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Lei Orçamentária Anual e políticas públicas: uma análise da Medida Provisória nº 598/2012

14/01/2013 às 13:07
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Examina-se o papel que a Medida Provisória nº 598/2012 pretende desempenhar em prol da continuidade dos investimentos realizados pelo governo federal, não obstante a não aprovação do Orçamento de 2013 pelo parlamento.

Resumo: o presente texto trata da Lei Orçamentária Anual e a sua função de autorizar a execução da despesa pública. Nesse contexto, ressalta a importância da aprovação tempestiva da LOA para que não haja ruptura no processo de promoção de políticas públicas e examina o papel que a Medida Provisória nº 598/2012 pretende desempenhar em prol da continuidade dos investimentos realizados pelo governo federal, não obstante a não aprovação do Orçamento de 2013 pelo parlamento.

Palavras-chave: lei orçamentária; despesas públicas; políticas públicas; créditos adicionais.


O Orçamento Público é uma ferramenta para o planejamento da atividade administrativa, em especial o gerenciamento e a aplicação dos recursos da sociedade. É um instituto republicano, por meio do qual se confere transparência, publicidade, legitimidade e eficiência no trato da coisa pública.

O governo, enquanto faceta do Estado, é compostode indivíduos eleitos pelo povo.Esses representantes escolhidos devemgerir da melhor forma possível os recursos que pertencem a toda sociedade.

De suma importância é a participação popular no processo de escolha das prioridades que orientarão os investimentos públicos.Numa forma direta tem-se a figura do orçamento participativo, infelizmente de pouca aplicação prática em nosso país.

Por sua vez, a participação indireta decorre da natureza do Orçamento, que é Lei em sentido formal. E por ser Lei, não obstante elaborada por técnicos, é chancelada pelo chefe do Poder Executivo após ser discutida e aprovada pelo parlamento, de acordo como ideal democrático que propugna que as escolhas dos representantes devem corresponder à vontade popular, conforme a clássica concepçãocontratualista de Rousseau, segundo a qual “as leis são, a rigor, as condições de associação civil; o povo submisso às leis deve ser o autor delas; só aqueles que se associam compete regular as condições da sociedade.”[i]

Dentre os vários ângulos a partir dos quais pode ser estudado, seja o administrativo, o contábil, o gerencial, o econômico ou o financeiro, importa para estaabordagem analisar o Orçamento sob dois aspectos:1)de meio de controle político; 2) de instrumento de planejamento para a consecução de políticas públicas.

A função de controle político, a mais antiga entre as identificadas no processo orçamentário, decorre do Orçamento consubstanciar-se num documento que autoriza a realização da despesa pública, na mesma proporção e nos limites da estimativa da receita que traz em seu bojo.[ii] É dizer, o governo só pode gastar o que for autorizado pelo parlamento.

No âmbito federal, a autorização legislativa para a realização dos estipêndios demanda o envio do Projeto de Lei Orçamentaria ao Congresso Nacional.Esse projeto é elaborado e consolidado pelos técnicos do Poder Executivo, no âmbito do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e encaminhado pelo Presidente da República, até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro (31 de agosto) e deve(ria) ser devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa (22 de dezembro), de forma que esteja em vigor no início do exercício seguinte (Art. 35, inc. III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias).

Nesse ponto da exposição, cabe um questionamento: caso a LOA não seja devolvida ao Executivo antes do início do exercício em que deveria estar em vigor, será possível a realização de despesas? A resposta é afirmativa. Afinal, a Administração Pública não pode parar. Ademais, não é raro verificar tal cenário. GIACOMONI lembra que na década de 90, apenas a LOA de 1998 foi promulgada antes do início do exercício.[iii] É necessário, portanto,lançar mão de uma alternativa jurídica que propicie o funcionamento deestruturas mínimas da máquina administrativa. A matéria vem sendo regulada pelas Leis de Diretrizes Orçamentárias, desde o início da década de 90 do século passado. Não obstante algumas variações constatáveis ao longo dos anos, no que tange ao limite de gastos e espécie de despesas cuja execução é autorizada, a LDO em vigor, Lei nº 12.708, de 17 de agosto de 2012,seguindo a lógica institucionalizada, autoriza a execução de 1/12 (um doze avos) por mês, das dotações que especifica em seu artigo 50, todas referentes às despesas de custeio. Eis o dispositivo legal:

Art. 50.  Se o Projeto de Lei Orçamentária de 2013 não for sancionado pelo Presidente da República até 31 de dezembro de 2012, a programação dele constante poderá ser executada para o atendimento de:

I - despesas com obrigações constitucionais ou legais da União relacionadas no Anexo V;

