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Os programas sociais e sua ampla divulgação: dever do Estado

04/02/2013 às 09:52
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De modo geral as pessoas sabem da existência apenas de um ou outro programa social, superficialmente. As pessoas em situação de vulnerabilidade social desconhecem onde encontrar informações sobre para onde se dirigir para um atendimento inicial.

A Cidadania e a Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, II e III, Constituição Federal)são os fundamentos que inauguram a Carta Magna, atrás apenas pela ordem, da Soberania.  Estão inseridos dentre os “Princípios Fundamentais da República”, que se espraiam até o art. 4º da Constituição.

Mais adiante, no corpo constitucional, plasmadosno art. 3º, III, temos como Objetivos Fundamentais da República (que por sua vez inserem-se nos Princípios Fundamentais) a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais.  Esse comando constitucional é reforçado mais adiante, no art. 170, VII (redução das desigualdades regionais e sociais).

Tudo em harmonia com os esforços a serem engendrados para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF).

Dessa forma, vislumbra-se já no raiar da Constituição que a Assembleia Nacional Constituinte elegeu como prioridades absolutas as questões sociais, erigidas como Princípios Fundamentais.

Para Gomes Canotilho e Vital Moreira,

“os princípios fundamentais visam essencialmente a definir e caracterizar a coletividade política e o Estado e enumerar as principais opções político-constitucionais (... ) constituem por assim dizer a síntese ou matriz de todas as estantes normas constitucionais, que àquelas podem ser directa ou indirectamente reconduzidas”. (negritamos)

Dessa forma, percebe-se a gravidade e relevância que assumem a Cidadania, a Dignidade da Pessoa Humana, a busca pela erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, na conformação da Constituição Federal, portanto, do Estado.

Por sua vez, o professor Jorge Miranda leciona que

“a ação imediata dos princípios consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critério de interpretação e de integração, pois são eles que dão coerência geral ao sistema”.

Isso é especialmente relevante – apenas citando um exemplo – no direcionamento e orientação de disposições infraconstitucionais, como a constante no art. 4º, I, da LOAS:

“A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica" (negritamos).

Nesse caso, temos um princípio (constitucional) norteando um princípio infraconstitucional.  Entretanto,quantas vozes oriundas da própria sociedade emergem, de tempos em tempos, manifestando-se contrariamente à determinadas ações no âmbito da Assistência Social (doravante denominadas ações socio-assistenciais), alegando despesas e custos elevados, em contradição com os graves e elevados princípios da própria Carta Magna?

A palavra “princípio” origina-se do Latim principium, com vários significados. Citamos apenas alguns: origem; primeiro impulso dado a uma coisa;.Ato ato de principiar uma coisa; causa primária; base; fundamento; o que constitui a matéria; frase ou raciocínio que é base de uma arte, de uma ciência ou de uma teoria

Portanto, em apertadíssimo resumo, os Princípios Fundamentais não apenas representam uma síntese de todas as normas constitucionais, mas servem como critérios de interpretação e de integração, devendo toda e qualquer ação que atente contra os mesmos ser rejeitada, de imediato.

Dessa forma, todas as ações contrárias aos Princípios Fundamentais devem ser anuladas, eis que Princípios não são palavras vazias, nem meros conselhos, nem cartas de boas intenções e nem obras de arte erigidas em meio à Carta Constitucional apenas para contemplação.

Mais que anular ações contrárias aos Princípios, urge a tomada de providências para cumpri-los, para efetiva-los. É o que tem sido feito. Vejamos.

Em 2001 a Lei Complementar 111/2001 regulamentou os arts. 79, 80 e 81 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, instituindo o “Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza” (previsto para vigorar até o ano de 2010), tendo como objetivo a viabilização “para todos os brasileiros o acesso a níveis dignos de subsistência

s. m.

Pela relevância da matéria, a Emenda Constitucional 67, de 22.12.10 prorrogou o Fundo de Combate e Erradicação da Pobrezapor tempo indeterminado.

