Segundo o art. 162, inciso V, da Lei 9.503/93 (Código de Trânsito Brasileiro (CTB)), dirigir veículo com validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) vencida há mais de trinta dias caracteriza infração gravíssima, cuja penalidade é de multa, além de medida administrativa consistida no recolhimento da CNH e retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado.
Não obstante, de acordo com o art. 309, do CTB, “dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida Permissão para Dirigir ou Habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano. Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa”.
Primeiramente, verifica-se do aludido art. 309 que o bem jurídico protegido é a incolumidade pública, e para a configuração do crime nele previsto não é preciso somente dirigir veículo sem habilitação, em via pública, ou que tenha cassado o direito de dirigir, mas também é necessário que o perigo concreto de dano seja produzido.
Em relação à conduta de dirigir com CNH vencida há mais de 30 dias, gerando perigo de dano, entende a jurisprudência majoritária que aquela conduta não configura o delito previsto no art. 309 do CTB, mas apenas a infração administrativa prevista no art. 162, inciso V, do CTB, por ser impossível a aplicação da analogia in malam partem, ou seja, em prejuízo do réu. Entende ainda que a conduta descrita como dirigir sem a devida permissão ou habilitação compreende apenas a hipótese em que o agente não se submeteu a exames técnicos específicos, e não aquele que deixou de renovar o exame. Nesse sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. Agente denunciado por embriaguez ao volante e por dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão para dirigir, gerando o perigo de dano (arts. 306 e 309 do código de trânsito brasileiro). Sentença parcialmente procedente. Condenação, tão somente, pelo crime de embriaguez ao volante. Recurso ministerial. Pleito condenatório em relação ao delito descrito no art. 309 da Lei n. 9.503/1997, alegação de que a conduta praticada, além de configurar infração administrativa, gerou perigo efetivo de dano. Inviabilidade. Delito que se configura quando o agente não possui habilitação para dirigir ou perdeu o direito de conduzir veículo automotor. Réu que se encontrava com a habilitação vencida. Conduta atípica que caracteriza mera infração administrativa prevista no art. 162, V, do CTB. Absolvição mantida. “[...] o delito previsto no art. 309 do código de trânsito brasileiro configura-se unicamente quando o agente não possui permissão para dirigir ou carteira de habilitação ou, ainda, se perdeu o direito de conduzir veículo automotor, e não no caso da carteira estar vencida”. [...] (apelação criminal n. 2008.049798-4, de balneário camburiú, Rel. Des. Sérgio paladino, j. 24/3/2009). Recurso conhecido e desprovido. (TJSC; ACr 2010.081863-5; São José do Cedro; Primeira Câmara Criminal; Relª Desª Marli Mosimann Vargas; Julg. 21/06/2011; DJSC 11/07/2011; Pág. 412). (destaquei)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. ATIPICIDADE. ESPECIFICIDADE. LEI EXTRAPENAL MAIS ESPECÍFICA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. IDENTIDADE FALSA. NOME FALSO NA DELEGACIA. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA E NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. CARTEIRA DE HABILITAÇÃO VENCIDA. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. À mingua de expressa disposição no código de trânsito, apenas ocorre cumulação entre as condutas insculpidas no artigo 210 deste e do artigo 330 do Código Penal, diante de expressa disposição, por isso, em homenagem aos princípios da ultima ratio e especialidade, deve o acusado ser absolvido da condenação referente ao artigo 330 do Código Penal, com fulcro no artigo 386, III, do código de processo penal. 2. A atribuição a si mesmo de identidade diversa da sua não constitui ilícito penal, já que o princípio da ampla defesa possui vertentes consubstanciadas na auto-defesa e na não auto-incriminação. Desta feita, mesmo que o acusado tivesse se atribuído nome falso, isso estaria acobertado pelo seu direito constitucional de não se auto-incriminar e de se auto-defender. 3. O fato de a carteira de habilitação estar vencida é diferente da situação em que o agente nunca a teve, porquanto ao fazer a leitura do artigo 309 do código de trânsito, entendo que a conduta descrita como dirigir sem a devida permissão ou habilitação compreende apenas a hipótese em que o agente não se submeteu a exames técnicos específicos. Dirigir com a carteira de habilitação vencida constitui apenas infração administrativa. 4. Recurso provido. (TJDF; Rec. 2006.03.1.023830-3; Ac. 410.800; Segunda Turma Criminal; Rel. Des. Silvânio Barbosa dos Santos; DJDFTE 29/03/2010; Pág. 240). (destaquei)
Entretanto, há entendimentos de que quem está com a habilitação vencida, está sem a devida permissão para dirigir. No caso a seguir, a decisão de primeiro grau foi reformada, dando provimento ao recurso para o recebimento da denúncia nos termos do art. 309, CTB:
APELAÇÃO CRIME. Delito de dirigir veículo automotor sem a devida habilitação. Absolvição sumária. Réu que conduzia automóvel com a carteira de habilitação vencida há quase seis anos. Passados trinta dias do vencimento de dito documento, não se encontra o condutor legalmente habilitado a conduzir veículo automotor. Apelo ministerial provido, para, cassada a decisão, receber a denúncia. (TJRS; ACr 70035899673; Santa Maria; Terceira Câmara Criminal; Rel. Des. Newton Brasil de Leão; Julg. 24/06/2010; DJERS 02/07/2010)
Sobre o tema, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que, quanto ao art. 309 do CTB, o legislador visa coibir que pessoas despreparadas conduzam veículos, colocando em risco o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a incolumidade pública. E, para que exista o crime, é necessário que o condutor do veículo não possua Permissão para Dirigir ou Habilitação, o que não inclui o condutor que, embora habilitado, esteja com a CNH vencida:
CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. DIRIGIR VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO GERANDO PERIGO DE DANO. ABSOLVIÇÃO. CONDUTOR HABILITADO. EXAME MÉDICO VENCIDO. ATIPICIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. Hipótese em que o réu foi absolvido, ao fundamento de que o ato de conduzir veículo automotor com carteira de habilitação vencida não constitui a conduta tipificada no art. 309 do CTB. II. Se o bem jurídico tutelado pela norma é a incolumidade pública, para que exista o crime é necessário que o condutor do veículo não possua Permissão para Dirigir ou Habilitação, o que não inclui o condutor que, embora habilitado, esteja com a Carteira de Habilitação vencida. III. Não se pode equiparar a situação do condutor que deixou de renovar o exame médico com a daquele que sequer prestou exames para obter a habilitação. lV. Recurso desprovido. (STJ; REsp 1.188.333; Proc. 2010/0058722-8; SC; Quinta Turma; Rel. Min. Gilson Langaro Dipp; Julg. 16/12/2010; DJE 01/02/2011)
Portanto, embora haja divergências, o entendimento dominante, inclusive o do STJ, é de que ante a ausência de previsão legal, não caracteriza crime dirigir com habilitação vencida, gerando perigo de dano, mas sim infração administrativa de trânsito, punida com multa e apreensão do veículo, a teor do art. 162, V, do CTB, pois, conforme abordado a seara penal não admite analogia in malam partem.