Resumo: A presente matéria estuda o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial, que defende uma participação mais ativa do advogado na fase da formalização dos atos de investigação criminal. A mencionada tese se fundamenta na necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a acusação, exercida pelo Ministério Público, durante a persecução criminal. O autor da matéria contesta o paradigma que o inquérito policial é um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal. Defende que, com a nova ordem jurídica, principalmente, em razão do princípio do devido processo legal, o inquérito policial se transformou em um procedimento de proteção dos direitos e garantias individuais, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário. Neste contexto, a Polícia Judiciária não está vinculada à acusação ou à defesa, agindo com imparcialidade, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos. Em síntese, neste trabalho o inquérito policial é concebido como um verdadeiro instrumento de Justiça Criminal.
Palavras-chave: Contraditório Mitigado no Inquérito Policial; Inquérito Policial; Investigação Criminal; Polícia Civil; Polícia Judiciária; Poder Judiciário; Ministério Público; Direitos e Garantias Fundamentais; Contraditório; Ampla Defesa; Imparcialidade; Justiça Criminal; Devido Processo Legal; Sistema Inquisitivo; Delegado de Polícia, Autoridade Policial; Advogado; Verdade Real; e Persecução Criminal.
Sumário: I – Evolução Histórica da Polícia Civil; II – Mudança do Perfil do Delegado de Polícia; III – Evolução do Inquérito Policial; IV – Contraditório Mitigado no Inquérito Policial; V - Conclusão; e VI – Bibliografia.
I – Evolução Histórica da Polícia Civil
Para entender o sistema do contraditório mitigado no inquérito policial é necessário, antes, estudar a evolução histórica da Polícia Judiciária.
A Polícia Civil, na condição de Instituição responsável pela segurança pública, foi obrigada a adaptar suas atribuições no sentido de atender aos interesses da sociedade.
Inicialmente, a atividade exercida pela Polícia Judiciária estava vinculada à imagem repressiva.
Durante o período da ditadura militar, a atividade da Polícia Civil foi utilizada indevidamente como instrumento político. A natureza inquisitiva do inquérito policial era consentânea ao regime autoritário.
Posteriormente, com a democratização do Brasil, a Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, conferiu expressamente à Polícia Civil a atribuição de elucidação dos delitos, consoante se observa do § 4º, art. 144.
Neste contexto, a Polícia Judiciária assumiu o papel de guardiã da segurança pública – gestora das atividades de investigação criminal do Estado.
Finalmente, com a evolução dos direitos e garantias fundamentais, a Polícia Civil passou a atuar na área da superação da violência e dos conflitos.
Com a nova ordem jurídica, a Polícia Civil se prepara para assumir o papel de pacificadora social.
Consequentemente, percebe-se que, em razão da evolução dos direitos fundamentais, as atribuições da Polícia Judiciária foram adequadas e ampliadas:
- Elucidação dos crimes – investigação criminal; e
- Mediação de conflitos decorrentes das infrações criminais de menor potencial ofensivo – pacificadora social.
Portanto, a Polícia Judiciária sofreu verdadeira metamorfose profissional, evoluindo de mero coadjuvante para assumir a condição de protagonista no cenário da segurança pública nacional.
II – Mudança do Perfil do Delegado de Polícia
Para desempenhar o novo papel da Polícia Civil, o delegado de polícia precisou, também, alterar o seu perfil profissional.
Antigamente, o delegado de polícia era um profissinal mais operacional, voltado somente à investigação criminal.
Atualmente, o delegado de polícia é um profissional mais sofisticado, um verdadeiro operador do direito, que domina a ciência da investigação.
A mencionada transformação proporcionou condições para a inclusão da atividade exercida pelo delegado de polícia no rol das carreiras jurídica, por intermédio da Emenda Constitucional nº 35/2012.
A aprovação da Emenda Constitucional nº 35/2012 proporcionou:
- A inclusão da atividade exercida pelos delegados de polícia no rol das carreiras jurídicas;
- Reconhecimento da Polícia Judiciária como atribuição essencial à função jurisdicional do Estado;
- Independência funcional dos delegados de polícia pela livre convicção motivada dos atos de Polícia Judiciária; e
- Exigência de dois anos de atividade jurídica para o ingresso à carreira de delegado de polícia.
III – Evolução do Inquérito Policial
O inquérito policial, principal ato de Polícia Judiciária, também, se amoldou à nova ordem jurídica.
O inquérito policial sempre foi considerado, pelo Ministério Público, um procedimento dispensável, de natureza inquisitiva, meramente preparatório da ação penal.
Entretanto, a Constituição Federal adotou o princípio do devido processo legal, no inciso LIV, do art. 5º:
Art. 5º - (...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (grifei)
O princípio do devido processo legal é concebido como o conjunto de direitos, que garante uma investigação, instrução e julgamento justo ao acusado.
