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Análise do instituto da tutela antecipada e as propostas do projeto de novo Código de Processo Civil

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07/01/2013 às 14:58
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O Projeto de Lei do novo CPC pretende a unificação do tratamento das tutelas de urgência, sejam elas satisfativas ou assecuratórias, abolindo o livro do processo cautelar e instituindo a tutela da evidência como espécie de tutela antecipada.

Resumo: O instituto da tutela antecipada generalizou-se após 1994, sendo possível sua concessão em praticamente todos os tipos de procedimentos. Exige-se a cumulação de requisitos para a sua concessão, fundando-se ora na urgência, ora na inconsistência da defesa do réu. Repousa seus fundamentos no direito à ordem jurídica justa, com vistas à obtenção, em prazo adequado, de uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos. Difere-se da medida cautelar, sendo que após 2002 e, especialmente no Projeto do novo Código de Processo Civil, em trâmite no Congresso Nacional desde 2010, tutela cautelar e antecipada recebem o mesmo tratamento e disciplina.

Palavras-chave: Tutela antecipada. Efetivação. Projeto de lei do novo Código de Processo Civil.


1 INTRODUÇÃO

Apesar do instituto da tutela antecipada ter sido inserido no ordenamento processual civil pátrio, em regra, aplicável a todos os procedimentos, há mais de quinze anos, não perdeu sua atualidade, nem tampouco sua importância.

Ao contrário, o anseio por um processo célere e eficaz em que possa realizar o direito material de forma útil ao seu titular, traduz a importância da tutela antecipada.

É que o tempo que o processo leva para produzir seus efeitos pode ser prejudicial ao direito que ele mesmo visa proteger. A par disso, a atual dinâmica das relações sociais não mais tolera que aquele que tem direito, tenha que esperar para ver seu pleito atendido, nem mesmo pelo tempo ordinariamente necessário para que o processo atinja seu termo.

Portanto, para afastar os efeitos indesejáveis da demora do desenrolar processual a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela é, sem dúvida, ferramenta útil e necessária à serviço das partes e também do julgador, revelando-se como a única possibilidade do autor vislumbrar a realização provisória de seu direito.

Nesse passo, renomada doutrina já reconheceu a importância do instituto da tutela antecipada para a efetividade do processo, direito constitucionalmente garantido.

A seguir serão explicitadas as generalidades do instituto da tutela antecipada, percorrendo seus pressupostos, ponderando sua importância no processo civil atual e debatendo as propostas de alteração sobre a matéria no Projeto de Lei no novo Código de Processo Civil, em trâmite no Congresso Nacional.


2 GENERALIDADES

Em um determinado momento o processualista acordou e observou que a Justiça Civil era elitista – porque estava afastada da grande maioria da população, que por várias razões evitava de recorrer ao Poder Judiciário – e inefetiva, já que não cumpria aquilo que prometia, principalmente em virtude da sua lentidão. (MARINONI, 2009).

À luz dos valores e das necessidades contemporâneas, entende-se que o direito à prestação jurisdicional (garantido pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto na Constituição da República de 1988) é o direito a uma proteção efetiva e eficaz, que tanto poderá ser concedida por meio de sentença transitada em julgado, quanto por outro tipo de decisão judicial, desde que apta e capaz de dar rendimento efetivo à norma constitucional. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional decorre o direito à prestação da tutela jurisdicional. Assim, a antecipação da tutela pretendida pela parte (que, em princípio, somente ao final, com a sentença, é que seria deferida) consiste em fenômeno processual de raízes nitidamente constitucionais, já que, para que seja plenamente aplicado o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional é necessário que a tutela prestada seja efetiva e eficaz. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

A função da antecipação da tutela é a de permitir que a proteção jurisdicional seja oportuna, adequada e efetiva. Garantir a efetividade de suas decisões é a contrapartida que o estado tem que conferir à proibição da autotutela. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

Na clássica definição de Chiovenda, tem-se que o processo será efetivo se for capaz de proporcionar ao credor a satisfação da obrigação, como se ela tivesse sido cumprida espontaneamente e, assim, dar-se ao credor tudo aquilo a que ele tem direito. (ALMEIDA; TALAMINI; WAMBIER, 2007).

As alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela reforma de 1994 – contexto em que foi inserida no sistema processual brasileiro a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela – envolveram, sem dúvida, certa dose de risco. Mas, segundo Almeida, Talamini e Wambier (2007), era um risco que precisava ser corrido, em prol de um processo apto a gerar resultados mais adequados. Reputou-se ser maior o risco de injustiças derivadas de uma resposta jurisdicional intempestiva do que o risco de injustiças advindo da incorreta antecipação de tutela. Ademais, para diminuir esse segundo risco, estabeleceram-se precisos pressupostos e condições para a antecipação da tutela.

Marinoni e Arenhart (2008) aduzem, ainda, que é necessário que o juiz compreenda que não pode haver efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal. E arrematam, lecionando que o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o autor que tem razão.

Verifica-se uma considerável valorização da efetividade, atribuindo-se ao juiz o poder de deferir medidas tipicamente executivas no curso do processo de conhecimento. Antecipam-se providências executórias que decorreriam da futura sentença de procedência, mediante atos tipicamente executivos. (ZAVASCKI, 2005). Têm-se, assim, ações sincréticas, mesclando cognição e execução em uma mesma demanda, mitigando a segmentação total que havia entre processo de conhecimento e processo de execução, em que, primeiro haveria de se esgotar a atividade cognitiva para, somente após, adentrar às providências executivas. (PAIM, 2012).

Paim (2012) relembra, ainda, que a antecipação de tutela, por ser uma tutela provisória, deve ser utilizada de forma excepcional, adequada, em observância às normas constitucionais, não podendo se constituir na panaceia de todos os males, sob pena de grave violação a garantias tão ou mais caras que a efetividade. De toda sorte, a sua correta utilização constitui ferramenta de ótima valia para a concretização do valor efetividade no processo civil.

A possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional pretendida pelo autor está prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil. E, em que pese a matéria ser ampla e rica, não se pretende esgotar o tema neste trabalho, mas trazer as linhas mestras do instituto para a compreensão do tema posto em debate.

Antes de prosseguir, porém, cumpre definir o instituto em debate.

Para Bueno (2007), a tutela antecipada é antecipada justamente porque os efeitos da sentença que, como regra, fica sujeita a um recurso que tem efeito suspensivo podem vir a ser sentidos antes disso, antecipadamente disso. Assim, prossegue o jurista, a tutela antecipada é, decididamente, mecanismo para tirar o efeito suspensivo da apelação fora daqueles casos em que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente, o risco processual dessa iniciativa.

A antecipação dos efeitos da tutela, portanto, consiste em técnica processual capaz de transportar para antes de seu tempo os efeitos que somente a sentença com trânsito em julgado poderia produzir, sendo exequível desde logo e permeando o processo de efetividade, ainda que efetividade apenas jurídica.


3 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

A tutela antecipada gera um conflito entre garantias constitucionais, pois acarreta uma limitação do contraditório, da ampla defesa e da própria segurança jurídica, mas garante a efetividade. Dessa forma, somente seria admissível a antecipação da tutela, com a consequente mitigação de um direito constitucional, caso necessário, para a salvaguarda de outra garantia constitucional tão ou mais relevante no caso concreto. Haverá, pois, um conflito entre garantias constitucionais quando da análise, pelo julgador, do deferimento ou não do pedido de tutela antecipada. Assim, esse conflito de interesses deve ser resolvido com uma necessária ponderação, a fim de proteger um direito superior no caso concreto. (PAIM, 2012).

Em regra, com a antecipação da tutela, estar-se-á garantindo o direito constitucional à efetividade, que é o direito atribuído ao jurisdicionado, impedido de fazer justiça de mão própria, de que seja garantida a utilidade da sentença, assegurando, em caso de vitória, a efetiva e prática concretização da tutela. Trata-se de um direito à ordem jurídica justa, compreendendo o direito de provocar o estado, mas também e principalmente o de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e com potencial de atuar eficazmente no plano dos fatos. (PAIM, 2012).

