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Para uma teoria do Estado pós-moderno: a razão política no entendimento do Direito

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23/02/2013 às 14:05
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9. Por que retornar aos clássicos?

Em primeiro lugar, retomamos os clássicos para escapar dos modismos. Em segundo lugar, porque podemos ver mais longe. Em terceiro lugar, porque, como diz Max Weber, podemos corrigir os erros. Além disso, em quarto lugar, seremos capazes de produzir leituras inovadoras e originais da realidade. Em quinto lugar, por definição, os clássicos são legitimamente virtuosos:

O virtuosismo legítimo que, entre os historiadores, Ramke possuía em tão elevado grau, costuma manifestar-se precisamente pelo poder de criar algo de novo através da referência de certos fatos conhecidos a determinados pontos de vista, igualmente conhecidos [...] A luz dos grandes problemas culturais deslocou-se para mais além. Então a Ciência prepara-se também para mudar o seu cenário e o seu aparelho conceitual, e fitar o fluxo do devir das alturas do pensamento. Ela segue a rota dos astros que inicialmente podem dar sentido e rumo ao seu trabalho {como o Fausto de Goethe}: “...desperta o novo impulso./ Lanço-me para sorver sua luz eterna./ Diante de mim o dia e atrás à noite./ Acima de mim o céu, abaixo as ondas” / (Weber, 1989, p. 127. – grifos nossos).

Por um lado, isso ocorre porque precisamos buscar dados que as páginas marcadas dos livros igualmente conhecidos já não nos satisfazem (com isto ainda escapamos dos manuais). Por outro lado, porque os clássicos podem abrir novas portas e janelas. No caso deste trabalho, essa nova onda da chamada ultramodernidade (Giddens) ou, como preferimos, modernidade tardia, exige este outro olhar, como sugerido por Newton e por Goethe. Por isso, sempre se deve retornar aos clássicos e neles buscar a eterna fonte de inspiração para reviver a fase atual. Clássicos são aqueles autores e suas obras que deixaram marcar definitivas na civilização – que moldaram/transformaram não só sua cultura como sempre serão parte do porvir/devir. Não são apenas as obras e/ou autores gregos e latinos, mas realmente as “obras fundamentais da cultura” – obras que por sua originalidade e pelos valores e práticas sociais que ajudaram a criar em seu curso, conservam extrema atualidade (daí seu traço de genialidade). Os clássicos guardam a legitimação de fundadores; têm uma dimensão política e de implementação política:

O ato de fundar é uma “teorização política” precisamente porque os princípios inferidos a partir do trabalho dos fundadores legitimam dimensões básicas da atividade intelectual. Nessa batalha retrospectiva, para que algumas ideias possam “vencer”, obviamente, outras precisam ser derrotadas. Nesse contexto, a ação política significa uma luta mais ou menos constante entre forças diferentes em relação à constituição legítima de uma arena intelectual. A “política” da herança intelectual se torna obscura no mesmo grau em que se registram, com sucesso, reivindicações monopolizadoras: as pressuposições dominantes avalizam, então, ideias e procedimentos (Giddens, 1998, pp. 14-15).

Porém, mais especificamente no que concerne às Ciências Sociais, mais do que autores ou fundadores, há uma tendência de se verem os seus mentores “tornados clássicos”:

Todas as disciplinas intelectuais têm fundadores, mas apenas as ciências sociais têm a tendência de reconhecer a existência declássicos66. Os clássicos, eu afirmaria, são fundadores que ainda falam para nós com uma voz que é considerada relevante. Eles não são apenas relíquias antiquadas, mas podem ser lidos e relidos com proveito, como fonte de reflexão sobre problemas e questões contemporâneas (Giddens, 1998, p. 15).

Sem dúvida nenhuma que os clássicos instituem “políticas de pensamento”, porém, além de sua genialidade e vigor científico e intelectual, há que se notar que as forças dominantes de certa época, impõem a referência a ser seguida pelos demais – esse é o monopólio da legitimação da política de pensamento67. O clássico, via de regra, também é um “guerrilheiro do pensamento” em sua época, porque luta contra o estabelecido, contra o pré-conceito e o conhecimento limitado do momento – o que certamente também nos atinge em nosso cotidiano. Este salto no conhecimento acumulado, muitas vezes, pode sinalizar mais claramente uma revolução do status quo do conhecimento. Como vemos no caso do marxismo:

Sem dúvida, estavam acumulados os elementos essenciais para um salto na história do conhecimento social. Contudo, como enfatiza justamente Joseph Fontana, o materialismo histórico de Marx e Engels não é soma ou síntese de elementos anteriores. Não surgiu, sem dúvida, no vazio cultural, porém trouxe uma visão profundamente nova do desenvolvimento da sociedade humana e um projeto de lutas sociais com vistas à transformação radical da sociedade existente. O que conta não é tão-somente identificar a procedência dos ladrilhos, mas ressaltar o autor do plano do edifício (Gorender, 1998, XVII-XVIII – grifos nossos).

