Nosso Código Tributário Nacional preceitua que uma pessoa, seja física, seja jurídica, ao adquirir de outra “fundo de comércio” e continuar a respectiva exploração econômica, ainda que sob outra razão social, responde pelos tributos devidos pela empresa sucedida. É o que prevê art. 133, abaixo transcrito:
Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.
A doutrina empresarial caracteriza fundo de comércio como uma universalidade jurídica composta por bens materiais (estoques, ativo imobilizado, ponto comercial) e imateriais (clientela, marca, etc), não se resumindo ao simples estabelecimento empresarial. É todo o ativo e passivo que envolve a empresa, desde seus bens até sua lista de clientela, lista de fornecedores, marca, empregados e funcionários, registros comerciais e empresariais, popularidade, imagem junto à sociedade etc, enfim todo e qualquer elemento de que disponha o comerciante/ empresário para o desenvolvimento e realização de seus negócios.
A característica inerente ao Fundo de Comércio reside na maneira original com que o comerciante/ empresário organiza sua empresa para produzir e atrair uma clientela. Essa forma de "organização" constitui-se em um aspecto intelectual, uma universalidade, conforme acima referido.
Enquanto fundo de comércio é a integralidade dos bens patrimoniais, inclusive os de natureza pessoal e de valor imaterial, ponto comercial resume-se a apenas um local para realização das atividades comerciais/ empresariais. Portanto, pode-se afirmar que o ponto comercial integra o fundo de comércio, mas não o contrário. Ou seja, o fundo não se resume ao ponto. Deve-se considerar, portanto, no fundo comercial a universalidade dos bens, os estabelecimentos, as marcas, a clientela, os equipamentos.
Caso haja a “aquisição” de fundo de comércio, a empresa sucessora deve prosseguir na exploração da atividade comercial antes realizada pela sucedida.
Assim entende o STJ:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 159 DO CC DE 1916. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. MULTA TRIBUTÁRIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. SUCESSÃO EMPRESARIAL. OBRIGAÇÃO ANTERIOR E LANÇAMENTO POSTERIOR. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE SUCESSORA. 1. Não se conhece do RECURSO ESPECIAL se a matéria suscitada não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem, em virtude da falta do requisito do prequestionamento. Súmulas 282 e 356/STF. 2. A responsabilidade tributária não está limitada aos tributos devidos pelos sucedidos, mas abrange as multas, moratórias ou de outra espécie, que, por representarem penalidade pecuniária, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor. 3. Segundo dispõe o artigo 113, § 3º, do CTN, o descumprimento de obrigação acessória faz surgir, imediatamente, nova obrigação consistente no pagamento da multa tributária. A responsabilidade do sucessor abrange, nos termos do artigo 129 do CTN, os créditos definitivamente constituídos, em curso de constituição ou "constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data", que é o caso dos autos. 4. Recurso especial conhecido em parte e não provido.” (RESP 200701316981 RESP - RECURSO ESPECIAL – 959389 Relator(a) CASTRO MEIRA Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEGUNDA TURMA Fonte DJE DATA:21/05/2009)
