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Recuperação de empresas e concordata face ao princípio da preservação

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05/02/2013 às 16:42
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5. COMPARATIVO ENTRE O INSTITUTO DA RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL E O INSTITUTO DAS CONCORDATAS

A primeira diferença entre os institutos é perceptível quando se analisa a autonomia do juiz. A Concordata Preventiva, base para o comparativo, dava amplitude de poderes ao juiz e a decisão sobre deferimento ou indeferimento da Concordata estava em suas mãos. Já na Recuperação, o juiz teve seus poderes tolhidos e os credores passaram a ser determinantes para o prosseguimento do plano.

No que se refere à aplicabilidade, a Recuperação Judicial engloba qualquer tipo de empresa em crise econômico-financeira, o que, de certa forma, vai de encontro com o objetivo da Concordata que visava primordialmente aquelas empresas insolventes com possibilidade de recuperação.

Em relação às formas de solução dos débitos, a Concordata Preventiva concedia dilação no prazo dos pagamentos e remissão de parte da dívida, conforme se vê do artigo 156[30] do Decreto-Lei 7661/45, enquanto a Recuperação enumerou diversas formas de pagamento no artigo 50[31] da Lei 11.101/05, o que ampliou as possibilidades. A remissão de parte da dívida deixou de existir expressamente no texto legal, embora possa ser acordada no plano.

A natureza jurídica da Concordata era processual, favor da lei, embora houvesse grande discussão doutrinária. A explicação era a vinculação do estado do devedor apenas à lei, independendo da opinião dos credores, devido o caráter judicial do instituto (e acontratual). Já a Recuperação Judicial exige a concordância dos credores, já que retirou grande parte da autonomia que era dada ao juiz na Concordata. No entanto, embora haja diferença nos dois institutos, a natureza jurídica da Recuperação Judicial é também processual. Apenas a Recuperação Extrajudicial não homologada tem natureza contratual.

Na Recuperação Judicial há inclusive a formação de um Comitê de Credores com grande poder para deliberar acerca do plano, podendo inclusive rejeitá-lo, o que não ocorria na Concordata quando bastava o preenchimento dos requisitos previstos em lei.

Em relação aos créditos abrangidos pelos dois institutos, conforme já demonstrado, a Concordata atingia apenas os créditos quirografários, enquanto a Recuperação atinge qualquer crédito existente ao tempo da ação, desconsiderando as exceções legais.

As companhias aéreas também foram incluídas no rol de legitimados para requerer Recuperação Judicial, a exemplo do que ocorreu com a Varig S.A., o que diverge do disposto no Decreto-Lei 7661/45 que não permitia esta situação.

Um dos requisitos para concessão da Concordata preventiva era a inexistência de título protestado, o que não perdurou com o advento da Lei de Recuperação e Falências, o que garantiu segurança ao devedor que não se viu fragilizado perante a possibilidade de fraude por parte de credores que, utilizando-se de má fé, poderiam protestar um título de forma a impedir a faculdade concedida ao devedor por lei.

Na Concordata não havia necessidade de apresentação de plano de recuperação até porque se tratava apenas de dilação de prazo e remissão de dívida, tudo previsto em lei. A Recuperação trouxe esta exigência juntamente com sua grande diversidade de formas de recuperação, o que, novamente trouxe segurança e compromisso ao processo de recuperação.

A fiscalização na Concordata era feita pelo Comissário escolhido pelo juiz e que deveria necessariamente ser um dos maiores credores, conforme se vê do disposto no art. 161[32] da antiga lei. Admitia-se, por exceção, o Comissário Dativo escolhido pelo juiz e sem qualquer vínculo com os credores. No processo de Recuperação, a administração dos bens passou a ser feita por profissional idôneo, não necessariamente credor, nos termos do art. 21[33] da Lei 11.101/05.

Interessante ressaltar que ambos os institutos permitem a manutenção da atividade empresarial, mas a Lei de Falências e Recuperação trouxe casos em que o administrador poderá ser afastado da empresa e uma Assembléia de Credores será convocada para escolha de novo gestor, conforme se vê dos artigos 64[34] e 65[35] da referida Lei.

