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A teoria da derrotabilidade e a ação rescisória em matéria constitucional

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27/12/2012 às 09:48
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Cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais? Há razão para a existência da Súmula 343 do STF?

Resumo: Nesse trabalho pretende-se demonstrar que a teoria da derrotabilidade ainda que novidade no ordenamento pátrio poderá servir de técnica de decisão para os julgadores quando da utilização da ação rescisória em matéria constitucional com o fim de se privilegiar os princípios constitucionais.Analisando o voto do eminente Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 328812 ED/AM percebemos a importância da ação rescisória como instrumento de segurança jurídica e a sua força quando a ele se aplicam as técnicas de derrotabilidade.

Palavras-chave: Ação Rescisória; Matéria Constitucional; Derrotabilidade; Segurança Jurídica.


1 INTRODUÇÃO

O texto aqui apresentado procura explicitar as principais características da teoria da derrotabilidade evidenciando a sua aplicação no cabimento da ação rescisória em matéria constitucional que vise fazer valer a interpretação da corte suprema.

Trata-se de analisar os fundamentos do voto do eminente Ministro Gilmar Mendes proferido no Recurso Extraordinário 328812 ED/AM[1]. No referido Recurso Extraordinário o Ministro defendeu o cabimento de ação rescisória para fazer valer interpretação constitucional do STF e, especificamente, informou que o inciso V do art. 485 do CPC tinha a intenção de garantir a eficácia da ordem legislativa em sentido amplo.

Asseverou que o cabimento da ação rescisória para o caso de violação a literal disposição de lei a que alude o referido dispositivo contemplava também a violação às normas constitucionais. Assim, entendeu que deveria ser afastada a Súmula 343 do STF que informa: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” uma vez que nas hipóteses em que o Supremo Tribunal Federal fixa a correta interpretação de norma infraconstitucional acaba por explicitar os conteúdos possíveis da ordem normativa infraconstitucional em face do parâmetro maior, que é a Carta Magna.

Assim, a partir das teorias de Giovanni Sartor[2] e Neil MacCormick´s[3] sobre a derrotabilidade pretende-se demonstrar que a Corte Suprema valeu–se de traços característicos dessa teoria para a interpretação constitucional afastando, dessa forma, entendimentos jurisprudenciais acerca do tema até então consolidados.

Em diversos aspectos demonstrar-se-á que os princípios constitucionais se prestam a dar efetividade à prestação jurisdicional relativizando a coisa julgada e, em certas situações, afastando a aplicação da jurisprudência quando as circunstâncias do caso concreto assim a justifiquem.     


2.BREVES CONSIDERAÇÕES sobre A TEORIA DA DERROTABILIDADE

O autor Herbert Hart[4] foi um dos primeiros a tratar do conceito de derrotabilidade (defeasibility) no artigo “The Ascription of Responsability and Rights”. Inicialmente é preciso dizer que Hart evolui o conceito de derrotabilidade desde a publicação do referido artigo.Assim, para efeito de nosso estudo a derrotabilidadesignifica que, a norma jurídica, ainda que tenha preenchido seus requisitos necessários e suficientes para que seja válida e aplicável a um caso concreto, poderá ser afastada ou ter sua aplicação negada quando uma exceção relevante e primordial assim se faça presente.

Para deixar claro o propósito desse trabalho é imperioso irmos direto ao ponto que caracteriza a derrotabilidade como corolário para a interpretação da norma jurídica. Assim cumpre-nosinformar sobre o décimo primeiro fator gerador da derrotabilidade, conforme lecionam os autores JORGE LUIS RODRIGUES e GERMAN SUCAR[5]:

Qualquer pretensão formulada perante um juiz, com base no disposto em uma norma geral, pode ser derrotada pela parte contrária, se esta demonstra que no caso em questão concorre uma exceção que também encontra apoio em uma disposição do sistema.