Vale lembrar que antes do advento da LC 111/2001, a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS (Lei 8742, de 07.12.1993)já atendia o conjunto dos dispositivos constitucionais por meio da concessão de benefícios mensais (transferência de renda) às pessoas portadoras de deficiência e idosos sem condições de prover a própria manutenção, dentre outros programas e açõessocioassistenciais.

Importante lembrar que elevadomérito da LOAS foi acabar com o viés de “assistencialismo” que até então era adotado pelo Estado, em relação às “pessoas necessitadas e carentes” (visão arcaica), substituindo-o pelo viés de que a assistência social é um Direito do Cidadão (art. 4º, II, III e IV), e não “um favor” (viés tão explorado no passado pelo “primeiro-damismo” e pelos antigos “coronéis” da política).

Dessa forma a LOAS, particularmente por meio de seus arts. 1º e 2º mais osarts. 20 a 26 (Capítulo IV)dava inicio à efetivação daqueles comandos constitucionais, não apenas para a erradicação da miséria, mas, também, para o enfrentamento de toda uma serie de problemas sociais recorrentes em famílias e pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social.

É de sabença geral que o enfrentamento da pobreza é dever de Estado e não de Governo, sendo de responsabilidade de todos, sem exceção: governoe sociedade, conforme prevê o art. 1º da LOAS (“... conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade...”

Entendemos que uma condição essencial para que os integrantes da sociedade possam exercer a sua responsabilidade, em maior ou menor intensidade,é o conhecimento, enfim, o acesso à informaçãodas ações existentes, enfim, dos programas e das políticas sociais em vigor.

Apesar da divulgação dos programas e ações sociais, grande parte da população (mesmo entre a parcela considerada “mais esclarecida”) desconhece que providências e medidas existem e que podem ser tomadas para famílias, pessoas, adolescentes, crianças e idosos em situação de vulnerabilidade e risco social.O mesmo ocorre com parcela expressiva dos próprios destinatários dos programas existentes, enfim, dos potenciais beneficiários. Assim, o não acesso à informação implica em estado de inércia, tanto de parte expressiva da sociedade (que poderia apoiar com mais efetividade as ações socio-assistenciais) quanto da parcela das pessoas que necessitam do apoio do Estado (mas que não sabem buscá-lo).  Por essa razãoédever do Estado a localização (busca ativa) dessas pessoas para a sua inclusão no Sistema Único de Assistência Social-SUAS, para dar cumprimento aos ditames constitucionais.

De modo geral as pessoas têm conhecimento da existência apenas de um ou outro programa, superficialmente, por meio de noticiários nos meios de comunicação. Desconhecem onde encontrar as informações sobre eles, sua finalidade, relevância, resultados alcançados, bem como quais procedimentos iniciais que devem e podem ser adotados pelas e para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, como por exemplo, onde se dirigir para um atendimento inicial. Desconhecem o básico, como por exemplo,a existência dos Centros de Referência de Assistência Social - CRAS, dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social - CREAS, quais as suas finalidades e importância, seus endereços.

A propósito, grande parte da sociedade sequer ouviu falar em CRAS ou CREAS. Entretanto, a titulo de analogia, parece ser unanimidade o conhecimento geral de que um Posto de Saúdeé a unidade básica de atendimento na área daSaúde. Por analogia, o CRAS é a unidade básica de atendimento na área de Assistência Social, seguido pelo CREAS (sendo que este ofereceserviços mais especializados que aqueles oferecidos pelos CRAS).

Por essas razões – falta de conhecimento - é comum ouvir-se críticas sem maiores fundamentosde que determinadas ações (particularmente as que envolvem transferência de recursos financeiros) são estímulos à manutenção do “status quo” da pessoa ou da família em situação de vulnerabilidade social, ou seja, seriam incentivos à acomodação pessoal, à inércia. Como se fosse possível acomodar-se com a miséria.

