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A opção legislativa pela política criminal extrapenal e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha

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04/03/2013 às 16:05
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7. Conclusão

Em cumprimento a tratados internacionais de direitos humanos, foi editada a Lei Maria da Penha, cujo eixo protetivo tem acentuado destaque na forma de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher a partir da previsão das medidas protetivas de urgência, a maior inovação da Lei relacionada ao trabalho dos atores jurídicos do sistema de justiça. O uso crescente e corriqueiro de tais medidas por parte das mulheres-vítimas redundou no surgimento de problemas com relação à sua natureza jurídica, seus requisitos e à duração de sua vigência, dentre outros. O presente estudo permitiu concluir que as medidas protetivas traduzem a opção legislativa por uma política criminal extrapenal voltada para os fins de prevenção do direito penal (em contraponto a uma política criminal penal, ancorada unicamente no recrudescimento da intervenção penal, na criminalização de mais condutas e no aumento de penas) e em tudo se assemelham às civil restraining orders americanas.

A Lei Maria da Penha positivou o paradigma de gênero como explicativo da violência contra a mulher, devendo a compreensão adequada das medidas protetivas se dar a partir de tal modelo teórico. Quem está em situação de vulnerabilidade no âmbito da família, no lar ou nas relações de afeto, em razão das relações de gênero, deve receber proteção condizente com essa condição. Do mesmo modo, a intervenção penal continua tendo papel essencial na tarefa de se proteger as vítimas, sobretudo em termos de prevenção geral, o que permite a visibilidade da violência perante os órgãos do sistema de justiça especializado e a adoção de providências imediatas, de que servem de principal exemplo as medidas protetivas, as quais devem ter seu uso reforçado e ampliado, pois apenas uma pequena parte delas (normalmente as restritivas de liberdade e direitos do ofensor) vem sendo concretizada, ao passo que as medidas concernentes aos direitos patrimoniais, de família e trabalhistas vêm sendo relegadas, notadamente em razão da relutância dos Juizados da Mulher em não assumir a sua competência cível.

As medidas protetivas têm natureza jurídica cível sui generis no sentido de constituírem ora ordens mandamentais satisfativas, ora inibitórias e reintegratórias (preventivas), ora antecipatórias, ora executivas, todas de proteção autônomas e independentes de outro processo, as quais visam proteger os bens jurídicos tutelados pela Lei Maria da Penha e não proteger eventual futuro ou simultâneo processo cível ou penal. Assim, as medidas protetivas se distinguem das medidas cautelares previstas no CPP e no CPC e com elas não se confundem. O deferimento das medidas protetivas não depende do interesse da vítima na persecução penal e, uma vez deferidas as medidas, a manutenção de sua vigência, embora transitória, não depende da propositura de eventual ação cível ou penal. As medidas protetivas têm demonstrado que se afiguram eficazes em termos penais de prevenção especial, ao diminuir a probabilidade de reincidência do agressor destinatário da medida e contribuir para a interrupção do ciclo da violência de gênero, trazendo alívio e segurança à vítima. Ademais, a desobediência das medidas protetivas configura ilícito penal que pode ensejar a decretação da prisão preventiva.


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Notas

[1] Vale frisar que tais dados variam de pesquisa para pesquisa, muito embora seja uma constante que ao menos metade ou a maioria das vítimas se desinteressa pelo processamento criminal do ofensor. Em pesquisa de campo realizada na Comarca do Rio Grande-RS entre os dias 10 de junho e 1º de julho de 2009, por exemplo, a partir de um universo reduzido das vítimas de 35 audiências, cerca de metade delas não tinha a intenção de manter a representação criminal contra o ofensor, “haja vista acreditarem na mudança de comportamento do suposto agressor” (CELMER, 2010, p. 04). “(...) Em grande parte das agressões, as mulheres não querem a prisão do marido ou companheiro, mas apenas que a agressão não se repita” (MELLO, 2010a, p. 143).

[2] Exemplos de julgados do TJDFT manifestamente divergentes podem ser conferidos em Bechara (2010).

[3] “O problema não é a postura de certos homens, mas uma cultura que influencia toda a sociedade. Trata-se do patriarcado que consiste em uma forma de relacionamento, de comunicação entre os gêneros, caracterizada pela dominação do gênero feminino pelo masculino. O patriarcado indica o predomínio de valores masculinos, fundamentados em relações de poder. O poder se exerce através de complexos mecanismos de controle social que oprimem e marginalizam as mulheres. A dominação do gênero feminino pelo masculino costuma ser marcada (e garantida) pela violência física e/ou psíquica em uma situação na qual as mulheres (e as crianças) encontram-se na posição mais fraca, sendo desprovidas de meios de reação efetivos” (SABADELL, 2010, p. 274-275).

