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O desenvolvimento humano como base para o desenvolvimento sustentável: uma abordagem dos direitos humanos

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3, A concepção do desenvolvimento na Constituição da República Federativa do Brasil e a atual política de desenvolvimento do Governo Federal

A Declaração do Direito ao Desenvolvimento, de 1986, afirmou princípios que são uma síntese dos conteúdos de diversos pactos e declarações internacionais, demonstrando a obrigatoriedade dos Estados estabelecerem políticas públicas nacionais para a implementação do desenvolvimento, in verbis:

Preâmbulo (...) Reconhecendo que a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento dos povos e indivíduos é a responsabilidade primária de seus Estados; (...) Confirmando que o Direito ao Desenvolvimento é um direito humano inalienável e que a igualdade de oportunidade para o desenvolvimento é uma prerrogativa tanto das nações quanto dos indivíduos que compõem as nações;

Artigo 2. (...) 3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem ao constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e significativa e no desenvolvimento e na distribuição eqüitativa dos benefícios daí resultantes.

Artigo 3. 1. Os Estados têm a responsabilidade primária pela criação das condições nacionais e internacionais favoráveis à realização do Direito ao Desenvolvimento.

Artigo 4. Os Estados têm o dever de, individual e coletivamente, tomar medidas para formular as políticas internacionais de desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena realização do Direito ao Desenvolvimento.

Artigo 8. Os Estados devem tomar, em nível nacional, todas as medidas necessárias para a realização do Direito ao Desenvolvimento e devem assegurar, inter alia, igualdade de oportunidade para todos, no acesso aos recursos básicos, educação, serviços de saúde, alimentação, habitação, emprego e distribuição eqüitativa da renda. Medidas efetivas devem ser tomadas para assegurar que as mulheres tenham um papel ativo no processo de desenvolvimento. Reformas econômicas e sociais apropriadas devem ser efetuadas com vistas à erradicação de todas as injustiças sociais. (...)

Artigo 10. Os Estados deverão tomar medidas para assegurar o pleno exercício e fortalecimento progressivo do Direito ao Desenvolvimento, incluindo a formulação, adoção e implementação de políticas, medidas legislativas e outras, em níveis nacional e internacional.

Cançado Trindade ao comentar essa Declaração aduz que ela :

Volta-se repetidamente aos Estados, urgindo-os a que tomem todas as medidas necessárias para a realização do direito ao desenvolvimento (artigos 3(3), 4, 5, 6, 7 e 8). Atribui-se primariamente aos Estados a responsabilidade pela realização do direito ao desenvolvimento (artigo 3(1)), “individual e coletivamente” (artigo 4(1)), mas é ela também atribuída a todos os seres humanos, “individual e coletivamente” (artigo 2(2), i.e., aos indivíduos e às comunidades. A Declaração contempla medidas e atividades tanto nacional quanto internacional (artigos 3(1), 4, 8, 1 10) para a realização do direito ao desenvolvimento. A Declaração abarca assim uma gama ampla e complexa de relações destinadas a contribuir à realização do direito ao desenvolvimento.[63]

O Direito Internacional ao Desenvolvimento tem como  pressupostos: i) o desenvolvimento de qualquer país depende hoje, mais do que nunca, do plano internacional; ii) o crescente reconhecimento da interdependência das sociedades, devido a contatos transnacionais, leva à necessidade de uma aproximação global dos problemas ligados ao desenvolvimento; iii) o desenvolvimento global enfrenta problemas transnacionais econômicos que se expressam por meio de modelos de dominação e dependência, em relações comerciais desvantajosas e na concentração do poder dos operadores econômicos transnacionais privados.[64]

Do exposto, verificamos que a percepção que se tem do desenvolvimento nacional não é una nem independente, pois requer medidas internacionais que levem em consideração os pressupostos retrocitados. Por isso, as questões de desenvolvimento nacional associam-se, obrigatoriamente, à dimensão internacional.[65]