Nesse sentido, aduzem Marinoni e Mitidiero (2010) que o direito de acesso à justiça, albergado no art. 5º, inciso XXXV, da CR/88, não quer dizer apenas que todos têm direito a recorrer ao poder judiciário, mas também quer significar que todos têm direito à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva.

Dessa forma, a decisão que concede a antecipação de tutela deverá possuir uma fundamentação constitucional, a justificar a violação à ampla defesa, ao contraditório e à segurança jurídica. Por óbvio que a decisão de conceder ou não a tutela deverá sempre ser motivada, seja por força do dispositivo constitucional positivado no art. 93, inciso IX, seja em razão do § 1º do art. 273, do CPC. Mencionada motivação deve repousar em elementos constitucionais, tendo em vista o conflito de garantias fundamentais que deve se estabelecer. (PAIM, 2012).

Em apertada síntese, a solução para o conflito de garantias constitucionais é a regra da proporcionalidade, ou seja, a decisão deverá sacrificar o mínimo necessário da garantia violada, utilizando-se a antecipação de tutela com observância da necessidade, da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito, em busca da menor restrição possível e a salvaguarda do núcleo essencial da garantia mitigada no caso concreto. (PAIM, 2012).

Além da motivação constitucional, existem requisitos que deverão estar presentes para que se utilize da antecipação dos efeitos da tutela.


4 REQUISITOS

Preleciona Paim (2012) que para a concessão da antecipação da tutela, mister é a configuração de dois requisitos indispensáveis, quais sejam, a prova inequívoca e a verossimilhança. Ademais, é necessária a presença da urgência ou da evidência. A tutela antecipada estribada na urgência tem como fundamentos o perigo de dano e o perigo de ilícito, seja pelo fundamento do receio de dano irreparável ou de difícil reparação, seja pelo justificado receio de ineficácia do provimento final. A tutela de evidência justifica-se pelo abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, ou pela existência de parte incontroversa da demanda. Além dos requisitos necessários e de um dos requisitos alternativos, existe um requisito negativo, não podendo, em regra, haver antecipação de tutela quando os efeitos práticos antecipados forem irreversíveis.

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A urgência pode decorrer tanto do perigo de dano (arts. 273, inciso I, e 461, § 3º, do CPC), quando do perigo de ilícito (art. 461, § 3º, do CPC). Já a tutela de evidência pode decorrer do abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, inciso II, do CPC), bem como da existência da parte incontroversa da demanda (art. 273, § 6º, do CPC). (PAIM, 2012).

Apenas a tutela de urgência é matéria em debate nessa monografia, razão pela qual somente dela se tratará a seguir.

4.2.1 Requisitos indispensáveis

Para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, o caput do art. 273 do CPC exige a presença de dois requisitos cumulativos: a prova inequívoca que convença o julgador da verossimilhança da alegação.

Nery Jr. citado por Paim (2012) salienta que para conciliar as expressões prova inequívoca e verossimilhança, aparentemente contraditórias, exigidas como requisitos para a antecipação da tutela de mérito é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre elas, o que se consegue com o conceito de probabilidade, mais forte do que verossimilhança, mas não tão peremptório quanto o de prova inequívoca.

4.2.1.1 Prova inequívoca

Deve-se entender a prova inequívoca como uma prova robusta, que, embora no âmbito da cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade. (ZAVASCKI, 2005).

Para Watanabe, citado por Paim (2012) prova inequívoca não é a mesma coisa que fumus boni iuris do processo cautelar. O juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples fumaça, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de um direito. Está nesse requisito uma medida de salvaguarda, que se contrapõe à ampliação da tutela antecipatória para todo e qualquer processo de conhecimento. Bem se percebe, assim, que não se trata de tutela que possa ser concedida prodigamente, com mero juízo baseado em “fumaça do bom direito”, como vinha ocorrendo com a ação cautelar inominada.