Também é o entendimento do Tribunal Regional da 2ª Região:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APROVEITAMENTO A TODOS OS DEVEDORES DE GARANTIA INTEGRAL PRESTADA POR DEVEDOR SOLIDÁRIO. LEGITIMIDADE DA CDA. RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO NO FUNDO DE COMÉRCIO OU ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL. ART. 133 DO CTN. DESNECESSIDADE DE TRANSFERÊNCIA JURÍDICA. VERIFICAÇÃO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DE FATO. 1. Já é pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que, em havendo devedores solidários na execução fiscal, o oferecimento de garantia integral por um deles, permite a oposição de embargos do devedor por qualquer um, ainda que o oponente não tenha bens penhorados (RESP 615822 e RESP 151774). 2. Examinado o título exeqüendo à luz das prescrições do art. 202, do CTN e art. 2º, par. 5º, da Lei n. 6.830/80, verifica-se a presença de todos os requisitos formais ali enunciados, sendo plenamente válida a certidão de dívida ativa que instrui a cobrança, inexistindo cerceamento de defesa ou violação ao contraditório e ao devido processo legal. 3. As provas constantes nos autos são suficientes para a configuração da hipótese prevista no artigo 133 do CTN, que, ao tratar da sucessão tributária, conceitua-a como o ato de uma pessoa física ou jurídica (in casu, a embargante) que adquire o fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional de uma outra empresa (sucedida) e continua a explorar a mesma atividade desempenhada pela sociedade antecessora. 4. Extrai-se do relatório fiscal que ambas as empresas – sucedida e sucessora – dedicavam-se à exploração do mesmo tipo de atividade; que a empresa embargante admitiu em seu quadro de empregados grande parte da mão-de-obra que formava a equipe da empresa sucedida; que houve aproveitamento do espaço onde outrora se localizava a empresa sucedida; que a empresa embargante continuou a utilizar a marca registrada em nome da empresa sucedida e é proprietária de vários imóveis desta; que há coincidência entre os sócios, entre outras evidências. 5. Portanto, restou comprovada a sucessão tributária, tendo em vista que, o artigo 133 do CTN consagra a responsabilidade do adquirente não somente sobre a empresa propriamente dita, mas também aquela incidente sobre o fundo de comércio, que abrange a soma de todos os elementos que a integram (móveis, máquinas, mercadorias, nome comercial, clientela, marcas etc). Precedentes do STJ e dos TRFs da 2ª e 4ª Regiões. 6. Apelo provido parcialmente, para incluir os embargantes no pólo ativo da demanda e, conseqüentemente, com amparo no art. 515, § 3º, do CPC, negar provimento no mérito, julgando improcedente o pedido com relação a todos os embargantes. (AC 199850010112387 AC - APELAÇÃO CIVEL – 381300 Relator(a) Desembargador Federal THEOPHILO MIGUEL Sigla do órgão TRF2 Órgão julgador TERCEIRA TURMA ESPECIALIZADA Fonte E-DJF2R - Data::09/09/2010 - Página::212)
Percebe-se claramente que a sucessão de empresas, pelo teor do que dispõe o art. 129 do CTN, se aplica a qualquer tempo, sobretudo, para os casos em que há dissimulação, ou ocultação, dos atos de sucessão empresarial:
Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data.
Consoante a decisão acima citada, a transferência de fundo de comércio entre pessoas jurídicas não se resume a uma operação em que ocorra explicitamente transferência jurídica. Isso porque não se trata de mera responsabilização do sócio-gerente, com base no art. 135, III do CTN, mas sim muitas vezes de responsabilização por aquisição de fundo de comércio, mediante negócios jurídicos dissimulados e somente descobertos no curso das execuções fiscais.
Portanto, uma coisa é o redirecionamento de execuções fiscais para sócio que sempre esteve no contrato social da empresa; outra, bem diferente, é a inclusão de outra empresa que, mediante negócios dissimulados, adquiriu o fundo de comércio da devedora e muitas vezes orquestrou a ocorrência da fraude. Ou então simplesmente se apoderou do fundo de comércio de empresa anterior, completamente endividada, sem que tenha havido formalmente uma operação de transferência do fundo. É uma situação fática, verificada in concreto, caso a caso.