Para fazer uso da teoria da derrotabilidade o autor Giovanni Sartor utilizou a lógica não monotônicaao elaborar“os métodos de inferência que derivam conclusões a partir de regras gerais e que permitem o afastamento de tais conclusões quando uma de suas condições necessárias venha a falhar”. Em análise semelhante o mesmo autor evidencia que no direito não é possível encontrar regras no modelo “tudo ou nada”, posto que, normas condicionais perfeitas (prescrições que subordinam um efeito legal a uma condição suficiente) não são estruturas linguísticas que existem concretamente no mundo legal, mas tão somente em um modelo ideal.

Clarificando o pensamento de Sartor para logo após retomarmos a discussão sobre o cabimento da ação rescisória em matéria constitucional revela o autor que a norma só é uma regra quando o seu antecedente contém termos descritivos exatos e sua prioridade (importância) em relação a outras normas é exatamente determinada. Sob outro aspecto, um princípio possuiria o antecedente com termos imprecisos e sem uma prioridade determinada. 


3.AÇÃO RESCISÓRIA EM MATÉRIA CONSTITUCIONAL: A APROXIMAÇÃO COM OS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA DERROTABILIDADE

Retomando a intenção inicial do presente trabalho de estabelecer a relação da teoria da derrotabilidade com os fundamentos da decisão da corte suprema proferida no Recurso Extraordinário 328812 ED/AM que versava sobre o cabimento de ação rescisória para fazer valer a interpretação constitucional da lei são didáticasas lições do eminente Ministro Teori Savascki[6]:

Uma das hipóteses que o ordenamento jurídico prevê, de relativização da coisa julgada, permitindo a rescisão da sentença, é quando esta "violar literal disposição de lei" (CPC, art. 485, V). Dois pontos do referido dispositivo processual merecem destaque. Primeiroa do vocábulo "lei" nele utilizado. Não tem o significado de lei em sentido estrito, mas em sentido amplo, designando o gênero normativo de que fazem parte não apenas a lei ordinária, mas todas as demais espécies de normas jurídicas, inclusive a constitucional. O Código, em suma, emprega o vocábulo como sinônimo de direito, de norma jurídica, conforme reconhece nossa doutrina mais autorizada(grifo nosso).  

Ora, nesse contexto faz-se primordial a reprodução das palavras de Konrad Hesse ao defender a força normativa da Constituição:

“(...) Um ótimo desenvolvimento da força normativa da Constituição depende não apenas do seu conteúdo, mastambém de sua práxis. De todos os partícipes da vida constitucional, exige-se partilhar aquela concepçãoanteriormente por mim denominada vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Ela é fundamental,considerada global ou singularmente.Todos os interesses momentâneos – ainda quando realizados – não logram compensar ganho resultante docomprovado respeito à Constituição, sobretudo naquelas situações em que a sua observância revela-se incômoda. Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição ‘deveser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até aalgumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de umprincípio constitucional fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência doEstado, mormente ao Estado democrático’. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, ‘malbarata,pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado,não mais será recuperado.” (A Força Normativa da Constituição, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor).

Importante dizer que o fundamento de aplicação da derrotabilidade se faz sobre as normas jurídicas, pois, o texto por si só e sem a intervenção do intérprete não é passível de se derrotar. Quer dizer que o momento de aplicação da derrotabilidade se perfaz na aplicação do direito, isto é, quando os intérpretes agem fazendo com que o texto presente na norma jurídica deixe de ser só texto.

Nesse momento parece nos evidente que o julgador se vale da norma jurídica no modelo “hipotético – condicional”, que segundo a explicação de Von Wright, seriam prescrições hipotéticas que requerem que se adicione uma clausula “se, então” à formulação – norma, como por exemplo[7]:

Se Maria sair de casa às 19h, deverá chegar ao aeroporto às 19h30, a verificação do consequente esperado (chegar ao aeroporto às 19h30) não depende só da exteriorização do antecedente (se Maria sair de casa às 19h). Trabalha-se, na verdade, com a ocorrência de inúmeros pressupostos (se não houver acidentes, se o tráfego estiver normal, se o carro não estragar) que se devem somar ao antecedente, para que o consequente realmente suceda como se anteviu. Logo, a se exteriorizar qualquer situação não considerada (se houver acidente, se o tráfego estiver ruim ou se o carro apresentar defeito), a conclusão será “derrotada”, isto é, não mais se sustentará

