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Evolução do trabalho escravo no Brasil

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2. MANIFESTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

2.1. Considerações Iniciais

A escravidão ainda persiste no mundo. No Brasil, as manchetes dos periódicos nos mostram essa realidade. Em 20/07/2012, foi publicada a seguinte matéria:

 “Quatro trabalhadores em situação análoga à de escravos foram libertados no município de Nova Monte Verde (MT), a 950 km da capital Cuiabá, aplicando veneno em pastagens de uma fazenda de gado bovino para corte. Apesar de exercerem atividade considerada de risco à saúde, pela possibilidade de intoxicação, eles não tinham equipamentos de proteção individual necessários ou treinamento para a aplicação de agrotóxicos. Além disso, o grupo vivia em condições degradantes, sem instalações sanitárias ou acesso à água tratada.. ”[8].

Em 23/10/2012, notícia informa que o Ministério Público do Trabalho encontrou trabalho escravo em obra do Minha Casa, Minha Vida em Alagoas:

“O Ministério Público do Trabalho (MPT) encontrou operários em condições de escravidão num canteiro de obras para a construção de casas do Programa Minha Casa, Minha Vida, na cidade de Penedo, interior de Alagoas. A empresa Federação das Entidades Comunitárias e União de Lideranças do Brasil (Feulb), responsável pelas obras, foi autuada e obrigada regularizar a situação dos trabalhadores, além de pagar multas a cada uma das pessoas que foram submetidas à situação degradante de trabalho..” [9]

Até o dia 22 de outubro de 2012, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 1.684 trabalhadores de condições análogas a de escravo, contabilizando 91 ações em todo país.[10]

O trabalho forçado e a escravidão por dívidas não ficaram no passado; podem ser encontrados nos garimpos, nos seringais, nos desmatamentos, na produção de carvão, em indústrias de vestuário, em fábricas de CDs piratas. São frutos do lucro exacerbado, da omissão, da impunidade. A questão social, através da desigualdade social gritante, da falta de empregos, da política deficiente de reforma agrária, estimula a exploração do trabalhador hipossuficiente.

“o principal instrumento de escravização no Brasil de hoje é o endividamento – a imobilização física de trabalhadores em fazendas, até que terminem de saldar dívidas a que ficaram submetidos através de fraude e pelas próprias condições da contratação do trabalho. Trabalhadores de regiões atingidas pela recessão ou pela seca são aliciados por contratos verbais, e depois levados em caminhões que os transportam a milhares de quilômetros de distância, para trabalhar em condições perigosas. Ao chegar ao destino, os salários atraentes que lhes haviam sido prometidos são reduzidos, e depois confiscados para pagar o custo do transporte, da alimentação e até dos instrumentos de trabalho. Normalmente os trabalhadores não têm acesso aos cálculos dos encargos debitados em seu nome, e não recebem dinheiro vivo. Com o passar do tempo, a dívida dos trabalhadores vai ficando maior, de tal modo que lhes é impossível ir embora. A identidade e a carteira de trabalho freqüentemente são retidas para que os trabalhadores não escapem. A intimidação e a força física são comuns para evitar fugas. ”[11].

2.2. Escravidão contemporânea no Brasil

As primeiras denúncias de trabalho escravo contemporâneo no Brasil ocorreram nas décadas de 60 e 70, época de expansão econômica e desenvolvimento da Amazônia. Processo iniciado pelo governo militar, através do estímulo à ocupação por camponeses das regiões Nordeste e Sul do país; e por incentivos fiscais.

A Amazônia recebeu recursos de quase todos os programas governamentais. As grandes empresas foram contempladas com reduções de até 50% de todo o imposto por elas devido, desde que o correspondente a mais de dois terços desse abatimento fosse revestido em projetos agrícolas ou industriais na Amazônia Legal.

Empresas multinacionais como Volkswagen, Nixdorf, Liquigás, e grupos bancários nacionais como Bradesco, Banco Real e Bamerindus, foram beneficiados com as políticas governamentais de incentivo.

No início da década de 70, a igreja começou a fazer denúncias da existência de trabalhadores submetidos a escravidão. Em 1983, na fazenda-modelo da empresa Volkswagen, em Santana do Araguaia, no Sul do Pará, foram identificados aproximadamente mil homens submetidos a trabalho forçado. A denúncia foi feita pela Comissão Pastoral da Terra; o inquérito policial responsabilizou os aliciadores e empreiteiros pelos maus-tratos sofridos pelos trabalhadores. A Volkswagen não foi responsabilizada. A denúncia não resultou em ação penal, e somente quatro dos mil trabalhadores receberam indenizações trabalhistas, após quatorze longos anos de processo.[12]