Assim se posicionou o STJ acerca da sucessão com fulcro no art. 133 do CTN, veja:
“Ementa TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA. ART. 133, CTN. CONCLUSÃO DO TRIBUNAL A QUO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. CITAÇÃO. INTERRUPÇÃO 1. A sucessão de empresas para fins tributários, caracterizados por fatos inequívocos, bem como a prescrição afastada pelas datas do lançamento, do ajuizamento e da citação para a ação, encerram matérias insindicáveis pelo E. STJ. 2. É que, in casu, o Tribunal a quo assentou que: a)"(a) duas empresas com o mesmo objeto social; (b) localizadas no mesmo endereço; (c) pertencentes à mesma família; e (d) enquanto uma vai morrendo gradativamente (rectius, sendo programadamente desativada), por causa das elevadas dívidas, a outra vai nascendo e crescendo, inclusive para dentro dela migrando o quadro de funcionários e os próprios maquinários, erige-se situação de fato que afirma, estreme de dúvida, a ocorrência de sucessão tributária integral.”b) " o lançamento ocorreu em 15-4-93, o ajuizamento em 16-5-94 e a citação da sucedida em 14-6-94 (fls. 2-6-v., autos da execução), sendo que o processo executório jamais ficou paralisado por mais de cinco anos, a ponto de ensejar prescrição intercorrente.". 3. Recurso especial não conhecido. (RESP 200800653960 - RESP - RECURSO ESPECIAL – 1042893 Relator(a) LUIZ FUX Sigla do órgão STJ Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJE DATA:17/11/2009)
Igual entendimento possui o TRF da 4ª região:
Ementa TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. REDIRECIONAMENTO À EMPRESA SUCESSORA (CTN, ARTIGO 133). LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA DA PARTE E DE SEU PROCURADOR. 1. Com a aquisição do fundo de comércio após a constituição do crédito tributário, a interrupção da prescrição operada pela citação da empresa sucedida e todos os demais atos praticados aproveitam à empresa sucessora, pois "o sucessor passa a ocupar a posição do antigo devedor, no estado em que a obrigação se encontrava na data do evento que motivou a sucessão" (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 7ª ed. Saraiva, 2001. p. 310). 2. Para a caracterização da prescrição intercorrente, mesmo em relação à empresa sucessora responsável, não basta apenas que se passe o prazo de cinco anos desde a citação da pessoa jurídica sucedida, mas também que reste provado que a exeqüente agiu com desídia por prazo superior ao prescricional. Precedentes desta Corte. 3. No caso, conquanto tenha decorrido mais de cinco anos entre a citação da empresa e o redirecionamento da execução, não houve inércia do exeqüente, pelo que não há falar na ocorrência de prescrição intercorrente para redirecionamento da execução fiscal à empresa sucessora. 4. Quanto à litigância de má-fé, nota-se que, da narrativa desenvolvida na petição inicial, a autora dá a entender que teria sido verdadeiramente surpreendida em junho de 2006 com a cobrança relativa aos débitos cobrados na execução fiscal, à míngua de prévio procedimento que legitimasse tal responsabilização, tanto que foi deferida em parte a medida liminar requerida. No entanto, a partir da resposta da União, e análise da execução fiscal referida, percebe-se que já tinha ciência da sua responsabilidade sobre os débitos ao menos desde o momento em que reconhecida a sucessão de empresas, no bojo dos embargos de terceiro, ainda em 2001. A narrativa desenvolvida, que omite todos esses fatos anteriores e a própria coisa julgada, revela nítida intenção de alterar a verdade dos fatos e deduzir pretensão contra fato incontroverso, encaixando-se nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 17 do CPC. Neste passo, mostra-se possível a condenação, em caráter solidário, tanto da autora como de seu procurador, que detinha conhecimento acerca da execução fiscal, como se denota da manifestação por ele subscrita naqueles autos. (AC 200670060016879- AC - APELAÇÃO CIVEL - Relator(a) JOEL ILAN PACIORNIK Sigla do órgão TRF4 Órgão julgador PRIMEIRA TURMA)
Portanto, diante da atual jurisprudência, tem-se como exemplo clássico de ilícita sucessão empresarial de fato: uma determinada empresa sonega impostos, tornando-se inadimplente; depois, deixa de operar de fato no mercado, mas sua existência formal (o CNPJ continua “ativo”) persiste; ao passo em que é abandonada pelos seus sócios, outra é constituída por seu representante legal, ou em nome de seus parentes, apoderando-se de todo o fundo de comércio da anterior, como clientela, sede, marcas, veículos.
Reconhecidos e provados tais fatos nos autos judiciais, em virtude da sucessão empresarial de fato, deve a nova empresa ser responsável tributária pela dívida de sua sucedida, com base no art. 133 do CTN.