Entre estes direitos se destacam o contraditório e a ampla defesa (inciso LV, art. 5º, CF).
Art. 5º - (...)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (grifei)
Enquanto a definição de contraditório está vinculada à possibilidade do acusado produzir provas e apresentar a sua versão sobre os fatos, refutando as alegações e os elementos que lhe sejam desfavoráveis; o conceito de ampla defesa está relacionado ao direito da pessoa acoimada se insurgir e utilizar todos os meios necessários para demonstrar a sua inocência.
Acontece que, durante o inquérito policial, poderá ocorrer a dilapidação do patrimônio moral da pessoa investigada, em virtude da mudança do seu status.
O status da pessoa investigada poderá se transformar da simples condição de averiguada, passando pela situação desconfortável de suspeita, até alcançar a posição constrangedora de indiciada.
Ora, se durante o inquérito policial poderá ocorrer dano ao patrimônio moral da pessoa investigada, em decorrência da mudança do seu status, nada mais justo que ela tenha o direito de se defender e produzir provas.
Neste sentido, o inquérito policial se transformou em um instrumento de proteção dos direitos e garantias individuais.
Nesta conjuntura, atualmente, o inquérito policial é o procedimento de Polícia Judiciária, presidido por delegado de polícia, de carreira jurídica, destinado à formalização das atividades de investigação criminal, realizadas com o objetivo de elucidação da autoria e demais circunstância do crime, por intermédio da busca da verdade real, tendo como destinatário o Poder Judiciário.
Efetivamente, a autoridade policial, por não ser parte, não se envolve e nem se apaixona pela causa investigada.
O delegado de polícia não está vinculado à acusação ou à defesa, agindo como um magistrado, tem apenas compromisso com a verdade dos fatos.
Em síntese, o inquérito policial é concebido como um verdadeiro instrumento de justiça criminal.
IV - O Contraditório Mitigado no Inquérito Policial
Apesar da possibilidade de dano ao patrimônio moral da pessoa investigada, na fase da investigação criminal, a atuação do advogado é limitada, em razão da suposta natureza inquisitiva do inquérito policial.
Na época atual, o papel do advogado se limita a impedir eventuais abusos e excessos praticados pela autoridade policial contra seu cliente.
O sistema do contraditório mitigado no inquérito policial se fundamenta na necessidade de proporcionar à defesa paridade de força e oportunidades com a acusação, exercida pelo Ministério Público.
Nos últimos tempos, observa-se um desequilíbrio de força entre a acusação e defesa, decorrente da atividade ilícita de investigação criminal seletiva exercida pelo Ministério Público.
O contraditório mitigado no inquérito policial significa a participação mais ativa do advogado, na fase da formalização dos atos de investigação criminal, ajudando o delegado de polícia a esclarecer os fatos, na busca da verdade real.
A participação mais ativa do advogado no inquérito policial pode ocorrer de inúmeras formas, entre elas, se destacam as seguintes iniciativas:
- Arrolando testemunhas;
- Solicitando a realização de diligências;
- Postulando a realização de provas periciais; e
- Proporcionando ao investigado condições para se defender antes de ser indiciado.
Entretanto, a possibilidade da participação mais ativa da defesa, durante a elaboração do inquérito policial, não significa que o advogado poderá interferir e direcionar a investigação criminal.
Vale lembrar que o contraditório mitigado no inquérito policial enfrenta resistência por parte de alguns policiais civis e membros do Ministério Público, acostumados com o comodismo do sistema inquisitivo de produção de elementos de convicção.
V - Conclusão
O contraditório mitigado no inquérito policial propiciará mais confiança e credibilidade aos elementos de convicção produzidos na etapa da investigação criminal.
A atividade conjunta realizada pelo delegado de polícia (Polícia Judiciária) e advogado (OAB), por intermédio do contraditório mitigado no inquérito policial, contribui para o aprimoramento da justiça criminal, na medida em que proporciona condições para a realização de uma investigação criminal mais justa.
VI - Bibliografia
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BONILHA, Ciro de Araújo Martins. Da Prevenção da Infração Administrativa. São Paulo/Bauru: Edipro, 1ª ed., 2008.
GOMES, Luiz Flávio. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011 / Alice Bianchini...(et al.); coordenação Luiz Flávio Gomes, Ivan Luís Marques. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011.
MELLO TUCUNDUVA, Ricardo Cardozo. Emprego de algemas: uso e abuso, São Paulo, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional / Alexandre de Moraes. - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2003.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de e BARROS FILHO, Mário Leite de, Resgate da Dignidade da Polícia Judiciária Brasileira. São Paulo: 2010 – Edição dos autores.
OLIVEIRA, Régis Fernandes. O Funcionário Estadual e seu Estatuto. São Paulo: Max Limonad, 1975.