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Recuperação de empresas e concordata face ao princípio da preservação

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05/02/2013 às 16:42
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4. O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

O Instituto da Recuperação Empresarial surgiu a partir de modernos diplomas jurídicos estrangeiros e foi inserido no ordenamento brasileiro com o advento da Lei 11.101/2005.

Nos termos do artigo 47, da Lei 11.101/45, a recuperação judicial é definida da seguinte forma:

“A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

Segundo Fran Martins:

“Antevista a crise da empresa como sendo um processo transitório que leva a um ajuste nas estruturas de produção e manutenção de seus custos, priorizando a fomentação de instrumentalizar a atividade, o legislador editou a Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005, entrando em vigor em 09 de junho de 2005, e assim preservando as empresas em dificuldade.” (MARTINS, 2007, p.460)

A inovação no instituto deu-se a partir do momento em que o Decreto-Lei 7.661/45 passou a não mais atender às expectativas, levando em consideração a evolução dos fatores sociais e psicológicos, que desde a Segunda Grande Guerra, já eram evidentes em países europeus, o que, de fato, não refletiu na antiga Lei de Falências e Concordata que já fora criada em desacordo com o que exigia a década de 40, apesar de ainda sim representar uma melhora no sistema falimentar quando da sua criação.

O respeitável Fran Martins, em seu Curso de Direito Empresarial, ainda cita Phillippe Peyramaure e Pierre Sardet[5], quando afirmaram que diante da crise, podem ser percebidos três mecanismos de suma importância, quais sejam: I. a rapidez da reação, ou seja, não há como recuperar uma empresa que antes mesmo de tentar efetuar o pagamento de seus credores já dilapidou o patrimônio; II. O realismo, demonstrando, desde o início a real situação econômica e financeira da empresa e III. A discrição.

Em resumo, o mesmo Fran Martins define a Recuperação de Empresas da seguinte forma:

“Em linhas gerais, a recuperação tanto judicial como extrajudicial, previstas na legislação, visam ao exaurimento dos meios instrumentais para se evitar a falência da empresa em crise, mantendo os empregos, a arrecadação, fornecedores e acima de tudo o nome com o respectivo conceito no mercado.” (MARTINS, 2007, p.461)

4.1. A Recuperação Extrajudicial

Para poder propor e negociar um plano de recuperação extrajudicial é necessário que o devedor preencha os requisitos do artigo 48 da Lei 11.101, conforme vemos abaixo:

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48[6] desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§ 1º Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3º, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

§ 2º O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos.

§ 3º O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de dois (dois) anos.

§ 4º O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretará suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial.

§ 5º Após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários.

§ 6º A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do caput, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.” (grifo do autor)

O objetivo desta modalidade de Recuperação é negociar, de forma a se evitar a movimentação da máquina do judiciário, tão saturada.

Embora o artigo 47[7] da Lei 11.101/2005, inicialmente apresente um conceito direto à recuperação judicial, é evidente que os princípios citados, quais sejam preservação da empresa, sua função social e o estímulo à continuidade da atividade econômica encontram-se presentes na Recuperação Extrajudicial. Desse modo, embora acima explicitado, o fato de a Recuperação de Empresas Extrajudicial ainda não ter emplacado no sistema judiciário brasileiro possui uma causa nobre e amplamente baseada em preceitos fundamentais.

Nos termos do supracitado §1º do art. 161 da Lei 11.101/05, existem certas limitações para a utilização da Recuperação Extrajudicial, o que dificulta sua aplicação efetiva em algumas oportunidades.

O principal objetivo da Recuperação Extrajudicial é permitir ao devedor a negociação de seus créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado, créditos com privilégio geral ou especial, quirografários e subordinados, bem como aqueles créditos previstos em lei ou contrato, dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

Fora das possibilidades de negociação no âmbito da Recuperação Judicial estão os seguintes créditos: I) de natureza tributária; II) derivados da legislação do trabalho; III) decorrentes de acidente de trabalho; IV) de credor proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; V) de credor arrendador mercantil; VI) de proprietário ou promitente vendedor de imóvel com contratos contendo cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; e VII) de proprietário em contrato de compra de venda com reserva de domínio.

