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Indiciamento da pessoa jurídica à luz da aplicação da teoria da dupla imputação nos crimes ambientais

03/12/2012 às 09:10

Resumo:


  • O indiciamento é um ato privativo da autoridade policial que ocorre quando surgem indícios da responsabilidade penal do investigado durante o inquérito policial.

  • O indiciamento deve ser fundamentado e motivado pela autoridade policial, sendo um direito subjetivo do indiciado saber o motivo da determinação que afeta seu status na investigação.

  • No caso de indiciamento de pessoa jurídica, a responsabilidade penal está relacionada à aplicação da teoria da dupla imputação, que requer a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou benefício.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É possível o indiciamento da pessoa jurídica sem que haja o indiciamento de seu representante legal (pessoa física), desde que seja adotado o entendimento do STF que afasta a aplicação da teoria da dupla imputação.

Inicialmente, cumpre destacar que o indiciamento é o ato privativo da autoridade policial que ocorre quando no curso do inquérito policial surgem indícios da responsabilidade penal do investigado. O indiciamento é portanto, ato vinculado e privativo da autoridade policial (poder-dever). Para melhor entendimento do assunto, calha registrar que o indício pode ser definido como a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outras circunstâncias. Dessa forma, o indiciamento deve ser fundamentado e motivado pela autoridade policial, sob pena de constituir um ato arbitrário passível de controle judicial. [1]

Assim, o momento do indiciamento ocorre quando, no transcurso do inquérito policial, a autoridade policial consegue construir um lastro probatório ou indiciário nos autos que aponte para a responsabilidade do investigado. Dessa maneira, o delegado de polícia estará obrigado a proferir despacho fundamentado de indiciação nos autos do inquérito policial, apontando os pressupostos de fato e de direito e a tipificação do delito cometido, ou seja, as suas razões de decidir. [2]

Portanto, a fundamentação da decisão de indiciamento deverá estar de acordo com as provas ou indícios carreados nos autos do inquérito policial, pois as razões do indiciamento é um direito subjetivo do indiciado, tendo em vista que o investigado tem o direito de saber o porquê da determinação de uma medida que altera substancialmente o seu status na investigação. [3]

Por fim, de acordo com o princípio constitucional do direito ao silêncio, o indiciado tem o direito de permanecer calado, o que deverá constar expressamente no auto de qualificação e interrogatório, devendo a autoridade policial efetivamente informá-lo sobre a possibilidade de exercê-lo (situação não flagrancial). [4]

Após uma breve introdução do instituto do indiciamento, é importante destacar que o indiciamento da pessoa jurídica é um tema pouco desenvolvido pela doutrina. Tal possibilidade de indiciamento encontra-se intimamente relacionada à aplicação da teoria da dupla imputação nos casos que envolvem a responsabilidade penal da pessoa jurídica e de seu responsável legal (pessoa física).

Inicialmente, é oportuno mencionar que a Constituição Federal de 1988 criou no Brasil a responsabilidade penal da pessoa jurídica, ao dispor no parágrafo 3º do art. 225 que: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. [5]

Posteriormente, o disposto no mencionado § 3º do art. 225 da CF, norma constitucional evidentemente de eficácia limitada, veio a ganhar aplicabilidade quando foi regulamentado pela Lei 9.605/98, que no seu artigo 3º, assim estabelece: “Art. 3º: as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. [6]

Questão polêmica que se discute na doutrina e na jurisprudência está relacionada ao fato da responsabilidade penal da pessoa jurídica depender, ou não, da responsabilização da pessoa física que atua em seu nome.

De acordo com a "Teoria da dupla imputação", a responsabilidade penal da pessoa jurídica só ocorre quando há, simultaneamente, a imputação do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou ainda em seu benefício. [7], [8], [9].

Há de se mencionar que a teoria da dupla imputação é consagrada no STJ nos seguintes julgados:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso especial provido. (REsp 889528/SC, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 17/04/2007, v.u., DJ 18/06/2007, p. 303). [10]

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PLEITO PREJUDICADO.

I - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes).

II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa jurídica, não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in iudicio (Precedentes).

III - Com o trancamento da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, resta prejudicado o pedido referente à nulidade da citação. Recurso provido. (RMS 20601/SP, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 29/06/2006, v.u., DJ 14/08/2006,p. 304).[11]

No entanto, o STF, em decisão datada de 06/09/2011, afastou a necessidade de aplicação da teoria da dupla imputação, e firmou o entendimento de que é possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. Senão vejamos: [12]

É possível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que haja absolvição da pessoa física relativamente ao mesmo delito. (...) Reputou-se que a Constituição respaldaria a cisão da responsabilidade das pessoas física e jurídica para efeito penal (“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. ... § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”). RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011.

