP/RJ, Dr. Ricardo Martins, publicada na Tribuna do Advogado de fevereiro de 1997, onde a seguinte conclusão serve para resumir a linha de pensamento do expositor: "O Ministério Público pode e deve investigar sempre que isto se fizer necessário à apuração do evento criminoso, não só para possibilitar a propositura da ação penal, mas também para evitar injustiças e processos precipitados."

O poder de investigação dado ao MP para promover a investigação, afirma o autor e os que defendem a tese, é fruto da "interpretação lógica" do art. 129, VI, da CF/88 e do art. 80 da lei 8625/93, bem como da análise do § 4º, do art. 144 da Carta Maior, que segundo atesta "(...) não confere a polícia o monopólio da investigação(...). portanto, conclui: "(...) soa absurdo o Ministério Público poder requisitar diligências à autoridade policial e não poder faze-lo por conta própria. Não há razão lógica para tal vedação."

Apesar destes fortes argumentos em favor da presidência das investigações por parte Ministério Público, ousaremos divergir deste raciocínio para afirmar, assim como o fez o Desembargador Silvio Teixeira, que a investigação é hoje ato privativo da Polícia Judiciária, não importando com isso assumir, assim como alega o digno Promotor, as vestes de quem pretende "Manietar o promotor de justiça em sua atuação na área criminal(...)". Muito pelo contrário, o anseio é reestruturar o sistema processual penal brasileiro para: a) colocar cada operador do direito em seu devido lugar (parece-nos óbvio que só o delegado de polícia e seus agentes é que têm a habilidade profissional para promover a investigação, já que foram treinados e preparados durante toda uma vida para este tipo de trabalho; b) afastar toda e qualquer possibilidade de usurpação das funções e c) repelir atos heróicos isolados, os quais restaram exteriorizados em forma de chacota recentemente pela mídia nacional.

Exteriorizada a decisão do Desembargador Silvio Teixeira, apressaram-se cegamente aqueles que defendem as investigações Ministeriais em rotulá-la de espantosa; quiçá teratológica. A resposta veio em alto e bom tom já nos Embargos Declaratórios interpostos perante a mesma 1ª Câm. Crim. do TJRJ, quando um dos maiores processualistas deste Tribunal, o Desembargador Jorge Alberto Romeiro Jr., relator designado, afirmou: "Dessarte, se insistir nesse procedimento não autorizado ope legis, correrá o órgão fiscal da lei o risco de vê-lo sujeitado, inclusive, ao vexame de uma formal declaração de invalidade, conforme lição antiga de nossa Suprema Corte: "É nulo o inquérito policial presidido por um promotor público, notadamente para autorizar a prisão preventiva." (Ac. STF, Pleno, de 28.05.1951, publ. DJU de 25.04.1955, Apenso, pág. 1530)."’ (grifamos – Proc. nº 1996.059.00615, Embargos Declaratórios nº 615/96, 1ª Câm Crim/TJRJ). Portanto, denota-se na lição dada que o espanto era fruto do desconhecimento da posição da Suprema Corte nos últimos quarenta anos de sua existência.

Analisando a decisão do STF, no HC nº 34.827, a qual foi exaltada pelo Desembargado Romero Jr., e foi relatada por ninguém menos que o Ministro Nelson Hungria, denontam-se os seguintes alicerces: "Tenho para mim, Senhor Presidente, que, embora permitida pelo art. 73, VIII, da Constituição de Alagoas, a "Comissão Judiciária" a que se refere o recorrente, não é ela compatível com o Código de Processo Penal, pois este não autoriza, sob qualquer pretexto, semelhante deslocação da competência, ou, seja, a substituição da autoridade policial pela judiciária e membro do M.P. na investigação do crime (...)" e mais adiante concede a ordem "(...) reconhecendo a nulidade ex radice do processo instaurado contra o paciente (...)". (HC nº: 31.827 – Alagoas – 31/01/1957).

Para os que analisaram a decisão, restaria ainda uma possível argumentação em favor da investigação presidida pelo MP: ora, esta decisão foi arquitetada sob a égide de Constituições passadas, quando ainda não vigorava o art. 129 da atual Carta Magna, o qual redimensionou significativamente o status do Parquet! Não há dúvida que o Ministério Público, enquanto Instituição saiu, para o bem geral da sociedade, por demais fortalecida, entretanto, não há que se cogitar com menor clamor que a função policial saiu igualmente robustecida e sedimentada com a regra esculpida no § 4º, do art. 144 da mesma Carta.