Assim, o mais amplo acesso à informaçãoda existência dos programas sociais, da forma mais simples e objetiva, além de desarmar preconceitos e falsos juízos de valor, poderá produzir transformações importantesem relação ao envolvimento, ao engajamento e disposição de toda a sociedade na busca da superação da miséria, viabilizando a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

Não por acaso um dos Princípios da LOAS (art. 4º, V) prevê a

divulgação amplados benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para a sua concessão”.(grifamos)

Por outro lado, a Constituição, em seu art. 194 determina que:

“A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. (grifamos)


CONJUNTO INTEGRADO DE AÇÔES – Poder Público e Sociedade

Dessa forma, ante o exposto, pensamos que o envolvimento de todos os entes governamentais,(como ministérios, fundações, empresas públicas, autarquias, agências)na divulgação dos programas e ações sociais, fazendo “o dever de casa” e cumprindo a sua parcela de responsabilidade com o assunto, no sentido de viabilizar o acesso às informações dos mesmos, pode atender os pressupostos do art. 194, CF (conjunto integrado de ações) e o do art. 4º, V, da LOAS (divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais).

Vale dizer que, latu sensu, os entes governamentaisintegrama Administração Pública, fazendo parte, por óbvio, do Estado; assim, todos tem a sua parcela de responsabilidade, daquele Dever previsto no art. 1º da LOAS:

“A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.”


Disponibilização de informações nos “sites” dos Entes Públicos

Esse “conjunto integrado de ações de iniciativa publica” pode ocorrer de forma simples e eficiente, sem maiores custos, por meio de informações disponibilizadas nos sites dos entes que compõe a Administração Pública Federal, sobre as ações e programas sociais existentes no âmbito do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, que tem a competência mais específica, de acordo com a Lei 10.683, de 28.05.03 (art. 27, II), pelas políticas nacionais de desenvolvimento social, de assistência social, dentre outras.

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O acesso às informações seria disponibilizado na primeira pagina dos sites de todos os ministérios, empresas públicas, autarquias, fundações, estatais, podendo alcançar inclusive outros programas e ações de natureza sociais que estão na esfera de outros entes (além do MDS), eis que existem ações importantes direcionadas para a baixa renda em outras áreas, como: Saúde (Farmácia Popular),Minas e Energia (Tarifa Social), Correios (Carta Social, que custa apenas R$ 0,01), Cidades (programas e subsídios habitacionais).  Essa ação estará em conformidade com os princípios constitucionais citados e tambémcom o princípio da publicidade e eficiência (art. 37, CF), potencializando a busca reiterada pela superação da miséria e do cumprimento dos “mínimos sociais”.

Que fique claro: o que ora propomos não se confunde com a Lei12.527/2011 (conhecida como “Lei de Acesso à Informação”), cujo objetivo, latu sensu, é regularsobreprocedimentos a serem observados para garantir o acesso a informações previstas no art. 5º, XXXIII, no art. 37 § 3º, II e no art. 216,  § 2º, todos da Constituição.

O advento da internet provocou grande revolução nas comunicações. As informações que nela transitam e por ela são disponibilizadas podem ser acessadas por todas as pessoas, massivamente, o que se comprova por meio dosregistros de milhões de acessos diários, particularmente nos sites relacionados com a Administração Pública Federal.

Portanto, é razoável considerar que milhões de pessoas terãoacessoàs informações sobre ações e programas sociais, ao buscarem, por exemplo, o site do Ministério da Previdência Social, do Ministério dos Transportes, do Ministério da Justiça, do Ministério da Cultura, da Presidência da República, da Caixa Econômica Federal, do BNDES, da SUDAM, da CODEVASF, do DNOCS, da SUFRAMA, da ANAC, Correios.

A título de informação, os sites da Caixa, dos Correios, do Banco do Brasil e do Ministério da Fazenda são, na esfera governamental, os mais acessados, nessa ordem. 

Dessa forma, por meio desse “conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade” (art. 194, CF e art. 1º, LOAS) teremos a construção de uma formidável rede de informações sociais,que poderia ser denominada – propomos - de “Rede Brasil de Informações Sociais”, possibilitando que todas as pessoas possam, efetivamente, participar desse esforço na busca da construção de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais fraterna e fundada na harmonia social, conforme orienta o Preâmbulo Constitucional. 