II - bolsas de estudo no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, bolsas de residência médica e do Programa de Educação Tutorial - PET, bolsas e auxílios educacionais dos programas de formação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, bem como Bolsa-Atleta e bolsistas do Programa Segundo Tempo;

III - pagamento de estagiários e de contratações temporárias por excepcional interesse público na forma da Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993;

IV - ações de prevenção a desastres classificadas na subfunção Defesa Civil;

V - formação de estoques públicos vinculados ao programa de garantia dos preços mínimos;

VI - realização de eleições pela Justiça Eleitoral;

VII - outras despesas correntes de caráter inadiável;

VIII - importação de bens destinados à pesquisa científica e tecnológica, no valor da cota fixada no exercício financeiro anterior pelo Ministério da Fazenda;

IX - concessão de financiamento ao estudante; e

X - ações em andamento decorrentes de acordo de cooperação internacional com transferência de tecnologia.

§ 1º  Aplica-se, no que couber, o disposto no art. 37 aos recursos liberados na forma deste artigo.

§ 2º  Considerar-se-á antecipação de crédito à conta da Lei Orçamentária de 2013 a utilização dos recursos autorizada neste artigo.

§ 3º  Os saldos negativos eventualmente apurados em virtude de emendas apresentadas ao Projeto de Lei Orçamentária de 2013 no Congresso Nacional e da execução prevista neste artigo serão ajustados por decreto do Poder Executivo, após sanção da Lei Orçamentária de 2013, por intermédio da abertura de créditos suplementares ou especiais, mediante  remanejamento de dotações, até o limite de 20% (vinte por cento) da programação objeto de cancelamento, desde que não seja possível a reapropriação das despesas executadas.

§ 4º  As despesas descritas no inciso VII serão limitadas a um doze avos do valor previsto em cada ação no Projeto de Lei Orçamentária de 2013, multiplicado pelo número de meses decorridos até a sanção da respectiva Lei.

Por outro lado, uma vez aprovada e sancionada a Lei Orçamentária Anual, inicia-se a regular execução das dotações, respeitado os três estágios da despesa pública, quais sejam, empenho, liquidação e pagamento. Ocorre que no decorrer da execução do orçamento não é raro verificar a insuficiência das dotações originariamente aprovadas e registradas na LOA, ou mesmo ser necessária a realização de despesa não autorizada inicialmente. Como toda despesa só pode ser realizada após a autorização legislativa materializada no Orçamento, despontará a necessidade de se alterar a LOA, o que ocorrerá concomitante à sua execução. É, portanto, mediante a abertura de créditos adicionais que o governo obteráa autorização para a realização de despesas não previstas ou insuficientemente dotadas na lei do Orçamento em vigência.

Os créditos adicionais receberam tratamento constitucional, ao longo dos artigos 165 a 167, e são subdivididos em três espécies, cada uma com características próprias, relacionadas à finalidade, forma de abertura e necessidade de autorização legislativa prévia, prazo de vigência e possibilidade de prorrogação. Vejamos cada uma das espécies.

Créditos suplementares são aqueles destinados ao reforço de dotação orçamentária já prevista na LOA. São abertos por Decreto e necessitam de aprovação legislativa para os limites superiores aos já previstos originariamente na Lei Orçamentária. Sua vigência será limitada ao exercício em que forem abertos, não havendo que se falar em prorrogação.

Os créditos especiaisreferem-se às despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica. São abertos por Decreto, mediante prévia autorização legislativa em Lei específica.Quando aprovados nos últimos quatro meses do exercício, podem ter a vigência prorrogada até o final do exercício seguinte (§2º do art. 167 da CF/88).

Finalmente, os créditos extraordinários podem ser abertos para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, nos termos do art. 167 da CF/88. Na esfera federal são abertos por Medida Provisória. Também podem ter vigência prorrogada até o final do exercício subsequente ao que foram autorizados, quando o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses do ano.

Assim, mediante a abertura de créditos adicionais é possível realizar ajustes nas dotações orçamentárias, de forma a permitir a execução da despesa, inclusive com efeitos no exercício subsequente, para o caso de créditos especiais e extraordinários abertos nos últimos quatro meses do exercício.

Noutro giro, sob o prisma de ferramenta para a consecução de políticas públicas, mediante a atividade de planejamento da atividade administrativa, a técnica do orçamento programa caracteriza-se pelo deslocamento do tradicional ponto de vista do processo. O foco aqui é o que se faz, e não o quanto se gasta.

