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Tutela ambiental antropocêntrica: considerações sobre a realidade brasileira

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4. Educação ambiental para o desenvolvimento

O conceito de desenvolvimento sustentável é constante nos tratados e na doutrina do direito ambiental. Trata-se de um tipo de desenvolvimento econômico que esteja atento aos impactos que as atividades e empreendimentos podem gerar, e neste sentido, agindo previamente, possa sugerir ao Estado e à coletividade que adotem medidas necessárias ao controle de usos e formas de ocupação do território nacional, estadual ou municipal para que não só a geração presente possa desfrutar de um ambiente equilibrado, mas também as gerações futuras.

Segundo recorda Frances Cairncross, a ideia de que o crescimento econômico e a proteção ambiental podem ser compatíveis foi captada na expressão “desenvolvimento sustentável”. Trazida ao debate em 1980 pela Estratégia de Conservação Mundial e pelo relatório Brundtland, a expressão é atraente por significar muita coisa diferente apessoas distintas. Segundo este autor todo político com consciência ambientalista é a seu favor, um indicador claro de que não compreende o que significa[10].

O crescimento sustentável a que nos referimos neste ensaio é mais que um crescimento econômico que incorpore valores ambientais em seus processos produtivos e de reprodução do capital. Trata-se de um crescimento econômico apto a resistir às intempéries que se lançarão em um futuro próximo sobre as bases da economia brasileira, assim como aquelas que se lançaram nas mais fortes economias do globo recentemente.

Neste sentido, o país deve estar preparado para responder bem à competitividade imposta pelo mundo globalizado, caso contrário estará fadado ao insucesso neste quesito. A história mostrou que todos os países que experimentaram acelerados processos de desenvolvimento econômico nos últimos anos tiveram investimentos maciços em educação. A China hoje, em fase de crescimento econômico acelerado, sabendo o que deve ser feito, tem investido grandemente na qualificação de sua população. O resultado será um crescimento econômico sustentável, ou seja, um crescimento econômico que se manterá por décadas e décadas, mesmo diante das oscilações naturais do mercado.

Neste sentido, percebe-se claramente que a educação constitui a base para que haja um desenvolvimento nacional sustentável. Para tanto, se faz necessário que os governos, federal, estadual e municipal abandonem a hipocrisia das estatísticas que mascaram a realidade do ensino no Brasil, as quais revelam apenas que um número considerável de alunos foram aprovados e conduzidos para séries seguintes, sem, contudo, haver um compromisso com a melhoria, em termos qualitativos, do ensino nos níveis fundamentais, médio e superior.


5. Ponderação de valores frente aos conflitos entre o desenvolvimento e a política ambiental.

A ponderação é uma técnica que tem por objetivo mensurar os objetos em aparente conflito para que, diante das peculiaridades de cada uma desses direitos seja possível reduzir tanto um quanto outro em busca de uma equação de equilíbrio. Esta técnica ou método é amplamente utilizado quando invocamos a aplicação do princípio da proporcionalidade ao caso concreto.

No caso do desenvolvimento do Estado brasileiro, tem-se claramente a necessidade de fazer uma composição entre o direito ao desenvolvimento econômico, tão bem delineado no artigo 170 (que trata da ordem econômica brasileira) e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a que faz jus o art. 225, ambos da Constituição brasileira de 1988.

O dicionário Houaiss descreve a palavra proporcional como algo em que há proporção correta, equilíbrio, harmonia[11].

É neste mesmo sentido que Helena Nunes Campos utiliza o princípio da proporcionalidade, considerando-o comoinstrumento para a realização de uma ponderação correta e harmoniosa entre dois interesses que estejam em conflito perante um caso concreto, em uma hipótese real e fática[12].

