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A Corte Internacional de Justiça e a sua contribuição para manutenção da segurança internacional.

Uma breve reflexão sobre sua estrutura organizacional e atuação na manutenção da paz

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06/12/2012 às 10:01

Resumo:


  • A Corte Internacional de Justiça (CIJ) é o principal órgão judiciário das Nações Unidas, responsável por resolver litígios entre Estados e fornecer pareceres consultivos sobre questões jurídicas submetidas a ela pelas Nações Unidas ou por agências especializadas.

  • A CIJ tem desempenhado um papel significativo na manutenção da paz e da segurança internacionais, emitindo decisões e pareceres que influenciam a conduta dos Estados e contribuem para o desenvolvimento do direito internacional.

  • Em seus julgamentos e pareceres consultivos, a CIJ aborda questões como a legalidade do uso da força, a aplicação de tratados internacionais, a licitude do uso de armas nucleares e o respeito aos direitos humanos e ao direito humanitário, entre outras questões relevantes para a comunidade internacional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6 – A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA E SUA ATUAÇÃO EM QUESTÕES REFERENTES À MANUTENÇÃO DA SEGURANÇA INTERNACIONAL

Mesmo apresentando uma atuação mais discreta na resolução pacifica dos conflitos internacionais, que teriam a real capacidade de ameaçar à paz e a segurança internacional, a Corte Internacional de Justiça atuou com sabedoria em casos emblemáticos, que findaram em se transformar em marcos para o Direito Internacional e a indicar o caminho a ser trilhado pelos membros da Comunidade Internacional na condução para a paz.

Em alguns casos, estes julgamentos foram contra grandes potências internacionais, dentre elas até mesmo, os que fazem parte dos membros permanentes do CSNU, sendo que a CIJ, sempre apresentou uma conduta de imparcialidade, decidindo os casos que são levados ao seu julgamento com primazia, respeitando o Direito Internacional e representando o estrito senso de justiça tão ansiado pela Comunidade Internacional.

A seguir, apresentaremos alguns casos apreciados pela Corte, que trouxeram luz a alguns procedimentos da ONU referentes à manutenção da segurança internacional, bem como, a conduta que deve ser adotada pelos países em casos específicos como o uso de armas nucleares e a limitação imposta pelo Direito Internacional em não intervenção em atos internos dos países. 

6.1 – O caso das conseqüências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste Africano) não obstante a Resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança (1970 – 1971)

O Sudoeste Africano, que seria posteriormente rebatizado pela ONU de Namíbia[4], foi alvo desde a década de 50, de inúmeras ações propostas perante, a CIJ, todas destinadas a almejar uma resolução pacífica para a conturbada região, alvo constante de ocupação estrangeira, de crises humanitárias e de graves violações dos Direitos Humanos.

Após o processo abrupto de descolonização da região[5], a África do Sul foi incumbida da missão de tutelar a região, na forma de administradora do sistema de mandato[6], até que a Namíbia construísse e fortalecesse suas próprias instituições governamentais, podendo assim, declarar a sua independência.

Este status de tutela perdurou até meados de 1945, momento em que a Segunda Guerra Mundial caminha para um desfecho final e a Sociedade das Nações era declarada pelos vencedores do conflito como extinta, a África do Sul, aproveitando-se do conturbado período histórico e de forma unilateral, anexa a região da Namíbia, argumentando para tanto, que com o fim da SdN, sua obrigação de tutelar a região estava extinta, sendo assim, legítima sua ocupação da região.

Diante de tais fatos, foi solicitado à Corte, um parecer sobre a situação da Namíbia – International Status of the South West Africa – sendo declarada por está em 11 de julho de 1950, a ilegalidade do ato perpetrado pela África do Sul e a manutenção do sistema de mandato via regime de tutela, sobre o olhar vigilante das Nações Unidas e do seu Conselho de Tutela.

Em que pese o parecer esposado acima, a África do Sul manteve a ocupação do território namíbio, sem prestar qualquer informação ao Conselho de Tutela da ONU, obrigando a AGNU a adotar no final do ano de 1966, a Resolução 2.145 (XXI), que destituía a África do Sul de seu posto de país tutor da região, devendo ainda, entregar imediatamente a administração do território à CTNU.