Houve diferenciação também nos prazos para pagamento dos débitos. Na concordata, o devedor possuía prazos para pagamento mínimo dos credores em 6, 12, 18 ou até 24 meses, podendo ser feita inclusive à vista com redução do montante, enquanto na Recuperação, embora a lei estipule prazo de dois anos (apenas para a fase processual da Recuperação Judicial), qualquer outro prazo poderá ser estabelecido no plano, desde que haja permissão por parte dos credores e não estejam os créditos incluídos no rol do artigo 54 da lei, senão vejamos:

 “Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.” (grifo do autor)

O legislador, observando o Princípio da Manutenção da Empresa e de sua Função Social, também trouxe importante novidade quando determinou que os créditos constituídos após a concessão da Recuperação Judicial fossem reclassificados em caso de decretação da falência, de modo que aqueles que auxiliarem na manutenção das atividades empresariais não serão prejudicados. Necessário diferenciar os créditos constituídos após a concessão da Recuperação e os que venceram após. Estes segundos, vincendos até dois anos após a concessão da Recuperação, inserem-se no processo automaticamente, conforme se vê do artigo 61 da Lei de Recuperação de Empresas e Falência.


6. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA

A Convolação da Recuperação Judicial em falência nada mais é que a ruptura do processo de Recuperação e a decretação da falência.

Inicialmente, o juiz competente deve analisar a presença dos requisitos do art. 73[36] da Lei de Recuperação e Falências.

Em regra, as hipóteses elencadas referem-se a atos praticados após a concessão da Recuperação.

São as hipóteses: I) em havendo deliberação da assembléia geral de credores, na forma do artigo 42 da mesma lei; II) quando não for apresentado o plano de reorganização, pelo devedor, dentro do prazo estabelecido pelo art. 53[37] (sessenta dias); III) quando o plano for rejeitado pela assembléia de credores, consoante art. 56, §4º[38]; IV) quando for descumprida qualquer obrigação assumida no plano de reorganização, na forma do art. 61, § 1.º[39], da lei de regência; V) por inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou II do caput do art. 94[40] da Lei, ou por prática de qualquer ato previsto no inciso III do caput do art. 94[41].

Essas hipóteses serão levadas em conta a partir do momento em que ocorrerem após a concessão da Recuperação pelo juiz.

O pedido pode ser feito a qualquer momento no processo de Recuperação pelo Administrador Judicial, pelos credores e até mesmo pelo empresário.

Se desde o início do processo de recuperação viu-se que a empresa não apresenta condições de se sustentar, que não há lucro, não há porque tentar recuperá-la até mesmo porque aquela empresa já não possui Função Social. Está morta e deve realmente ser encerrada para que sua manutenção não prejudique a coletividade.

Hipoteticamente, poderia-se imaginar que uma empresa em recuperação pudesse levar outras à condição de crise econômico-financeira, o que, obviamente não é o objetivo da Lei 11.101/05.


7. A FUNÇÃO SOCIAL NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO EMPRESARIAL

Quando uma sociedade empresária busca auxílio legal para recuperar-se, certamente necessita de auxílio, até mesmo porque não se trata de uma simples relação econômica. A coletividade, de certa forma, está indiretamente inserida por trás da empresa, que normalmente exerce um importante papel na sociedade moderna, seja preocupando-se com a preservação do meio-ambiente ou até mesmo a consciência dos reflexos que causa no meio social.

Percebe-se que a sociedade empresária quando pensada de forma sistêmica e compreendendo que a mesma não está isolada no meio econômico financeiro quando esta tem autonomia para repassar prejuízos para o consumidor, sustenta famílias, indiretamente contribui para o controle inflacionário e até mesmo circulação de capital no país.

Num interessante artigo escrito por Luiz Antônio Ramalho Zanoti e André Luiz Depes Zanoti, é feita uma diferenciação entre a função social e a responsabilidade social de uma empresa:

“Por outro lado, quando a empresa extrapola os limites legais, e contempla os stakeholders com benefícios adicionais, ela deixa o plano da função social, e ingressa em seara de responsabilidade social corporativa. Assim, o que difere a função social, da responsabilidade social, é que o cumprimento daquela tem como limitador os preceitos legais, enquanto que esta se constitui num plus, em algo que espontaneamente a empresa devolve aos stakeholders, como forma de melhorar a qualidade de vida destes.