Não raras vezes vai haver conflitos entre a promoção da defesa ambiental e a promoção do desenvolvimento. No Brasil, a preocupação com a criação de infraestruturas para o desenvolvimento econômico se percebe com a concretização do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o qual consiste em vetor de correção de rumos voltados a colocar o Brasil no eixo do crescimento econômico mundial, capacitando o país para uma maior competitividade no mercado internacional, regido pela globalização econômica.

Sabe-se que tal crescimento econômico é importante para que o país tenha condições de alavancar seu desenvolvimento social. No entanto, o Estado deve atentar que tem também o dever de promover a defesa do patrimônio ambiental nacional. Sendo assim, quando tiver que sacrificar (total ou parcialmente) determinados bens ambientais e seus componentes, deve fazê-lo sacrificando também (parcialmente) o projeto que se pretendia implantar.

A questão do limite ao crescimento econômico diante das limitações ambientais, segundo sugere Frances Cairncross, parece representar a ideia de um “beco sem saída”. Segue em sua reflexão aduzindo que diante de uma escolha rígida entre crescimento e movimento verde, grande parte das pessoas, na maioria dos países, optará pelo crescimento. No início dos anos 1970 eram os mais ricos que se preocupavam mais com o ambiente. Os verdes ricos eram acusados (na frase memorável de Anthony Crosland, um político trabalhista inglês) de querer “derrubar a própria escada”. Dessa vez, existem duas diferenças: o ambientalismo não é mais um movimento da classe média e alguns ambientalistas têm procurado formas de reconciliar o movimento verde com o crescimento econômico[13].

A eficiência, nos moldes puramente administrativos, não é suficiente para poupar o patrimônio ambiental de “saques” em sua estrutura ecológica. Em alguns casos, o que se impõe é a restrição total ao uso direto dos recursos ambientais.o entendimento de que determinados empreendimentos são insustentáveis e que, portanto, não deverão ser autorizados/licenciados pelos Estados pressupõe as primícias para adoção de uma visão ecocêntrica, que leva em consideração o meio ambiente como um bem dotado de valor intrínseco.


6. O Déficit Ético das Sociedades Industrial e Pós-Industrial

A sociedade industrial ganhou impulso após o revolucionamento causado pela invenção da máquina a vapor. A partir de então as máquinas serviram como mecanismo de amplificação dos processos produtivos. O homem, neste processo, tornou-se mero operador de máquinas, com importância substancial, uma vez que o nível de dependência das máquinas em relação a estes ainda era grande.

O fato é que o liberalismo criou o ambiente necessário à reprodução das ideias de expansão industrial, uma vez que vigorava nas primeiras décadas que se seguiram a revolução industrial, uma política de não valorização do trabalho humano e de supervalorização dos processos produtivos. Esta situação fez acentuar as desigualdades existentes entre o estilo de vida dos proprietários dos meios de produção e os trabalhadores assalariados que superlotavam suas unidades fabris.

A ausência do Estado, em termos de regulamentação social, econômica e política criou um cenário onde asexpectativas de melhorias trabalhistas para aqueles assalariados eram por demais reduzidas.

O acúmulo de frustrações, aliada as péssimas condições de vida destes trabalhadores fez nascer inúmeros movimentos de trabalhadores, os quais fizeram o Estado repensar sua forma de atuação, uma vez que o Contrato Social pregado pelos contratualistas do século anterior era muito mais do que um pacto entre o Estado e os detentores dos meios de produção. O povo pressionava por mudanças e melhorias nas condições de trabalho. O discurso, neste momento, já conclamava para o debate de questões éticas, as quais eram cruciais para que o Estado pudesse, com sucesso, cumprir a sua missão de pacificação social.

Estas mudanças sociais foram inevitáveis. Consagraram-se então nos textos constitucionais de muitos Estados e em documentos internacionais (tratados, protocolos, etc.) os direitos sociais, considerados como direitos fundamentais de segunda dimensão. O Estado deixou de ser um estado mínimo, ausente, para adotar uma postura prestacional, ou seja, uma postura mais atenta às desigualdades sociais inerentes ao modelo econômico vigente, com programas e planos visando à redução destas desigualdades.