“Ao invés de se constituir numa abertura do território com bases nos valores da democracia e da liberdade, a expansão da frente pioneira deu-se numa expansão apoiada num quadro fechado de ditadura militar, repressão e falta de liberdade política. Sobretudo num contexto de anticomunismo em que, justamente as classes trabalhadoras, na cidade e no campo, se tornavam suspeitas de subversão da ordem política sempre que reagiam às más condições de vida que o regime lhes impusera.” [13]

A vasta extensão territorial da Amazônia tornou a fiscalização bastante complicada, estimulando a ação dos “gatos” em regiões pobres do Norte e Nordeste. Para efetivar o desmatamento, para formação de pastos, produção de carvão para as indústrias siderúrgicas, os “gatos” fazem a intermediação da mão-de-obra, sendo, em muitos casos, utilizados para encobrir o vínculo empregatício entre o trabalhador e o latifundiário. O ordenamento jurídico brasileiro não admite a contratação de trabalhadores por pessoa interposta.

As mercadorias produzidas pela mão-de-obra escrava são a pecuária, a cana-de-açúcar, a madeira, o algodão, a soja, o carvão vegetal para o aço. Muitos desses itens são produzidos em grande escala e, em parte, utilizados para a exportação. Dessa forma, o fazendeiro explora a todo custo a mão-de-obra escrava para obter o máximo de lucro e conseguir competir no mercado internacional, gerando, na prática, uma concorrência desleal com relação àqueles que operam seguindo a legislação trabalhista. Observa-se, portanto, que a maioria das empresas responsáveis pela prática da escravidão é de grande porte.

O Tocantins e a região Nordeste, tendo à frente os Estados do Maranhão e Piauí, são os maiores fornecedores de mão-de-obra escrava. Os altos índices de desemprego nessas regiões gera um contingente significativo de pessoas em busca de trabalho, visando o seu sustento e o de sua família. Maranhão é a unidade da federação com menor Índice de Desenvolvimento Humano, possuindo a maior quantidade de trabalhadores libertos da escravidão. Pará e Mato Grosso são os campeões em resgates de trabalhadores pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

O aliciamento é feito com promessa de garantia de assistência médica, contrato, bons salários, transporte e dinheiro para a diversão. Iniciando a dívida do trabalhador, o “gato” já fornece o alimento, o transporte; não raro é deixado um adiantamento para a família do obreiro, valor que não alcança um salário-mínimo.

Muitos vão espontaneamente. A falta de recursos, de oportunidades; a necessidade de renda para o sustento próprio e da família, são os principais impulsionadores. Buscam fugir da rotina em que vivem, almejam mudar de vida; querem ser respeitados, como um trabalhador, pela família e pela comunidade.

Há também os chamados “peões do trecho”, os quais, após terem saído de sua terra natal, não possuem residência fixa, vão de trecho em trecho a procura de trabalho. Geralmente se hospedam nos “hotéis peoneiros”, localizados próximo à rodoviária ou aos pontos de aliciamento, onde os intermediários os encontram e “compram” suas dívidas, levando-os para as fazendas. Muitos intermediários são, também, os donos das pensões; sendo, os trabalhadores, verdadeiras mercadorias.

O transporte até as fazendas, em geral, é feito de forma clandestina, em caminhões ou ônibus sem as mínimas condições de segurança. Chegando às fazendas, os trabalhadores já se encontram endividados, as condições de trabalho as quais são submetidos são bem diferentes das prometidas pelo “gato”. As fazendas são isoladas, os alojamentos são precários e coletivos; não há comércio, postos de saúde. Os gastos com transporte; alimentação; instrumentos de trabalho, como luvas, botinas e chapéus, são anotados em um “caderno”. Qualquer produto só pode ser adquirido no armazém de propriedade do fazendeiro, onde os preços das mercadorias são muito superiores àqueles praticados no comércio corrente.

Isolado da rede econômica, social e cultural na qual estava inserido, o obreiro fica impedido de se retirar do trabalho sob a alegação de que possui dívidas a pagar, dívidas estas que nunca serão saldadas. Sem acesso ao “caderno” com seus débitos, o trabalhador fica eternamente refém do sistema escravista. O obreiro permanece vigiado pelo aliciador; ao reclamar ou tentar fugir, é submetido a torturas, maus-tratos, podendo até perder a vida.

Doenças tropicais endêmicas, como malaria e febre amarela, são comuns nas fronteiras agrícolas. Doentes, os trabalhadores se tornam indesejáveis, não há atendimento médico na região; nos casos mais graves, o obreiro percorre quilômetros até alcançar uma estrada, na esperança que apareça alguém que possa levá-lo a uma cidade mais próxima. É comum que muitos deles venham a falecer. Não há saneamento, água potável, muito menos sanitário; a água tirada do córrego é usada para beber; cozinhar; tomar banho; lavar roupas, panelas e os equipamentos usados no serviço. Não raro as chuvas carregam o veneno aplicado no pasto para o córrego.