Conforme assevera Theodoro Júnior, citado por Paim (2012), a prova inequívoca haverá de apoiar-se em prova preexistente, que, todavia, não precisa ser necessariamente documental. Terá, no entanto, de ser clara, evidente, portadora de grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.

De toda sorte, não resta dúvida de que se está no contexto de cognição sumária, devendo-se obtemperar o requisito da prova inequívoca, tratando-se de um juízo de verossimilhança[1].

4.2.1.2 Verossimilhança

A partir da relativa certeza quando à alegação dos fatos, decorrente do requisito da prova inequívoca, o julgador deverá se convencer da verossimilhança referente ao fundamento de direito, a fim de conceder a antecipação da tutela. (ZAVASCKI, 2005).

O juízo de verossimilhança é aquele que permite chegar a uma verdade provável sobre os fatos, a um elevado grau de probabilidade da versão apresentada pelo autor. (BEDAQUE apud DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2009).

Entende Theodoro Júnior, citado por Paim (2012), que a verossimilhança somente se configurará quando a prova apontar para uma probabilidade muito grande de que sejam verdadeiras as alegações do litigante.

Ademais, o jurista prossegue aduzindo que a verossimilhança da alegação refere-se a um juízo de convencimento a ser feito em todo o quadro fático invocado pela parte que pretende a antecipação da tutela, não apenas quanto à existência de seu direito subjetivo material, mas também e, principalmente, no relativo ao perigo de dano e sua irreparabilidade, bem como ao abuso dos atos de defesa e de procrastinação praticados pelo réu.

Destacam Marinoni e Arenhart (2008) que a verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar: (i) o valor do bem jurídico ameaçado, (ii) a dificuldade de o autor provar a sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência, e (iv) a própria urgência descrita. Quando se fala em antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve ser prestada em tempo inferior àquele que será necessário para o término do procedimento. Como a principal responsável pelo gasto de tempo no processo é a produção da prova, admite-se que a tutela seja concedida antes que as prova requeridas pelas partes tenham sido produzidas (tutela antecipada). Em casos como estes, prova inequívoca somente pode significar a prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a imediatidade em que a tutela deve ser concedida.

Didier Jr., Braga e Oliveira (2009) arrematam prelecionando que a prova inequívoca de verossimilhança das alegações é exigência mais rigorosa que o fumus boni iuris, pressuposto da tutela cautelar. Isso porque a tutela antecipada implica juízo cognitivo mais profundo do que o exigido para a tutela cautelar – malgrado seja mais superficial do que o exigido para a tutela definitiva (cognição exauriente). Enquanto a tutela antecipada exige verossimilhança fundada em prova, a cautelar só demanda mera plausibilidade/probabilidade, independente de prova.

4.2.2 Requisitos alternativos

Além dos dois requisitos indispensáveis – prova inequívoca e verossimilhança -, para que se conceda a tutela antecipada, faz-se mister a urgência ou a evidência. Assim, deve estar presente, também, um dos requisitos alternativos relativos ao perigo, tanto de dano quanto de ilícito, ou à evidência, seja em razão do abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, seja quando presente o fundamento do § 6º do art. 273 do CPC, introduzido pela Lei nº. 10.444/2002, que trata do pedido incontroverso.

4.2.2.1 Perigo de dano e perigo de ilícito

No que tange à urgência, pode-se fazer a distinção entre o perigo de dano e o perigo de ilícito. Em relação ao perigo de dano, a tutela antecipada pode ser postulada tanto com fundamento no art. 273, inciso I, do CPC, quanto no art. 461, § 3º, do CPC. Já o perigo de ilícito fundamenta-se exclusivamente no art. 461, § 3º, do CPC. (MARINONI; MITIDIERO, 2010).