[4] “A violência doméstica não constitui uma patologia de certos indivíduos, grupos ou classes sociais (‘José é violento’; ‘os alcoólatras são violentos’; ‘os pobres são violentos’), tampouco se trata de um fenômeno aleatório. A violência doméstica, como indicam as pesquisas feministas, é um correlato da construção histórico-social das relações desiguais entre os gêneros. Constitui um meio sistematicamente empregado para controlar as mulheres mediante a intimidação e o castigo, mesmo se, no senso comum, prevalece a ideia de que a violência doméstica é algo isolado, que pode ser atribuído a patologias do homem ou do casal” (SABADELL, 2005, p. 07).

[5] Segundo definição da UNESCO (2002, p. 71), “gênero se refere às relações e diferenças sociais entre homens e mulheres que são aprendidas, variam amplamente nas sociedades e diferentes culturas, e mudam com o passar do tempo. O termo gênero não substitui o termo sexo, que se refere exclusivamente às diferenças biológicas entre homens e mulheres. Por exemplo, dados estatísticos são apresentados por sexo. O termo gênero é usado para analisar as funções, responsabilidades, obrigações e necessidades de homens e mulheres nas diferentes áreas e contextos sociais”.

[6] “Partindo desta constatação, o legislador federal trouxe interessante inovação no âmbito da tutela civil da proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar: a possibilidade de ela demandar as ‘medidas protetivas de urgência’ civis perante a própria autoridade policial, competente para receber a notitia criminis” (DIDIER JR. e OLIVEIRA, 2008).

[7] “Defendendo a função simbólica da pena não como uma retribuição, mas como uma reafirmação do Estado, conferir: RAMÍREZ, Juan J. Bustos; MALARÉE, Hernán Hormazábal. Nuevo sistema de derecho penal. Madrid: Trotta, 2004, p. 57-59” (MELLO, 2010a, p. 145, nota de rodapé nº 23).

[8] Ver Dias (1999, p. 129-136). Vale registrar a impressão de Luís Greco (2000, p. 331), segundo a qual Jakobs vem se libertando do ponto de vista sociológico em favor de uma filosofia do direito por ele mesmo formulada, daí que as referências a Luhmann se teriam se tornado mais escassas em alguns dos mais recentes trabalhos de Jakobs.

[9] A propósito, conquanto o tenha feito há mais de dez anos, Luís Greco pontua, em nota de rodapé, que “a teoria da prevenção geral positiva é hoje francamente majoritária, inclusive entre penalistas não adeptos do funcionalismo” (2000, p. 322).

[10] Para uma resenha completa das teorias da pena, ver Dias (1999, p. 87-136), Roxin (1998, p. 15-47) e Suxberger (2006, p. 107-120), de onde foram extraídos os apontamentos do presente artigo.

[11] Em pesquisa realizada pelo Instituto Avon (2011) junto à população sobre a Lei Maria da Penha, 94% dos entrevistados afirmou conhecer a Lei e 60% pensa que, caso o agressor seja denunciado, ele vai preso, o que não constitui uma percepção de todo equivocada da população, já que, realmente, cabe prisão em flagrante e prisão preventiva nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

[12] A assertiva é feita a partir da vivência prática diária nos Juizados contra a Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Distrito Federal, pois não se logrou identificar pesquisas que ofereçam dados empíricos acerca do índice de reincidência após o ofensor ser intimado dos mandados judiciais de medidas protetivas.

[13] “Como dito, a maior parte dos processos é arquivada ou suspensa logo de início. Analisando-se a situação dos processos no momento da pesquisa, vê-se que 80% deles se encontram nessas duas situações. É muito pequeno o número de casos que chegam a gerar um processo criminal (apenas 11% do total, entre arquivados e em curso)” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 09).

[14] “Como há instauração de poucos processos criminais, quase não há registro de sentença condenatória. A maior parte das sentenças (60%) é pelo arquivamento por desistência de representação de parte da vítima (a “retratação” da vítima), e 15% extinguem o processo por outros motivos (em geral, prazos vencidos ou insuficiência de provas)” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 09-10).

[15] A quase totalidade dos casos que tramitam nos Juizados de Violência contra a Mulher (na ordem de mais de 90%) diz respeito a lesão corporal, injúria, ameaça e vias de fato (OLIVEIRA et al., 2009, p. 03).

[16] Note-se que há ainda a vedação pela substituição por cestas básicas, multa e outras formas de prestação pecuniária, conforme art. 17 da Lei 11.340/06.

[17] “A previsão de um juizado com competência tão ampla reforça a ideia central da Lei de proteção integral à mulher vítima de violência, facilitando seu acesso à justiça e permitindo que o mesmo julgador tome ciência de todas as questões envolvendo o conflito, como a ação penal, a separação de corpos, a fixação de alimentos etc. Para garantir efetividade à Lei, no âmbito da solução judicial dos conflitos, é preciso afastar a tradicional visão fracionada do direito que divide e limita competências. No mesmo processo torna-se viável punir o agressor, na órbita criminal, tomando-se medidas de natureza civil” (DIAS, 2010, p. 178). Ver Corrêa e Campos (2009, p. 359-361).

