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A teoria da derrotabilidade e a ação rescisória em matéria constitucional

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27/12/2012 às 09:48
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5 common law e aNECESSIDADE DE REVISÃO DA SÚMULA 343 DO STF

Tratando da Common Law[12] inglesa interessante argumento traz a autora Andréia Costa Vieira[13] sobre a técnica das distinções utilizadas pelos magistrados ingleses:

(...) um juiz pode deixar de observar a força vinculante de determinado precedente, se concluir que o caso que tem em mãos é distinto de todos os outros anteriormente julgados. Assim, um caso pode ser considerado distinto de outro de acordo com os fatos narrados, uma vez que a ratio decidendi de um caso é, por definição, baseada em seus fatos materiais. 

Assim, o jurista da Common Law desde o início aprende a pensar com base na analogia, identificando e estabelecendo uma comparação entre o caso a ser decidido e os precedentes possivelmente aplicáveis, e diferenciando, entre estes, aqueles mais próximos e aqueles mais distantes do caso concreto posto. O que é comum ao direito britânico por vezes nos parece estranho e digno de discursos acalorados a favor da “não derrota” das regras jurídicas vigentes. A ideia que circunstâncias de fato possam afastar a aplicação de uma norma jurídica a um caso concreto, derrotando-a, é facilmente percebido nas técnicas de distinções da Common Law.

Estabelecendo a relação em que se funda esse trabalho entendemos necessária a revisão da Súmula 343 do STF ou até mesmo sua retirada do mundo jurídico. Primeiro porque como continua vigente afrontará o previsto noinciso IV do art. 847 do Anteprojeto do Novo CPC:

Os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência, observando-se o seguinte: (...) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores deve nortear as decisões de todos os tribunais e juízos singulares do país, de modo a concretizar plenamente os princípios da legalidade e da isonomia.

Ora se a redação da Súmula 343 em comento dificulta a utilização do instrumento da ação rescisória e porque não dizer da própria estabilidade jurídica no sentido de não privilegiar a jurisprudência dos tribunais superiores é preciso avançar no sentido de adotar técnicas semelhantes a da Common Law inglesa.

No que se refere ao disposto no inciso IV do art. 847 do Anteprojeto do Novo CPC entendemos que a vivificação dos precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores servirá de parâmetro para a interpretação da lei não havendo mais sentido dizer que “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” uma vez que a rescisão será baseada nas técnicas da derrotabilidade e nas técnicas de distinção da Common Law, isto é, o julgador derrotará a interpretação controvertida em nome de um precedente do STF ou de tribunal superior que seja perfeitamente amoldável e mais justo ao caso concreto.  


5 CONCLUSÃO

Pretendeu-se nesse trabalho demonstrar que a teoria da derrotabilidade ainda que novidade no ordenamento pátrio poderá servir de técnica de decisãopara os julgadores quando da utilização da ação rescisória em matéria constitucionalcom o fim de se privilegiar os princípios constitucionais.

Analisando o voto do eminente Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 328812 ED/AM percebemos a importância da ação rescisória como instrumento de segurança jurídica e a sua força quando a ele se aplicam as técnicas de derrotabilidade.

Lado outro é cediço que o Supremo Tribunal Federal tem-se revelado um intérprete constitucional vanguardista e sabedor de seu papel garantista da ordem jurídica brasileira. Exemplo disso são os julgados que aqui destacamos. Um da lavra do eminente Ministro Gilmar Mendes (RE 328812 ED/AM), o outro de relatoria do douto Ministro Marco Aurélio (RE 567.985 MT). Nesse último, o Ministro faz referência de forma explícita à derrota de regras para superar dispositivo legal com o fim de fazer valer os princípios constitucionais.

Por fim, entende-se que não há razão para a existência da Súmula 343 do STF uma vez que a interpretação controvertida poderá ser resolvida com as técnicas da derrotabilidade e com as técnicas de distinção aplicadas pela Common Law inglesa.


REFERÊNCIAS

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_____; RODRÍGUEZ, Jorge. Relevancia normativa en la justificación de las decisiones judiciales. El debate Bayón-Rodríguez sobre la derrotabilidad de las normas jurídicas. Bogotá: Universidade Externado de Colombia, 2003.

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RE 567985 / MT - MATO GROSSO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator (a):Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 02/12/2008 Publicação DJe-024 DIVULG04/02/2009 PUBLIC 05/02/2009. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24.SCLA.+E+567985.NUME.%29&base=baseMonocraticas

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ZAVASCKI, Teori Albino. Ação rescisória em matéria constitucional. Interesse Público, v.3, n.12, p.46-65, out./dez. 2001.