Vale ressaltar, porém, que os Direitos Humanos e o Desenvolvimento Humano não podem ser realizados universalmente sem uma ação internacional mais forte, em particular, para apoiar pessoas e países em desvantagem e para compensar as desigualdades e a marginalização mundiais crescentes.[66] Podemos chegar à conclusão de que a realização do Direito ao Desenvolvimento exige a adoção de medidas tanto em âmbito interno quanto em âmbito internacional. Dessa maneira, o direito humano ao desenvolvimento tem de ser impulsionado pela comunidade internacional, por cada Estado e por cada pessoa.[67]

O Desenvolvimento Sustentável é um processo no qual as políticas econômicas, fiscais, comerciais, energéticas, agrícolas e industriais são organizadas para produzir um desenvolvimento econômico, social e ecologicamente sustentável, o que significa que o desenvolvimento integrado deve-se realizar com financiamentos próprios,  para não aumentar a dívida externa, que outros terão que arcar no futuro. Devem-se desenvolver a saúde e a educação públicas no presente, para não legar uma dívida social às gerações futuras. Os recursos naturais devem ser utilizados de forma que não causem dívidas ecológicas ao se explorar as capacidades de sustentação e produção da terra.[68]

O Desenvolvimento Sustentável visa preliminarmente a: i) eliminação da pobreza; ii) redução no crescimento demográfico; iii) distribuição mais eqüitativa dos recursos; iv) pessoas mais saudáveis, instruídas e capacitadas; v) governos descentralizados, mais participativos; vi) sistemas de comércio mais igualitários e abertos, tanto internos como externos, incluindo o aumento da produção para o consumo local; vii) melhor compreensão da diversidade de ecossistemas, soluções localmente adaptadas para problemas ambientais e um melhor monitoramento do impacto ambiental produzido pelas atividades de desenvolvimento.[69]

Considerando a análise doutrinária acerca das políticas públicas nacionais e internacionais que visam à implementação do Direito ao Desenvolvimento e à sua compreensão de Desenvolvimento Sustentável, faremos uma análise do ordenamento jurídico pátrio, a fim de identificar a acomodação do Direito Internacional ao Desenvolvimento na Constituição Brasileira.

 A Constituição de 1988 criou uma nova ordem jurídica e gerou o imperativo da recepção[70] da legislação infraconstitucional que se coadunava com o novo texto constitucional, não ocorrendo o mesmo com as leis  infraconstitucionais que se chocavam com a Constituição, perdendo, desse modo, a sua eficácia.

 Com a mudança do regime político, na Constituição Federal de 1988, caput do art. 225, foi positivado o princípio do Desenvolvimento Sustentável, in verbis: “Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Este artigo foi baseado no conceito estabelecido pelo Relatório “Brundtland”, antes mesmo de sua adoção em nível internacional, que só ocorreu em 1992, com a Declaração do Rio de Janeiro em seus princípios 3º e 4º.

Vale salientar que a positivação no nosso ordenamento jurídico do princípio do Desenvolvimento Sustentável encontra-se no art. 225, CRFB, no capítulo que trata do Meio Ambiente, inexistindo, no texto constitucional, uma definição específica do Direito ao Desenvolvimento Sustentável no título da Ordem Social, o que demonstra a dificuldade do nosso legislador na compreensão do caráter multidisciplinar do desenvolvimento, como contidos no artigo 1º da Declaração do Direito ao Desenvolvimento, de 1986, e nos princípios 3º e 4º da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992.

Ademais, a Constituição de 1988 incorporou os Tratados de Direitos Humanos até então existentes, quer seja de modo exemplificativo como ocorre nos incisos do art. 5º, quer seja como preceitos gerais na forma dos parágrafos 2° e 3Oedo mesmo artigo, ao dispor que

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Nesse sentido, é pertinente a lição de Cançado Trindade ao aduzir que o legado da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Pactos de Direitos Humanos foi o de permitir uma projeção destes direitos no direito interno dos Estados, em nível constitucional ou em nível infraconstitucional, permitindo o surgimento de uma maior proteção deles[71]. Tais argumentos demonstram a interação entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o direito interno para proteger o homem, independentemente das suas origens.