O trabalho escravo não se limita à zona rural; há incidência do trabalho escravo na zona urbana, notoriamente no estado de São Paulo, tendo como vítimas imigrantes ilegais. São bolivianos, chilenos, paraguaios e peruanos que compõe uma oferta abundante de mão-de-obra barata em São Paulo.

Todos os anos muitos imigrantes, em especial bolivianos, saem de seus países, clandestinamente, fugindo da miséria e buscando melhores condições de vida no Brasil. Sem documentação, os imigrantes recorrem a oficinas de costuras também clandestinas, muitas localizadas no centro da cidade de São Paulo. Lá eles cumprem longas jornadas de trabalho, trabalham sem garantias sociais, ganham bem menos que outros trabalhadores e permanecem confinados em cômodos acanhados na região central da capital, como Brás, Bom Retiro e Pari.

2.3. Caso José Pereira

O caso José Pereira foi o primeiro caso contra o Brasil a chegar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ganhando notoriedade nacional e internacional. A denúncia foi realizada pela Comissão Pastoral da Terra juntamente ao Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL). O Brasil violou a Convenção e a Declaração de Direitos Humanos, pois não cumpriu a obrigação de proteger todos aqueles submetidos a condições análogas à escravidão, permitindo sua permanência por omissão ou cumplicidade.

José Pereira partiu de sua cidade em direção a Xinguara (PA), juntamente com outros trabalhadores, permanecendo hospedados em uma pensão. Dias depois, um intermediário comprou a dívida contraída pelos trabalhadores na pensão – alimentação e hospedagem. Começava, então, a escravidão por dívida.

Na fazenda, havia mais 30 homens trabalhando na roça, preparando o pasto paro o gado criado na fazenda. Os obreiros não sabiam quanto deviam, só tinham conhecimento que o valor da dívida era alto e que era necessário que trabalhassem bastante para liquidar os débitos. José Pereira e seu colega de trabalho, Paraná, decidiram que não havia mais condições de permanecer ali por muito tempo.

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“José Pereira – E, aí, nós fugimos de madrugada, numa folga que o gato deu. Andamos o dia todo dentro da fazenda. Ela era grande e tinha duas estradas, mas a gente só sabia de uma. Nessa, que a gente conhecia, eles não passavam. Mas já tinha rodeado pela outra e botado trincheira na frente, tocaia, né. Não sabíamos... Mais de cinco horas passamos na estrada, perto da mata. E quando saímos da mata, fomos surpreendidos pelo Chico, que é o gato, e mais três, que atiraram no Paraná, e ele caiu morrendo. Eles foram buscar uma caminhonete e, com uma lona, forraram a carroceria. Aí colocaram o Paraná de bruços e me mandaram andar. Eu andei uns 10 metros e eles atiraram em mim.

[...]

José Pereira – É. Acertou meu olho. Pegou por trás. Aí eu caí de bruços e fingi de moro. Eles me pegaram também e me arrastaram, me colocaram de bruços, junto com o Paraná, me enrolaram na lona. Entraram na caminhonete, andaram uns 20 quilômetros e nos jogaram na rodovia PA-150, em frente da fazenda Brasil Verde. O Paraná estava morto. Eu me levantei e fui para a Brasil Verde. Procurei socorro e o guarda me levou ao gerente da fazenda, que autorizou um carro a me deixar em Xinguara, onde fui hospitalizado.”.[14]

O episódio ocorreu em 1989, quando José Pereira tinha 17 anos de idade; em Belém, ele fez tratamento no olho, porém não conseguiu recuperar a visão. Após o ocorrido, o labutador denunciou a fazenda Espírito Santo à Polícia Federal.

A Polícia Federal já havia recebido denuncias da prática de trabalho escravo na Fazenda Espírito Santo desde 1987 pela Comissão Pastoral da Terra. Um mês após à denúncia, somente em virtude da insistência de grupos ativistas de direitos humanos ao governo central em Brasília, José Pereira retornou à fazenda acompanhado de autoridades policiais. No local, havia mais 60 trabalhadores vivendo sob regime de trabalho escravo. Os responsáveis não foram localizados.