Assim, tomando como métrica a aplicação ou não da Súmula 343 do STF para o caso concreto poder-se-ia perguntar: não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais? Ora, se existe uma condição para que se dê ou não a aplicação da Súmula é preciso inserir na pergunta a condicional: “e se estivermos tratando de violação à lei constitucional?” A resposta para a pergunta será completamente diversa propugnando o afastamento da Súmula 343 do STF para o caso em tela. Se a violação se dá a texto constitucional é mister que se “derrote” o argumento de incidência da Súmula e porque não dizer que se dará a própria derrota da conclusão alcançada, pois acondicional imposta (de ser a lei norma constitucional) transforma a interpretação de lei infraconstitucional para lei constitucional dotada de primazia sobre todas as outras normas. Assim,consagra-se assim um modelo fundamentado na inferência lógica do modus ponens, bastante usada na teoria geral do direito.


4 A AÇÃO RESCISÓRIA e a prevalência dos princípios constitucionais na utilização da derrota de regras

Para estabelecermos a relação lógica entre o fundamento da derrotabilidade e o cabimento da ação rescisória em matéria constitucional mister reproduzimos um trecho do voto do eminente Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 328812 ED/AM:

A aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só à força normativa daConstituição, mas também ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.Admitir a aplicação da orientação contida no aludido verbete em matéria de interpretação constitucional significafortalecer as decisões das instâncias ordinárias em detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal.Tal prática afigura-se tanto mais grave se se considerar que no nosso sistema geral de controle deconstitucionalidade a voz do STF somente será ouvida após anos de tramitação das questões em três instâncias ordinárias (grifo nosso).

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Repare-se que aqui houve um reforço do princípio da supremacia da constituição nos moldes da visão de Konrad Hesse. Contrapondo essa visão, oargumento do qual se valem aqueles que são contrários ao afastamento da Súmula 343 para os casos de interpretação constitucional é de quese estariaa colocar de lado o princípio da segurança jurídica ao relativizarmos a coisa julgada. Vejamos o que diz a autora Simone de Sá Portella[8] em artigo que critica a posição do STF no caso em tela:

E ainda, há quebra do princípio da segurança jurídica dos jurisdicionados. O fato de, aSuprema Corte, ser o órgão legitimado para decidir as questões constitucionais em açãooriginária, no modelo concentrado, ou se pronunciar em definitivo sobre a constitucionalidadeem controle difuso, não pode legitimar a desconsideração de julgados dos órgãos judiciaispara relativizar a coisa julgada, e, destruir a segurança jurídica em prol de um supostoprincípio do devido processo legal.O Poder Judiciário é uno. Existe somente distribuição de funções entre os órgãos. Nãoparece correto que, um cidadão que teve seu direito reconhecido no primeiro e segundo grausde jurisdição, seja violado no seu direito à estabilidade da demanda, consagrado pela coisajulgada, por uma exegese de que só o STF pode dizer o que é ou não constitucional.

Não nos parece efetivo dentro de um contexto de prestação jurisdicional adotar a posição acima uma vez que essa desconsidera a força normativa da Constituição que para o caso em questão está a aclarar o sentido mais valioso da interpretação constitucional.

Contrariamente, ao nosso sentir, resta configurada a prevalência do princípio da segurança jurídica pela razão maior de validação do estado democrático e de direito, fundada na Carta Constitucional. Se o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição então a condição de validade de suas interpretações é a essência dos valores e princípios explícitos e, fundamentalmente, os princípios implícitos em nossa Carta Magna.