Salientam os juristas:

Obviamente parte-se do pressuposto de que ato ilícito não se confunde com fato danoso. O ilícito é um ato contrário ao direito. O dano é um prejuízo juridicamente relevante e constitui consequência meramente eventual do ato ilícito. É por esta razão que doutrina reserva a hipótese de tutela antecipatória contra o perigo de ilícito tão-somente ao art. 461, § 3º, do CPC. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 427).

Zavascki (2005) relembra que o art. 273, inciso I, do CPC traz, como hipótese autorizadora da antecipação de tutela, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, evidenciando a ideia de urgência. Trata-se de uma antecipação assecuratória, devendo o risco de dano irreparável ou de difícil reparação ser concreto, e não, hipotético, além de ser atual e grave.

Para que haja fundado receio, deve-se ter em conta dados concretos, e não, mero temor subjetivo da parte. Nesse sentido, ressalta Theodoro Júnior que:

Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave (...). É indispensável a ocorrência do risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte. (THEODORO JUNIOR, 1997, p. 196).

Para Marinoni e Mitidiero (2010) há irreparabilidade quando os efeitos do dano não são reversíveis. Entram aí os casos de direito não patrimonial (direito à imagem, por exemplo) e de direito patrimonial com função não patrimonial (soma em dinheiro necessária para aliviar um estado de necessidade causado por um ilícito, por exemplo). Mas, há irreparabilidade, ainda, no caso de direito patrimonial que não pode ser efetivamente tutelado através da reparação em pecúnia. Ou seja, existe irreparabilidade quando o direito não pode ser restaurado na forma específica. Já o dano será de difícil reparação se as condições econômicas do réu não autorizam supor que o dano será efetivamente reparado. O dano também é de difícil reparação se dificilmente poderá ser individualizado ou quantificado com precisão.

4.2.2.2 Pedido incontroverso

A Lei nº. 10.444/2002 acrescentou mais uma possibilidade de antecipação da tutela, que se encontra disposta no § 6º do art. 273 do CPC, “quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. A mens legis, de antecipar a tutela quando o pedido for incontroverso, é de evitar o retardo da prestação jurisdicional de um direito manifestamente evidente que, por circunstâncias meramente processuais, está atrelado a outro direito, controvertido. (ZAVASCKI, 2005).

Logo, prossegue Zavascki (2005), além da ausência de controvérsia entre as partes, somente poderá ser tido como incontroverso o pedido que, na convicção do juiz, for verossímil. Nesse sentido, incontroverso não seria o indiscutido, mas sim, o indiscutível.

Conforme explicita Marinoni (2010), incontroverso é o direito que se torna evidente no curso do processo, exigindo, em razão disso, imediata tutela. É nesse sentido que se diz que o § 6º é a base para a tutela dos direitos evidentes.

Destaque-se que a incontrovérsia não se confunde com a inconsistência da defesa, visto que esta estaria ligada à ideia de sumariedade de cognição, enquanto que aquela se referiria à cognição exauriente. (PAIM, 2012).

Assim preleciona Mitidiero:

Caracterizando-se o direito a um processo com duração razoável como um direito a um processo sem dilações indevidas, resta claro que qualquer ato processual posterior à incontrovérsia fáctico-jurídica constitui uma dilação indevida no curso da causa, sendo, pois, desautorizada pela nossa Constituição. Com efeito, se a incontrovérsia denota um juízo de certeza (e, portanto, tomado sob cognição exauriente), não há como sustentar, na perpectiva da teoria dos direitos fundamentais (que é precisamente a perspectiva do Estado Constitucional), que o art. 273, § 6º, CPC, dá azo a uma simples antecipação (provisória) dos efeitos da sentença. De modo nenhum. Rigorosamente, o art. 273, § 6º, CPC, tem de ser interprestado em conformidade com o direito fundamental a um processo com duração razoável. Daí deflui naturalmente a sua impostação como um julgamento definitivo da parcela incontroversa da demanda... (MITIDIERO, 2007, p. 47).