Entretanto, novamente a África do Sul não respeitou a citada decisão, que gize-se, foi reinterada em diversas oportunidades, pelo CSNU, que também proferiu resoluções declarando ilegal a ocupação sul-africana, destacando-se a Resolução 276 (1970) que declarou expressamente a ilegalidade da ocupação sul-africana.

Em sua defesa, um dos inúmeros argumentos esposados pela África do Sul, foi que a “Resolução do CSONU 276 (1970) constituía tão-somente uma recomendação, que poderia ser aceita ou rejeitada pelos membros da ONU” (SALIBA, 2008, p. 23). 

Diante do impasse, foi apresentada a CIJ, o caso em tela, para que está proferi-se parecer consultivo sobre a legalidade do ato, seus efeitos sobre os demais países da Comunidade Internacional e as possíveis medidas a serem tomadas.

Em ato continuo, a Corte iniciou sua decisão, analisando de forma inovadora, a legalidade das resoluções e da atuação do CSNU e da AGNU sobre à matéria, tendo ao final, confirmado a competência dos órgãos, para até mesmo, conclamar os Estados-membros da ONU para reconhecerem a ilegalidade dos atos praticados pela África do Sul em nome ou em relação a Namíbia.

Para fundamentar tal decisão, a Corte discorreu de forma primorosa sobre a competência dos citados órgãos onusianos, senão vejamos:

Que a Assembléia Geral não estava investigado fatos [em relação à ocupação da Namíbia], mas formulando uma situação jurídica e que não seria correto supor que, a Assembléia Geral da ONU é, em princípio, investida de poderes de recomendação, estaria excluída de adotar, em casos especiais e dentro da estrutura de sua competência, resoluções que têm o caráter de decisões ou de uma intenção de execução (BRANT, 2005, p. 543).   

Esclarecendo ainda que:

A Assembléia Geral, entretanto, carecendo dos poderes necessários para assegurar a retirada da África do Sul do território e, conseqüentemente, agindo de acordo com o artigo 11, parágrafo 2° da Carta, solicitou a cooperação do Conselho de Segurança. O Conselho, por sua vez, quando adotou as resoluções pertinentes, agiu no exercício daquilo que julgava ser sua responsabilidade principal, isto é, a manutenção da paz e segurança internacionais. O artigo 24 da Carta investe o Conselho de Segurança dos poderes necessários. Suas decisões foram tomadas em conformidade com as finalidades e os princípios da Carta, sob o artigo 25, o qual estabelece o dever dos Estados-membros de obedecer tais decisões, mesmo para aqueles membros do Conselho de Segurança que votaram contra e para os demais membros das Nações Unidas que não são membros do Conselho (BRANT, 2005, p. 543).

 Posteriormente, diante da constatação da ilegalidade do ato perpetrado pela África do Sul e perante o esclarecimento da competência e conseqüentemente da declaração da legalidade das Resoluções e medidas implementadas, tanto pela Assembléia Geral, quanto pelo Conselho de Segurança, a CIJ ponderou as eventuais conseqüências jurídicas para os estados sobre a ocupação sul-africana na região da Namíbia.

Para a Corte, a partir do momento que fosse declarada a ilegalidade de um ato cometido em desfavor da manutenção da segurança internacional, os países devem imediatamente tomar todas as providências necessárias para evitar que estas medidas ilegais se prolonguem.    

Para tanto, no caso da África do Sul, a Corte conclamou a Comunidade Internacional para não medir esforços para isolar diplomaticamente os sul-africanos, ressaltado que deveriam ainda, deixar de praticar alguns atos, em particular, os relacionados com o governo da África do Sul que impliquem o reconhecimento da legalidade, ou forneçam ajuda ou assistência a tal presença e administração. A Corte enfatiza, no entanto, que estas medidas de isolamento, não podem prejudicar o povo namíbio, principalmente em questões humanitárias.

6.2 – O caso concernente às atividades militares e paramilitares na e contra a Nicarágua – Nicarágua versus EUA de 1986-1991. 

Está ação foi interposta pelo governo sandinista em desfavor dos EUA, em meados de 1984, diante da constatação do substancial patrocínio do governo norte-americano aos grupos armados opositores ao governo socialista instituído na Nicarágua.

