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Habeas data: origem histórica e trajetória no direito brasileiro

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29/11/2012 às 16:44

Resumo:


  • O habeas data é uma ação civil que permite que pessoas físicas ou jurídicas tenham acesso, retifiquem ou façam anotações em informações referentes à sua pessoa em registros ou bancos de dados governamentais ou de caráter público.

  • O instituto do habeas data teve suas origens na Europa na década de 1970, influenciando diversas Constituições latino-americanas, como a do Brasil de 1988, que inseriu o remédio constitucional no ordenamento jurídico nacional.

  • O habeas data enfrenta novos desafios com a expansão de bancos de dados mantidos por entidades privadas, que podem interferir na privacidade e na vida pessoal das pessoas, exigindo uma constante adaptação e aprimoramento do instituto no direito brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7. RESTRIÇÕES AO ACESSO ÀS INFORMAÇÕES

Ao analisar-se o instituto do habeas data, é relevante notar que, para grande parte da doutrina e jurisprudência, o direito de conhecer e retificar dados pessoais constantes de bancos de dados de caráter público sofre algumas limitações, em especial nos casos em que o sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, inciso XXXIII, da CRFB/88, e Lei nº 11.111/2005).

Sobre o tema, teve o TFR a oportunidade de decidir que “frente à cláusula do sigilo (art. 5, XXXIII, CF), por indeclinável submissão ao interesse público (segurança da sociedade e do Estado), não é absoluto o direito de acesso às informações”, entendendo ainda que “compete ao Judiciário examinar a alegação do sigilo, avaliando da sua procedência ou não, compatibilizando a segurança do Estado com o direito à revelação das informações pretendidas.”[14] e [15]

Respeitáveis juristas, entretanto, defendem a amplitude geral e sem restrições do habeas data, como é o caso de Ilmar Galvão e também de Alexandre de Moraes, cuja lição passamos a transcrever:

o direito de manter determinados dados sigilosos direciona-se a terceiros que estariam, em virtude da segurança social ou do Estado, impedidos de conhecê-los, e não ao próprio impetrante, que é o verdadeiro objeto dessas informações, pois se as informações forem verdadeiras, certamente já eram de conhecimento do próprio impetrante, e se forem falsas, sua retificação não causará nenhum dano à segurança social ou nacional.[16]


8. CONCLUSÃO E NOVOS DESAFIOS

A reabertura política e a Constituição de 1988 iniciaram, indiscutivelmente, uma nova era no tocante à tutela constitucional das liberdades. A nova Carta, além de contemplar os três writs já antes existentes (habeas corpus, mandado de segurança e ação popular), criou ainda o mandado de injunção e o habeas data.

A afirmação do habeas data no ordenamento pátrio marca a superação de um período autoritário em que o Estado arquivava, a seu critério e sigilosamente, informações referentes à conduta pessoal e à intimidade dos indivíduos, armazenando dados sobre sua convicção ideológica, política e religiosa.

Hoje – felizmente – as discussões jurídicas concentram-se não mais na necessidade de criação de novos instrumentos processuais para conter ilegalidades perpetradas pelo Poder Público, mas na necessidade de reformulação dos procedimentos e da disciplina dos writs já existentes. São debates que podem ser considerados inteiramente normais para o aperfeiçoamento de institutos que parecem ter definitivamente se arraigado no direito pátrio.

Neste sentido, vemos de forma bastante positiva a consolidação do habeas data no direito brasileiro, evidenciando a superação de períodos sombrios e autoritários, nos quais a liberdade individual esteve à mercê dos arbítrios e abusos do Poder Público, que mantinha arquivos sobre a vida íntima e particular de seus nacionais.

Verifica-se, no entanto, que recentes mudanças na realidade política e social poderão influenciar o futuro do habeas data. Atualmente não são mais os serviços governamentais os principais armazenadores de informações sobre a vida particular dos indivíduos, mas sim instituições privadas que – através de dados recebidos automaticamente quando do acesso a uma página na internet, do preenchimento de cadastros ou de consultas a um site de relacionamento pessoal – obtêm informações e acesso ao perfil de cada pessoa, interferindo em sua privacidade e em sua vida pessoal.