Da negociação resulta um plano de Recuperação de Empresa Extrajudicial, que poderá ou não ser homologado pelo juiz competente. Na verdade, este instituto trouxe a possibilidade de um simples acordo entre credor e devedor tornar-se vinculado à lei, o que, de fato, trouxe algumas boas novidades ao empresário. São: I) tratamento unitário das relações jurídicas com os credores; II) subordinação do interesse dos credores ao interesse social da empresa; III) possibilidade de venda de ativos sob o procedimento judicial, nos termos do artigo 142[8]; IV) possibilidade de oposição do plano a terceiros; V) executividade da sentença homologatória, conforme prevê o artigo 161, parágrafo 6º da lei[9].

Ainda menor é a burocracia para homologação deste acordo, visto que pendências do devedor não são impeditivas para o êxito de tal ato judicial.

Ocorre que, se por um lado o instituto da Recuperação Extrajudicial da Empresa trouxe vantagens interessantes, por outro trouxe barreiras que inviabilizam a sua utilização constante. Vejamos: I) a manutenção da sucessão tributária nas hipóteses de alienação de filiais ou unidades produtivas do devedor (art. 166 da Lei 11.101/05); II) a novação dos créditos na recuperação extrajudicial e a impossibilidade de retorno às condições anteriores na hipótese de falência(art. 163 da Lei 11.101/05); e III) o risco de revogação ou de declaração de ineficácia de atos praticados na recuperação extrajudicial, através de ações revocatórias(art. 138 da Lei 11.101/05).

4.1.1. A Manutenção da Sucessão Tributária

A primeira hipótese, qual seja, a manutenção da sucessão tributária em casos de alienação de filiais ou unidades produtivas do devedor é prevista pelo artigo 166, da Lei de Recuperação e Falências:

“Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.”

Ocorre que, a Lei Complementar nº118/2005[10], que alterou o Código Tributário Nacional para adequá-lo à Lei 11.101/2005, estabeleceu a inexistência de responsabilidade tributária em casos de sucessão empresarial quando a alienação judicial ocorrer em processo de falência ou tratar-se de alienação de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial, deixando de lado a recuperação extrajudicial.

No caso, não se sabe se foi por esquecimento ou “caso pensado” que o legislador optou por deixar de lado a recuperação extrajudicial e não isentar o alienante das responsabilidades tributárias.

Fato é que, o magistrado tem o dever de determinar a realização da alienação, nos termos do artigo 142 da Lei 11.101/2005 e esta responsabilidade suprime a efetividade da alienação, tendo em vista que ninguém comprará um bem sabendo de suas pendências tributárias.

Se ocorreu por esquecimento, haveria, em tese, a possibilidade de utilizar o disposto para a recuperação judicial em alienações extrajudiciais, já que, o próprio legislador preocupou-se em inserir no Código Tributário Nacional, por meio da LC 118/2005, elemento jurídico capaz de evitar fraudes, senão vejamos:

“Art.133[...]:

[...]

§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo quando o adquirente for:

I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou

III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária.

[...]”

Sendo assim, importante alteração seria a exclusão da sucessão tributária em casos de alienação na Recuperação Extrajudicial, em virtude dos princípios fundamentais, da função social da empresa e principalmente do Princípio da Preservação que ganhará atenção especial mais à frente.

4.1.2. A Novação dos Créditos e a Impossibilidade de Retorno ao Status quo Ante.

Uma vez homologado o plano de recuperação extrajudicial, ocorre a novação dos créditos e e este efeito ainda continua mesmo após a decretação da falência. Algo perigoso, visto que sendo decretada a falência, o crédito habilitado será o homologado e não o originário, o que repele o interesse dos credores, a não ser que tenham muita certeza que receberão o que lhes é devido, o que, de fato, é uma situação remota, já que trata-se de uma empresa economicamente abalada.

