Resumo: Foi realizado um estudo acerca da responsabilidade penal de pessoas jurídicas no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, foi feita uma análise do fenômeno da expansão do Direito Penal especial, contrariando seu caráter subsidiário de ultima ratioe princípios de direito, como o da intervenção mínima e o da intranscendência das penas. Por fim, chegou-se à conclusão que a imputabilidade de entes concebidos abstratamente, como são as pessoas jurídicas, demonstra-se inserida numa política criminal pública a partir da vontade desenfreada do Estado em punir, corrigindo falhas provenientes de outros ramos do direito, prática esta que infringe a Constituição da República de 1988.
Palavras-chave: Direito Penal; Inimputabilidade; Pessoa Jurídica.
A expansão do direito penal especial e sua relação com a política criminal desenvolvimentista estatal
Atualmente, observa-se o fenômeno recorrente da supressão das esferas jurídicas na tentativa de coibir atos dos cidadãos, agora se estendendo às pessoas jurídicas de direito privado, promulgando-se leis que preveem sanções penais em detrimento dos demais ramos de direito vigentes. Como exemplo, podemos citar a enorme quantidade de normas com sanções penais, em detrimento de punições de caráter administrativo, que estão presentes no Código de Trânsito Brasileiro; na Lei 8.176/91, sobre os crimes contra a ordem econômica; na Lei 7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro; e, por último, os que se apresentam na Lei 9.605/98, que dispõe sobre os crimes ambientais.
Uma das causas que mais contribuíram para a expansão do Direito Penal especialfoi o surgimento de novos interesses gerados com a emergência de novos riscos sociais, econômicos e ambientais. Diante da eminente escassez e da necessidade de preservação derecursos naturais, surgiu em nossa sociedade, por parte do Estado, o dever de preservá-los, garantindo à sociedade uma melhor qualidade de vida. Para isso, foram instituídos os crimes de perigo abstrato,o que de certa forma contribuiu para a expansão do Direito Penal.
No que diz respeito aos crimes contra o Sistema Financeiro, o capitalismo, enquanto um sistema que concentra o poder econômico nas mãos da minoria, é um dos grandes responsáveis pela emergência, em nossa sociedade, de um conjunto de normas que visam a punição de entes, ainda que abstratos, que infrinjam a ordem econômica.
As camadas mais afetadas pelas grandes organizações, que se inserem na parcela excluída pelo sistema capitalista, impulsionadas pelo descrédito das instâncias de proteção, tendem a pressionar o Estado à punição destas organizações, sobretudo na esfera do Direito Penal, em decorrência de crimes ambientais, sociais e econômicos por ela praticados.
Segundo Rômulo Resende Reis (2012),
Nos tempos modernos, com a complexa organização social, bem como, com a necessidade de se tutelar interesses de toda a coletividade, interesses maiores em detrimento do interesse individual, viu-se o Direito na imperatividade de se reconhecer a responsabilidade dos entes coletivos. O interesse maior da coletividade passou a se sobrepor ao interesse destes entes coletivos, os quais, com suas condutas danosas passaram a colocar em perigo interesses sociais básicos, tais como o meio ambiente. Daí a importância de se tutelar penalmente a conduta destes entes.
Essa política criminal adotada pelo legislador brasileiro infringe o caráter de ultima ratio do Direito Penal presente no princípio da intervenção mínima, e que se trata de princípio normativo que reduz o jus puniendi estatal.
Se a intervenção do sistema penal é, efetivamente, violenta, e sua intervenção pouco apresenta de racional e resulta ainda mais violenta, o sistema penal nada mais faria que acrescentar violência àquele que, perigosamente, já produz o injusto jushumanista a que continuamente somos submetidos. Por conseguinte, o sistema penal estaria mais acentuando os efeitos gravíssimos que a agressão produz mediante o injusto jushumanista, o que resulta num suicídio. (PIERANGELLI; ZAFFARONI, 2007, p. 73).
A clara conclusão disto é que o sistema penal deve corresponder ao princípio da intervenção mínima na América Latina, não somente pelas razões que se apresentam como válidas nos países centrais, mas também em face de nossa característica de países periféricos, que sofrem os efeitos do injusto jushumanista de violação do direito ao desenvolvimento(Ibid., p. 73. Grifos do autor).