Não é outro o entendimento do Ministro Teori Savascki[9]no que diz respeito à lei constitucional:

A estabilidade dos julgados é valor jurídico que se preserva independentemente dos fundamentos neles adotados pelo juiz. Todas as sentenças de mérito assumem, quando não mais atacáveis por recurso, a qualidade de coisa julgada, inclusive as que decidem questões constitucionais. Sua modificação, nesses casos como nos demais, somente é admissível nas estritas hipóteses do artigo 485 do CPC. Pode-se afirmar, portanto, que a sentença de mérito, mesmo envolvendo matéria constitucional, faz coisa julgada, mas pode ser rescindida, com base no inciso V, quando "violar literal disposição da Constituição". Ocorre que a lei constitucional não é uma lei qualquer. Ela é a lei fundamental do sistema, na qual todas as demais assentam suas bases de validade e de legitimidade, seja formal, seja material. Na Constituição está moldada a estrutura do Estado, seus organismos mais importantes, a distribuição e a limitação dos poderes dos seus agentes, estão estabelecidos os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos. Enfim, a Constituição é a lei suprema, a mais importante, a que está colocada no ápice do sistema normativo. Guardar a Constituiçãoobservá-la fielmente, constitui, destarte, condição essencial de preservação do Estado de Direito no que ele tem de mais significativo, de mais vital, de mais fundamental. Em contrapartida, violar a Constituição, mais que violar uma lei, é atentar contra a base de todo o sistema(grifo nosso).

Poder-se-ia questionar se se trata de abandonar o ordenamento jurídico vigente em nome de um empirismo judicial calcado em legitimação de discursos que se afastam da corrente positivista renegando o papel mais efetivo da lei em um estado democrático e de direito que é de garantir a ordem e a paz social.

Não entendemos que esse abandono ocorra no caso em questão. Validar a “derrota da regra” em nome da prevalência dos direitos constitucionais éreafirmar o papel das regras quando estas se mostram ineficazes e por vezes injustas. E o Supremo Tribunal Federal tem se prestado a esse papel como se vê no julgado em que foi relator o douto Ministro da Egrégia Corte Marco Aurélio:

Ao remeter à disciplina legislativa, penso ser razoavelmente claroque o constituinte não buscou dar ao legislador carta branca paradensificar o conteúdo da Lei Fundamental. Pode-se, então, indagar: sepretendia outra coisa, por que assim o fez? Mostra-se natural e desejável que certos conteúdos constitucionais sejam interpretados à luz da realidade concreta da sociedade, dos avanços culturais e dos choques que inevitavelmente ocorrem no exercício dos direitos fundamentais previstos apenas de modo abstrato na Carta. A lei tem papel crucial na definiçãodos limites necessários. E mais: essa é uma atividade essencial àmanutenção da normatividade constitucional, que, para ter efetividade,precisa estar ancorada no espírito, na cultura e nas vocações de um povo.

Ora, o trecho destacado acima é parte do Voto do eminente Ministro no RECURSO EXTRAORDINÁRIO 567.985 MATO GROSSO em que ele sustentou argumento pela utilização da teoria derrotabilidade não declarando a inconstitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei nº8.742/93, contudo, afastando a aplicação da norma legal ao caso concreto, tornando prevalecentes osditames constitucionais[10].

Nesse sentido, o professor José Afonso da Silva clarifica o sentido da hermenêutica contextual que bem nos serve para demonstrar o avanço do STF no julgamento do RE 328812 ED/AM em comento:

A hermenêutica contextual refere-se à exploração da influência do contexto sobre o sentido da Constituição e, reciprocamente, desta sobre o contexto em que ela se situa (Palmer, 86). É pela hermenêutica contextual que se descobre que duas passagens semelhantes, dentro da mesma Constituição, podem ter sentidos diversos, consoante o lugar que ocupam relativamente ao texto como um todo. Aqui se tem que o contexto intrínseco (ou contexto interno) é que indica ao intérprete o sentido de uma norma dentro de uma estrutura normativa específica dentro da totalidade normativa da Constituição. Mas não basta o contexto interno ou intrínseco para o desvendamento do sentido das normas constitucionais, porque a hermenêutica do sentido também busca definir o objeto da interpretação – a Constituição – no mundo, assim como a tensão do mundo sobre ela. Aqui a interpretação envolve a busca de um fator externo, que se acha no contexto extratexto, para designar o sentido da Constituição e de suas normas.