Reitere-se: esse “conjunto integrado de ações” e de esforços envolvendo a sociedade como um todo pode ocorrer mediante o compartilhamento e repasse de informações (obtidas na “Rede Brasil de Informações Sociais”)para as pessoas e famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade e risco social; ou ainda, por meio do simples encaminhamento dessas pessoas aos Centros de Referência de Assistência Social-CRAS ou outras unidades públicas que tem como missão a prestação de serviços de assistência social, sendo relevante considerar que dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 151 não possuem o CRAS e quase a metade dos municípios tem pelo menos um CREAS.

Importante lembrar, à título de informação, que existem outras unidades (ou equipamentos) de assistência social além dos CRAS e CREAS, como os  Centro Dia, o Centro Pop, a Casa Lar, o Abrigo Institucional, a Casa de Passagem, a Residência Inclusiva, a República. Quantas pessoas ouviram falar nesses termos? Mais. Quantas pessoas ouviram falar nas “Famílias Acolhedoras”, nas “Cozinhas Comunitárias”, nos “Restaurantes Populares”, nos “Bancos de Alimentos”? E no excelente e relevante “Programa Cisternas”, que capta e armazena água da chuva para população rural no semiárido brasileiro, que tanto sofre com a seca?

Portanto, é por demais óbvio que a informação e conhecimento da existência das diversas ações e programas sociais pode provocar na sociedade uma conduta mais ativa e participativa, mediante o mero repasse de informações e orientações a quem delas precisam ou até mesmo, mediante o simples encaminhamento de pessoas em situação de vulnerabilidade às unidades de assistência social, conforme citado anteriormente. Melhor (e mais eficiente) que dar esmolas, por exemplo.

Ressalte-se que cada entidade estatal – poderes legislativo e judiciário inclusos - poderá fazer, ao seu critério, a divulgação dos programas sociais existentes por outros meios além da internet(intranet, impressos, debates internos).Entretanto, o que ora se propõe é a obrigatoriedadedas entidades estatais inserirem “hiperlinks” ou “banners virtuais” em seus respectivos sites, bem visíveis, permitindoo acesso às informações das ações e programas sociais existentes.Essa obrigatoriedade é o mínimo possível a ser feito por cada integrante da Administração Pública Federal direta e indireta, em conformidade com a Constituição e a Lei.


CONCLUSÃO

A construção dessa rede de informações sociais (Rede Brasil de Informações Sociais),com a participação ativa das entidades que compõem a Administração Pública e da sociedade em geral, sem prejuízo de outras, pode representar importante marco na comunicação e na integração com a sociedade, dando efetividade ao art. 194, da Carta Magna e aos arts.1º e 4º, V da LOAS.

Poderá reunir condições favoráveis para o rompimento do estado de inércia e inação dos cidadãos, por mera falta de informações, impulsionando-os para participação ativa na construção de uma sociedade mais justa e fraternal, nos termos do Preâmbulo Constitucional:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,(...) como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social(...)promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (negritamos)

Tudo para, ao final, alcançarmos a plena efetividade da dignidade humana, que para o professor José Afonso da Silva, “é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.

Que vivamos, pois, porém numa sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, em harmonia social e sem desigualdades sociais.

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Sobre o autor
Milton Cordova Junior

Advogado, Mestrando em Estudos Jurídicos Avançados, pós-graduado em Direito Público, com Extensão em Defesa Nacional pela Escola Superior de Defesa, extensões em Direito Constitucional e Direito Constitucional Tributário. Empregado de empresa pública federal. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos políticos (acesso in http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2007/09/26/ccj-aprova-voto-de-aplauso-ao-advogado-milton-cordova-junior). Idealizador do fundo de subsídios habitacional denominado FAR - Fundo de Arrendamento Residencial, que sustenta o Programa Minha Casa Minha Vida, implementado por meio da Medida Provisória 1.823/99, de 29.04.1999.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDOVA JUNIOR, Milton. Os programas sociais e sua ampla divulgação: dever do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3505, 4 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23609. Acesso em: 28 mar. 2024.

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