No curso da instauração dos procedimentos, o governo norte-americano, alegando razões de Estado, manifestou sua desistência em dar continuidade à instrução do feito, informando à Corte, seu total desligamento da ação.

Em que pese este ato deplorável do governo norte-americano, a ação seguiu seu curso natural, sendo que, em junho de 1991, a Corte proferiu sentença, julgando procedente a demanda da Nicarágua, e conseqüentemente condenando os EUA a pagarem uma vultosa indenização ao demandante, ao argumento que os norte-americanos teriam cometido atos ilícitos de responsabilidade internacional, que prejudicaram diretamente o povo da Nicarágua.

Está decisão, considerada de extrema complexidade, seja pelas partes envolvidas, seja pelos inúmeros argumentos esposados, serve até os dias atuais como referencia, seja pela carga de esclarecimentos de como deve ser a conduta dos Estados em questões de segurança internacional, seja pelo ineditismo, de deliberação de temas obscuros relativos à Carta das Nações Unidas, sobre legítima defesa e limites sobre o princípio da não-intervenção.

Inicialmente, vale destacar, que por ocasião dessa decisão, que a CIJ, manifestou pela primeira vez quanto a uma hipótese de conflito entre as obrigações decorrentes da Carta e aquelas advindas de tratados outros, envolvendo as mesmas partes, conferindo a primazia a primeira, em detrimento da segunda. Nestes termos, a Corte assim, proferiu sua decisão:

(...) todos os acordos regionais, bilaterais e mesmo multilaterais que as partes no presente caso podem haver concluído a respeito de solução de controvérsias ou da jurisdição da Corte Internacional de Justiça estão todos subordinados às disposições do art. 103 (BRANT, 2005, p. 856-857).  

A Corte ainda, se posicionou contrariamente à doutrina dominante de intervenção humanitária, ressaltando a conduta que os Estados devem trilhar, evitando “nas suas relações internacionais ameaçar ou usar a força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado e contra o princípio concernente ao dever de não intervir em questões que tocam apenas a jurisdição domestica de um Estado” (BRANT, 2005, p. 870).

Ressaltando, no entanto, que a interdição ao uso da força está estabelecida no direito costumeiro, que comporta excessos especificas, ligadas diretamente à legitima defesa individual e coletiva, estabelecidos pelo direito costumeiro, pelo art. 51 da CNU e da declaração contida na Resolução da AGNU 2625 (XXV). Tal discussão apenas veio à tona, uma vez que, os norte-americanos, teriam argüido em sede preliminar que teriam agido com respaldo da legitima defesa coletiva, uma vez que, o governo da Nicarágua estaria incentivado ações de guerrilha em El Salvador. No entanto, a Corte refutou tal argumentação, asseverando que a legítima defesa deveria ser utilizada apenas quando ocorresse uma “agressão armada”, devendo ainda, respeitar critérios específicos de proporcionalidade e necessidade da intervenção.

Para fundamentar tal decisão, a Corte, pela primeira vez em sua história, trouxe a baila, um conceito do que seria “agressão armada”, que serve como parâmetro conceitual até os dias atuais, senão vejamos:

Deve-se compreender disso [agressão armada] não somente a ação de forças armadas regulares através de uma fronteira internacional, mas ainda o envio por um Estado de tropas armadas sobre o território de um outro Estado desde que essa operação, por suas dimensões e seus efeitos, pudesse ser qualificada como agressão armada se fosse cometida por forças armadas regulares (BRANT, 2005, p. 870).

Os juízes da CIJ discorreram ainda sobre o princípio da não-intervenção, afirmando que este é o direito inerente a qualquer Estado soberano de conduzir seus assuntos sem ingerência externa. Apresentando ainda, os casos concretos em que o princípio deve ser respeitado, asseverando que:

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A intervenção proibida deve ser aquela que incide em matérias sobre as quais o princípio da soberania dos Estados permite a cada um decidir livremente (escolha do sistema político, econômico, social e cultural e formulação das relações exteriores, por exemplo). A Intervenção é ilícita quanto utiliza, em relação a tais escolhas, métodos de coerção, principalmente a força, seja sob a forma direta (ação militar) seja sob uma forma indireta (apoio de atividades no interior de um outro Estado). (BRANT, 2005, p. 870).