Agora analisemos um fragmento do Voto do Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 328812 ED/AM para compreendermos de que forma se afasta um entendimento jurisprudencial à luz da hermenêutica contextual:

No que tange à inaplicabilidade da Súmula 343/STF, tenho reiteradamente observado nesta Corte que esteverbete precisa ser revisto. Refiro-me, especificamente, aos processos que identificam matéria contraditória àépoca da discussão originária, questão constitucional, bem como jurisprudência supervenientemente fixada, emfavor da tese do interessado.Não vejo como não afastarmos a Súmula 343, nestas hipóteses, como medida de instrumentalização da força normativa da Constituição (grifo nosso).

Mas não é só isso. No voto o Ministro aborda um importante aspecto da aplicação da Súmula 343 do STF: negar a utilização da ação rescisória quando da violação à norma constitucional constitui grave ofensa à ordem normativa e a segurança jurídica

A violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem dúvida algo mais grave que aviolação à lei. Isto já havia sido intuído por Pontes de Miranda ao discorrer especificamente sobre a hipótese derescisória hoje descrita no art. 485, inciso V, do CPC. Sobre a violação à Constituição como pressuposto para arescisória, dizia Pontes que “o direito constitucional é direito, como os outros ramos; não o é menos; em certosentido, é ainda mais. Rescindíveis são as sentenças que o violam, quer se trate de sentenças das Justiçaslocais, quer de sentenças dos tribunais federais, inclusive as decisões unânimes do Supremo Tribunal Federal”.(cit., p. 222).De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação constitucional do Supremoimporta, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta sedirige a uma interpretação que pode ser tomada como a própria interpretação constitucional realizada.Nesse ponto, penso, também, que a rescisória adquire uma feição que melhor realiza o princípio da isonomia.Se por um lado a rescisão de uma sentença representa certo fator de instabilidade, por outro não se pode negarque uma aplicação assimétrica de uma decisão desta Corte em matéria constitucional oferece instabilidade maior, pois representa uma violação a um referencial normativo que dá sustentação a todo o sistema.

Do trecho destacado depreendemos que o entendimento do Ministro é no sentido de que há um instrumento legal dotado de efetividade e que visa em última análise valorizar os princípios constitucionais: a ação rescisória. Ora, parece evidente que concretizar direitos é papel do intérprete e tal tarefa muitas vezes se perfaz no momento em que se admite a derrota de uma norma jurídica que não é somente texto:

A esta altura, já se pode dizer que a derrotabilidade alude a normasjurídicas e não a textos inseridos no direito positivo. Como já se disse, não há identidade entre texto de norma e norma jurídica e “oprocesso de concretização de direitos ocorrerá por ato do intérprete, e não dolegislador, circunstância que divide a problemática jurídica em termos de produçãoe aplicação/interpretação.” Um mesmo texto pode servir de fundamento paradiversas normas jurídicas, ao passo que uma norma jurídica pode ser criada apartir de diversas mensagens legislativas[11](grifo nosso).

Vejamos a posição do Ministro Marco Aurélio no já citado RE 567.985MT que se coaduna perfeitamente com o entendimento aqui explicitado em aspectos fulcrais como a “derrotabilidade de normas jurídicas” em benefício da supremacia constitucional, conforme se destaca:

Em síntese, consigno que, sob o ângulo da regra geral, deveprevalecer o critério fixado pelo legislador no artigo 20, § 3º, da Lei nº8.742/93. Ante razões excepcionais devidamente comprovadas, é dado aointérprete do Direito constatar que a aplicação da lei à situação concretaconduz à inconstitucionalidade, presente o parâmetro material da Cartada República, qual seja, a miserabilidade, assim frustrando os princípiosobserváveis – solidariedade, dignidade, erradicação da pobreza,assistência aos desemparados. Em tais casos, pode o Juízo superar a norma legal sem declará-la inconstitucional, tornando prevalecentes os ditames constitucionais (grifo nosso).

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Sobre o autor
André Freire da Silva

Analista Legislativo e Advogado na Câmara dos Deputados. Pós – graduando em Processo Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, André Freire. A teoria da derrotabilidade e a ação rescisória em matéria constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3466, 27 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23327. Acesso em: 23 abr. 2024.

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