Nesse contexto, vale destacar, ainda, o ensinamento de Marinoni:

Se um dos pedidos apresentados pelo autor está maduro para julgamento – seja porque diz respeito apenas à matéria de direito, seja porque independe de instrução probatória -, o direito fundamental à duração razoável do processo, ao incidir sobre a estrutura técnica do processo civil, não pode admitir a prevalência do princípio da “unità e unicità della decisione[2]” (...). O § 6º d art. 273 do CPC, ao admitir a tutela antecipatória no caso em que o pedido ou um dos pedidos se tornou incontroverso no curso do processo, viabiliza a cisão do julgamento de mérito, representando a quebra do princípio da unidade e da unicidade do julgamento no direito processual brasileiro. (MARINONI, 2007, p. 176).

4.2.3 Requisito negativo: irreversibilidade

Por fim, além da presença dos requisitos da prova inequívoca e da verossimilhança da alegação, agregados a um dos requisitos alternativos dentre o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu e o pedido incontroverso, o art. 273, § 2º do CPC dispõe que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. (PAIM, 2012).

De imediato, percebe-se a imprecisão terminológica do requisito negativo, visto que o provimento antecipado sempre será reversível, eis por que a tutela antecipada é provisória e precária, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo. Em verdade, a irreversibilidade que a legislação processual não permite para a concessão da tutela antecipada é a irreversibilidade do efeito prático do provimento antecipatório, e não a irreversibilidade do provimento em si. (PAIM, 2012). A irreversibilidade diz com as consequências fáticas decorrentes do cumprimento da decisão, e não, com a decisão em si mesmo, pois esta será sempre reversível. (ZAVASCKI, 2005).

Leciona Zavascki que

Antecipar irreversivelmente significa a antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício este que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nesses casos, o prosseguimento do próprio processo. (ZAVASCKI, 2005, p. 100).

A vedação à antecipação dos efeitos da tutela irreversíveis deve ser relativizada, sob pena de inviabilizar o próprio instituto. Sempre que houver um confronto entre o risco de dano irreparável ao direito do autor e o risco de irreversibilidade da medida antecipatória, deverá o juiz formular a devida ponderação entre os bens jurídicos em confronto. Nos casos em que o direito do autor for de manifesta verossimilhança e que for igualmente claro o risco de seu dano iminente, não terá sentido algum sacrificá-lo em nome de uma possível, mas improvável, situação de irreversibilidade. Não se pode sacrificar o direito provável do autor em benefício do improvável direito do réu. (PAIM, 2012).

O irreversível, muitas vezes, é a única resposta ao risco do irreparável, e o direito positivo não pode ser privado dos meios necessários para reagir às situações de fato inesperadas. (PAIM, 2012).

De acordo com Yarshell,

A irreversibilidade,como se tem sustentado com acerto, é fato que pode atuar tanto para a concessão, quanto para a denegação da tutela antecipada. Em casos de conflito de valores, portanto, será preciso confrontar os benefício e malefícios da concessão e da denegação, recorrendo ao denominado “princípio da proporcionalidade”; o que, se não resolve inteira e satisfatoriamente essa complexa questão, representa, pelo menos, a busca de um critério atento à preservação da efetividade dos provimentos jurisdicionais. (YARSHELL, 1997, p. 178).

Nesse sentido, tem-se entendido necessária uma ponderação dos valores em conflitos no caso concreto, utilizando-se, também no ponto atinente ao requisito negativo da irreversibilidade, o princípio da proporcionalidade.

Deve-se atentar, contudo, para o fato de que a antecipação de tutela que produza efeitos práticos irreversíveis deve ser absolutamente excepcional, quando indispensável para que, no caso concreto, não pereça um direito constitucional considerado de maior relevância. (ZAVASCKI, 2005).

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Sobre a autora
Natália Hallit Moyses

Procuradora Federal. Chefe do Serviço de Orientação e Análise em Demandas de Controle da PFE-INSS. Especialista em Direitos Humanos, Teoria e Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOYSES, Natália Hallit. Análise do instituto da tutela antecipada e as propostas do projeto de novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3477, 7 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23397. Acesso em: 12 out. 2024.

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