Desse modo, descarta-se a doutrina monista clássica, que afirmava a primazia das normas de direito interno sobre as normas internacionais ou destas  sobre aquelas[72]. A nova compreensão doutrinária entende que a proteção do homem deve ser assegurada segundo o princípio da norma mais favorável à pessoa, independentemente da origem da norma.

Na CRFB, o art. 4º, inciso II, expressamente consagra  a prevalência dos Direitos Humanos como um dos princípios norteadores da República Federativa do Brasil, nas suas relações internacionais.

Se é princípio da República Federativa do Brasil a prevalência dos direitos humanos, a outro entendimento não se pode chegar, senão o de que todo tratado internacional de direitos humanos terá prevalência, no que for mais benéfico, às normas constitucionais em vigor. Quando a Constituição dispõe em seu art. 4º, II, que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, dentre outros, pelo princípio da prevalência dos direitos humanos, está, ela própria, a autorizar a incorporação do produto normativo convencional mais benéfico, pela porta de entrada do seu art. 5º, §2, que, como já visto, tem o caráter de cláusula aberta à inclusão de novos direitos e garantias individuais provenientes de tratados..[73]

O novel §3°, da Constituição da República Federativa do Brasil,, não prejudica o status constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos já em vigor no nosso pais, pois tem de acordo com o §2° desse mesmo artigo, também sequer prejudica a aplicabilidade imediata dos tratados de direitos humanos já devidamente ratificados ou que vierem a ser ratificados pelo nosso país no futuro, de acordo com o mandamento do parágrafo 1º do mesmo art. 5º.[74]

Merece ser destacado o fato de ter sido positivado no nosso ordenamento jurídico normas constitucionais brasileiras que dispõem sobre o direito ao desenvolvimento econômico nacional, na medida em que determinam aos poderes públicos lo cumprimento, por intermédio do planejamento de políticas públicas a devida efetivação dos direitos sociais, pertencentes à categoria das normas constitucionais cuja implementação depende, de forma exclusiva, da vontade política dos governantes.

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 De tal sorte que esta Norma Suprema compromete-se a realizar, em nome da soberania nacional, do Estado de Direito e da democracia representativa, os objetivos fundamentais elencados no artigo 3º do Título I, que dispõe sobre os Princípios Fundamentais da República. E, dentre os quais, consta a pretensão de se construir uma sociedade justa, erradicar a pobreza, promover o desenvolvimento nacional e o bem de todos e reduzir as desigualdades sociais e econômicas. Desenvolvimento este que deverá ser, além de quantitativo, também qualitativo, em prol da realização dos preceitos fundamentais da República. 

Merece destacarmos que no texto magno há previsão de princípios gerais para a ordem social no sentido de que a organização econômica e social do Estado observará os preceitos da Constituição e das Leis Federais e será fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social. Tais princípios demonstram uma direção dada à ordem econômica, mas sempre analisada de acordo com o sistema constitucional, que tem como base uma função social. O planejamento estatal do desenvolvimento econômico deverá observar de maneira prioritária a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes.

Urge, a atuação estatal de maneira efetiva na economia, em defesa do interesse público inerente ao desenvolvimento nacional como direito fundamental, toda vez que sua ação ou omissão possa comprometer a realização deste desenvolvimento.

A Ordem Econômica consiste no conjunto de normas constitucionais definidoras dos objetivos modelares para a economia e para as modalidades de intervenção do Estado nessa área. Podemos perceber no art. 170 da Constituição Federal, que encontra estabelecido um conjunto de princípios constitucionais de como a ordem econômica deve se pautar: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas, sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país”.