De um momento para outro, vemo-nos alvos de “malas-diretas” indesejadas recebidas via correio eletrônico. Pessoas desconhecidas telefonam em diferentes horários para nossas residências, locais trabalhos e aparelhos celulares, oferecendo os mais variados produtos e serviços. A sociedade de consumo de massa passou a criar diversos bancos de dados, produzidos e mantidos por particulares, muitas vezes abusivos e ofensivos a direitos fundamentais. Da mesma forma, os chamados “vírus” são disseminados pela rede mundial de computadores, possibilitando o acesso a arquivos e dados das mais diversas pessoas, expondo informações sobre suas vidas pessoais e particulares.

Há “listas negras” mantidas por áreas de Recursos Humanos de diferentes empresas com o fim de impedir a contratação de trabalhadores com atuação sindical ou que tenham ajuizado reclamações em face de seu(s) ex-empregador(es). Enfim, o mundo contemporâneo traz uma série de novas situações em que informações pessoais são armazenadas nos mais diferentes tipos de bancos de dados. E aparentemente não é o Poder Público o protagonista desses novos abusos contra a liberdade individual.

Sem entrar no mérito das questões acima levantadas, deseja-se apenas mostrar que o instituto do habeas data seguirá enfrentando novos desafios ao longo das próximas décadas. Assim como sua disciplina merece ser aprimorada para adequar-se à nova realidade, possivelmente outros instrumentos serão criados para coibir esses novos bancos de dados que estão sendo criados.

Já verificamos, portanto, a afirmação e consolidação do habeas data no ordenamento pátrio. No entanto, além de uma análise histórica, devemos também refletir e acompanhar a sequência de sua trajetória, de acordo com os novos desafios que ora se apresentam.


REFERÊNCIAS

Aumenta interesse dos alemães pelos arquivos da Stasi. Deutsche Welle. 05 julho 2007. Disponível em http://www.dw-world.de/popups/popup_printcontent/0,,2670198,00.html. Acesso em: 03/08/2009.

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 6. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 3ª Seção, Habeas Data nº 56/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. 10/05/2000, v.u., DJ 29/05/2000, p. 108.

BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Pleno, Recurso Extraordinário nº 165304/MG, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 19/10/2000, v.u., DJ 15/12/2000, p. 105.

BRASIL, TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS, Pleno, Habeas Data nº 01/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, Rel. para acórdão Min. Milton Pereira, j. 02/02/1989, v.m., DJ 02/05/1989.

BRASIL, TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS, Pleno, Habeas Data nº 01/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, Rel. para acórdão Min. Milton Pereira, j. 02/02/1989, v.m., DJ 02/05/1989.

BRASIL, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 4ª Região, 1ª Turma, Apelação em Habeas Data nº 9104095952/PR, Rel. Des. Paim Falcão, j. 28/06/1991, v.u., DJ 21/08/1991.

MALCHER, José Lisboa da Gama. Habeas Data. Revista de Direito do TJ/RJ, Rio de Janeiro, n. 1, p. 13-14, 1985.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O ‘habeas data’ e sua lei regulamentadora. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 138, p. 91, 1998.

RAMOS, João Gualberto Garcez. Habeas corpus: histórico e perfil no ordenamento jurídico brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, [S.l.], v. 31, ano 31, 1999.

SARAIVA, F.R. dos Santos. Novíssimo dicionário latino-português, 11. ed. Rio de Janeiro: Garnier, 2000.

SIDOU, J.M. Othon. Habeas corpus, mandado de segurança, ação popular: as garantias ativas dos direitos coletivos, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 28. ed. São Paulo: Malheiros.

SIQUEIRA Jr., Paulo Hamilton. Direito processual constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional, 11. ed., revista e aumentada. São Paulo: Malheiros, 1995.


Notas

[1] MALCHER, José Lisboa da Gama. Habeas Data. Revista de Direito do TJ/RJ, Rio de Janeiro, n. 1, p. 13-14, 1985.