Tal discussão sobre a aplicação, ou não, da teoria da dupla imputação é relevante quando se considera o indiciamento da pessoa jurídica, pois o atual entendimento do STF permite que a autoridade policial determine o indiciamento da pessoa jurídica, sem que haja o indiciamento da pessoa física.[13]

Ademais, é importante salientar que o indiciamento da pessoa jurídica envolve algumas peculiaridades. No que concerne ao auto de qualificação e interrogatório, via de regra, o ente jurídico será interrogado por meio da pessoa física de seu representante legal. No entanto, é perfeitamente cabível a indicação de um preposto, tanto quando este for um maior conhecedor dos fatos em questão, quanto no caso do representante legal ser também investigado no mesmo inquérito policial, podendo ocorrer o chamado conflito de interesses. [14]

Outro ponto fundamental que envolve a responsabilização penal da pessoa jurídica e seu indiciamento, e talvez o principal, consiste no aspecto de que o crime tenha sido praticado em prol do interesse ou benefício da pessoa jurídica. Desse modo, se o dirigente da pessoa jurídica realizar um ato que em nada interesse ou beneficie a empresa, ainda que a utilize para seus fins ilícitos, não haverá de se falar na responsabilização e no indiciamento da pessoa jurídica, mas sim na responsabilização pessoal e no indiciamento apenas de seu representante legal (pessoa física).[15]

Ante o exposto, sem a menor pretensão de se esgotar o presente tema, e considerando a necessidade de maiores estudos sobre o indiciamento das pessoas jurídicas, conclui-se que:

a)     É possível o indiciamento da pessoa jurídica sem que haja o indiciamento de seu representante legal (pessoa física), desde que seja adotado o entendimento do STF que afasta a aplicação da teoria da dupla imputação (vide RE 628582 AgR/RS Rel. Min. Dias Toffoli).

b)     Caso seja adotado o entendimento consagrado pelo STJ no sentido da aplicação da teoria da dupla imputação nos casos de responsabilidade penal da pessoa jurídica, a pessoa jurídica somente poderá ser indiciada se houver o indiciamento de seu responsável legal (pessoa física).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. A teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20659>. Acesso em: 28 nov. 2012.

2. BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

3. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 889528/SC, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 17/04/2007. DJ 18/06/2007, p. 303. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 28 nov. 2012.

4.BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 20601/SP, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 29/06/2006. DJ 14/08/2006, p. 304. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>.  Acesso em: 28 nov. 2012.

5.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 628582 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 28 nov. 2012.

6. CABRAL, Bruno Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques de. Manual Prático de Polícia Judiciária. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2012.

7.  CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>. Acesso em: 26 nov. 2012.

8.  LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2012.

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9. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

10. THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. Juspodivm, 1ª edição. Salvador: 2011.


NOTAS:

[1] CABRAL, Bruno Fontenele & SOUZA, Rafael Pinto Marques de. Manual Prático de Polícia Judiciária. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2012.

[2] CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>. Acesso em: 26 nov. 2012.

[3] CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>. Acesso em: 26 nov. 2012.

[4] CABRAL, Bruno Fontenele. Reflexões legais e jurisprudenciais sobre o indiciamento no inquérito policial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2963, 12 ago. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19742>. Acesso em: 26 nov. 2012.

[5] BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

[6] BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

[7] LARGENEGGER, Natália. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: O ordenamento jurídico está preparado para reconhecê-la? Monografia apresentada à Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP. Acesso em 22/10/11. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/157_Monografia%20Natalia%20Langenegger.pdf>. Acesso em: 26 nov. 2012.

[8] THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental. Juspodivm, 1ª edição. Salvador: 2011. P. 589/591.

[9] BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. A teoria da dupla imputação e a responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20659>. Acesso em: 28 nov. 2012.

[10] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 889528/SC, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 17/04/2007. DJ 18/06/2007, p. 303. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 28 nov. 2012.

[11] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS 20601/SP, 5ª Turma, rel. min. Felix Fisher, j. 29/06/2006. DJ 14/08/2006, p. 304. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>.  Acesso em: 28 nov. 2012.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 628582 AgR/RS rel. Min. Dias Toffoli, 6.9.2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 28 nov. 2012.

[13] Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

[14] Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

[15] Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/ambiente/doutrina/id379.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012.

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Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. Indiciamento da pessoa jurídica à luz da aplicação da teoria da dupla imputação nos crimes ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3442, 3 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23144. Acesso em: 22 dez. 2024.

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