Por fim, a Corte ressaltou que no Direito Internacional atual, não possuem nenhum direito de resposta armada “coletiva” a atos que não constituam uma “agressão armada”.

Diante dessa fundamentação, a Corte condenou a maior potência econômica e militar do globo, os Estados Unidos da América, determinando que o mesmo cessasse todos os atos de hostilidades contra a Nicarágua, além de declarar o direito à soberania e independência política do país, ressaltando o dever dos Estados em respeitar o princípio relativo à não intervir em assuntos relevantes a competência nacional de um país, determinar ainda, que os EUA reparasse financeiramente os nicaragüenses pelos atos ilícitos cometidos.   

Posteriormente, a esta celebre decisão, a Nicarágua almejou a execução da sentença prolatada, para tanto, acionou pela primeira vez na história, o Conselho de Segurança para vislumbrar satisfeita a obrigação contida na Sentença. O requerimento confeccionado pela delegação da Nicarágua encontrava-se embasada no art. 94, § 2° da Carta, que atribuía ao CSNU à competência de impor as decisões prolatadas pela CIJ.

Em ato contínuo, os norte-americanos vetaram imediatamente o requerimento para que fosse executada a sentença (NASCIMENTO, 2007, p. 168-169), motivo que ensejou o encaminhamento desta para a Assembléia Geral, que resguardada por suas atribuições descritas no art. 10 da CNU, formulou diversas recomendações aos norte-americanos, obviamente, de natureza facultativa.

6.3 – O caso relativo às questões de interpretação e aplicação da Convenção de Montreal de 1971 resultante do incidente aéreo de Lockerbie – Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia versus Estados Unidos da America e Reino Unido de 1992.

A Líbia é um país do norte da África, que obteve sua independência formal do Reino Unido, apenas em 1951, sendo administrada desde então, pelo Rei Idris, com tendências claras de apoio ao Ocidente.

Descontentes com tais posicionamentos, um grupo de oficiais do exército, liderados pelo coronel Muammar el-Qaddafi, de apenas 27 anos, tomam o poder na Líbia, em 1969, sem sofrerem qualquer resistência.

Desde então, o governo líbio iniciou uma política de confrontamento explícito com as principais potências ocidentais, quais sejam, Reino Unido e Estados Unidos. Para promover tal política, os líbios iniciaram um programa de auxilio e financiamento de grupos que se tidos como “revolucionários” em inúmeras partes do globo. Segundo o prof. Aziz Tuffi Saliba, a extensão do apoio líbio era ampla e sem se apoiar em muitos critérios ideológicos, segundo este:   

Qaddafi apoiou política e financeiramente grupos tão distintos quanto mulçumanos na guerra civil libanesa, rebeldes de Dhofar que se insurgiam contra o sultanato de Omar, secessionistas da Eritrea que aspiravam à separação da Etiópia e o ETA na Espanha (SALIBA, 2008, p. 45-46)

O contundente apoio a tais grupos ensejou uma crescente repulsa dos países ocidentais, culminando com a adoção de inúmeras sanções unilaterais, pelos EUA, já no inicio da década de 80.

Segundo Aziz Saliba (SALIBA, 2008, p. 47), dois fatos agravaram ainda mais as relações entre o ocidente e a Líbia. O primeiro deles foi o assassinato a tiros de uma policial britânica, em 17 de abril de 1984, em Londres. As investigações conduzidas pelas autoridades policiais londrinas apontavam, como a provável origem do disparo a embaixada líbia. No entanto, apensar dos pedidos formais britânicos, os líbios se recusaram a cooperar, fato que ensejou o rompimento das relações diplomáticas entre o Reino Unido e a Líbia.

Já em abril de 1986, ocorreu, um atentado terrorista a uma casa de shows em Berlim Ocidental, comumente freqüentada por norte-americanos, ensejando a morte de duas pessoas e resultando em mais de cento e cinqüenta feridos, atribuída à terroristas financiados pelo governo líbio. Em resposta a tais fatos, o governo americano, autorizou o bombardeio de posições líbias, causando significativos danos à infra-estrutura do país.