Esses princípios apontam a direção dada à ordem econômica, mas sempre analisados de acordo com o sistema constitucional, que tem como norte a função social.

A atuação do Estado na área econômica apenas se apresenta legítima para proteger esses princípios estabelecidos constitucionalmente. A correção de distúrbios que possam afetar a ordem econômica, como monopólios, cartéis e trustes, determinam a intervenção do Poder Público.

Basicamente, as formas e limites de intervenção do Estado no domínio econômico estão definidos na Constituição Federal. Conforme determina o art. 173, só pode o Estado diretamente explorar atividade econômica quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, definidos em lei. Ainda o art. 174 prevê a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, mediante o exercício de funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Ressalte-se, assim, o caráter excepcional e suplementar da atuação do Poder Público nessa seara, limitada pelos princípios estabelecidos no art. 170 da Constituição Federal.

Diante dessa concepção doutrinária, o novo contexto constitucional brasileiro dentro do contexto internacional dos Direitos Humanos, permite-nos afirmar a adoção do Direito Humano ao Desenvolvimento pelo nosso ordenamento jurídico, quer seja na forma expressa do art. 225 da CRFB, quer seja no conjunto de princípios e fundamentos contidos no texto constitucional.

O reconhecimento do Direito Humano ao Desenvolvimento, em 1988, representou um avanço no ordenamento jurídico brasileiro, enquanto que, em nível internacional, desde os anos cinqüenta, sua noção já era aceita e eram oferecidos os recursos doutrinários necessários para refletir e explicar o desenvolvimento centrado na pessoa humana.

No Brasil, antes de 1988, predominou a concepção do Desenvolvimento Econômico nas políticas públicas, exemplificadas no Plano de Metas, do Governo de Juscelino Kubistchek, e nos Planos Nacionais de Desenvolvimento, dos Governos Militares, estes que constituíram o “Milagre Econômico”. Somente a partir de 1988, mormente no Governo de Fernando Henrique Cardoso, a partir dos anos 90, assim como no atual Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, houve a adoção no plano governamental, da concepção do Desenvolvimento Humano para definir as diretrizes sociais e viabilizar o Desenvolvimento Sustentável, muito embora ainda predomine a ênfase do desenvolvimento de natureza econômica.[75]

As políticas públicas, no âmbito da União e dos Estados, são efetivadas por intermédio das leis orçamentárias, lei de diretrizes orçarmentárias e plano plurianual, conforme previsto no art. 24, inciso II c/c o art. 165 da CRFB e no art. 20, inciso II c/c o art. 106, da CERN. Os conteúdos do Direito ao Desenvolvimento são de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de acordo com os incisos do art. 23, da CRFB, devendo os entes federativos fazer uso da autonomia administrativas prevista no caput do art. 18, da CRFB, para desenvolverem as políticas públicas mais adequadas para a sua população.

 Destacamos, ainda, o avanço internacional na abordagem do Desenvolvimento Humano para assegurar a sua sustentabilidade, que fundamenta, igualmente, o modelo adotado pelos Governos brasileiro e estadual. Todavia, as políticas públicas brasileiras, em geral, e os mecanismos de proteção e promoção desses direitos ainda não atendem às necessidades práticas da cidadania brasileira, restando um longo caminho a percorrer para se alcançar melhores níveis de satisfação.

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Sobre o autor
Ivanaldo Soares da Silva Júnior

Graduado em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2001). Graduado em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1995). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2009). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas-RJ. Especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela FESMP/RN e UNP. Especializando em Gestão Ambiental pelo Instituto Federal de Educação do RIo Grande do Norte. Atualmente é 1º Promotor de Justiça de terceira entrância do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Norte da Comarca de Ceará-Mirim.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JÚNIOR, Ivanaldo Soares. O desenvolvimento humano como base para o desenvolvimento sustentável: uma abordagem dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3522, 21 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23751. Acesso em: 16 nov. 2024.

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