Referindo-se ainda à política criminal, Zaffaroni sugere que, em alguns Estados,
o sistema penal tende, geralmente, a torná-lo [o fenômeno dual “hegemonia-marginalização”] mais agudo, impõe-se buscar uma aplicação das soluções punitivas da maneira mais limitada possível. Igualmente, a constatação de que a solução punitiva sempre importa num grau considerável de violência, ou seja, de irracionalidade, além da limitação do seu uso, impõe-se, na hipótese em que se deva lançar mão dela, a redução, ao mínimo, dos níveis de sua irracionalidade. (Ibid., p. 72. Grifos do autor).
No entanto, conforme dito anteriormente, há alguns anos, em especial ao longo do século XX, o fenômeno emergente no Brasil é oposto ao que prevê o Princípio Penal da Intervenção Mínima e o Princípio da Subsidiariedade da Aplicação das Normas Penais.Essas normas, que até então eram aplicadas de forma subsidiária em relação aos demais ramos do Direito (Tributário, Previdenciário, Trabalhista, Ambiental, Administrativo, entre outros), devido a seu caráter de ultima ratio, cada vez mais estão sendo aplicadas de forma prioritária na solução de conflitos (em caráter de prima ratio ou de sola ratio).
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalidade de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade. (BITENCOURT, 2010, p. 13).
Juliana Moreira Mendonça (2008) em seu artigo “A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais” explica o motivo dessa política criminal:
A preocupação com a tutela do meio ambiente iniciou-se com a mudança do paradigma da sociedade(paradigma científico cartesiano X paradigma científico sistêmico), através do surgimento de um pensamentonovo, voltado para a sociedade de risco, deflagrada, principalmente, a partir da constatação de que ascondições tecnológicas, industriais e formas de organização econômica da sociedade estão em conflito com aqualidade de vida.
Em síntese, ainda segundo Bitencourt (2010, p. 14), “antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social”.Após esgotadas todas as vias de direito disponíveis para a resolução do conflito é que se deve, então, utilizar-se dos meios repressivosprevistos na esfera penal. No entanto, o que se tem percebido atualmente é uma transgressão a esse princípio por parte do Estado, por meio sua função precípua de legislar, inerente ao Poder Legislativo.
Proveniente da incapacidade do Estado de prevenir impactos ambientais e crimes contra a ordem financeira, ou de puni-los em outras esferas do Direito (Administrativo, Civil, Tributário), percebemos a emergência de normas jurídicas que preveem, na esfera criminal, punições destinadas às ações praticadas por pessoas jurídicas. Essa possibilidade de punição de um ente abstrato na persecução penal, além de transgredir a teoria finalista sobre o delito adotada por nosso legislador no Código Penal vigente, demonstra-se inconstitucional, conforme será demonstrado ao longo deste trabalho.
Por fim, essa tentativa demasiada de punição de um ente abstrato retrata a vontade de um Estado que se mostra ineficiente em suas funções, administrativa ou política, social oueducacional, legislativa ou judiciária, precisando, em último caso, recorrer ao Direito Penal especial na tentativa de solucionar um problema que pode ser resolvido em esferas anteriores a ele. Para melhor desenvolvimento deste estudo, faz-se necessário conceituar e, posteriormente, distinguir, Direito Penal comum e Direito Penal especial.
Direito Penal comum e Direito Penal especial
Noronha compreende da seguinte forma as diferenças entre o Direito Penalcomum e o Direito Penal especial:
Delimitando o conceito de direito penal, os autores distinguem-no em comum e especial, apresentando este várias subdivisões. A primeira é o direito penal disciplinar. É exercido pela administração e supõe, no destinatário da norma, relação de dependência de caráter administrativo ou de subordinação hierárquica, empregando sanções de caráter meramente corretivo. Ao contrário do direito penal comum, não se exterioriza em figuras típicas, mas as infrações são previstas de modo vago ou genericamente.(NORONHA,2000, p. 9. Grifos do autor).
Noronha (Direito Penal, p. 9) ainda elenca diversos tipos de direito penal especial existentes, quais sejam: a) o direito penal administrativo – “conjunto de disposições que, mediante uma pena, tem em vista o cumprimento, pelo particular, de um dever seu para com a administração”, considerando como seu desdobramento mais importante o direito penal fiscal ou financeiro; direito penal militar – “aplicável somente a determinada classe de pessoas e por órgãos próprios; b) o direito penal econômico – “próprios dos regimes autoritários ou de economia dirigida”; c) o direito penal do trabalho ou corporativo – que vigorou na época do fascismo e que se extinguiu com ele; d) o direito penal político – “em que atua justiça especialíssima, como no caso do impeachment (art. 86, CR/88)”; e) o direito penal industrial e intelectual – “a que se quis dar injustificada amplitude, abrangendo toda a propriedade intelectual, nas suas manifestações industrial, intelectual e artística”; f) o direito penal da imprensa; e, por fim, g) o direito penal eleitoral – que sua especialização, sob sua ótica, não procede, pois se trata de juízes do direito penal comum e as condutas típicas são complementares da legislação penal ordinária.