Em que pese, à gravidade dos dois atos citados acima, foi apenas em 21 de dezembro de 1988, é que a situação se apresentou insustentável. Nesta fatídica data, o vôo 103 da Pan Am, que perfazia o trecho Londres a Nova Iorque, explodiu sobre a cidade de Lockerbie/Escócia, matando um total de duzentas e cinqüenta e nove pessoas. As investigações conduzidas pelos governos, norte-americano e inglês, concluíram que a “causa do incidente fora a explosão de um artefato feito de plástico tipo semtex, escondido em um radiocassete, em uma mala armazenada no compartimento de bagagens” (SALIBA, 2008, p. 47). Tais investigações, concluíram ainda, que os responsáveis pelo ato terrorista, seriam membros do governo líbio, devendo, portanto, a Líbia se responsabilizar internacionalmente pelo ato e prestar p auxilio necessário às investigações.

Em setembro de 1989, outro incidente aéreo com as mesmas características do ocorrido na cidade de Lockerbie/Escócia, causou grande comoção internacional. Trata-se do vôo da UTA (Union des Transports Aériens), que perfazia o trecho Brazzaville a Paris, explodiu sob o Níger, resultando na morte de cento e setenta e uma pessoas. Ao concluir as investigações, o governo francês indicou como provável intervenção de membros do governo líbio na condução do incidente, exigindo, desta ainda, que apresentasse provas contrárias a tal alegação.

Diante da pressão da Sociedade Internacional, e da recusa líbia em auxiliar nas investigações dos incidentes citados acima, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, emitiu em Janeiro de 1992, a Resolução 731, determinando à Líbia que cooperasse com as investigações, sob pena de se aplicar sanções em seu desfavor.    

Após, conturbadas negociações, que não satisfizeram as pretensões inglesas, americanas e francesas, o Conselho de Segurança, aprovou a Resolução 748, de março de 1992, que implementaram, uma infinidade de sanções ao governo líbio, dentre as quais, a proibição de pousos e decolagens de aeronaves; proibição de venda de armamentos, munições ou qualquer equipamento militar; proibição de venda de aeronaves de peças de aeronaves, dentre outras.

Não satisfeitos com tais medidas, o Conselho de Segurança autorizou ainda, a Resolução 883, de novembro de 1993, endurecendo ainda mais as medidas implementadas, dentre elas a de congelar os fundos monetários do governo, de autoridades e de empresas líbias, que se encontravam alocados fora do país, além de dificultar a produção petrolífera no país, ao proibir a comercialização de equipamentos destinados à citada indústria.             

Diante das duras sanções impostas, e constatando a impossibilidade de reverte-las no seio do Conselho de Segurança da ONU ou mesmo por intermédio de negociações diplomáticas, a Líbia vislumbrou a possibilidade de recorrer a Corte Internacional de Justiça, para que fossem reconhecidos e resguardados os seus direitos.

Para tanto, o governo líbio promoveu duas demandas em contra os EUA e o Reino Unido, referente a “interpretação ou aplicação da Convenção de Montreal , 23 de setembro de 1971, para a repressão de atos ilegais contra a segurança da aviação civil”.

Conforme destaca o prof. Aziz, os argumentos líbios que fundamentaram as citadas ações se resumem em trechos da Convenção de Montreal, aplicados ao caso em tela, sendo este os líbios aduziram que:

a)       Seria aplicável in casu a Convenção de Montreal, tendo em vista que o ato perpetrado se enquadrava no art. 1° do mencionado tratado;

b)       Em conformidade com o art. 5°, § 2°, da Convenção de Montreal, a Líbia deveria “tomar as medidas necessárias para estabelecer a sua jurisdição”, tendo em vista que os supostos criminosos se encontravam em seu território. Ao fazer ameaças e tomar medidas contra a Líbia, Estados Unidos e Reino Unido obstavam a prerrogativa Líbia de exercer jurisdição;

c)       Nos termos do art. 7° da Convenção de Montreal, a Líbia deveria submeter os acusados às suas autoridades competentes, o que já havia ocorrido. Ao fazer ameaças e tomar medidas contra a Líbia, Estados Unidos e Reino Unido tentavam impedir que a Líbia cumprisse com suas obrigações;