O raciocínio natural que se tem, a respeito da importância social das empresas para a comunidade, é que o Estado deve envidar todos os esforços para preservar a saúde financeira delas. Inegavelmente, elas contribuem fundamentalmente para que os cidadãos realizem suas melhores expectativas de vida, seja pela produção de um medicamento, seja pela colocação no mercado de bens e serviços que facilitam a vida das pessoas, seja pela geração de empregos que resultam em pagamentos de salários que dão acesso a esses confortos.

É possível dizer, portanto, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e a circulação de riquezas e de rendas, no plano interno e externo.” (ZANOTI; ZANOTI, 2007)

Embora seja muito pertinente a observação supra, é uma linha muito tênue que separa os dois conceitos. O que se pode afirmar é que a função social ainda está diretamente atrelada ao Princípio da Preservação que receberá atenção especial adiante.


8. O PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

O Princípio da Preservação da Empresa está presente em todo o ordenamento jurídico de matéria empresarial, começando pelo disposto no artigo 974 do Código Civil quando permite ao empresário a manutenção de suas atividades empresariais, mesmo após sua incapacidade superveniente:

“Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.§ 1º Nos casos deste artigo, precederá autorização judicial, após exame das circunstâncias e dos riscos da empresa, bem como da conveniência em continuá-la, podendo a autorização ser revogada pelo juiz, ouvidos os pais, tutores ou representantes legais do menor ou do interdito, sem prejuízo dos direitos adquiridos por terceiros.

§ 2º Não ficam sujeitos ao resultado da empresa os bens que o incapaz já possuía, ao tempo da sucessão ou da interdição, desde que estranhos ao acervo daquela, devendo tais fatos constar do alvará que conceder a autorização.”

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Conforme se nota das transformações incorporadas pelo legislador na Lei 11.101/05, uma grande parte deu-se em atendimento do Princípio da Preservação, que vem sendo absorvido plenamente pelo ordenamento jurídico, haja vista sua ligação direta com outros princípios norteadores como o da Função Social da Empresa.

Passou a ser analisada a empresa com olhar sistêmico e reconhecida tornou-se sua importância social, além da econômica.

No atual sistema jurídico brasileiro a empresa exerce diversas funções sociais como fonte de empregos, fonte de renda tributária para o Estado, conservação da livre concorrência, além de sua função principal, seja a de prestação de serviços ou fornecimento de produtos. Tem importante função no equilíbrio da balança comercial de um país e influências até mesmo no valor da moeda.

E assim sendo, não é aceitável que uma empresa com grandes possibilidades de crescimento e com importante função social deixe de existir por estar em dificuldade financeira momentânea, o que ocorre não só no meio empresarial, mas também no civil.

Com o advento da Lei 11.101/05 não há mais a idéia simplesmente econômica da empresa, em que a sua recuperação tinha apenas aspectos econômicos e não sociais como na antiga lei, e este princípio é a principal inovação da lei, que acabou acarretando a evolução do procedimento como um todo.

Nas palavras de Gladston Mamede:

“O princípio da função social da empresa reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente: tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária, prejudica também todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado. (MAMEDE, 2005, p. 417)”

A empresa passa a ser vista com a importância de um organismo vivo, daí sua personalidade jurídica e personalidade socioeconômica no âmbito principiológico.

Uma base jurídica protetiva ainda atrai investimentos estrangeiros e interesse na manutenção de filiais no país. Quanto maior a proteção, maior a segurança para o Estado, para os cidadãos e até mesmo para o empresário.


9. O POSICIONAMENTO DOUTRINÁRIO

A doutrina, de modo geral se posicionava desfavoravelmente em relação ao Decreto-Lei 7.661/45, antiga Lei de Falências e Concordatas, em virtude do excesso de formalismo, submissão absoluta dos credores, lentidão no processamento, que normalmente desencadeava em fraudes e na deterioração do patrimônio empresarial, além de que, após a criação da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, 11.101/05, não há mais prioridade absoluta de créditos trabalhistas e tributários, seguindo as tendências internacionais mais modernas.

