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Substituição da matriz pela filial da empresa nos contratos administrativos

28/01/2013 às 16:10

Resumo:


  • Matriz e filial são estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, portanto, a substituição da matriz pela filial na execução de um contrato administrativo não configura alteração da parte contratante, de acordo com o Direito Civil e o entendimento do Tribunal de Contas da União.

  • A diferenciação de CNPJ entre matriz e filial tem finalidade tributária e não altera a personalidade jurídica da empresa, sendo possível a transferência da execução do objeto contratual da matriz para a filial, desde que observadas as implicações tributárias e a regularidade fiscal de ambos os estabelecimentos.

  • É necessário que a Administração Pública analise as repercussões tributárias da substituição e verifique a regularidade fiscal tanto da matriz quanto da filial antes de efetuar pagamentos, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Contas da União.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É possível a substituição do CNPJ da matriz pelo da filial da empresa contratada, por meio de alteração contratual fundada no inciso I do art. 58 da Lei nº 8.666/93. Incumbe à Administração analisar a repercussão tributária, implicando eventualmente a necessidade de revisão dos valores ajustados, bem como proceder à verificação da regularidade fiscal tanto da matriz quanto da filial antes de efetuar cada pagamento.

Em matéria de alteração dos contratos administrativos, surge a dúvida sobre a possibilidade de substituição da matriz pela filial da empresa contratada na execução do objeto avençado, em face da disciplina prevista na Lei nº 8.666/93.

De início, verifica-se que, pelas normas de Direito Civil, a alteração contratual em análise não representa modificação da figura da empresa, tendo em vista que matriz e filial constituem estabelecimentos da mesma pessoa jurídica de direito privado. Com efeito, a empresa é considerada uma só, quer haja um, quer haja vários estabelecimentos, sendo esta uma questão de domicílio da pessoa jurídica, seara na qual se admite a pluralidade. É o que dispõe o § 1º do art. 75 do Código Civil:

“Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados."

A circunstância de o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ de cada estabelecimento ser diferente ocorre porque as normas relativas a esse cadastro são de natureza tributária e destinam-se a facilitar as atividades fiscalizatórias do Poder Público das diversas esferas de governo, não possuindo o efeito de cindir as pessoas jurídicas que se estabelecem em mais de um lugar.

Nesse passo, não há de se falar em um terceiro na relação que não teria participado do certame e agora estaria se beneficiando da contratação, na medida em que matriz e filial são estabelecimentos da mesma pessoa jurídica de direito privado originariamente contratada pela Administração.

De fato, a alteração em exame não provoca repercussão no campo da pessoalidade contratual tampouco caracteriza subcontratação, visto que a pessoa contratada não se modifica. Os CNPJ´s diferenciados da matriz e da filial possuem, na verdade, uma finalidade tributária: não se trata de pessoas jurídicas distintas, mas apenas de estabelecimentos diversos para fins tributários. A pessoa jurídica continua sendo uma só.

Dito de outro modo, a diferenciação sob o prisma do Direito Tributário não significa que estabelecimentos diversos (matriz e filial) são pessoas jurídicas distintas, de modo que cada qual possuiria personalidade jurídica autônoma, uma vez que tal previsão de ordem tributária não tem o condão de modificar a teoria geral da personalidade, instituída e consagrada pelo Direito Civil e de acordo com a qual matriz e filial constituem uma mesma pessoa jurídica.

Corroborando o entendimento aqui esposado, colaciona-se, abaixo, trecho do Acórdão nº 3.056/2008, no qual o Plenário do Tribunal de Contas da União se manifestou sobre o tema, explicitando o porquê da diferenciação dos CNPJ´s da matriz e da filial e interpretando o caso à luz da Lei nº 8.666/93. Veja-se:

“III - ANÁLISE

8. Inicialmente, tendo em vista que a matéria acerca do relacionamento entre empresa matriz e filiais para fins licitatórios ressente-se de exame mais detido na doutrina administrativista pátria, fazemos aqui alguma considerações a respeito.

9. Conceitua-se matriz aquele estabelecimento chamado sede ou principal que tem a primazia na direção e ao qual estão subordinados todos os demais, chamados de filiais, sucursais ou agências.