Certamente muitos avanços foram alcançados desde o momento inicial da revolução industrial. No entanto, segundo a realidade brasileira, esta postura do Estado com preocupações marcadamente sociais, que ganhou impulso nogoverno de Getúlio Vargas na década de 1930, não é suficiente para a efetivação das transformações sociais a que se propõe o Estado Social, já que este modelo de Estado pressupõe uma organização estatal apta a garantir um patamar mínimo de qualidade e eficiência na prestação de alguns serviços públicos essenciais, tais como educação, saúde, moradia, lazer, previdência social, entre outros, o que no Brasil se revela tensamente deficitário.

Na perspectiva ambiental, que por sua vez sempre estará interligada aos fatores sociais e econômicos, estedesenvolvimento industrial por muito tempo esteve associado a degradações ambientais, antes tidas como inevitáveis. Quando se fala antes, aqui se refere ao comportamento que predominava nos fóruns governamentais até a década de 1970, quando as questões ambientais eram vistas em segundo plano. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, ocorrida em Estocolmo no ano de 1972 representou um grande avanço, uma vez queos Estados agora se sentiam obrigados a criarem suas políticas nacionais de meio ambiente, já que as pressões das sociedades e da comunidade internacional estavam cada vez mais fortes.

Hodiernamente já se fala em sociedade Pós-Industrial, como aquela baseada nas novas tecnologias, na qual os efeitos da globalização reverberam sobre as relações econômicas e sociais com uma amplitude tamanha que sugere uma recomposição dos conceitos e uma convocação de novos atores para compor o quadro da dimensão sócio-jurídica e política que lhe subjaz.

Segundo José Carlos Bertero a sociedade pós-industrial tem por base os serviços e a fonte de poder nela existente radica na informação. Esta sociedade pauta-se, pois, pela ascensão dos serviços, que se tornam hegemônicos e, inversamente, pelo declínio das atividades industriais[14].

Nesta mesma direção, Joseph S. Nye Jr recorda que as redes estão se tornando cada vez mais importantes em uma era da informação, e o posicionamento nas redes sociais pode ser um importante recurso de poder[15].

Esta era da informação a que se tem referido nas linhas passadas constitui a base para o estabelecimento de uma sociedade pós-industrial, a qual tem como principais características a aceleração dos processos produtivos, a amplificação da ideia de consumo, enfim, o hiperdimensionamento de informações que conduzem a um novo status de desenvolvimento do regime de produção capitalista, ainda mais nocivo ao meio ambiente.

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Apesar de todo o instrumental teórico e jurídico à disposição da população e do governo para frear o desenvolvimento predatório pautado no modelo de consumo capitalista, as necessidades que surgem em decorrência da expansão populacional, aliadas à progressiva ocupação dos espaços geográficos tem tornado raros alguns recursos naturais e colocado em colapso ecológico alguns ecossistemas. O consumo de produtos industrializados tem quase levado à exaustão a oferta de minério de ferro, manganês, xeelita, ouro, petróleo, gás natural, entre outros bens ambientais não renováveis.

O problema é tão grave que tem suscitado nos estudiosos deste assunto uma inquietação sobre o modelo de desenvolvimento que deve pautar o progresso dos Estados capitalistas, sem que se venha a atropelar as políticas e as necessidades de proteção e defesa ambientais. Um dos debates mais prolongados diz respeito ao modelo de Estado que incorpora valores ambientais à sua estrutura econômica de sorte que a política verde não se desvincule da política econômica, fazendo mais efetivas as referências ao esperado e difícil desenvolvimento sustentável. Este modelo de Estado, denominado, pela doutrina, de Estado de Direito Ambiental ou Estado Ambiental guarda estreita relação com o direito constitucional, já que as base para sua instituição se encontram repousadas no Texto Magno, como ocorre com a Constituição brasileira de 1988.