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Embora não haja explícita previsão legal da novação que ocorre na recuperação extrajudicial, o fenômeno é presumível ao sistematizar a ideia de que a homologação nada mais é que a oficialização desta novação com a ideia de que a natureza jurídica de uma Recuperação Extrajudicial não homologada é estritamente contratual, como um acordo de cavalheiros.

Evidente que, para o devedor esta é uma das principais vantagens desta modalidade recuperatória enquanto que, para os credores, pode representar risco.

Outro fato que não atrai a atenção é o fato de que após homologado o acordo, o credor não poderá desistir, mesmo que o devedor autorize, porque precisaria ainda da autorização dos outros também credores.

Apenas a não homologação do acordo permitiria ao credor pleitear seu crédito na forma originária, nos termos do artigo 165, §2º[11] da Lei de Recuperações e Falências.

Cabe chamar atenção para a situação diversa que ocorre na Recuperação Judicial, tendo em vista que, depois de decretada a falência, os credores terão oportunidade de cobrar seus créditos em sua forma original, deduzidos os atos válidos praticados em recuperação, nos termos do art. 61, §2º da Lei 11.101/2005, senão vejamos:

“Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58[12] desta Lei, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.

[...]

§ 2º Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.

[...]”

4.1.3. A possibilidade de Revogação ou Declaração de Ineficácia dos Atos Praticados.

Em se falando de Recuperação Extrajudicial, existe ainda a possibilidade de revogação ou até mesmo de ineficácia dos atos praticados, mesmo que estes tenham origem de decisão judicial, o que é confirmado no art. 138 da Lei 11.101/2005:

“Art. 138. O ato pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que praticado com base em decisão judicial, observado o disposto no art. 131 desta Lei.

Parágrafo único. Revogado o ato ou declarada sua ineficácia, ficará rescindida a sentença que o motivou.”

Até mesmo atos que vinculam terceiros, como é o caso das já citadas alienações de unidades produtivas ou filiais da empresa estão sujeitos à revogação.

Embora haja grande divergência doutrinária acerca desta possibilidade, o CPC prevê a rescisão de sentença transitada em julgado em seu artigo 485[13], de modo que, ainda que haja coisa julgada, em tese, haveria a possibilidade de revogação ou declaração de ineficácia a atos praticados.

4.1.4. A Aplicabilidade da Recuperação Extrajudicial no Ordenamento Jurídico Nacional

Embora exista grande quantidade de empecilhos, a recuperação extrajudicial, com algumas alterações, poderia se tornar um meio hábil e menos burocrático, de modo a permitir a manutenção das atividades de muitas empresas, evitando a decretação de sua falência, na maioria das vezes ocasionada por dificuldades financeiras oriundas de pequenos débitos, muitas vezes decorrentes de crises econômicas e situações inesperadas.

Não é interessante para o Estado o fechamento de uma empresa, haja vista o grande número de famílias que se sustentam, o giro do capital, o estímulo ao consumo, arrecadação tributária, dentre outros diversos fatores.

A manutenção dos empregos e da capacidade financeira da população é também um dos fundamentos do Princípio da Preservação da Empresa e do Princípio da Função Social da Empresa que logo serão esmiuçados.

4.2. A Recuperação Judicial Ordinária

É o procedimento comum previsto regulamentado pela lei.

4.2.1. Objetivo

Cabe salientar que a Lei 11.101/2005, no que tange principalmente à recuperação privilegiou aquelas empresas de médio e grande porte, deixando de lado as empresas de menor porte. Para as grandes e médias, foi estabelecido um procedimento ordinário para sua recuperação judicial, enquanto para aquelas pequenas e médias empresas, foi explicitado um procedimento especial.

