Nenhuma obra é melhor que seu projeto. Essa frase não foi proferida por um engenheiro de projetos, mas sim por um construtor. Ela sintetiza a importância do projeto para a qualidade e a durabilidade de uma obra, pública ou privada. Nesse sentido, essa constatação se soma a outras, proferidas pela então ministra-Chefe da Casa Civil e atual presidente da República, Dilma Rousseff, sobre a importância do projeto para o desenvolvimento da infraestrutura brasileira, com qualidade, nos prazos e preços adequados, visando a beneficiar as atuais e futuras gerações de brasileiros. Um detalhe, essencial, complementaria esse raciocínio: o calcanhar-de-aquiles para se ter bons projetos, no prazo adequado para a contratação e a execução de obras de infraestrutura, está no planejamento.
A dificuldade de adotar esse modelo básico de gestão no Brasil deve-se a diversas razões, mas principalmente ao abandono progressivo do planejamento como instrumento essencial da administração pública, especialmente desde o final do regime militar e aos anos de inflação elevadíssima e hiperinflação, que impossibilitavam qualquer planejamento mais consistente e para horizontes temporais mais dilatados. Se o uso do cachimbo tende a deixar a boca torta, as décadas de inflação elevada, que transformaram o planejamento público em peças de ficção, deixaram como sequela o abandono da cultura do planejamento. De meados dos anos 1980 para cá, a meta real, nunca explicitada nas peças orçamentárias e planejamentos plurianuais, mas constatada pela sociedade, por óbvios motivos, é a da gestão em curso e, em especial, dos últimos dois anos dos mandatos, visando à próxima eleição. Nenhum país desenvolvido atingiu esse status sem que o planejamento governamental envolvesse as próximas duas décadas, pelo menos.
Os projetos de arquitetura e engenharia, base para todo e qualquer empreendimento público e privado, assim, também deixaram de ter no Brasil o necessário planejamento prévio. As obras de infraestrutura nas mais diversas e fundamentais áreas passaram a sofrer com os gargalos da falta de projeto e, pior ainda, de projetos contratados pelo menor preço – e não pela recomendada melhor técnica – e muitas vezes sem o prazo necessário ao desenvolvimento de estudos e ensaios essenciais ao seu bom embasamento. A somatória desses defeitos – projetos contratados pelo menor preço e, frequentemente, sem a melhor técnica e sem o prazo adequado para sua realização – resultou no travamento progressivo de programas como o PAC e nas obras de infraestrutura em geral, em especial aquelas destinadas aos megaeventos, como Copa 2014 e Olimpíada 2016. A saída encontrada pelo governo para driblar o problema foi recorrer ao RDC (Regime Diferenciado de Contratações), inicialmente para as obras da Copa 2014 e Jogos Olímpicos 2016, que vem sendo progressivamente ampliado para outras áreas, sob a justificativa de agilização das obras de infraestrutura, a fim de driblar as “restrições da Lei de Licitações, a 8.666/93”. O fundo do poço e ícone dessa política foi a rodada de licitações realizadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em 2008, na qual os projetos básicos destinados à licitação de obras em 30 mil km de rodovias foram cancelados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), devido a falhas técnicas. E, neste caso específico, o órgão passou a contratar os projetos utilizando o RDC por leilões eletrônicos. É uma sequência de equívocos. Por um lado, não se consegue enxergar que a má qualidade dos projetos de infraestrutura está lastreada na má contratação: são termos de referência mal-elaborados e incompletos, dimensionamento das equipes desconectado da realidade e valores referenciais desalinhados com os valores de mercado. Por outro lado, é aplicada a política da pressa e da compra pelo menor preço, prejudicando ainda mais os profissionais e as empresas. Faz parte da recuperação da qualidade do projeto a modernização das empresas e atualização e renovação das equipes que atuam nessa área. No entanto, após mais de 20 anos de crise da engenharia brasileira, com esfacelamento e descapitalização das empresas, essa recuperação só acontecerá pelo esforço de todos e se inicia pelo planejamento do estado e sua capacidade de melhor contratar. O RDC contém a modalidade de contratação por técnica e preço. Essa modalidade, porém, não está sendo utilizada, com a imensa maioria das licitações nessa modalidade ocorrendo apenas pelo critério de menor preço. A pergunta óbvia é: por que o governo não está utilizando a modalidade técnica e preço para contratar projetos de infraestrutura, que segundo estudos atingirão o montante de cerca de R$ 1,5 trilhão até 2016, mas aposta no menor preço como alternativa. Mais uma vez, o “barato” pode custar caro à sociedade brasileira, que afinal é quem paga a conta.
Evidentemente, interessa a todos que as obras de infraestrutura deslanchem, para desatar os nós que aumentam o chamado “Custo Brasil” e impedem a elevação do nível de qualidade dos serviços essenciais à população e da competitividade brasileira no cenário mundial.
Para isso, porém, é imprescindível que o governo, as entidades nacionais ligadas à arquitetura, à engenharia, à construção e demais representantes da sociedade civil organizada iniciem uma discussão séria e aprofundada para atualizar a legislação que rege as licitações do Brasil, tendo em vista a atual conjuntura político-econômica do país. Afinal, se o Brasil conseguiu, com o Plano Real, uma relativa estabilidade econômica, com índices anuais de inflação, de balanços da conta-corrente, de nível de emprego, entre outros, bastante satisfatórios, este é o momento ideal para pensarmos o país que queremos para 2022 e, principalmente, para 2042. Para isso, algumas questões são urgentes, a saber: 1) iniciar, sob a iniciativa do governo federal, a discussão de uma nova Lei de Licitações que consolide, a partir das leis existentes, os princípios universais de defesa das boas práticas da arquitetura e da engenharia; 2) estabelecer um planejamento consistente e rigoroso, visando o longo prazo, que possibilite a execução de forma eficiente das obras de infraestrutura das quais o Brasil tanto necessita; 3) que o governo não abdique do direito de utilizar as melhores práticas da arquitetura e da engenharia nos projetos de infraestrutura.
Essas não são metas facilmente alcançáveis, mas são absolutamente fundamentais para conquistarmos o status de nação desenvolvida, não apenas economicamente, mas também social e ambientalmente.