[2] Aumenta interesse dos alemães pelos arquivos da Stasi. Deutsche Welle. 05 julho 2007. Disponível em http://www.dw-world.de/popups/popup_printcontent/0,,2670198,00.html. Acesso em: 03/08/2009.

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[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O ‘habeas data’ e sua lei regulamentadora. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 138, p. 91, 1998, grifou-se.

[4] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 6. ed. atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 271.

[5] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 454.

[6] SIDOU, J.M. Othon. Habeas corpus, mandado de segurança, ação popular: as garantias ativas dos direitos coletivos, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 446-447.

[7] Art. 24, parágrafo único. No mandado de injunção e no habeas data, serão observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não editada legislação específica.

[8] SARAIVA, F.R. dos Santos. Novíssimo dicionário latino-português, 11. ed. Rio de Janeiro: Garnier, 2000, p. 538.

[9] HOLANDA, Aurélio Buarque de apud SIDOU, J.M. Othon. Habeas corpus, mandado de segurança, ação popular: as garantias ativas dos direitos coletivos, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 448.

[10] BRASIL, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 4ª Região, 1ª Turma, Apelação em Habeas Data nº 9104095952/PR, Rel. Des. Paim Falcão, j. 28/06/1991, v.u., DJ 21/08/1991, p. 19.494.

[11] BRASIL, TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS, Pleno, Habeas Data nº 01/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, Rel. para acórdão Min. Milton Pereira, j. 02/02/1989, v.m., DJ 02/05/1989, grifou-se.

[12] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O ‘habeas data’ e sua lei regulamentadora. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, n. 138, p. 93, 1998.

[13] “EMENTA: Habeas Data. Ilegitimidade passiva do Banco do Brasil S.A. para a revelação, a ex-empregada, do conteúdo da ficha de pessoal, por não se tratar, no caso, de registro de caráter público, nem atuar o impetrado na condição de entidade Governamental (Constituição, art. 5º, LXXII, a e art. 173, §1º, texto original)” (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Pleno, Recurso Extraordinário nº 165304/MG, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 19/10/2000, v.u., DJ 15/12/2000, p. 105).

[14] BRASIL, TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS, Pleno, Habeas Data nº 01/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, Rel. para acórdão Min. Milton Pereira, j. 02/02/1989, v.m., DJ 02/05/1989.

[15] Em relação a documentos sigilosos, destacamos as seguintes normas: Decreto nº 4.553/2002, que dispõe sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais sigilosos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, no âmbito da Administração Pública Federal; e Decreto nº 5.584/2005, que dispõe sobre o recolhimento ao Arquivo Nacional dos documentos arquivísticos públicos produzidos e recebidos pelos extintos Conselho de Segurança Nacional, Comissão Geral de Investigações e Serviço Nacional de Informações que estejam sob a custódia da Agência Brasileira de Inteligência.

Em sede jurisprudencial, destacamos ainda o seguinte julgado:

“HABEAS DATA. ART. 5º, XXXIII, INFORMAÇÃO SIGILOSA. DECRETO Nº 1.319/94.

I - O direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, previsto no art. 5º, XXXIII, não se reveste de caráter absoluto, cedendo passo quando os dados buscados sejam de uso privativo do órgão depositário das informações.

II - No caso dos autos, as informações postuladas, pertinentes a avaliação de mérito do oficial requerente, se encontravam sob responsabilidade da CPO - Comissão de Promoções de Oficiais e, nos termos do art. 22 do Decreto nº 1.319/94, eram de exclusivo interesse desse órgão. Depreende-se, pois, que o caráter sigiloso das informações buscadas estava, objetivamente, previsto.

Ordem denegada” (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 3ª Seção, Habeas Data nº 56/DF, Rel. Min. Felix Fischer, j. 10/05/2000, v.u., DJ 29/05/2000, p. 108).

[16] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 146.

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Sobre o autor
João Renda Leal Fernandes

Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal Regional do Trabalho - 1ª Região, pós-graduado em Direito Público, bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi advogado concursado do SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados) e do IRB-Brasil Resseguros S/A.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, João Renda Leal. Habeas data: origem histórica e trajetória no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3438, 29 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23105. Acesso em: 22 dez. 2024.

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