Desapareceu a figura da Concordata em qualquer de suas formas, seja preventiva, suspensiva, e a continuidade do cotidiano empresarial após decretação de falência. Foi criado novo instituto, o da Recuperação Empresarial que, de forma diferente das concordatas, permite em alguns casos a manutenção das atividades empresariais.

A Recuperação Judicial visa a criação de um plano mais elaborado e negociado em Assembléia diretamente com os credores, que poderão aceitar, modificar ou rejeitar o plano, sendo que esta última hipótese acarretaria automaticamente na decretação da falência.

Burocraticamente, a Recuperação Judicial se tornou mais acessível que as Concordatas e na falta de algum requisito previsto em lei, não haverá em tese impedimento em caso de concordância dos credores, até porque a Lei atual possui bases principiológicas mais fortes, onde estão incluídas a Função Social e o Princípio da Preservação.

Portanto, o objetivo da Recuperação Judicial da empresa é o restabelecimento financeiro e social das condições saudáveis das empresas de grande porte num procedimento ordinário modernizado, buscando o mesmo fim para as empresas de pequeno porte e microempresas num procedimento especial (semelhante à revogada concordata preventiva), visando assegurar a aplicação dos Princípios da Preservação e da Função Social da empresa.

4.2.2. Cabimento

Caberá ao empresário que encontrar-se sob dificuldades financeiras, após atendidos os requisitos do art.48[14], da Lei 11.101/2005, levando ainda em consideração o que dispõe o artigo 47 da mesma lei:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (grifo do autor)

Em seu brilhante artigo, Waldo Fazzio Júnior[15] infere a existência de pelo menos três modalidades daquilo que a Lei de Recuperação e Falências chama de “crise econômico-financeira”, são elas: I) iliquidez; II) insolvência e III) situação patrimonial dependente de readequação.

Cita ainda a suposta impossibilidade de a empresa se recuperar quando estiver encaixada na segunda modalidade, a insolvência, porque ainda segundo o nobre autor, esta situação é irreversível e deveria ser tratada com a falência da empresa e a liquidação de seus bens.

Em relação à iliquidez ressalta que sua publicidade se dá por meio dos protestos de títulos. Está relacionada com a indisponibilidade financeira momentânea, não há impossibilidade de pagamento, apenas indisponibilidade para aquele momento em que o montante fora cobrado. Em muitos casos a recuperação é plenamente possível, tendo em vista que a iliquidez não se deu por falta patrimonial e sim falta de fundos em caixa.

Embora interessantes as observações feitas pelo professor Fazzio Júnior, restringir a este nível um benefício concedido em lei não parece o caminho mais viável, haja vista a existência de diversos mecanismos legais que justamente foram criados de forma a filtrar os legitimados.

A Lei mais recente permitiu a juízes e credores a decisão acerca da eventual existência da crise financeira da empresa, já que poderão analisar o plano de recuperação e a documentação acostada. Não há necessidade de formalizar um juízo prévio de valoração haja vista a autonomia concedida pela lei.

4.2.3. Competência

O juízo competente para apreciação de pedidos de recuperação é o do local do principal estabelecimento do devedor ou até mesmo da filial, em caso de a matriz quedar-se no exterior, conforme se vê do art.3º da Lei de Recuperação. [16]

4.2.4. Créditos sujeitos ao regime de Recuperação

Nos termos do artigo 49 da Lei[17], estão sujeitos à Recuperação Judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, o que de certa forma, evoluiu em relação às Concordatas que só atingiam os créditos quirografários.

No entanto, o §3º da mesma lei supracitada faz ressalvas e, portanto, não são afetados: I) o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; II) o arrendador mercantil; III) o proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; IV) o proprietário em contrato de venda com reserva de domínio e V) os créditos fiscais (art. 6º, §7º).