d)       De acordo com o art. 8 (2) da Convenção, a extradição se daria em conformidade com as leis internas do Estado onde se encontrassem os acusados e o art. 493 (a) do Código de Processo Penal Líbio vedava a extradição de nacionais líbios. Descarte, não haveria embasamento no direito líbio ou na Convenção de Montreal para se proceder à extradição requerida e os esforços norte-americanos e britânicos neste sentido constituíam uma violação do art. 8 (2) da Convenção;

e)       Nos termos do art. 11, os Estados contratantes tinham o dever de prestar a maior assistência possível em relação aos processos criminais atinentes à Convenção de Montreal. Ao não colaborar com a Líbia, Estados Unidos e Reino Unido violavam tal obrigação. (SALIBA, 2008, p. 51)

Respaldados por tais argumentos, os líbios requereram junto a Corte Internacional, que os Estados Unidos e o Reino Unido, “cessassem as transgressões à sua soberania, integridade territorial e independência política” (SALIBA, 2008, p. 51), requerendo ainda, que está fosse autorizada por intermédio de uma medida provisória.

Em que pese à argumentação apresentada pela Líbia, a C.I.J., negou à concessão das medidas provisórias pleiteadas, enfatizando em sua decisão que, com base no art. 103 da Carta das Nações Unidas, as decisões do Conselho de Segurança deveriam ser cumpridas integralmente, uma vez que, a Carta prevaleceria sobre a Convenção de Montreal (BRANT, 2005, p. 1033).   

Instados a se manifestar, o EUA e o Reino Unido defenderam a tese, em sede de preliminar, que a Corte não possuiria competência para analisar, ou até mesmo, revogar, Resoluções originarias do Conselho de Segurança da ONU.

Em ato contínuo, a Corte proferiu decisão interlocutória, afastando as preliminares suscitadas, ressaltando que, possui sim, a capacidade para apreciar a legalidade de um ato perpetrado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (BRANT, 2005, p. 1051).

No entanto, durante o tortuoso desenlace da citada demanda, a Organização dos Estados Africanos, resolveu pressionar os EUA e o Reio Unido, para que, imediatamente, almejasse a resolução pacífica do conflito, sob pena de suspenderem a aplicação das medidas proferidas pelo Conselho de Segurança.

Diante de tal contexto, os EUA, com apoio da Inglaterra, apresentaram à Líbia a uma proposta plausível, para por fim a demanda, que segundo seus os termos, os líbios deveriam entregar os acusados para serem devidamente julgados por um tribunal escocês, com sede em Haia. Em contrapartida, as sanções impostas à Líbia seriam suspensas imediatamente.

No intuito de formalizar a proposta apresentada, foi aprovada pelo Conselho de Segurança, a resolução de n° 1.192, que continha os termos da proposta e também a advertência enfática de que se a Líbia não aceitasse os seus termos, poderia acarretar a adoção de novas medidas coercitivas.

Desta forma, em abril de 1999, a Líbia entrega os suspeitos à jurisdição do Tribunal escocês em Haia, e três dias depois, as sanções impostas ao mesmo, são suspensas.

Segundo o prof. Aziz Tuffi Saliba, o grande marco da ação que tramitou perante a Corte Internacional de Justiça, foi o reconhecimento da “possibilidade de controle de legalidade das decisões do CSONU” (SALIBA, 2008, p. 56), o que traz à luz, uma nova perspectiva para a condução do sistema onusiano dos atos para a resolução pacifica dos conflitos internacionais.                    

6.4 – A Licitude da Ameaça ou uso de Armas Nucleares – Opinião Consultiva (1994-1996).

No campo do combate a proliferação das armas de destruição em massa, e principalmente, no uso destas armas em conflitos internacionais, a CIJ proferiu um celebre parecer consultivo, que certamente, terá repercussões por décadas na Comunidade Internacional.

Curiosamente, foi uma Organização Internacional que solicitou, à Corte, uma consulta em relação à licitude da ameaça ou do uso de armas nucleares em um conflito armado. Entretanto, a Corte entendeu que a Organização Mundial de Saúde (OMS) não possuía competência para requerer o parecer, ao argumento de que:

A questão apresentada perante a Corte no presente caso refere-se não aos efeitos do uso de armas nucleares à saúde, mas à licitude de tais armas levando-se em conta seus efeitos na saúde e no meio ambiente[7].   