A expansão do Direito Penal especial, conforme já vimos, é fruto de uma política criminal voltada para a intolerância de atos considerados como criminosos.No entanto, o que se vê é que essa política criminal tem surtido efeito inverso:o que se percebe, como consequência da expansão do Direito Penal especial, é exatamente o seu descrédito, bem como o descrédito da sanção penal, conforme observa César Roberto Bitencourt (2010, p. 14), por perder “sua força intimidativa diante da ‘inflação legislativa’ reinante nos ordenamentos positivos.” O Direito Penal deve ser utilizado para punição das infrações mais graves, sob o risco de se tornar socialmente ineficiente.
O Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica. Isso, segundo Régis Prado, “é o que se denomina caráter fragmentário do Direito Penal. Faz-se uma tutela seletiva do bem jurídico, limitada àquela tipologia agressiva que se revela dotada de indiscutível relevância quanto à gravidade e intensidade da ofensa”. (BITENCOURT, 2010, p. 15. Grifos do autor).
Para Heleno Fragoso, a política criminal de um Estado deve estar relacionada à política econômica e social adotada por seus governantes:a “Política Criminal é parte da política social, devendo estar integrada nos planos nacionais de desenvolvimento”. (FRAGOSO, 2003, p. 24). Com base nessa afirmação, entende-se que as medidas coercitivas presentes nas sanções penais de combate à corrupção, à degradação ambiental ou à fraude contra o fisco, por exemplo, devem estar atrelados à política criminal adotada pela Administração Pública. Assim, a política criminal a ser adotada por um Estado deve ser pensada em conformidade a sua política de desenvolvimento socioeconômico, uma vez que a expansão econômica e social de um Estado se relaciona ao combate às infrações contra ele cometidas, além, é claro, da punição de seus agentes.
A impunidade, nesses casos, gera um descrédito por parte de investidores em seu sistema econômico, devido à insegurança de suas finanças, desencorajando-os a aplicarem nesse mercado. Da mesma forma que o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social, relativo à qualidade de vida de sua população e à preservação de seus recursos naturais, fonte de riqueza natural de um Estado, está relacionado à política ambiental adotada por seus governantes. Assim, o rigor na punição das pessoas que destroem o meio-ambiente se insere na política de desenvolvimento adotada por esse Estado. Por fim, como o fisco é uma das fontes de arrecadação do Estado, o rigor no combate à sonegação e à corrupção também se refere à política de desenvolvimento por ele adotado.
No entanto, sanções penais destinadas às infrações descritas acima não têm-se demonstrado eficiente para coibir tais ações. O Estado cria mecanismos penais para coibir tais abusos a fim de compensar sua ineficiência em prevenir a ocorrências destes fatos. Ademais, o sistema penal se mostrou eficiente apenas na punição de agentes pertencentes às classes social e economicamente mais desfavorecidas, em detrimento de infratores que se inserem nas classes socialmente mais privilegiadas, como demonstra Heleno Fragoso em seu livro Lições de Direito Penal:
Na medida em que a moderna criminologia voltou-se para o próprio sistema repressivo e o submeteu a análise e pesquisa, pôde-se verificar que certos princípios gerais admitidos como pressupostos, não correspondem à realidade, e devem ser postos dúvida. O efeito preventivo da ameaça penal não está demonstrado; o efeito ressocializador e preventivo da pena evidentemente não existe, pelo menos no que diz respeito à pena de prisão. O crime está em função da estrutura social, que não se modifica através do Direito Penal. É reduzido, em consequência, o papel que o sistema punitivo do Estado desempenha em termos de prevenção, e, pois, em termos de efetiva proteção e tutela de valores da vida social. Verificou-se, por outro lado, o alto custo social da repressão punitiva, com a estigmatização, a desigualdade, a corrupção, a morosidade e as deficiências do sistema policial, judiciário e penitenciário.
A clientela do sistema é constituída pelos pobres e desfavorecidos. (FRAGOSO, 2003, p. 24. Grifos do autor).