Assim, ressaltar o autor do plano do edifício é procurar não só pela arquitetura e por sua estrutura, mas também pelo autor e por seu esforço de construção, por seu projeto (modificado ou não) e, enfim, pela teleologia que o cerca. Engels já chamara a atenção para as dificuldades que ele e Marx enfrentaram para definir o materialismo histórico e dialético, apontando para o único método viável: “Há, como Engels chamou a atenção de Bloch, um meio satisfatório de evitar tais dificuldades: “estudar profundamente à teoria em suas fontes originais e não em fontes de segunda-mão” (Hobsbawm, 1991, p. 21. – grifos nossos). Neste sentido, antes de conclamar aos princípios da previsibilidade, objetividade, neutralidade, é preciso inventariar o que podem dizer/desvelar ao mundo social, que se abre ou se acentua nos séculos XX e XXI. Em sentido complementar, já no curso do século XIX, a globalização acirrou conflitos, contradições e entropias que nos acompanham desde as origens da sociedade capitalista, mas que hoje se agravam e ameaçam conter até mesmo as forças expansivas do capital, como as forças democráticas que impuseram tanto a Revolução Americana (1776), quanto a Revolução Francesa (1789). Os clássicos são uma porta aberta para o futuro, pois sua visão profunda, radical, realista ou utópica, revela-se singular, angular na relação espaço-temporal, personalíssima dentro de seu contexto. Esta riqueza mostra-se transversal quanto às sociedades avaliadas, porque a posição clássica se torna uma obra especializada em determinada área do saber em que se propunham debater, mas amplamente refinadas na abrangência da cultura geral e na dedicação à intelectualidade: Marx e a economia política e a matemática; Freud, na filosofia, na mitologia e na psicologia; Einstein, na física, na cultura e na análise de conjuntura; Shakespeare, na literatura e nas humanidades ou “entendimento humano”; Rousseau e sua democracia radical e socialista; sem contar a genialidade dos gregos clássicos, da medicina à matemática, da filosofia à política. A visão clássica é projetiva porque nunca tergiversou com a realidade: seus prognósticos são longevos, contundentes, no melhor sentido da análise do “clínico geral”, isto é, como análise holística, de quem procura encontrar no mundo a sua própria casa. Todo clássico tem o holos como referência porque quer saber de tudo um pouco, sabendo muito de algo em especial e, por isso, o clássico tem os olhos abertos para o futuro. O clássico é altamente especializado, mas o que impede sua miopia é esta disposição para ver (sem medo) de uma posição privilegiada, mas não do alto em postura insípida, inodora arrogante, superior. O clássico ultrapassa seu tempo porque está aberto e sensível à visão longitudinal e latitudinal da realidade. O clássico reinventa os significados, os sentidos e as conclusões muito alusivas, lendárias ou até óbvias, em algo surpreendentemente inovador, transformador, quase fantástico.

Vejamos uma interpretação da obra criadora de Goethe, com o Fausto:Esta talvez seja uma das melhores definições de clássico: a capacidade de se apropriar de uma narrativa transmitida com sutis variações de geração em geração, dando-lhe nova fisionomia, pessoal e intensa a ponto de negar ou reescrever o enredo tradicional” (Pinto, 2006, 05 – grifos nossos). Por isso, é preciso pensar nos clássicos como um esforço conjunto, um trabalho de engenho social, e não apenas como reflexo das expressões ou dos fatos sociais evidentes (Durkheim), suscetíveis à dominação legítima (Weber) ou não, ou ao uso dócil, à manipulação do espaço público pelas forças econômicas (Marx, no Manifesto). Ou como disse de forma célebre e objetiva Isaac Newton: “Se vi mais longe, Foi porque estava sobre os ombros de gigantes”.


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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Para uma teoria do Estado pós-moderno: a razão política no entendimento do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3524, 23 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23782. Acesso em: 14 nov. 2024.

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