Em ato contínuo, diante da pertinência do tema suscitado pelo requerimento confeccionado pela OMS, a Assembléia Geral autorizou, por intermédio da Resolução 49/75 K, de 15 dezembro de 1994, o SGNU, formular pedido semelhante ao rejeitado anteriormente, sendo que neste caso, a CIJ reconheceu a admissibilidade da petição.

Neste diapasão, a Corte iniciou a fundamentação de sua decisão reconhecendo às lacunas existentes no ordenamento jurídico vigente que omiti a proibição expressa do uso de armas de destruição em massa, em especial das nucleares.

No entanto, os juízes da CIJ reconhecem e aplicam no caso em tela, o princípio do Direito Humanitário, principalmente, no quesito em que ficou expressamente proibido causar sofrimento desnecessário aos combatentes, arrematando que, em caso de utilização de armas de destruição em massa, tal sofrimento encontrava-se implícito.

Nas palavras desses:

Um ameaça ou uso de armas nucleares deve também ser compatível com as exigências do direito internacional aplicável ao conflito armado, particularmente com aqueles princípios e regras do direito internacional humanitário, bem como com obrigações específicas em virtude de tratados ou outros compromissos que lidam expressamente com armas nucleares.

Asseverando ainda, que:

(...) a ameaça ou o uso de armas nucleares seria geralmente contrária às regras de direito internacional aplicável ao conflito armado, e, particularmente, aos princípios e regras do direito humanitário.

Diante dessa constatação, a Corte elencou os princípios fundamentais do Direito Internacional Humanitário que norteiam a argumentação da ilicitude do uso de armas de destruição em massa, senão vejamos:

O primeiro princípio objetiva proteger a população civil e os bens de caráter civil e estabelecer a distinção entre combatentes e não-combatentes; os Estados nunca devem fazer dos civis, objeto de ataque e nunca devem, conseqüentemente, usar armas que são incapazes de distinguir entre alvos militares e civis. De acordo com o segundo princípio, é proibido causar sofrimento desnecessário aos combatentes; portanto, é proibido utilizar armas que causem ou agravem inutilmente seu sofrimento (BRANT, 2005, p. 614).

Concluindo que é ilícita a ameaça ou o uso da força por meio de armas nucleares, que será contrária, ao disposto no art. 2°, parágrafo 4°, da Carta das Nações Unidas e que deixará de satisfazer todos os requisitos do art. 51 do mesmo diploma legal.

Assim, segundo à ótica da CIJ, com base nos preceitos do Direito Internacional, os Estados não possuem liberdade ilimitada no emprego de armas de destruição de massa.

O referido parecer ressaltou ainda, que conforme determinação contida no art. VI do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, os Estados devem seguir uma conduta baseada na boa-fé para prosseguir o processo de desarmamento nuclear, bem como, em incentivar e fortalecer o sistema internacional de fiscalização e controle nuclear.

O citado parecer, contou ainda, com uma a brilhante conclusão:

A longo prazo, o direito internacional, e com ele a estabilidade da ordem internacional que está vocacionado a reger, poderá sofrer devido à contínua diferença de opiniões com relação ao status jurídico de uma arma tão mortífera quanto a arma nuclear. É conseqüentemente importante colocar termo neste assunto: a longa promessa de completo desarmamento nuclear parece ser o mais apropriado meio de alcançar este resultado[8].

Está decisão foi recebida com entusiasmo pela Comunidade Internacional, que vislumbrava pela primeira vez, uma decisão judicial, mesmo que na modalidade de parecer, que declarava expressamente, a limitação da soberania estatal no emprego de armas de destruição em massa.

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Sobre o autor
Hugo Lázaro Marques Martins

Pós-graduado em Direito Internacional pelo Centro de Direito Internacional (CEDIN). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Hugo Lázaro Marques. A Corte Internacional de Justiça e a sua contribuição para manutenção da segurança internacional.: Uma breve reflexão sobre sua estrutura organizacional e atuação na manutenção da paz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3445, 6 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23162. Acesso em: 22 dez. 2024.

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