4.2.5. O Procedimento

A petição inicial deverá ser apresentada com as informações e todos os documentos necessários, nos termos do artigo 51 da Lei de Falências:

“Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira;

II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;

IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;

VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;

VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;

IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

§ 1º Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado.

§ 2º Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica.

§ 3º O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1º e 2º deste artigo ou de cópia destes.”

Se presentes todos os documentos e informações requisitadas, o juiz poderá deferir o processamento da recuperação judicial e a partir daí, serão observados os dispositivos elencados no art. 52 da mesma lei.

Interessante apontar a nomeação do administrador judicial, nos termos do inciso I, do art. 52[18], que não mais faz necessária sua correlação com a empresa recuperanda, como ocorria com o comissário das concordatas que necessariamente deveria ser um dos maiores credores da empresa.

Após o despacho inicial, ocorre automaticamente a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor por 180 dias, observadas as exceções e ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7º do art. 6º[19] desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3º e 4º do art. 49[20] desta Lei. (Trecho da letra da lei)

Na Recuperação Judicial, também haverá a publicação do edital, que necessariamente deverá conter relação dos credores, valor atualizado e classificação de cada crédito, sendo que o prazo para habilitações ou divergências em valores apresentados é de 15 dias para a análise do próprio administrador.

Haverá, então, nova publicação do esboço do Quadro Geral de Credores a ser apresentado pelo Administrador Judicial em 45 dias. Eventuais impugnações quanto aos credores apresentados ainda poderão ser instruídas pelos credores, pelo Comitê, pelos sócios, pelo Ministério Público e até mesmo pelo devedor no prazo de 10 dias, o que desta vez será submetido à análise do juiz.

4.2.6. O Plano de Recuperação

O artigo 53[21] da Lei 11.101, apresenta os documentos necessários para a instrução do Plano de Recuperação, o que passa a ser requisito, num prazo de 60 dias, sob pena de convolação da recuperação em falência.

O Plano de Recuperação de Empresas nada mais é que o traçado de um objetivo, de forma a regularizar e não permitir a perda da função do instituto, dando segurança aos envolvidos. Aqui não há grandes limitações e o empresário poderá se valer de uma ou até mais formas previstas.

Importantíssimo ressaltar que na Recuperação não há delimitação de tempo de pagamento dos créditos como ocorria nas concordatas. O tempo para pagamento do montante devido deverá ser acordado e exposto no Plano de Recuperação e não é mais objeto de artigo na lei, o que de fato trouxe grande mobilidade e ampliou vastamente o leque e a possibilidade de recuperação de grandes empresas. As formas de recuperação estão previstas no art. 50 da mesma lei:

“Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;

II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;

 IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;

XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.

§ 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

§ 2º Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.”

Após o recebimento do Plano de Recuperação, o juiz determinará a publicação do mesmo, de modo que qualquer impugnação deverá ser feita, no prazo de 30 dias, conforme infere o art. 55[22] da Lei e Falências e Recuperação. Cabe especial atenção ao que infere o parágrafo único do artigo 55, estabelecendo como base para contagem do prazo de 30 dias o que ocorrer por último, seja a apresentação do plano ou da lista de credores pelo Administrador Judicial.

Se apresentada em juízo alguma objeção aos termos do plano, o mesmo será deliberado em Assembléia de Credores, nos termos do art. 56[23], e será homologado após as alterações necessárias ou deixará de ser homologado em caso de rejeição e decretada a falência do devedor.

Fato é que o poder de decisão do juiz foi muito limitado com a criação da Lei 11.101/2005, o que abre portas a fraudes e privilégios dos grandes credores em relação aos pequenos e médios. O juiz se vincula à perfeição do plano apresentado e perdeu sua autonomia, nos termos do artigo 45.