Tal conclusão não é fruto de uma construção "lógica", mas sim das reiteradas decisões da Corte Suprema, a qual reafirmou de forma rígida e inflexível sua jurisprudência das últimas quatro décadas, quando, após a Constituição Cidadã de 1988, novamente foi chamada a dirimir este litígio, assim como se vê na seguinte ementa: "Constitucional. Processual Penal. Ministério Público: atribuições. Inquérito. Requisição de investigações. Crime de desobediência. CF, art. 129, VIII; art. 144, §§ 1º e 4º. I- Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, CF, no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisita-las à autoridade policial, competente para tal (CF, art. 144, §§ 1º e 4º).". (in. R.T.J. nº 173/640 – grifamos).

O voto do Min. Carlos Velloso, relator da decisão, fortalece a linha de raciocínio ora adotada. Senão vejamos: "Não vislumbro qualquer ato de desobediência, porque o Delegado da Receita Federal está sujeito à hierarquia administrativa própria, na qual não se insere o órgão do Ministério Público Federal. A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública (art. 129, III, CF). De outro modo, haveria uma polícia paralela, o que não combina com a regra do art. 129, VIII, CF, segundo a qual o MP deve exercer, conforme lei complementar, o controle externo da atividade policial" (grifamos).

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Recentemente tivemos mais uma demonstração da visão sólida do STF quanto à mantença deste entendimento; é que o Ministro Marco Aurélio, Presidente daquela Excelsa Corte, ao ser indagado sobre a função do MP na relação processual, de forma rígida e inflexível disse: "O Ministério Público, em si, é parte e não atua no campo da percepção criminal como fiscal da lei. E, sendo parte, deve ser preservada a postura de parte. É inconcebível que se chegue à conclusão de que o Ministério Público deva, ele próprio, atuar como parte e, também, como órgão investigador das circunstâncias de um possível crime. A Constituição Federal só prevê a titularidade do Ministério Público para o inquérito em uma hipótese, uma única hipótese (enfatiza). É quando se tem um inquérito civil e jamais um inquérito criminal". (In. Informativo da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, ano I, nº 003, set/2000 - grifamos).

Merece ainda destaque, nas derradeiras linhas desta humilde contribuição, que o TJ/RJ está longe de mudar o entendimento inaugurado pelo Des. Silvio Teixeira, pois recentemente a Seção Criminal, ao apreciar o HC nº 2458/2000, julg em 27/09/2000 e publicado no DOERJ de 01/08/2001, fls 319/320, o qual foi relatado pelo Des. Eduardo Mayr, manteve-se fiel a linha jurisprudencial da Suprema Corte ao reafirmar: "Habeas Corpus. Investigação Penal. Atribuição da Polícia Judiciária. Ordem Concedida. A proteção constitucional abrange não apenas a liberdade, mas também a validade do procedimento do qual possa resultar alguma restrição a este direito. Ao Ministério Público cabe com exclusividade a iniciativa de propor a ação penal pública, mas sua atribuição, "in poenalibus", não ultrapassa o poder de requisitar diligências investigatórias, e a instauração de inquéritos policiais e penal militar. Somente quando se cuidar de inquéritos civis é que além da sua instauração compete-lhe à efetivação de diligências investigatórias, com as medidas e procedimentos pertinentes".

Só quem está totalmente fora da realidade prática pode afirmar que as investigações promovidas pelo MP serão mais eficientes do que as de hoje. Aliás, bem se vê que ditos defensores desconhecem que o Estado sequer fornece filmes para os fotógrafos registrarem os locais de crimes ou mesmo a total precariedade que se encontra, pelo menos no Rio de Janeiro, o Instituto Médico Legal. Estes sim, os fatores que tem criado dificuldades, e isto temos visto em nosso cotidiano, a escorreita apuração dos indícios de autoria e materialidade de um crime. Ou será que o simples fato do MP existir, por existir, por si só já supriria tais carências materiais? É lógico que não.

O que se precisa neste país é seriedade e profissionalismo, não atos heróicos isolados. Não bastam Delegacias Modernas e coloridas, nem tampouco carros iluminados em comboio desfilando alegoricamente pelas ruas mais movimentadas da cidade, porque estas fachadas cedem diante da necessidade de uma polícia técnica estruturada e bem preparada, mas está, a sociedade não vê piscando pelas ruas com suas lâmpadas coloridas nem suas cores esfuziantes!

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Sobre o autor
Alexandre Abrahão Dias Teixeira

juiz de Direito no Rio de Janeiro, palestrante da EMERJ, diretor do IMB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Alexandre Abrahão Dias. A investigação criminal e o Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2292. Acesso em: 5 nov. 2024.

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