[18] Sobre a preocupação com a deturpação do sentido originário do projeto que resultou na Lei Maria da Penha, em detrimento da extensa e promissora parte extrapenal da Lei, conferir Castilho (2007), Bezerra (2007), Suxberger (2007) e Mello (2010b, p. 939).

[19] Um dos fatores responsáveis por essa deturpação é a circunstância de os juizados de violência contra a mulher não terem ainda sido estruturados tal como determinou o art. 33 da Lei 11.340/06, de modo que a competência cível e criminal de tais Juizados continua sendo cumulada com a dos Juizados Especiais Criminais preexistentes, os quais, por sua vez, regem-se por princípios e objetivos com os quais a Lei Maria da Penha buscou romper.

[20] Apesar da superveniência da Emenda Constitucional 66/2010, a separação de corpos continua – ao que tudo indica – a ter relevância e se distinguir do simples afastamento do lar, seja do ofensor ou da ofendida. Nesse sentido, vale conferir a modalidade de usucapião especial urbana, por abandono do lar, instituída pelo novel art. 1.240-A do CC/2002, na redação dada pela Lei 12.424/2011.

[21] O termo stalking é considerado crime por algumas leis norte-americanas e consiste em múltiplas formas de perseguição e assédio contra a vítima, causando-lhe principalmente violência psicológica e moral, diante de comportamentos do ofensor como presença nos locais de trabalho e residência da vítima, insistência em ligações telefônicas, envio de presentes, envio reiterado de mensagens pela Internet, vigilância constante dos passos da vítima, invasão da vida privada e intimidade da vítima etc. Como os danos emocionais, psicológicos e à honra e reputação da vítima são enormes, se ela não for devidamente amparada com medidas judiciais, acaba tendo que mudar sua vida e rotina, trocando telefone, residência e trabalho, tudo para se ver livre do agressor e evitar consequências mais graves, tais como um homicídio.

[22] Apesar da adoção da linha de entendimento de que as medidas protetivas são institutos de caráter sui generis e não cautelar, mais à frente da exposição, Corrêa e Campos (2009, p. 392) aparentemente se contradizem ao falarem que as medidas protetivas devem durar enquanto perdurar a instrução e julgamento do processo criminal, ou seja, dão a entender que elas funcionariam, na prática, como medidas cautelares de eventual processo penal, conclusão que o presente artigo refuta.

[23] “Partindo da premissa de que são medidas provisionais – e, pois, cíveis – e de que o art. 13 admite a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil naquilo que não for incompatível com a lei específica, deve-se aplicar aqui o sistema recursal do CPC. Desse modo, contra a decisão interlocutória que defere ou indefere a medida protetiva, caberá o recurso de agravo de instrumento; contra a decisão final caberá apelação. Esses recursos deverão ter o seu mérito apreciado pelo órgão fracionário do tribunal com competência para a apreciação das causas cíveis. (...) Do mesmo modo, nada impede que o tribunal, através do seu regimento interno, atribua a competência recursal a uma Câmara ou Turma criminal, a despeito da natureza civil da matéria” (DIDIER JR e OLIVEIRA, 2008).

[24] Embora ainda não haja pesquisas empíricas, vale lembrar que o cumprimento gradativo dos arts. 27 e 28 da Lei Maria da Penha (que tratam da assistência judiciária da mulher) indica que haverá, com o tempo, diminuição das elevadas estatísticas atuais de desistência do processamento criminal do agressor, isto é, a mulher-vítima acompanhada e assistida por advogado passa a se sentir mais empoderada, amparada e segura, ficando mais propensa a seguir com o processo criminal.


Abstract: The article intends to focus on the civil restraining orders (civil protective orders) of the Law 11.340/06 (Maria da Penha Law) from an interdisciplinary view in the plans dogmatic, criminological and of criminal policy in order that some of the problems arising from the advent of restraining orders be elucidated. The research revealed that the restraining orders mechanisms are sui generis, whose legal nature distinguishes itself from civil and criminal precautionary actions. Such orders are the result of the legislative option by a non-punitive criminal policy and have relationship with the explanatory paradigm of gender violence against women established by the Maria da Penha Law. The penal intervention, on the other hand, also has a synergic role in the mission of protecting woman-victim.

Keywords: Maria da Penha Law – civil restraining orders (civil protective orders) – non-punitive criminal policy – paradigm of gender – legal nature – precautionary actions – penal intervention.

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Sobre o autor
Amom Albernaz Pires

Promotor de Justiça Adjunto no MPDFT. Pós-graduado em Ciências Penais pela FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Amom Albernaz. A opção legislativa pela política criminal extrapenal e a natureza jurídica das medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3533, 4 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23868. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado na Revista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Brasília, v. 1, n. 5, p. 121-168, 2011

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