O juiz poderá, também, homologar o plano de acordo com o art.58[24] da Lei 11.101/05 nos seguintes casos: I) voto favorável dos credores que representem mais da metade dos créditos presentes na Assembléia + II) a aprovação de duas classes de credores ou se houverem somente estas duas classes, a aprovação de uma delas + III) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, desde que não haja tratamento diferenciado aos credores que rejeitaram o plano, nos termos do §2º do mesmo artigo. São requisitos cumulativos, portanto não desqualificam a perda de autonomia sofrida pelo juiz.

Ainda no que diz respeito ao procedimento, o devedor poderá desistir da faculdade de recuperar-se judicialmente, porém, após o deferimento pelo juiz só o poderá fazer mediante autorização pela Assembléia Geral, nos termos do art.52 §4º[25].

Por fim, a decisão que aprova o plano de recuperação judicial é título executivo judicial passível de Agravo, nos termos do art.59 em seus §§ 1º e 2º[26].

O período de recuperação vincula o devedor e o descumprimento de qualquer obrigação do plano acarretaria na convolação da recuperação em falência, cabendo ressaltar que as obrigações que vencerem até dois anos após a concessão da recuperação estão nela incluídas, conforme previsto no art. 61 da lei, incluindo seus parágrafos[27].

Essa diferenciação e delimitação temporal foi estabelecida por uma inteligente e moderna estratégia do legislador que agora sim trouxe uma inovação em relação às concordatas.

De acordo com o art.67[28] da Lei 11.101/2005, aqueles créditos decorrentes das relações comerciais realizadas durante a recuperação empresarial são extraconcursais, no caso de decretação da falência, o que muito auxilia na manutenção das atividades empresariais, mais uma vez presente o Princípio da Preservação.

Para finalizar, se cumprido regularmente o plano, o juiz decretará o fim da recuperação judicial, determinando o pagamento dos honorários do Administrador Judicial e a apuração das despesas judiciais que também deverão ser pagas pelo devedor recuperado.

4.3. A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas

A Lei de Recuperações e Falências diferenciou o procedimento de recuperação a ser aplicado pelas micro e pequenas empresas. Segundo a melhor doutrina, esse diferente rito seria muito semelhante, senão quase cópia do antigo instituto da Concordata Preventiva, já explicitado alhures em tópico próprio.

Segundo o art.70:

“Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1º desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo.

§ 1º As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.

§ 2º Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.”

Inicialmente, a legislação vigente da qual se refere o artigo da lei é o Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, a Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006.

As similaridades com o instituto da Concordata Preventiva são bem explícitas no art.71 em que é limitado o plano de recuperação especial nos seguintes termos:

“Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:       

I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);

III – preverá o pagamento da 1ª (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;

IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.”

De fato, não há muito que se falar neste procedimento especial, dada a clareza do artigo que não deixa dúvidas.

Necessário apenas demonstrar algumas diferenças em relação ao procedimento comum das recuperações judiciais, começando pelo exposto no parágrafo único supra, em que não há suspensão daquelas ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

Aqui, novamente é dada maior autonomia ao juiz de primeira instância que não precisará convocar a Assembléia de Credores mesmo em caso de discordância acerca do plano. Em caso de discordância de credores que possuam mais da metade dos créditos quirografários o juiz julgará improcedente a recuperação e decretará a falência, nos termos do artigo 72[29] da Lei 11.101/05.

Portanto, pela simplicidade do texto, e plena aplicabilidade sem burocracias, tem-se uma boa ferramenta para recuperação das empresas de menor porte neste procedimento especial, que de certa forma, mescla as benesses da concordata preventiva com a modernidade da recuperação empresarial.

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Sobre o autor
Pedro Rocha Olguin

Advogado. Pós graduação/LLM pela Fundação Getúlio Vargas/RJ. Militante nas áreas de direito empresarial e cível.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLGUIN, Pedro Rocha. Recuperação de empresas e concordata face ao princípio da preservação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3506, 5 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23652. Acesso em: 26 abr. 2024.

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