Nesse sentido segue a opinião de Rubens Requião:

“A falência e também a concordata, na forma como se encontravam estruturadas no Dec.-Lei 7661/1945, não ofereciam possibilidades de solução no sentido de propiciarem ao então comerciante, hoje empresário ou sociedade empresária, em situação de crise, a possibilidade de se recuperarem.” (REQUIÃO, Rubens)

Jorge Lobo, em seus valiosos ensinamentos:

“O que se verificava é que o sistema anterior não conseguia proteger os credores da empresa concordatária ou falida e não conseguia também, por outro lado, preservar a atividade empresária, apresentando-se como sistema incapaz de preservar qualquer tipo de interesse, atendendo apenas, na grande maioria das vezes, ao empresário oportunista e desonesto.” (LOBO, Jorge, p.36)

Paulo Fernando Campos Salles de Toledo alertava:

“Precisamos ver com muita cautela, mas também com muita atenção, essas soluções do direito estrangeiro. Todas se centram numa idéia nuclear, uma diretriz que as norteia que é a da preservação da empresa. É uma idéia na qual hoje, na nossa realidade positiva, ou seja, na lei em vigor no Brasil, não se pensa, mas há de se pensar em que a empresa, como unidade econômica, deve ser preservada, sempre que se manifestar viável e, portanto, econômica e socialmente útil. A solução não está em fechar empresas, fechando toda uma porta que pode ser importante para um determinado setor na economia. As empresas, portanto, dentro da concepção mais atual, devem ser, sempre que possível e sempre que viáveis, preservadas.” (TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles, p.82)

Por fim, não poderia faltar a opinião do Deputado Federal, Sr.Osvaldo Biolchi, relator do projeto de lei nº4.376/93 que originou a Lei de Recuperação e Falência, citado por Paulo Fernando Campos Salles de Toledo e Carlos Henrique Abraão:

“Há muito tempo a sociedade brasileira esperava e clamava por uma nova legislação que pudesse disciplinar a situação das empresas em crise, por intermédio de procedimentos de recuperação judicial, extrajudicial e a revisão do modelo falimentar em vigor.

[...]

Nossa legislação pode ser considerada uma das mais antigas do mundo, se for considerado o prazo de sua vigência, e também a qualidade encerrada deixava muito a desejar no âmbito do procedimento judicial. Enquanto no Brasil, o tempo médio de um processo era de 12 anos, no Japão é de seis meses, na Inglaterra é de um ano, na Argentina de 2,8 anos e na Índia de 11,3 anos

[...]

“Desta forma, se torna fácil concluir que uma legislação atual é vital para a integração dos mercados e fundamentalmente na direção da economia brasileira sólida.” (TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles; ABRAÃO, Carlos Henrique)

Pertinente a opinião doutrinária quando ressalta as qualidades e o dinamismo da citada Lei, embora a mesma tenha também apresentado grandes retrocessos em relação ao antigo Decreto-Lei 7661/45.

A Lei de Recuperações e Falência retirou o poder de decisão do juiz, de modo que está nas mãos dos credores a aprovação ou não do plano.

Em primária análise, o legislador tentou resolver um antigo defeito da lei, tema de discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da total submissão a que eram acometidos os credores na antiga lei de falência e concordata. Ocorre que houve certo exagero e a inversão de valores, onde o poder foi repassado de forma excessiva aos credores e o juiz perdeu grande parte de sua autonomia, necessária ao bom andamento deste tipo de procedimento pela fragilidade da relação entre as partes afetadas.

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Sobre o autor
Pedro Rocha Olguin

Advogado. Pós graduação/LLM pela Fundação Getúlio Vargas/RJ. Militante nas áreas de direito empresarial e cível.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLGUIN, Pedro Rocha. Recuperação de empresas e concordata face ao princípio da preservação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3506, 5 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23652. Acesso em: 24 abr. 2024.

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