10. Como filial conceitua-se aquele estabelecimento que representa a direção principal, contudo, sem alçada de poder deliberativo e/ou executivo. A filial pratica atos que tem validade no campo jurídico e obrigam a organização como um todo, porque este estabelecimento possui poder de representação ou mandato da matriz; por esta razão, a filial deve adotar a mesma firma ou denominação do estabelecimento principal. Sua criação e extinção somente são realizadas e efetivadas através de alteração contratual ou estatutária, registradas no Órgão competente.

11. Deste modo, matriz e filial não são pessoas jurídicas distintas. A matriz e filial representam estabelecimentos diferentes pertencentes à mesma pessoa jurídica, fato corroborado, inclusive, pelo art. 10, § 1º, da Instrução Normativa RFB nº 748, de 28 de junho de 2007, in verbis:

"Art. 10. As Entidades domiciliadas no Brasil, inclusive as pessoas jurídicas por equiparação, estão obrigadas a inscreverem no CNPJ, antes de iniciarem suas atividades, todos os seus estabelecimentos localizados no Brasil ou no exterior.

§ 1º Para efeitos de CNPJ, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, móvel ou imóvel, próprio ou de terceiro, em que a Entidade exerça, em caráter temporário ou permanente, suas atividades, inclusive as Unidades auxiliares constantes do Anexo V, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias".

12. Conclui-se que o CNPJ específico para a filial decorre somente da obrigatoriedade da citada Instrução Normativa, que impõe a todas as empresas a inscrição do CNPJ de seus estabelecimentos. O número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ é composto de oito algarismos, separado por uma barra do número de ordem do estabelecimento e, por fim, após o hífen, dois dígitos de controle. Desta maneira, o número do CNPJ da matriz e da filial são iguais até a barra separadora. Em seguida, faz-se a diferenciação entre os estabelecimentos: /0001 é sempre para a matriz; /0002 para a primeira filial; /0003 para a segunda filial e assim por diante. Os demais dígitos são os chamados de dígitos verificadores, específico para cada estabelecimento.” (grifou-se)

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Assim, entende-se possível a transferência da execução do objeto pactuado da matriz para o estabelecimento filial da empresa, por meio de alteração fundada no inciso I do art. 58 da Lei nº 8.666/93, visto não ferir a pessoalidade do contrato.

Não obstante, é preciso também avaliar, nessa hipótese, se tal alteração não repercutirá na esfera tributária, pois, caso a alíquota do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) seja diferenciada entre as cidades onde situadas a matriz e a filial da empresa, tal ensejará a necessidade de revisão dos valores pactuados e alteração na planilha de custos e formação de preços.

Ademais, deve-se destacar a permanência da obrigatoriedade de comprovação da regularidade fiscal da empresa, que se funda no § 3º do art. 195 da Constituição Federal, segundo o qual "a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios", obrigatoriedade essa que deve ser mantida durante toda a execução do contrato, consoante dispõe o art. 55 da Lei nº 8.666/93.

Sobre o assunto, cabe reproduzir outro trecho do já mencionado Acórdão nº 3.056/2008 - TCU - Plenário, em cujo relatório o Min. Benjamin Zymler (relator) transcreve a análise da unidade técnica daquela Corte sobre a questão da regularidade fiscal da matriz e da filial:

“Relatório

(...)

13. A diferença entre matriz e filial ganha importância quando se refere ao regime tributário, tendo em vista que uma goza de autonomia em relação à outra. Assim sendo, é que se expede uma certidão negativa ou positiva para a matriz e outra para a filial. Nesse sentido, a título de exemplo, a matriz pode apresentar débito e a filial não, e vice-versa. Deste modo, para fins licitatórios, os documentos de habilitação de licitante devem ser apresentados em nome da matriz ou da filial, não sendo permitido apresentar parte em nome da matriz e parte em nome da filial.

14. Acrescente-se que, se a matriz participa da licitação, todos os documentos de regularidade fiscal devem ser apresentados em seu nome e de acordo com o seu CNPJ. Ao contrário, se a filial é que participa da licitação, todos os documentos de regularidade fiscal devem ser apresentados em seu nome e de acordo com o seu próprio CNPJ.

15. Destaca-se, ainda, que há certos tributos, especialmente em relação ao INSS e ao FGTS, cuja arrecadação pode ser feita de forma centralizada, abrangendo, portanto, matriz e filiais. Se assim o for, tais certidões, mesmo as apresentadas pelas filiais, são expedidas em nome da matriz, sem que nisto haja qualquer ilegalidade.

(...)