Com a superação do modelo liberal pelo social, o Estado torna-se responsável pela promoção de ações afirmativas. O Estado mínimo já não atende aos anseios da sociedade; não basta a garantia da segurança e a proteção da propriedade. Conforme Dirley da Cunha Júnior, “o homem passa a depender do Estado, de quem se exigem prestações positivas. (...) E nesse cenário, não se fala mais em liberdades públicas, mas já em direitos fundamentais.”[iv]Na lição de Luís Roberto Barroso, “o Estado, ao menos idealmente, torna-se instrumento da sociedade para combater a injustiça social, conter o poder abusivo do capital e prestar serviços públicos para a população.”[v]

É nesse contexto de um Estado fornecedor de serviços públicos e de prestações materiais à população que o Orçamento desponta como importante ferramenta de gestão pública e de orientador da ação governamental na promoção de políticas públicas.

Pois bem. E a Medida Provisória nº 598, de 27 de dezembro de 2012, onde entra nessa história?

É que oatual projeto de Lei Orçamentária Anual não foi votado no Congresso Nacional durante a sessão legislativa de 2012. Logo, não estará em vigor no início do exercício de 2013. Não obstante, a manutenção da máquina pública está garantida,a priori, diante da autorização veiculada no art. 50 da Lei de Diretrizes Orçamentárias em vigor (Lei nº 12.708/2012) para a execução de despesas correntes no patamar de 1/12 (um doze avos) das dotações.

Ocorre que esse modelo de execução provisória do orçamentonão autoriza, em princípio, a realização de despesas de capital, ou seja, não permite a continuidade dos investimentos até então efetivados. Diante do cenário de crise econômica mundial que assola vários países nos últimos anos, e tendo em conta a necessidade de manter o fluxo de investimentos para que os efeitos nefastos do colapso não se instalem em nosso território, o governo federal buscou uma alternativa no mínimo perspicaz:editou uma Medida Provisória[vi] por meio da qual abriu crédito extraordinário da ordem de 46 bilhões de reais nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, o que garantirá, ao menos no início do ano, a sequência das ações vocacionadas à promoção de políticas públicas, já que tais créditos podem, em tese, ser prorrogados até o final do exercício financeiro subsequente, conforme examinado acima.

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Há que se reconhecer a engenhosidade da medida intentada pelo Executivo que, nesse embate político com o Legislativo, parece ter marcado um ponto em favor da sociedade.


Referências Bibliográficas:

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,2011.

CUNHA JÚNIOR, Dirleyda.Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2011.

GIACOMONI, James. Orçamento Público. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do Contrato Social. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002.


Notas

[i]ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do Contrato Social. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002. p. 49.

[ii]“...pode-se concluir que a expressão autorização, no contexto da aprovação legislativa do orçamento de despesa, significa que ao Poder Executivo cabe realizar determinada programação de trabalho – e não outra – , devendo aplicar os recursos públicos nos vários créditos orçamentários (dotações) de acordo com valores-teto devidamente especificados.” (GIACOMONI, James. Orçamento Público. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 254).

[iii] GIACOMONI, James. Orçamento Público. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 251.

[iv] CUNHA JÚNIOR, Dirleyda.Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 129.

[v] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 88.

[vi] Medida Provisória nº 598, de 27 de dezembro de 2012 – DOU 27/12/2012 (Edição Extra).

Abre crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos e empresas estatais, para os fins que especifica.

A Presidenta da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62, combinado com o § 3º do art. 167, da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º Fica aberto crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, no valor global de R$ 46.999.096.495,00 (quarenta e seis bilhões, novecentos e noventa e nove milhões, noventa e seis mil, quatrocentos e noventa e cinco reais), para atender à programação constante do Anexo I.

Art. 2º Ficam anuladas parcialmente dotações orçamentárias de diversos órgãos dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, no valor de R$ 1.337.458.761,00 (um bilhão, trezentos e trinta e sete milhões, quatrocentos e cinquenta e oito mil, setecentos e sessenta e um reais), conforme indicado no Anexo II.

Art. 3º Fica aberto crédito extraordinário, em favor de diversas empresas estatais do Orçamento de Investimentos, no valor global de R$ 18.303.411.058,00 (dezoito bilhões, trezentos e três milhões, quatrocentos e onze mil, cinquenta e oito reais), para atender à programação constante do Anexo III.

Art. 4º Ficam anuladas as dotações orçamentárias de diversas empresas estatais, constantes do Anexo IV, no valor global de R$ 21.438.763.903,00 (vinte e um bilhões, quatrocentos e trinta e oito milhões, setecentos e sessenta e três mil, novecentos e três reais).

Art. 5º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

 Brasília, 27 de dezembro de 2012; 191º da Independência e 124º da República.

 DILMA ROUSSEFF

 Miriam Belchior

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Sobre o autor
Rodrigo Matos Roriz

Procurador Federal. Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis. Especialista em Direito Público e em Direito Processual Civil. MBA em Gestão Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RORIZ, Rodrigo Matos. Lei Orçamentária Anual e políticas públicas: uma análise da Medida Provisória nº 598/2012. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3484, 14 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23441. Acesso em: 22 dez. 2024.

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