Estes fatos aqui enunciados revelam o quanto o Brasil está sintonizado com a evolução do Direito, e mais ainda, do Direito Ambiental. Quadro teórico (e legal) o país tem se sobra, até para servir de exemplo a outros países. No entanto, em termos de efetivação das normas ambientais, muito ainda se tem a avançar.


7. Conclusão

Ao final deste breve ensaio pode-se afirmar que a política ambiental brasileira é amplamente pautada no antropocentrismo, uma vez que no choque de interesses econômicos e sociais com os interesses meramente ambientais (meio ambiente em si considerado) têm prevalecido os primeiros. No entanto, em nome de um mínimo ético ambiental a ser assegurado, o qual consiste em um direito indisponível das presentes e futuras gerações, as restrições ambientais devem ser pautadas pelo binômio: meio ambiente x sustentabilidade.

O Brasil precisa atualizar o seu discurso e sua política ambiental, ampliando o foco de sua política desenvolvimentista, pois se assim não fizer a herança que teremos no futuro é de terras inférteis, grandes pastos desprovidos de vegetação, desertos, poluição do ar, das águas e dos solos, além de outros males associados ao tão almejado desenvolvimento econômico.

Um exemplo do que foi explicitado no parágrafo anterior é o da construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte. Não há dúvidas que a população não indígena da região Norte precisa de uma ampliação da oferta de energia elétrica, para que seus projetos e planos de desenvolvimento econômico e social possam se concretizar. No entanto, a área escolhida constitui uma reserva indígena cuja luta para sua criação ganhou as telas do cinema brasileiro em 2012. Trata-se da luta dos irmãos Villas Boas, que à custa de muita pressão conseguiram transformar a área na reserva indígena do Xingu.

A área em questão, além de reserva indígena apresenta uma riquíssima biodiversidade, a qual esteve preservada desde a demarcação da citada reserva indígena. Parte desta reserva indígena será completamente desmatada para servir como espelho de alagamento causado pelo barramento do Rio Xingu. Ambientalistas acusam impactos de nos fluxos gênicos animais e vegetais, além de prejudicar a subsistência de comunidades indígenas ribeirinhas.

Apesar de todos estes inconvenientes, percebe-se a posição firme e direcionada do governo brasileiro em ver implantada tal barragem no Rio Xingu. Este fato revela nitidamente que no choque de interesses entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental e manutenção dos interesses indígenas, estes últimos cederam em função do primeiro, o que revela claramente a prevalência da concepção antropocêntrica de desenvolvimento que tem permeado a política ambiental brasileira.

Na balança do desenvolvimento sustentável, o “prato” do desenvolvimento econômico pesa mais do que o outro “prato”, da tutela ambiental ecocêntrica.

O que preocupa é sensação de incerteza acerca de quando a legislação ambiental brasileira vai subsistir por si mesma? ou seja, subsistir em face de seu valor intrínseco.

O acúmulo de leis, decretos, resoluções e outros instrumentos normativos, por si só, não são suficientes para a garantia de uma tutela ambiental satisfatória. Se faz necessário que a população brasileira esteja cada vez mais conscientizada e mobilizada para questionar determinadas políticas públicas que flexibilizam demais, ou ainda, esvaziam demais a legislação ambiental pátria.

Aliada a esta conscientização, convém que os governos federal, estadual, distrital e municipal somem forças com vistas ao estabelecimento de uma cooperação mais intensa com os setores privados visando uma tutela ambiental mais participativa, indutora ou repressora de comportamentos, conforme as necessidades apontadas. Somente com esta concertação, as lacunas que “esvaziam de efeitos” a legislação ambiental brasileira pode ser recompostas, dando vida projeto de um desenvolvimento econômico e social sustentável.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Tutela ambiental antropocêntrica: considerações sobre a realidade brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3411, 2 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22926. Acesso em: 19 abr. 2024.

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