17. Assim, verifica-se que a referida Decisão TCU nº 518/97 - Plenária (embargada), posteriormente acrescida da redação constante da Decisão TCU nº 679/97 - Plenária (Sessão de 15.10.97), tornou pacífica a jurisprudência acerca do tratamento a ser dispensado às empresas participantes de Processos licitatórios, notadamente, quanto às diferenças entre os números de CNPJ das respectivas matriz e filial, nos comprovantes pertinente ao CND, FGTS, INSS e Relação de Empregados, quando a empresa Interessada comprovar a centralização do recolhimento de contribuições, tendo em vista legalidade desse procedimento.

(...)

19. O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina também já enfrentou questão relacionada à diferença de CNPJ entre matriz e filial. Leia-se:

‘É cabível a comprovação de despesa pública mediante nota fiscal emitida por matriz ou filial da mesma empresa, face ao disposto nos artigos 47 usque 51, da Resolução TC-06/89 (a Resolução nº TC-06/89 foi substituída pela Resolução TC-16/94), considerando a unidade das mesmas e a pluralidade de domicílios que lhes são peculiares, não se constituindo em óbice o fato do processamento do empenho discriminar unidade (matriz ou filial) diversa daquela que emitirá a nota fiscal. Havendo matriz ou filial sediadas no Estado Catarinense, com o propósito de evitar a evasão de tributos, o Órgão ou Entidade pública adquirente poderá dar preferência pela emissão de nota fiscal por aquela aqui sediada.’ (TCE-SC, prejulgado nº 249)

20. Pelo exposto, tanto a matriz, quanto à filial, podem participar de licitação e uma ou outra pode realizar o fornecimento, haja vista tratar-se da mesma pessoa jurídica. Atente-se, todavia, para a regularidade fiscal da empresa que fornecerá o objeto do contrato, a fim de verificar a cumprimento dos requisitos de habilitação.

(...)

Voto

(...)

A Secex/MG, ao manifestar-se sobre os novos elementos trazidos aos autos após as diligências, abordou o mérito com a devida propriedade, em percuciente instrução que integra o Relatório precedente e cujos fundamentos incorporo, desde já, às minhas razões de decidir.” (grifou-se)

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Da mesma forma, também o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema, conforme se verifica da ementa do julgado abaixo:

“MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO SOMENTE DA MATRIZ. REALIZAÇÃO DO CONTRATO POR FILIAL. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 29, II E III, DA LEI DE LICITAÇÕES MATÉRIA FISCAL. DOMICÍLIO TRIBUTÁRIO. ARTIGO 127, II, CTN. I - Constatado que a filial da empresa ora interessada é que cumprirá o objeto do certame licitatório, é de se exigir a comprovação de sua regularidade fiscal, não bastando somente a da matriz, o que inviabiliza sua contratação pelo Estado. Entendimento do artigo 29, incisos II e III, da Lei de Licitações, uma vez que a questão nele disposta é de natureza fiscal. II - O domicílio tributário das pessoas jurídicas de direito privado, em relação aos atos ou fatos que dão origem à obrigação, é o de cada estabelecimento - artigo 127, II, do Código Tributário Nacional. III - Recurso improvido.”

(STJ, REsp 900.604/RN, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/03/2007, DJ 16/04/2007 p. 178 – grifou-se)

Dos precedentes jurisprudenciais colacionados depreende-se, pois, a importância da comprovação da regularidade fiscal tanto da matriz como da filial que executar o contrato. Por isso, sendo a filial a executora, deverá ser verificada também a sua regularidade fiscal, e não somente a da matriz.

Em suma, com base nas considerações retroexpostas, entende-se pela possibilidade de substituição do CNPJ da matriz pelo da filial da empresa contratada, por meio de alteração contratual fundada no inciso I do art. 58 da Lei nº 8.666/93. Nesses casos, porém, incumbirá sempre à Administração analisar se tal alteração repercutirá também na esfera tributária, implicando eventualmente a necessidade de revisão dos valores ajustados, bem como proceder à verificação da regularidade fiscal tanto da matriz quanto da filial antes de efetuar cada pagamento.

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Sobre a autora
Kalinca de Carli

Procuradora Federal em Brasília (DF). Coordenadora de Licitações, Contratos e Convênios da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DE CARLI, Kalinca Carli. Substituição da matriz pela filial da empresa nos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3498, 28 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23564. Acesso em: 22 dez. 2024.

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