Devido à comprovada ineficiência das sanções penais para a prevenção da ocorrência de novos delitos, a tendência da nova política criminal, segundo Heleno Fragoso, é a redução de seu campo de aplicação. Para isso, espera-se que os Estados, visando coibir a ação de infratores, direcionem suas políticas desenvolvimentistas para outros meios de controle social, e não à esfera coercitiva do Direito Penal.
Uma política criminal moderna, em consequência, orienta-se no sentido da descriminalização e da desjudicialização, ou seja, no sentido de contrair ao máximo o sistema punitivo do Estado, dele retirando todas as condutas antisociais que podem ser reprimidas e controladas sem o emprego de sanções criminais. Trata-se de reduzir ao mínimo a aplicação do instrumento penal, procurando-se recorrer a outros meios de controle social. (FRAGOSO, 2003, p. 24).
No entanto, o que se tem verificado, na prática, é fenômeno contrário a esse. Como nas esferas do Direito Civil, do Direito Tributário e do Direito Administrativoas formas de repressão não têm surtido efeitos desejados pela sociedade, o Estado procura na esfera penal a proteção socialmente desejada para sua política desenvolvimentista referente ao meio-ambiente, à garantia da ordem econômica e do sistema financeiro, ou até mesmopara as infrações de trânsito. (MENDONÇA, 2008).
Nessa vontade desenfreada de punir pessoas,o Estadocria mecanismos coercitivos para seus infratores, ainda que estes sejam seres abstratamente concebidos, como é o caso das pessoas jurídicas, a partir de uma política criminal equivocada, uma vez que frustrados todos os seus meios de prevenção.
Assim, a responsabilidade penal de pessoas jurídicas se mostra uma tentativa desesperadora de um Estado ineficiente em sua política social, econômica e cultural de desenvolvimento, como veremos ao longo deste estudo. Em seguida, a partir da teoria criminal clássica do delito, analisaremos a possibilidade de responsabilização criminal de pessoas jurídicas.
Da inimputabilidade da pessoa jurídica
Sílvio Venosa, em seu livro Direito Civil, define pessoas jurídicas como entes abstratos dotados de capacidade jurídica organizados a partir da necessidade de conjugar esforços, numa união entre os homens, para uma “polarização de atividades em torno do grupo reunido”. (VENOSA, 2010, p. 223). As Pessoas Jurídicas são concebidas, portanto, “ora como conjunto de pessoas, ora como destinação patrimonial, com aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações.” (VENOSA, 2010, p. 223).
Da mesma forma, Caio Mário afirma que, além da aglomeração de pessoas destinada a um objetivo comum, para que haja Pessoa Jurídica é inerente a vinculação psíquica entre os membros que dela fazem parte, atribuindo-lhe “unidade orgânica”. (PEREIRA, 2009, p. 256).
Para que haja a constituição da pessoa jurídica deve ser observada a presença de três requisitos: a vontade humana criadora, observância das condições legais para sua formação e finalidade lícita. Deve-se ressaltar, ainda, que, segundo Caio Mário, em virtude do fator psíquico entre as pessoas, inerente à constituição da Pessoa Jurídica,
assume a entidade criada um sentido existencial que a distingue dos elementos componentes, o que já fora pela agudeza romana assinalado, quando dizia que societas distat a singulis (a sociedade tem existência distinta de seus sócios). Numa associação vê-se um conjunto de pessoas, unindo seus esforços e dirigindo suas vontades para a realização dos fins comuns. Mas a personificação do ente abstrato destaca a vontade coletiva do grupo, das vontades individuais dos participantes, de tal forma que o seu querer é uma “resultante” e não mera justaposição das manifestações volitivas isoladas. (PEREIRA, 2009, p. 256).
Uma vez conceituada pessoa jurídica, passemos à verificação da impossibilidade de sua responsabilização criminal, com base nos institutos clássicos da teoria do crime. Para essa análise, serão revisitados os conceitos de tipicidade, de ilicitude ou antijuricidade e de culpabilidade, vinculando-os às ações praticadas por sociedades empresárias.
Para parte da doutrina, a Constituição da República de 1988, no parágrafo 5º do artigo 173 e no parágrafo 3º do artigo 225, prevê a imputabilidade criminal da pessoa jurídica:
Art. 173, § 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Por outro lado, parte da doutrina discorda desta interpretação do texto constitucional. Para essa parte da doutrina, que defende a impossibilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica, a interpretação adequada do § 3º, do artigo 225, da CR/88 é a deque o termo “atividade” se remeteà ação da pessoa jurídica, enquanto que o termo“conduta” se refere à ação praticada pela pessoa física. Dessa forma, as sanções penais se destinam exclusivamente às pessoas físicas e as sanções administrativas às pessoas jurídicas.