Notas

[1]RE 328812 ED / AM – AMAZONASEMB.DECL.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIORelator(a):  Min. GILMAR MENDESJulgamento:  06/03/2008 Órgão Julgador:  Tribunal PlenoPublicaçãoDJe-078  DIVULG 30-04-2008  PUBLIC 02-05-2008EMENT VOL-02317-04  PP-00748RTJ VOL-00204-03 PP-1294LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 255-284Parte(s)EMBTE.(S): MARIA AUXILIADORA SANTOS CABRAL DOS ANJOSADV.(A/S): JOSÉ TÔRRES DAS NEVES E OUTRO(A/S)EMBDO.(A/S): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSSADV.(A/S): JOSÉ MARIA RICARDO. EMENTA: embargos de declaração em Recurso Extraordinário. 2. Julgamento remetido ao Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário apreciar embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria. 4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. 5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. 7. Embargos de Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.

[2]SARTOR, Giovanni. Syllogism and Defeasibilty: A Comment on Neil MacCormick’s Rhetoric andthe Rule of Law. EUI-LAW Working Papers. n.º 23.European UniversityInstitute(EUI): Department of Law: 2006. p. 01-12.

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[3]MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. WaldéaBarcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

[4]HART, Hebert.. The Ascription of Responsibility and Rights. In: Proceedings of thevAristotelian Society. v. XLIX. Londres: Harrison & Sons, 1948. p. 171-194.

[5]_____; RODRÍGUEZ, Jorge. Relevancia normativa en la justificación de lasdecisiones judiciales. El debate Bayón-Rodríguez sobre la derrotabilidad de las

normas jurídicas. Bogotá: Universidade Externado de Colombia, 2003.

[6]ZAVASCKI, Teori Albino. Ação rescisória em matéria constitucional. Interesse público,v.3, n.12, p.46-65, out./dez. 2001.

[7]BERNARDES, Juliano Taveira. Aborto de feto anencefálico e "derrotabilidade". Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 617, 17 mar. 2005 . Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/6466>. Acesso em: 26 nov. 2012.Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/6466/aborto-de-feto-anencefalico-e-derrotabilidade#ixzz2DKVtO6SB.

[8]PORTELLA, S. S. A Interpretação Constitucional Controvertida à Luz da Súmula 343 do STF. Revista de Direito e Política, v. 17, p. 185-197, 2010.

[9]ZAVASCKI, Teori Albino. Ação rescisória em matéria constitucional. Interesse público,v.3, n.12, p.46-65, out./dez. 2001.

[10]RE 567985 / MT - MATO GROSSORECURSO EXTRAORDINÁRIORelator(a):  Min. MARCO AURÉLIOJulgamento: 02/12/2008PublicaçãoDJe-024DIVULG 04/02/2009 PUBLIC 05/02/2009.

[11]VASCONCELLOS, Fernando Andreoni. O conceito de derrotabilidade normativa. Curitiba: UFPR, 2009.

[12]Common law (do inglês "direito comum") é o direito que se desenvolveu em certos países por meio das decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Constitui portanto um sistema ou família do direito, diferente da família romano-germânica do direito, que enfatiza os atos legislativos. Nos sistemas de common law, o direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo um precedente.[1] O conjunto de precedentes é chamado de common law e vincula todas as decisões futuras. Quando as partes discordam quanto o direito aplicável, um tribunal idealmente procuraria uma solução dentre as decisões precedentes dos tribunais competentes. Se uma controvérsia semelhante foi resolvida no passado, o tribunal é obrigado a seguir o raciocínio usado naquela decisão anterior (princípio conhecido como stare decisis). Entretanto, se o tribunal concluir que a controvérsia em exame é fundamentalmente diferente de todos os casos anteriores, decidirá como "assunto de primeira impressão" (matter of first impression, em inglês). Posteriormente, tal decisão se tornará um precedente e vinculará os tribunais futuros com base no princípio do stare decisis.

[13]VIEIRA, Andréia Costa.Civil Law e Common Law. Os dois grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2007.

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Sobre o autor
André Freire da Silva

Analista Legislativo e Advogado na Câmara dos Deputados. Pós – graduando em Processo Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Freire. A teoria da derrotabilidade e a ação rescisória em matéria constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3466, 27 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23327. Acesso em: 16 abr. 2024.

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