Transcorridos mais de quatro anos dos fatos, em fevereiro de 1994, a Comissão Pastoral da Terra uniu-se à CEJIL e denunciou o Estado brasileiro à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos com sede em Washington. A petição formulada apontava o desinteresse e ineficácia nas investigações. Até o momento da denúncia, ninguém havia sido procurado ou condenado pelo caso em análise, nem por nenhum outro caso relativo a trabalho escravo, no Estado do Pará. Alegou cumplicidade de policiais estaduais, que, em muitos casos, apreendem os trabalhadores submetidos à escravidão e os devolvem às fazendas, além de fazerem “vista grossa” quando os aliciadores prendem os obreiros fugitivos. Denunciou o descaso do governo diante do aumento do número de trabalhadores escravizados e submetidos à extrema violência, pois nenhum fazendeiro ou capataz havia sido condenado até a data da denúncia.

No caso ora em análise, foi evidenciado que o Brasil violou os seguintes artigos da Declaração Americana dos Direitos e Deveres:

Art. I. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.

[...]

Art. XIV. Toda pessoa tem direito ao trabalho em condições dignas e o direito de seguir livremente sua vocação, na medida em que for permitido pelas oportunidades de emprego existentes. Toda pessoa que trabalha tem o direito de receber uma remuneração que, em relação à sua capacidade de trabalho e habilidade, lhe garanta um nível de vida conveniente para si mesma e para sua família.

[...]

Art. XXV. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, a não ser nos casos previstos pelas leis e segundo as praxes estabelecidas pelas leis já existentes. Ninguém pode ser preso por deixar de cumprir obrigações de natureza claramente civil. Todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberdade, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida, e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, no caso contrário, de ser posto em liberdade. Tem também direito a um tratamento humano durante o tempo em que o privarem da sua liberdade.”[15]

A Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, também foi infringida.

Art. 6º - Proibição da escravidão e da servidão

1. Ninguém poderá ser submetido à escravidão ou servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as suas formas.

2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. Nos países em que se prescreve, para certos delitos, pena privativa de liberdade acompanhada de trabalhos forçados, esta disposição não pode ser interpretada no sentido de proibir o cumprimento da dita pena, imposta por um juiz ou tribunal competente. O trabalho forçado não deve afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.

3. Não constituem trabalhos forçados ou obrigatórios para os efeitos deste artigo:

a) os trabalhos ou serviços normalmente exigidos de pessoa reclusa em cumprimento de sentença ou resolução formal expedida pela autoridade judiciária competente. Tais trabalhos ou serviços devem ser executados sob a vigilância e controle das autoridades públicas, e os indivíduos que os executarem não devem ser postos à disposição de particulares, companhias ou pessoas jurídicas de caráter privado;

b) serviço militar e, nos países em que se admite a isenção por motivo de consciência, qualquer serviço nacional que a lei estabelecer em lugar daquele;

c) o serviço exigido em casos de perigo ou de calamidade que ameacem a existência ou o bem-estar da comunidade;

d) o trabalho ou serviço que faça parte das obrigações cívicas normais.

[...]

Art. 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na

apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;

b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e

h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

[...]

Art. 25 - Proteção judicial

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juizes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

2. Os estados-partes comprometem-se:

a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso;

b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e

c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.[16]

Somente em 18 de setembro de 2003, os peticionários e o Estado brasileiro, após grande pressão internacional, assinaram acordo de conciliação, no qual o governo reconheceu a responsabilidade perante a comunidade internacional e foi estabelecido um rol de compromissos referentes ao julgamento e sanção dos responsáveis, medidas pecuniárias de reparação, medidas de prevenção, modificações legislativas, de fiscalização e sanção e medidas de sensibilização contra o trabalho escravo.

O reconhecimento público da responsabilidade do Estado brasileiro foi de suma importância, pois impulsionou a criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e a alteração do art. 149 do Código Penal, que trata da condição análoga a escravo, por meio da Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, conforme trataremos nos próximos tópicos.

Em 2003, foi enviado ao Congresso um projeto de lei prevendo indenização, a José Pereira, por danos morais e materiais, contabilizando R$52 mil reais.

Apesar da grande repercussão do caso, os infratores não foram punidos, tendo em vista o grande espaço de tempo transcorrido entre o inquérito e o oferecimento da denúncia, chamado de prescrição retroativa. Os acusados continuam foragidos.

Esse caso é somente mais um dentre os milhares que acontecem todos os dias, principalmente na zona rural de nosso país. Por isso a Comissão Pastoral da Terra e a CEJIL propuseram a competência da Justiça Federal para o julgamento do crime de escravidão, além de uma série de mudanças legislativas e administrativas, almejando uma fiscalização mais eficaz e garantindo a punição dos infratores. Tais propostas foram incluídas no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, no início de 2003.

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Sobre a autora
Fernanda Elisa Viana Pereira Bentemuller

Advogada. Pós graduada Lato Sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Graduada pela Universidade Federal do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BENTEMULLER, Fernanda Elisa Viana Pereira. Evolução do trabalho escravo no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3432, 23 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23075. Acesso em: 29 mar. 2024.

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