Além disso, parte da doutrina do Direito Penal não admite a responsabilidade subsidiária da pessoa natural sobre a pessoa jurídica a que esteja vinculada. Eles fundamentam sua teoria na impossibilidade de punição de pessoas jurídicas por condutas, utilizando-se, para tanto, da “Teoria da Ficção Jurídica” elaborada por Savigny, segundo a qual, as pessoas jurídicas são entes fictícios, criados pelos homens.
Savigny compreendia as pessoas jurídicas como entes abstratos intangíveis e irreais, destituídos de vontade própria. Assim, as leis, segundo essa corrente, ao previrem a possibilidade de punição das pessoas jurídicas, violam os seguintes princípios de Direito: Princípio da Personalidade das Penas ou Princípio da Intranscendência Pessoal da Pena, Princípio da Culpabilidade e Princípio da Intervenção Mínima.
O primeiro princípio transgredido é o Princípio da Personalidade das Penas ou Princípio da Intranscendência Pessoal da Pena, positivado no inciso XLV do artigo 5º da CR/88, que prevê que a pena não deve ultrapassar a pessoa do condenado.
O artigo 24 da Lei 9.605/98 consagra a denominada “pena de morte da pessoa jurídica”, pena esta inconstitucional. Além disso, essa pena viola o Princípio Constitucional da Intranscendência das Penas, previsto no inciso XLV da CR/88, uma vez que os sócios minoritários da empresa – que votaram contra a decisão vencedora, por exemplo –, funcionários e a própria sociedade seriam prejudicados com a liquidação da sociedade.
Conforme Rômulo Resende Reis demonstra em seu artigo “A responsabilidade penal das pessoas jurídicas e a lei de crimes ambientais” a pena de liquidação forçada da empresa infratora, principalmente se tratando de pessoa jurídica irregular, mostra-se ineficiente.
Já a pena da interdição de estabelecimento, obra ou atividade vem de encontro a necessidade de se fazer cessar prontamente a agressão ambiental, quando o estabelecimento, obra ou atividade da pessoa jurídica estiver funcionando de forma irregular, causando o dano ambiental tipificado na Lei. Na maioria das vezes, crimes ambientais são praticados em questão de segundos, razão pela qual a pena vem de encontro a esta necessidade de se fazer parar de pronto a agressão ambiental. (REIS, 2012).
O segundo princípio violado é o Princípio da Intervenção Mínima, que, por sua vez, fundamenta jurídica e filosoficamente o caráter ressocializador da pena. Referente a este último, os adeptos dessa corrente justificam sua inaplicabilidade perante a pessoa jurídica, fundamentando-se na impossibilidade de ressocialização de um ente abstrato e na reflexão de suas ações.
Tem-se, com isso, a impossibilidade da pessoa jurídica exercer um juízo de reprovabilidade de suas condutas, conforme observou Juliana Moreira Mendonça, uma vez que um dos objetivos basilares do Direito Penal é a recuperação do agente delituoso. “Seguindo este raciocínio, impossível seria a ressocialização do ente coletivo, uma vez que o mesmo não seria capaz de emitir vontade, não podendo, portanto, se arrepender do delito praticado. Da mesma forma, não poderia ser reeducado ou intimidado.” (MENDONÇA, 2008).
Outro princípio violado é o Princípio da Culpabilidade, uma vez que as pessoas jurídicas não possuem os atributos da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude, ou seja, a pessoa jurídica não age por si própria, mas pela vontade de seus administradores.
Levando-se em consideração a violação dos princípios acima, é razoável que a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado se restrinja apenas às esferas administrativa, tributária ou civil. Além disso, para que não haja violação a direitos constitucionalmente positivados, as pessoas naturais por ela responsáveis devem responder,na esfera penal, apenas no âmbito de sua parcela de culpa, desde que comprovado o nexo de causalidade entre o dano ou o simples perigo de dano, em caso de crime de perigo em abstrato, e sua ação na pessoa jurídica.Passemos, pois, à análise das funções da pena e à ineficiência de sua inaplicabilidade às Pessoas Jurídicas, por serem entes fictícios de direito.